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Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 9-18, jun. de 2009
Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
Textos em contexto
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Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 9-18, jun. de 2009
Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
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Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 9-18, jun. de 2009
Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
Resumo: Para refletir sobre o pensamento comunicacional, 
deve-se lutar contra o sincretismo teórico e entender como fo-
ram construídas as grandes linhas de reflexão sobre a comuni-
cação. Defende-se aqui a hipótese de que existe um pensamento 
comum não só entre os teóricos, mas também entre os que pra-
ticam a comunicação. Neste artigo, enumeram-se as principais 
correntes do pensamento comunicacional: a teoria funcionalis-
ta, a corrente cibernética e a teoria estrutural. Além disso, discor-
re-se sobre as questões fundamentais do pensamento comunica-
cional na contemporaneidade e apontam-se seus desafios.
Palavras-chave: pensamento comunicacional, correntes do 
pensamento comunicacional, desafios da comunicação.
El pensamiento de la comunicación en la contemporaneidad 
Resumen: Para reflexionar sobre la comunicación se hace ne-
cesario luchar contra el sincretismo teórico y buscar entender 
como se construyeron las grandes líneas teóricas sobre la co-
municación. Este artículo defiende la hipótesis de que existe 
un pensamiento común no solo entre los teóricos como en-
tre los que actúan con la comunicación. Este trabajo enumera 
las principales corrientes de las teorías de la comunicación: la 
funcionalista, la cibernética y la estructural. Discurre, además, 
sobre cuestiones fundamentales del pensamiento de la comu-
nicación en la contemporaneidad y apunta sus desafíos.
Palabras clave: pensamiento de la comunicación, corrientes te-
óricas de la comunicación, desafíos de la comunicación.
The communicational thought nowadays
Abstract: In order to reflect on the communicational thought, one 
has to struggle against the theoretical syncretism and understand 
how the main lines of reflection have been built. The hypothesis 
here is that there is a common thought not only among theoreti-
cians but also among those who practice communication. In this 
article, the main trends of communicational thought are enumera-
ted: the functionalist theory, the cybernetic theory and the structural 
theory. Besides, this paper deals with the fundamental questions of 
the communicational thought nowadays and shows its challenges. 
Key words: communicational thought, theoretical trends of com-
munication, practical and theoretical challenges of communication.
O pensamento comunicacional 
na contemporaneidade* 
Bernard Miège
m 1��5, eu escrevi o livro O pensa-
mento comunicacional, que foi tradu-
zido para vários idiomas e, recentemente, para 
o chinês. Eu não estou aqui para fazer a pro-
moção do livro, mas para mostrar seu conte-
údo atualizado. Por que eu escrevi esse livro, 
então, há quatorze anos, se não era a minha 
especialidade central? Tendo alguns alunos 
da graduação e, depois, também, orientandos 
do Doutorado, pude perceber que esse tema 
que desenvolvi tem um grande valor. 
Os estudantes de comunicação têm uma 
formação teórica que é, às vezes, inconciliá-
vel. A comunicação é uma disciplina recente 
e é importante que os alunos consigam per-
ceber os vários caminhos que ela desenvolve. 
A primeira razão, então, seria lutar contra o 
sincretismo teórico. A segunda seria perceber 
que os estudantes de comunicação sabem 
que esses são assuntos apaixonantes, mas não 
possuem um aprofundamento histórico.
Os estudantes de comunicação, portan-
to, de certa maneira, projetam-se ao futuro 
e não se dedicam a entender, historicamen-
te, as questões que possam interessar. Isso 
Doutor em Economia (Université Paris) e 
em Humanidades (Université Bordeaux)
Professor catedrático da Université de Grenoble
E
* Este artigo é fruto da transcrição de uma palestra proferida 
por Bernard Miège na Faculdade Cásper Líbero em 22/04/200�. 
Tradução: Prof. Dr. Antonio Roberto Chiachiri Filho.
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Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
é uma insuficiência importante porque os 
estudos em comunicação remontam à me-
tade do século XX. Pode-se até dizer que 
foram nos anos de 1�30, nos Estados Uni-
dos, à ocasião das eleições americanas, que a 
comunicação emergiu. Justamente antes da 
eleição do presidente Roosevelt, os primei-
ros métodos foram utilizados. Antes disso, 
nos outros países, só existia a comunicação 
publicitária, que corresponde bastante ao 
que se é feito hoje. É importante, assim, ter 
uma visão mais clara dessa disciplina e saber 
por que ela existe. 
