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UNIDADE I Direito penal (1 semestre)

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UNIDADE I
TEORIA GERAL
I- O DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
 O artigo 1º da nossa atual constituição, dispositivo mais importante, estabeleceu o Estado de Democrático de Direito, se contrapondo ao Estado de Direito (formal). Este assegura aos cidadãos a igualdade apenas formal, ou seja, não há intervenção efetiva do Poder Público no sentido de se impedir distorções sociais de ordem material. O Estado Formal de Direito se resume na expressão: todos são iguais perante a lei, pois a lei é igual para todos e nada mais.
O Estado de Direito caracteriza a expressão inócua de que todos estão submetidos ao império da lei, cujo conteúdo fica aberto, limitados apenas á impessoalidade e á não violação de garantias individuais mínimas.
Por outro lado, a norma penal num Estado Democrático de Direito não é somente aquela que formalmente descreve um fato como crime, pouco importando se ele ofende ou não o sentimento social de justiça; ao contrário, sob pena de colidir com a constituição, o tipo incriminador deverá obrigatoriamente relacionar, dentre todos os comportamentos humanos, somente aqueles que realmente possuem lesividade social. 
No campo penal, decorre do Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade humana ( art. 1º, III), ou seja, o Estado Democrático de Direito parte deste princípio orientando toda a formação do direito penal, e qualquer construção típica, cujo conteúdo contraria e afrontar tal princípio, será materialmente inconstitucional.
A dignidade humana orienta tão o legislador, no momento de criar um novo delito, como o operador do direito, no instante em que vai realizar a atividade de adequação típica. Crime não é apenas aquilo que o legislador diz ser (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode ser considerada materialmente criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. Será, portanto, inconstitucional a seguinte descrição típica: considera-se crime manifestar o pensamento. Isto porque fere a dignidade humana, não resistindo ao controle de compatibilidade vertical.
Da dignidade humana partem outros princípios que propiciam um controle de qualidade do tipo penal, isto é, sobre seu conteúdo, em inúmeras situações da vida concreta. São princípios constitucionais do direito penal, cuja função é estabelecer limites á liberdade de seleção típica do legislador, buscando, com isso, uma definição material de crime: Os princípios são os seguintes:
a) Insignificância ou bagatela- foi introduzido por Claus Roxin, em 1964. Significa que o direito penal não deve se preocupar com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. Vale dizer que a insignificância não é aplicada no plano abstrato.
→ Há reflexos na área tributária, já que a lei 9.579/97 disse que a Fazenda Pública não cobrará em juízo, na hipótese de crime de descaminho, os débitos tributários e a multa que não excederam a um determinado valor. O STJ já decidiu no sentido de se considerar fato atípico o descaminho naquelas circunstâncias.
→ De acordo com o art.20 da lei 10.522/02, as execuções fiscais da União de débitos iguais ou inferiores a R$ 2.500,00 serão arquivadas pela Procuradoria da fazenda nacional, sem cobrança, dada a insignificância do valor devido. Com isso o professor entende que referido montante passou a servir de parâmetro para se considerar atípica a sonegação fiscal de até R$ 2.500,00.
b) Alteridade (ou transcendentalidade) – proíbe a incriminação de atividade meramente interna, subjetiva do agente e que, por razão, revela-se incapaz de lesionar o bem jurídico. Ninguém pode ser punido por ter feito mal somente a si mesmo.
→ O delito do art.16 da lei 6.368/76 fere o principio da alteridade, já que o usuário de drogas faz mal a ele mesmo? A resposta é negativa. Isto porque a lei não proíbe o simples uso da droga. O que se proíbe é o porte para o uso (é a detenção da substancia entorpecente), o que gera um perigo social. Quer-se evitar a circulação da droga na sociedade. Sendo assim, existe transcendentalidade da conduta do art.16, o que fere o bem jurídico tutelado por aquela norma penal, que é a saúde pública.
c) Confiança – trata-se de requisito para a existência do fato típico, não devendo ser relegado ara o exame da culpabilidade. Funda-se na premissa de que todos devem esperar das outras pessoas que estas sejam responsáveis e ajam de acordo com as regras da sociedade, visando, evitar danos a terceiros. O médico deve confiar na enfermeira, e se esta entregou-lhe uma injeção contendo veneno, para aplicar no paciente, caso este faleça, o médico não responde, pois ministrou a droga impelido pela natural e esperada confiança depositada na funcionária. 