Por isso, a terceira razão, que se reporta ao 
título “pensamento” desta conferência, vem 
da hipótese de que a base a ser utilizada para 
reflexão é, de certa maneira, um pensamen-
to comum, um pensamento que emana não 
somente dos teóricos, mas também daqueles 
que praticam, isto é, das pessoas capazes de 
exercer uma influência na imprensa. Hipó-
tese, aliás, mais ou menos confirmada não 
somente na França, nem somente na Europa, 
mas em muitos outros lugares como China, 
África do Norte e, evidentemente, América 
do Norte e América Latina. Essa é a origem 
da minha empreitada. 
 
Correntes fundadoras do pensamento 
comunicacional 
A questão que me foi feita é: o que é fei-
to, hoje, do pensamento comunicacional? 
Esse pensamento vem da sucessão e da acu-
mulação de aportes sucessivos. Tudo o que 
contribuiu para formar esse pensamento 
comunicacional, desde a metade do século 
XX, continua a ser ativo ainda hoje. O pensa-
mento comunicacional, portanto, não é feito 
apenas de cibercultura ou do ciberespaço. A 
cibercultura é, sim, um prolongamento da-
quilo que já estava colocado. Conseqüente-
mente, o essencial, hoje, é constituído por 
três correntes fundadoras. Eu vou citar o que 
no livro está detalhado. 
1. Funcionalista-empirista da Mídia de 
Massa
Nos anos de 1�30 a 1�40, nos Estados 
Unidos em primeiro lugar e, depois, em ou-
tros países, o pensamento comunicacional 
teve início e tomou força nas mãos daqueles 
que o praticavam, sobretudo, sob três cor-
rentes teóricas. A primeira é a corrente fun-
cionalista-empirista da mídia de massa. Essa 
teoria nos é conhecida como a teoria dos cin-
co quês: quem, diz o quê, para quem, por que 
meio e com que efeitos. É uma teoria funcio-
nalista, inspirada na sociologia funcionalista 
que, por exemplo, foi utilizada por um pes-
quisador célebre, Lazarsfeld, em seu trabalho 
sobre comunicação e sociologia.
Essa teoria é ainda muito presente, mes-
mo se não enunciada, nas escolas de jorna-
lismo e no meio jornalístico. Eu ficaria sur-
preso se não encontrasse, aqui, na formação 
de jornalismo, traços da corrente funciona-
lista-empirista. Foi ela que deu sustentação 
a anos de formação dos estudantes de co-
municação por meio da idéia de que a mí-
dia tem uma função na sociedade – além da 
idéia de que a mídia tem esse efeito de influ-
ência junto a diversas populações e de que a 
gente pode, de qualquer maneira, identificar 
essa influência. 
A teoria funcionalista se aperfeiçoou ou 
tentou responder às críticas a ela dirigidas. 
Por exemplo, em vez de procurar quais foram 
os efeitos da mídia, em 1��3, os pesquisado-
res inverteram essa questão. Eles quiseram 
saber o que as pessoas fazem com a mídia e 
A base a ser utilizada 
para reflexão é um 
pensamento comum, 
que emana não somen-
te dos teóricos, mas 
também de quem exerce 
influência na imprensa
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Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
não o que a mídia fazcom as pessoas. Esse 
tipo de ligação em que a mídia tem uma re-
lação de exterioridade aos grupos sociais, in-
clusive, continua, ainda, muito presente hoje. 
As pesquisas quantitativas têm uma relação 
estreita com essa teoria. 
2. Cibernética
A segunda corrente teórica, que é bem 
ativa, é a cibernética, à qual estão ligados au-
tores como Norbert Wiener, Shannon e We-
aver. Na realidade, esse autores são ou mate-
máticos ou cientistas que, após a II Guerra 
Mundial, se propuseram a modalizar essa 
relação com a comunicação. Na verdade, eles 
decidiram colocar a comunicação no centro 
das relações da sociedade. Uma parcela do 
modelo emissor–receptor, de certa forma, 
fez-se graças a eles. 
Mas o que realmente é devido a eles é o 
aperfeiçoamento que fizeram desse modelo, 
ou seja, as existências de canais entre o emis-
sor e o receptor, além do feedback, efeito de 
retroação. Nós poderíamos falar mais sobre 
a cibernética – por exemplo, sobre a relação 
homem e máquina. Tudo isso remonta aos 
modelos que citei. 
3. Antropologia estrutural
A terceira corrente, bastante influente no 
pensamento comunicacional, é a antropologia 
estrutural, particularmente em decorrência 
do que Lévi Strauss – meu compatriota, que 
tem mais de cem anos – propôs como sendo 
a teoria estrutural, em que a comunicação é 
central. Dá-se, assim, a comunicação entre as 
pessoas, a comunicação dos bens econômicos 
e a comunicação das mulheres, isto é, das tro-
cas familiares. Dessa teoria estrutural saíram 
diversas teorias lingüísticas. Os teóricos da 
lingüística, inclusive, são os terceiros maiores 
fundadores dessa comunicação. 
3.1 Duas pragmáticas
Se estamos aqui hoje é devido a essas 
três correntes, que estão longe de ser pe-
ças de museu – aliás, tenho muito respeito 
por peças de museu. A partir dos nos 1��0 
e, principalmente, dos anos 1��0, outras te-
orias foram formuladas e inspiraram o tra-
balho de autores, pensadores e pesquisadores 
da comunicação. 
Em primeiro lugar, eu citaria os dois tipos 
de pragmáticas que trazem a idéia funda-
mental de que a comunicação não se limita à 
linguagem, mas a todas as nossas expressões 
corporais. Elas defendem, portanto, que nós 
não podemos não nos comunicar, isto é, a 
não-comunicação não existe, seja da forma 
como estamos aqui, em comunicação direta, 
ou quando nos relacionamos à distância. Os 
autores pragmáticos chamavam esse modelo 
de modelo orquestral da comunicação. 
Temos, então, a outra pragmática: a da 
semiótica ou semiopragmática. As primei-
ras observações vêm de alguns autores ame-
ricanos. Depois, todas as posições vêm dos 
sociólogos, sobretudo daqueles que traba-
lham com a interação social das micro-so-
ciedades. Só citarei o Golfmann, com a et-
nometodologia, dentre todos os sociólogos 
que posicionaram a comunicação na cons-
trução das ligações sociais. 
3.2 Economia política de comunicação
O terceiro tipo de relação dos anos 1��0 
é representado pela economia política de co-
municação. Até mais ou menos 1��0, as re-
flexões econômicas estavam completamente 
fora das reflexões da comunicação. Naquele 
período, houve um acontecimento impor-
tante: a reunião da Organização Mundial da 
Ciência e da Cultura, na Unesco. Nela, a Co-
missão, presidida por um diplomata irlan-
dês, identificou, pela primeira vez, as relações 
econômicas com as relações de comunicação 
– relação em nível mundial. 
Foi isso que impulsionou os trabalhos, nas 
indústrias culturais, sobre a concentração das 
mídias, sobre a desigualdade das trocas nas 
relações entre os países e, sobretudo, sobre a 
dominação que as grandes empresas exercem 
sobre a mídia (foi essa comunicação que viu, 
pela primeira vez, que a informação não se li-
mitava apenas à informação da imprensa).
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4. Recepção dos programas e de conteúdo
Outro tipo de informação, portanto, co-
meçava a ter importância no mundo todo. 
Essa Comissão anunciou um desenvolvimen-
to tecnológico antes desconhecido. A quarta 
corrente que se desenvolveu nesse período 
foi a recepção dos programas e de conteúdo. 
A origem dessa corrente é múltipla: estudos 
literários, trabalhos na sociologia etc. A idéia, 
a partir dela, é ver o que o público vai fazer 
com esse conteúdo que recebeu. 
5. Sociologia da técnica e da mediação
A última corrente é a da sociologia da 
técnica e da mediação. A partir do início dos 
anos 1��0, desenvolve-se a relação face a face 
com a televisão ou com o telefone de base. 
Novos produtos foram anunciados e a ques-
tão era saber o que o indivíduo comum iria 
fazer com o que estava recebendo. Uma série 
de trabalhos começou a ser publicada com 
posições teóricas divergentes e esses traba-
lhos são, até hoje, de grande atualidade.
É preciso, então, prestar atenção em um 
elemento importante. É a partir daí que 
uma formação acadêmica, com essas meto-
dologias científicas, começa a tomar corpo 
– em primeiro lugar, nos países mais ricos 
e, depois, quase em todo o planeta. A maior 
parte dessas ofertas universitárias se apoia-
va nas ciências humanas e sociais, raramen-
te nas ciências da informática, física ou ma-
temática. Com a chegada dessa formação 
universitária, os trabalhos de pesquisa se 
desenvolveram, sem dúvida alguma, em ca-
minhos diferentes. 