d) Adequação social – significa que todo comportamento, a despeito de ser criminoso, não afrontar o sentimento social de justiça (aquilo que a sociedade tem por justo), não pode ser considerado criminoso. Para tal teoria o direito penal somente tipifica condutas que tenham certe relevância social. Tal teoria é combatida pelo fato de o costume não revogar lei e porque não pode o juiz substituir-se ao legislador e dar revogada uma lei incriminadora em plena vigência, sob pena de afrontar a separação dos poderes e porque geraria insegurança e excesso de subjetividade.
e) Intervenção mínima – tem como característica a fragmentariedade do direito penal. Isto é, vivemos num gigantesco oceano de irrelevância (fatos atípicos), ponteados pro ilhas de tipicidade (fatos típicos), enquanto o crime é um náufrago à deriva, procurando uma porção de terra na qual possa se agarrar. Somente haverá direito penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um fato como crime; ao contrário, quando ela nada disser, não haverá espaço para a atuação criminal. Vale dizer, ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no vazio infinito da ausência de previsão e refoge à incidência punitiva.
→ Possui os seguintes destinatários: a) legislador- exige-se cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento; b) operador do direito – recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando notar que aquela pendência puder ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico. É o caso do empregado que cometeu pequeno furto. Ao invés de se instaurar uma ação criminal contra ele, percebe-se que o direito do trabalho seria a solução mais justa, razão pela qual a justa causa é a melhor solução. Esta é a subsidiaridade do direito penal, ou seja, ele só deve atuar quando os demais ramos do direito não forem capazes de resolver o conflito de forma eficaz.
f) Proporcionalidade – encontrada em diversas passagens da constituição (art.5º, XLVII, XLVI, XLIII e XLIV). Com a criação de um novo delito, impõe-se um ônus à sociedade, já que deverão se abster da prática do ato, sob pena de punição. Em contrapartida, há um benefício que compensa aquele ônus, que é a proteção do interesse tutelado pelo tipo incriminador. A proporcionalidade é a relação custo-benefício, e toda vez que o custo for maior o tipo será inconstitucional. A pena deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social, não se admitindo penas idênticas para crimes de lesividade distintas. Deste princípio decorre a necessidade de adequação, segundo as quais a incriminação só pode ocorrer quando a tipificação revelar-se idônea e adequada ao fim a que se destina, ou seja, à concreta r real proteção do bem jurídico.
g) Ofensividade (princípio do fato e da exclusiva proteção do bem jurídico) – não há crime quando a conduta não tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico, não se ocupando o direitopenal das intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou penar. Considera- se inconstitucional todos os chamados delitos de perigo abstrato, pois não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.
II – FONTES DO DIREITO PENAL 
1. CONCEITO E ESPÉCIES 
Fonte é o lugar de onde o direito provém, podendo ser das seguintes espécies: 
a) Material (de produção ou substancial) – refere-se ao órgão incumbido de sua elaboração. A União é a fonte de produção do direito penal no Brasil, nos exatos termos do art.22, I da CF. todavia, convém lembrar que o parágrafo único daquele dispositivo permite que a lei complementar federal autorize os estados a legislar sobre questões específicas das matérias tratadas naquele artigo, dentre elas o direito penal. Questão específica significa as matérias relacionadas na lei complementar que tenham interesse meramente local. Luiz Vicente Cernicchiaro observa que os Estados não podem legislar sobre matéria fundamental de direito penal (alterar dispositivos da parte geral, criar crime, ampliar causa extintiva de punibilidade etc.), só podendo legislar, portanto, nas lacunas da lei federal e, mesmo assim, em questões de interesse específico e local.
b) Formal (de cognação ou de conhecimento) – refere-se ao modo pelo qual o direito penal se exterioriza. A fonte formal pode ser imediata (é a lei) ou mediata (são os costumes e os princípios gerais de direto).