Mas, finalmente, essa multiplicidade de 
trabalhos acadêmicos teve uma vantagem: 
com a visão geral sobre a informação e a co-
municação, as teorias que gostavam de tratar 
todos os problemas sob um único ponto de 
vista perderam as suas influências. Há uma 
visão desses pesquisadores sociais que nos 
anunciam a comunicação do amanhã. Hoje, 
o conjunto desses trabalhos é bastante diver-
sificado, o que me parece outra vantagem, sa-
bendo que, em algumas universidades, certos 
temas são privilegiados e têm outros pontos 
de vista. Penso que os trabalhos empíricos e 
de corpus, os trabalhos que trazem aspectos 
parciais, são preferíveis às visões globais. 
 
Informação e comunicação
Quais são as questões que podem ser 
consideradas, hoje, as mais importantes so-
bre informação e comunicação? O que digo 
por “questão”? São propostas teóricas, aná-
lises científicas, mesmo as expertises, decla-
rações públicas e o que podemos chamar de 
pré-noção. E por que, então, eu falo da infor-
mação–comunicação? Eu poderia continuar 
falando da comunicação geral, mas eu penso 
que a comunicação tem uma relação com a 
informação. Ela não se funde, mas faz parte 
da informação. 
Desde há muito tempo, a informação que 
não é comunicada, que não tem canais de di-
fusão, é a informação que não tem sentido. 
Informação não é a mesma coisa que conhe-
cimento. A informação é resultado de uma 
produção visando a um público. Ela sabe 
desse público potencial e isso é verdadeiro 
para todas as mídias. Eu tenho essa tendên-
cia de articular informação e comunicação 
não por meio de um hífen, mas por um tra-
ço. Isso pode parecer um detalhe, mas não é. 
Não existe uma fusão entre um e outro, mas 
há uma relação. Quais são, então, essas ques-
tões maiores da informação e da comunica-
ção? Vou apresentar quatro questões.
1. Importância do paradigma tecnológico
A primeira delas é a importância do pa-
radigma tecnológico, ou seja, a importância 
que a técnica apresenta na informação–co-
municação atual. Nós estamos em um mo-
mento em que as técnicas da informação–
comunicação não merecem ser qualificadas 
como novas, pois estão presentes em grande 
parte da atividade da nossa vida privada, da 
vida pública, do espaço público e da vida 
profissional com uma maturidade, mesmo 
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se aindanão for praticada pela grande parte 
da população. 
Além disso, essas técnicas estão em siner-
gia umas com as outras como – por exemplo, 
as que estão nas redes de comunicação téc-
nica e se apóiam em muitas das ferramentas 
que utilizamos hoje: o computador, o telefo-
ne celular, todos os instrumentos de tomada 
de som. O conteúdo rede-ferramenta-conte-
údo representa as três categorias de técnicas 
que hoje são acessíveis.
Com elas, criam-se novas mídias que 
não substituem as mídias que já conhece-
mos, mas que têm seus lugares e funções. 
O SMS, por exemplo, não é outra coisa que 
não um meio de comunicação. Quando eu 
utilizo um computador para digitar meu 
texto, isso não tem nada a ver com uma mí-
dia. Essas técnicas de comunicação e infor-
mação tornam-se, de certa forma, maduras 
e oferecem-nos numerosas potencialidades, 
apesar de estarmos longe de utilizá-las to-
das. Particularmente, quando olhamos um 
site, incluindo a web 2.0, a criatividade é 
fraca, limitando-se a um texto escrito acom-
panhado de imagens. Podemos dizer que é 
uma mídia integrada, como é, por exemplo, 
a história em quadrinhos. Há muita coisa 
para se fazer ainda, do ponto de vista da es-
crita dentro das mídias e do ponto de vista 
da interatividade. 
2. Em que a comunicação–informação 
consiste
Em segundo lugar, entre as questões 
maiores que se colocam em relação à comu-
nicação–informação, sabe-se sempre mais e 
mais no que ela consiste. A comunicação–in-
formação – insisto neste ponto – não come-
çou com as novas técnicas da informação e 
da comunicação. A comunicação–informa-
ção é bem anterior, por exemplo, às estra-
tégias de relações públicas nas empresas e à 
utilização da comunicação para desenvolver 
a educação à distância. No entanto, a infor-
mação–comunicação utiliza, atualmente, as 
técnicas de informação. Ela tem sua dinâ-
mica própria, mas essa dinâmica é reforçada 
pelo desenvolvimento das técnicas.
Hoje, em vários países, tanto nos mais 
desenvolvidos como no meu (que é um país 
em declínio), em quase todos os campos so-
ciais do consumo individual, da administra-
ção das grandes empresas, da vida política, 
da gestão do espaço público, em tudo isso, 
que já é bastante coisa, ações comunicacio-
nais são colocadas. Não são ações limitadas e 
minoritárias, como eram há trinta anos. São 
ações que requerem um know-how dos pro-
fissionais de comunicação. 