2. FONTE FORMAL IMEDIATA 
È a lei, que pode ser conceituada como a regra escrita feita pelo legislador com a finalidade de tornar expresso o comportamento considerado indesejável e perigoso pela coletividade. Ela possui o preceito primário, consistente na descrição da conduta, e o secundário, que impõe sanção. A lei se distingue da norma, que é uma regra proibitiva não escrita, que se extrai do espírito dos membros da sociedade (senso de justiça do povo). Sendo assim, podemos dizer que a lei é o veículo por meio do qual a norma aparece e torna cogente sua observância.
a lei, por imperativo do princípio da reserva legal, não é proibitiva, mas sim descritiva (técnica de descrever a conduta, associando-a a uma pena, preconizada por Karl Binding, criador do tipo penal, que é o modelo dentro do qual o legislador faz a descrição do comportamento considerado infração penal). Pode-se dizer, portanto, que enquanto a norma (sentimento popular não escrito) diz “não mate”, a lei opta pela técnica de descrever a conduta, associando-a a uma pena. Assim, quem mata alguém age contra a norma (“não matar”), mas exatamente de acordo com a descrição feita pela lei (“matar alguém”).
A lei penal pode ser classificada em duas espécies:
a) Leis incriminadoras – são as que descrevem crimes e cominam penas.
b) Leis não incriminadoras – não descrevem crimes, nem penas, podendo ser: 
→ Permissivas – tornam lícitas determinadas condutas tipificadas em lei incriminadoras (ex: legítima defesa).
→ Finais (complementares ou explicativas) – esclarecem o conteúdo de outras normas e delimitam o âmbito de sua explicação. È o caso da parte geral do código (à exceção dos que tratam das excludentes e iliticitude).
As normas penais possuem as seguintes características: 
a) Exclusividade – só elas definem crimes e cominam penas.
b) Anterioridade – somente incidem se já estavam em vigor na data do fato
c) Imperatividade – é obrigatória a sua observância
d) Generalidade – tem eficácia erga omnes, dirigindo-se a todos.
e) Impessoalidade – não é concebida para punir uma pessoa especificamente.
3. NORMAS PENAIS EM BRANCO 
As normas penais em branco (também chamados de cegas ou abertas) são aquela em que o preceito secundário (sanção) está completo, permanecendo indeterminado o seu conteúdo. Trata-se, portanto, de uma norma cuja descrição da conduta esta incompleta, necessitando de complementação, por outra disposição legal ou regulamentar.
As normas penais em branco podem ser:
Homogêneas (ou em sentido lato) – quando o seu complemento provém da mesma fonte formal, ou seja, a lei é complementada por outra lei. È o caso do art.237 do código penal, completado pela regra do art. 1.521 do código civil.
Heterogêneas (ou em sentido estrito) – o complemento provém de fonte formal diversa, ou seja, a lei é complementada por ato normativo infralegal (ex: portaria ou decreto). È o caso do crime tipificado no art.2º, VI da Lei 1.521/51, complementado pelas tabelas oficiais de preços; ou do art.12 da Lei 6.368/76, cujo complemento está na portaria 344/98 da ANVISA.
As normas penais em branco não ofendem o princípio da reserva legal, pois a estrutura básica do tipo esta prevista em lei. A determinação do conteúdo, em muitos casos, é feita pela doutrina e jurisprudência, não havendo maiores problemas em deixar que sua complementação seja feita por ato infralegal. O que importa é que sua descrição básica esteja prevista em lei.
Denomina-se norma penal em branco ao avesso aquele que, embora o preceito primário esteja completo, e o conteúdo perfeitamente delimitado, o preceito secundário fica cargo de uma norma complementar. Se o complemento, todavia, for um ato normativo infralegal, referida norma Serpa reputada inconstitucional, pois somente a lei pode cominar penas.
4. FONTES FORMAIS MEDIATAS
a) Costume – consiste no complexo de regras não escritas, consideradas juridicamente obrigatórias e seguidas de modo reiterado e uniforme pela coletividade. São obedecidas com tamanha frequência que acabam se tornando, praticamente, regras imperativas, ante a sincera convicção social da necessidade de sua observância (o costume difere-se do hábito porque neste não há convicção da obrigatoriedade jurídica). O costume contém um elemento objetivo (constância e uniformidade dos atos) e outro subjetivo (convicção da obrigatoriedade jurídica). O costume pode ser: 
→ “Contra legem” – é a inaplicabilidade da norma jurídica em face do desuso, ou seja, da inobservância constante e uniforme da lei. O costume contra lei na ao revoga* (no caso da contravenção do jogo do bicho, há uma corrente jurisprudencial que entende que o costume revogou a lei, pois o procedimento normal passou a ser o de jogar no bicho, o que fez desaparecer a norma proibitiva, e com ela, desapareceu o conteúdo da lei. Trata-se de posição minoritária)*, em facedo art. 2º da LICC.