3. O espaço reduzido para a comunicação 
alternativa
Isso mudou enormemente as coisas nas 
mediações sociais. A informação–comuni-
cação não é mais uma prática dentre outras. 
Ela é transversal a todos os campos sociais. E 
uma das conseqüências disso que acabei de 
dizer, é preciso tomar consciência, é que ela 
deixa espaços, infelizmente reduzidos, à co-
municação alternativa. 
As técnicas conhecidas hoje oferecem 
possibilidades muito mais interessantes que 
a comunicação de massa de trinta anos atrás 
– até mesmo a comunicação jornalística, na 
Europa, que tinha um panorama completo 
da imprensa. Incontestavelmente, as técnicas 
que conhecemos são mais interativas, elas 
podem ser manuseadas por grande parte da 
população, tendo um saber profissional es-
pecífico. Tudo isso é verdade. É a razão pela 
É preciso tomar 
consciência de que 
a informação-
comunicação deixa 
espaços – infelizmente 
reduzidos – à comuni-
cação alternativa
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Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
qual grandes grupos sociais advêm dessas 
técnicas de informação e de comunicação. 
Isso pode ser verificado, mas o problema 
é que as grandes organizações, ao mesmo 
tempo – partidos políticos, empresas, as au-
toridades públicas –, têm as mesmas possibi-
lidades, e elas também as utilizam. A questão 
é qual espaço elas deixam às formas alterna-
tivas de comunicação – o que hoje é mono-
polizado pelas grandes organizações.
4. Transnacionalização
A quarta questão é a transnacionalização 
das atividades comunicacionais. Já há alguns 
anos, a informação, a cultura e a comunicação 
circulam, têm trocas, e tornaram-se produtos 
que difundem as grandes empresas. Isso só 
vai simplificar. Além disso, mesmo nos países 
governados por regimes autoritários, onde a 
população é controlada, as técnicas de infor-
mação–comunicação estão disponíveis e os 
controladores não podem impedir os jovens 
e os múltiplos utilizadores de se comunicar 
com o resto do mundo. Isso pode apresentar 
algum perigo, é claro, para as oposições polí-
ticas. O primeiro desafio, portanto, é assegu-
rar os recursos estáveis e diversificados para a 
produção dos conteúdos. 
 
Desafios da comunicação
Olhem a internet, os sites, particularmen-
te os sites da web 2.0. Cada vez mais, esses si-
tes são patrocinados pela publicidade. Nesse 
período de crise mundial em que vivemos, já 
foi anunciado que um dos sites mais impor-
tantes, o Google News, já sentiu uma baixa 
nos seus anúncios publicitários. Se o Google 
está nesse ponto, o que será dos sites menos 
poderosos? Eu tendo a pensar que o sistema 
fundado apenas no financiamento publicitá-
rio é frágil e preocupante porque talvez não 
deixe espaço para outros conteúdos nesse 
universo das mídias. 
Não falarei em detalhes a forma como 
todo esse sistema foi financiado – historica-
mente falando, de um lado pela publicidade 
e de outro, pelo consumidor. Entre os dois, 
fórmulas intermediárias foram aplicadas. Se 
não estivesse em questão o futuro das mídias, 
se, de uma certa maneira, os consumidores 
não devessem pagar pelo conteúdo, o siste-
ma teria problemas rapidamente.
O segundo desafio são as modalidades 
de organização. As mídias, de uma maneira 
ou de outra, em todos os países, conhecem 
as regulamentações. As novas mídias são, 
atualmente, pouco regulamentadas. Seria, 
inclusive, mais apropriado dizer que há uma 
enorme concorrência entre dois sistemas de 
regulamentação. De um lado, há os direitos 
autorais e o copyright, que tem mais de dois 
séculos de história, e cujo objetivo é remune-
rar os autores, os intérpretes, os profissionais 
da informação etc. – por meio, é claro, do pa-
gamento dos consumidores. Do outro lado, 
há a propriedade intelectual que foi, sobretu-
do, desenvolvida nas indústrias da informá-
tica, em que o consumidor não paga direta-
mente, mas somente indiretamente. Ela está 
associada, por exemplo, a todos os softwares 
que utilizamos. Nada é gratuito. Os conte-
údos não são nunca produzidos a partir do 
nada. Entre esses dois sistemas, há uma bata-
lha feroz. A propriedade intelectual, mesmo 
tendo a liberdade e o direito de comunicar 
para fazer avançar os peões, convive com a 
dúvida colocada no período atual, que con-
tinuará presente daqui a dez anos: qual mo-
delo de regulamentação vai imperar? 
O terceiro desafio é a questão da criativi-
dade, da inovação. Eu já disse que o multimí-
Juntar possibilida-
des de comunicação 
alternativa às grandes 
instâncias da comu-
nicação é a única 
estratégia na qual 
podemos pensar
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Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
dia é algo pouco criativo. Essa criatividade se 
exerce, sobretudo nas relações, na interativi-
dade, na maneira na qual pedimos essas tro-
cas. Os conteúdos são pobres. Em todo caso, 
são bem menos do que se esperava. É preciso 
encontrar soluções, portanto, para garantir a 
criatividade, como outros experimentos que 
atuam hoje. 
O quarto desafio é limitar a hegemonia 
dos grupos que controlam os sistemas cultu-
rais e informacionais antigos e novos. Cada 
sistema é dominado por grandes empresas. 
O objetivo seria, então, que as expressões 
independentes pudessem existir por uma 
longa duração – o que não se limita somen-
te à situação da viabilidade.Como pano de 
fundo, o problema é político e societário. A 
animação parcial dos espaços públicos, que 
pode ser encontrada em todos os aspectos 
de nossas vidas, é um aspecto fundamental. 
Não podemos contar com as grandes empre-
sas para darem conta sozinhas desse espaço 
público. Para a comunicação alternativa, seu 
interesse não é nela mesma. Seu interesse é 
movimentar o espaço público. 
O quinto desafio é que, à medida que a 
produção da informação transborda, hoje, 
nos lugares legítimos, ela não é somente 
um efeito das indústrias jornalísticas. Nes-
se sentido, é preciso colocar em aplicação 
e definir normas deontológicas que se im-
ponham a toda a produção profissional e a 
conteúdos de informação. O problema não 
é confiar toda a informação aos profissio-
nais do jornalismo (hoje, isso é difícil, é 
fora de moda). O problema é que todas as 
novas mídias respeitam as normas deonto-
lógicas. As novas mídias podem ser as mí-
dias poderosas e aquelas menos poderosas. 
Essa questão foi colocada pelos profissio-
nais para o Google. 
O último desafio é a questão da diversida-
de informacional e cultural. Hoje, a relação 
cultural e informacional é muito assimétri-
ca. Tem países que são poderosos, outros que 
são menos. O objetivo é manter a diversida-
de – em particular, conservar, garantir esse 
aspecto particular dos produtos culturais 
informacionais, que não são mercadorias 
como as outras, mesmo que sejam vendidos. 
No caso de uma negociação mundial, os pa-
íses mais poderosos do planeta tentaram co-
locar todas as mercadorias no mesmo plano. 
Foi um desafio decisivo para a diversidade 
que continua a considerar os produtos cul-
turais como mercadorias diferentes. Não dá 
para negar que sejam mercadorias diferen-
tes. Aqui estão algumas questões que pude 
detalhar. Passemos às questões. 
Qual seria a solução para o problema da 
criatividade? A formação acadêmica, talvez?
Acredito que não exista apenas uma 
solução para o problema da criatividade. 
Uma, com certeza, é a formação acadêmica. 
Os professores devem estar contentes de me 
ouvir falar isso agora. Precisamos ter a idéia 
de que todos nós podemos manusear todas 
as ferramentas sem problemas. Não existe a 
história de práticas. Ter um som, pegar um 
som, montar um som, isso vem de longe. Ti-
rar fotografias também é uma prática antiga 
– o que coloca uma série de questões sobre 
a imagem. A formação, de uma certa ma-
neira, é indispensável. É uma resposta entre 
outras, mas é uma resposta importante ao 
déficit de criatividade. 
Qual seria a web 2.0 ideal, já que, neste 
momento, em sua visão, ela não está sendo 
adequada?
A web 2.0 não é uma iniciativa que vem 
de qualquer lugar, ela vem de uma base, algo 
que não teria relação com as indústrias cul-
turais atuais. A web 2.0 é uma nova indús-
tria cultural em formação. É uma indústria 
que força o colaborativo e o participativo. 
Possui uma maneira de fazer acordos com 
as indústrias culturais. Atrás dela, existem 
grandes pensadores, muitos deles ameri-
canos, como, por exemplo, o MIT, assim 
como interesses financeiros importantes. É 
uma industrial cultural em formação que 
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Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
aceita as propostas que vêm dos usuários. 
É isso que a faz passar por uma matriz, 
mas ela ainda está em fase de preparação. 
Para aqueles que investem nela, o objetivo 
é diminuir a contribuição desses autores e 
construtores. Pode-se dizer que isso é uma 
estratégia das grandes indústria culturais. 