→ “Secundum legem” – traça regras sobre a aplicação da lei penal.
→ “Praeter legem” – preenche as lacunas e especifica o conteúdo da norma.
b) Princípios gerais de direito – nos termos do art. 4º da LICC, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Trata-se de princípios que se fundam em premissas éticas extraídas do material legislativo.
Quanto à analogia, ela não é fonte formal mediata do direito penal, mas método pelo qual se aplica a fonte formal imediata, isto é, a lei caso semelhante. Sendo assim, de acordo com o art. 4º, na lacuna do sistema, aplica-se, em primeiro lugar, outra lei ( a do caso análogo), por meio da analogia; não existindo lei de caso parecido, recorre-se então às fontes formais mediatas (costumes e princípios gerais).
III- INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL E ANALOGIA
1. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL 
Interpretação é a atividade que consiste em extrair da norma penal seu exato alcance e real significado. A interpretação deve buscar a vontade da lei, desconsiderando a de quem a fez. A lei terminada independe de seu passado, importando apenas o que está contido em seus preceitos.
A interpretação pode ser:
Quanto ao sujeito que a elabora:
→ Autêntica (ou legislativa) – feita pelo órgão encarregado da elaboração do texto. Pode ser contextual (feita dentro do próprio texto interpretado, como no caso do art. 327) ou posterior (quando a lei interpretadora entra em vigor depois da interpretada). Vale dizer que a norma interpretativa tem efeito ex tunc, uma vez que apenas esclarece o sentido da lei.→ Doutrinária (ou cientifica) – feita pelos estudiosos e cultores do direito. Vale ressaltar que a exposição de motivos de uma lei é tida como interpretação doutrinária e não autentica, uma vez que não é lei.
→ Judicial – feita pelos órgãos jurisdicionais (não tem força obrigatória).
b) Quanto aos meios empregados:
→ Gramatical (literal ou sintática) – busca-se o sentido literal da palavra.
→ Lógica (ou teleológica) – busca-se a vontade da lei, atendendo-se aos seus fins e à sua posição dentro do ordenamento jurídico.
c) Quanto ao resultado:
→ Declarativa – há correspondência entre a palavra da lei e sua vontade
→ Restritiva – quando a letra da lei foi além da sua vontade, ou seja, a lei disse mais do que realmente queria, razão pela qual a interpretação vai restringir o seu significado
→ extensiva – a letra da lei ficou aquém da sua vontade (a lei disse menos do que queria e, por isso, a interpretação vai ampliar o seu significado).
Ainda quanto à interpretação, devemos analisar a questão relativa ao princípio do in dúbio pro reo. Para alguns ele só se aplica no campo da apreciação das provas, nunca para a interpretação da lei (como a interpretação vai buscar o exato sentido do texto, jamais restará dúvida de que possa ser feita a favor de alguém). Para outros, esgotada a atividade interpretativa sem que se tenha conseguido extrair o significado da norma, a solução será dar interpretação mais favorável ao acusado.
Convém ressaltar que denomina-se de interpretação progressiva (adaptativa ou evolutiva) aquela que, ao longo do tempo, vai adaptando-se às mudanças político-sociais e às necessidades do momento.
2. ANALOGIA 
2.1. Conceito, Natureza Jurídica e Fundamento
Consiste em aplicar a uma hipótese não regulada por lei disposição relativa a um caso semelhante. Na analogia, o fato não é regido por qualquer norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso análogo. Quanto à sua natureza jurídica, trata-se de forma de auto-integração da lei (não é fonte mediata do direito), possuindo o seguinte fundamento: ubi eadem ratio, ibi eadem jus (onde há razão, aplica-se o mesmo direito).
A analogia é também conhecida por integração analógica, suplemento analógico e aplicação analógica.
2.2. Distinções 
A analogia não se confunde com a interpretação extensiva, nem com a interpretação analógica. Vejamos:

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