Por exemplo, em matéria de música, já faz 
algum tempo que as cinco mídias mundiais 
negociam com os independentes ou com 
novos autores. Mas, com a web 2.0, essa es-
tratégia tornou-se central. 
Então, agora vou responder as ques-
tões da seguinte maneira. Eu diria que 
estamos em uma fase de um processo no 
qual não podemos só ficar visando pro-
messas, mas precisamos ver os objetivos e 
nos dar conta de que alguns sites já foram 
comprados, muito caros, por alguns gran-
des grupos. Não sei se é preciso reforçar 
a web 2.0, mas acredito que não se pode 
ter ilusão. Recusar, de maneira alguma. 
Isso cria possibilidade de conhecer outros 
criadores, dá possibilidade de troca, mas 
o objetivo não deve ser esquecido. Não dá 
para pensar em uma web 2.0 ideal, nem 
em uma web 3.0. A única estratégia na 
qual podemos pensar é nessa de juntar 
possibilidade de comunicação alternati-
va às grandes instâncias da comunicação, 
que estão passando dificuldades por cau-
sa da crise atual. 
No livro O pensamento Comunicacio-
nal, o pensador alemão Nicholas Luman 
aparece como o último nome entre os cha-
mados funcionalistas. Por que o senhor o 
coloca nesse grupo?
Confesso não ser um leitor freqüente e 
apaixonado de Luman. Sou mais interessa-
do no Habermas, que enfrentou o Luman 
nas revistas alemãs e em suas obras. É ver-
dade que não podemos classificá-lo como 
funcionalista, no seu sentido extremo, mas 
o seu pensamento me parece sistêmico. É, 
portanto, mais fechado e menos claro que o 
pensamento de Habermas, a quem também 
tenho muitas críticas a fazer – o que escrevi 
em uma obra que será lançada sobre o es-
paço público. 
Como o senhor descreveria as relações en-
tre a mídia de massa e a prática educacional?
É uma boa pergunta. Pode-se dizer que, 
há 40 anos, toda uma série de experimen-
tação foi lançada para integrar as mídias de 
massa e a educação. Pode-se dizer, também, 
que essas experimentações não vingaram. 
Portanto, eu julgo o que se passou na Fran-
ça, em que se evitou ligar as mídias de massa 
aos meios financeiros e ligou-se, sim, à edu-
cação. As coisas, no entanto, estão mudan-
do rapidamente. As TICs e as novas mídias, 
conseqüentemente, revelam-se mais plásti-
cos às práticas educacionais e às atividades 
do sistema de educação. Acredito que uma 
interação importante está acontecendo, que 
não se limita à educação à distância, mas que 
penetra em todas as atividades educativas. 
Não discuto muito o papel dos professores, 
a atividade direta, no caso. Mas não vai pre-
judicar essa relação direta, vai complementá-
la. O que não se conseguiu com a mídia de 
massa, tem chances, agora, de se realizar com 
as novas mídias. 
Como um olhar mais cuidadoso pelo 
pensamento complexo poderia contribuir 
para o pensamento comunicacional da con-
temporaneidade e para criatividade? 
Meu ponto de vista é que essa proximida-
de da complexidade é elemento chave para 
entender a informação e a comunicação 
– a complexidade e a interdisciplinaridade, 
como já apontei. Já indiquei, há muito tem-
po, que as posições generalistas não me in-
teressam e continuo a dizer que o que deve 
ser colocado na informação–comunicação 
são as problemáticas transversais e parciais. 
Transversais, como já disse, que atravessam 
diferentes campos sociais. Parciais porque é 
um erro querer ter um ponto de vista global 
sobre comunicação. A complexidade é mui-
to importante. 
1�
Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 9-18, jun. de 2009
Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
Em relação ao desafio da regulação, o se-
nhor coloca o embate entre direito autoral e 
propriedade intelectual, em que se incluem 
as licenças de software. Nessa disputas, 
aonde se colocam os novos conceitos de re-
formulação de domínio público, bem como 
as licenças creative commons?
A questão do embate da regulação. Sei que 
existe há algum tempo essa prática de livre 
licença, mas o licenciamento livre não é res-
posta ao que eu indiquei. Primeiro, porque 
as organizações que têm essa licença foram 
levadas a negociar com grandes sociedades 
de informática – sem dúvida, com essa que 
domina o mercado e outras que, certamente, 
são poderosas. Mas não é uma resposta, por-
queo problema não é somente financiar o 
software, isso é só um aspecto. É o conteúdo 
que resta financiar. É aí que eu digo que os 
militantes informáticos não vêem esse pro-
blema de conteúdo que supõe que os criado-
res possam viver de suas criações e ativida-
des. O direito da comunicação é claramente 
respeitável, mas existe de alguma forma o 
direito da informação e produção. 
Gostaria que o professor desse mais deta-
lhes sobre essa ligação indispensável entre a 
informação e a comunicação no pensamen-
to comunicacional contemporâneo. 
Eu estou consciente que apresentei esses 
problemas rapidamente. Eu diria que meu 
ponto de vista é o seguinte: a informação 
é o conteúdo cognitivo da comunicação. O 
que a gente encontra em um livro, numa re-
vista, em uma emissora de televisão, num 
filme, em todas essa mídias, tem modalida-
des de comunicação, mas os seus conteúdos 
cognitivos são a informação. Na produção 
da informação profissional, o problema é o 
mesmo. Quando eu disse que não era para 
confundir informação com conhecimento, 
de fato o conhecimento é aquilo que está 
disponível em uma comunidade científica. 
Ele não dá, necessariamente, lugar à produ-
ção de artigo, que é da formação científica. 
Mas o conhecimento, essas trocas entre os 
indivíduos, está disponível. Certos de que 
cada vez mais o conhecimento dá acesso à 
informação, estamos longe de transformar 
a informação em conhecimento. Vou to-
mar um outro exemplo: dados que são do 
conhecimento e só dependem do indivíduo 
não são informação, mas, às vezes, tornam-
se informação. Quando de um domínio de 
uma atividade industrial, a gente considera 
que uma série de engenheiros tem que se 
aposentar. Quando se aposentarem, isso vai 
se tornar um problema porque, sem eles, va-
mos perder conhecimentos que não foram 
publicados e que ninguém pode difundir. 
Nesse caso, somos obrigados a formalizar 
esses conhecimentos em informação. 
Quais questões passam a ser abrangidas 
pelo termo “tecnologias da informação e da 
comunicação”?
A expressão técnica da informação–co-
municação veio da engenharia. Pessoal-
mente, eu não sou o único que não utiliza 
tecnologia, mas técnica, porque “tecnolo-
gia” é uma falsa tradução da palavra ingle-
sa, uma péssima tradução. “Técnica” supõe 
que tenha uma incorporação em um su-
porte material. Por conseqüência, técnica 
da informação e da comunicação é, de al-
guma forma, a materialização de um certo 
número de modalidades que favorecem as 
trocas da informação e da comunicação. 
Algumas dessas técnicas são mais comu-
Certos de que cada 
vez mais o conheci-
mento dá acesso à 
informação, estamos 
longe de transformar 
a informação em 
conhecimento
1�
Líbero – São Paulo – v. 12, n. 23, p. 9-18, jun. de 2009
Bernard Miège – O pensamento comunicacional na contemporaneidade
nicacionais, outras mais informacionais. 
Mas vocês viram que essas técnicas se li-
gam umas com as outras. 
Qual sua opinião sobre o pensamento de 
Michel Maffesoli? Quais os pensadores da 
comunicação são os mais influentes na con-
temporaneidade?
Eu sei que o Maffesoli é um professor de 
sociologia e não um especialista da infor-
mação–comunicação. Ele é muito presente 
aqui no Brasil, mas não tem uma grande 
reputação na França. Numerosas práticas 
acadêmicas dele são problemáticas na Fran-
ça e ele é, de fato, muito contestado na co-
munidade acadêmica. Pode-se dizer que o 
Maffesoli é um representante da pós-mo-
dernidade que tem uma visão de algo que 
teve uma influência real na Europa nos anos 
1��0 e 1��0, mas não há certeza de que essa 
influência tenha o mesmo peso hoje. 
Vocês perguntam quais são os pensado-
res mais influentes do pensamento contem-
porâneo. Notei que vocês não perguntaram 
quem são os teóricos ou pesquisadores, mas 
os pensadores. Freqüentemente, tem-se a 
idéia de que, na França, existam pensadores. 
Eu diria que parece um progresso que hoje 
haja menos pensadores do que pesquisado-
res. Essa pode ser a minha resposta: a minha 
prioridade é a pesquisa. Existem filósofos 
com quem discuto e com quem até concor-
do, mas gosto da possibilidade de discutir. O 
Habermas é um filósofo político muito im-
portante pra mim. Não concordo com ele 
em muitas coisas, mas reconheço o que ele 
traz. Eu sou mais do que cético com relação 
a Pierre Lévy ou a Michel Maffesoli.

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