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PSICOSSOMÁTICA: UM ESTUDO HISTÓRICO E EPISTEMOLÓGICO O termo psicossomático surgiu no século passado, por Heinroth, coma criação das expressões psicossomática (1918) e somatopsíquica (1928). O termo psicossomático pode se reportar tanto ao quesito da origem psicológica de determinadas doenças orgânicas, quanto às repercussões afetivas do estado de doença física no indivíduo, como até confundir-se com simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo. A psicossomática é um estudo das relações mente corpo com ênfase na explicação da patologia somática, uma proposta de assistência integral e uma transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais. Halliday propõe que a úlcera péptica, a artrite reumatoide, a hipertensão, o hipertireoidismo essencial e outras estariam inclusos nas doenças psicossomáticas. O fator etiológico proeminente nestas doenças é o fator psicológico. Alexander diz que, cada doença é psicossomática, uma vez que fatores emocionais influenciam todos os processos do corpo, através das vias nervosas humorais que os fenômenos somáticos e psicológicos ocorrem no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do mesmo processo. Evolução Histórica do Conceito Ao fazer referência a insônia e a influência das paixões na tuberculose, epilepsia e cancro, J. C. Heinroth, utiliza pela primeira vez, em 1818, o termo psicossomática. O termo psicossomática é retomado, influenciado pelo desenvolvimento da psicanálise e do modelo freudiano, iniciando, desta forma, sua estruturação. Para Mello Filho, a evolução da psicossomática ocorreu em fases. A primeira, denominada de fase inicial ou psicanalítica, sob a influência das teorias psicanalíticas, teve seu interesse voltado para os estudos da origem inconsciente das doenças, das teorias d regressão e dos ganhos secundários da doença. A segunda, também chamada de fase intermediária, influenciada pelo modelo Behaviorista, valorizou as pesquisas tanto em homens como em animais, deixando assim grande legado aos estudos do stress. A terceira fase, denominada de atual ou multidisciplinar, valorizou o social, a interação e interconexão entre os profissionais das várias áreas da saúde. Precursores Contribuições da Psicanálise Mesmo que Freud, em momento algum, tenha se preocupado em criar uma teoria psicossomática, ele é considerado um dos percussores mais influentes nesta área. Ao tentar articular o somático e o psíquico, Freud faz a distinção entre as psiconeuroses e as neuroses atuais, contribuindo sobremaneira a algumas teorias psicossomáticas. Para Freud, a questão da origem dos sintomas histéricos, não está em escolher entre a origem psíquica e a somática, uma vez que todo sintoma histérico requer a participação de ambos. Não pode ocorrer sem a presença de uma certa complacência somática fornecida por algum processo normal ou patológico no interior de um órgão do corpo ou com ele relacionado. Para Freud, é esta complacência somática que proporciona aos processos psíquicos inconscientes uma saída no corporal. Vemos que, os contributos da psicanálise para a teoria psicossomática são valiosos, uma vez que, qualquer que seja o momento de sua elaboração, a teoria psicossomática permanece estreitamente ligada a psicopatologia e mais especialmente à noção de psiconeurose, o que continua sendo a norma mesmo quando dela nos afastamos deliberadamente. Escola Psicossomática Americana Na América, o interesse pela psicossomática surge por volta dos anos 30, com Alexander e Dunbar da Escola de Chicago. Eles consideram que os transtornos psicossomáticos seriam consequência de estados de tensão crônica, relativa à expressão inadequada de determinadas vivências que seriam derivadas para o corpo. De acordo com a hipótese da especificidade, as diferentes doenças psicossomáticas corresponderiam diferentes fatores psicológicos, que para Dunbar seriam os tipos de personalidade e para Alexander os conflitos ou situações de vida significantes. A. Dias salienta que existe insuficiência epistemológica crucial no modelo de Alexander, quando este defende a questão da especificidade, ao tentar acoplar ao órgão e sua doença diferentes personalidades, onde a cada vivência emocional corresponderia uma síndrome específica de alterações físicas. Alexander faz uma distinção entre sintoma conversivo e neurose vegetativa. O sintoma conversivo é uma expressão simbólica de um conteúdo psicológico emocionalmente definido, cuja finalidade é expressar e aliviar tensões emocionais. Enquanto a neurose vegetativa é uma resposta fisiológica dos órgãos vegetativos a estados que podem ser ou não constantes. Alexander cria a noção de neurose orgânica, que abrange todos os distúrbios funcionais dos órgãos vegetativos, causados por impulsos nervosos, originados por processos emocionais que ocorrem em algum lugar nas áreas cortical e subcortical do cérebro. Logo, a tensão emocional proveniente de conflitos vivenciados ou afetos específicos reprimidos estimulariam a função de órgãos específicos, verificando-se, a partir daí, uma espécie de estase anormal de energia, pelo aumento ou persistência da produção dos concomitantes fisiológicos das emoções, perturbadora do seu funcionamento normal, ou seja, o que em um primeiro momento se traduziria por uma alteração da função posteriormente se constituiria em uma transformação orgânica, passaria de sintoma funcional a sintoma orgânico. Alexander divide os distúrbios emocionais das funções vegetativas em duas categorias. A primeira se refere às atitudes emocionais de preparação para luta ou fuga. A Segunda, à retirada da atividade dirigida para o exterior. As atitudes emocionais da primeira categoria, estão sob o comando do sistema nervoso simpático; e a segunda categoria, sob o sistema nervoso parassimpático. As doenças relacionadas ao sistema nervoso simpático como respostas ativas, e as doenças relacionadas ao sistema nervoso parassimpático como respostas passivas. O primeiro grupo incluiria doenças como a hipertensão arterial, a diabetes, a epilepsia, etc.. enquanto do segundo grupo fariam parte afecções como asma, as colites, a úlcera duodenal, etc. Para Alexander a especificidade orgânica seria responsável pela fragilidade de terminados órgãos. O conceito de que há uma predisposição para determinadas doenças conforme o tipo de personalidade é muito antigo e ainda presente no pensamento médico. Dunbar explora este campo fértil e desenvolve a noção de perfil de personalidade, enquanto fator pré- mórbido determinante no aparecimento de certas doenças psicossomáticas. Ela procura associar a um perfil psicológico uma patologia orgânica precisa. O perfil do paciente coronariano prece ser o mais precioso. Para Dunbar, este paciente demonstra ser uma pessoa constantemente batalhadora. Apresenta ter um elevado grau de controle e persistência e, também, uma aparência distinta, tendo como objetivo primordial o sucesso e a realização e, para atingir estes objetivos, o mesmo planeja a longo prazo. O paciente fraturado, ao contrário dos pacientes coronarianos, tendem a agir sob impulso repentino e, frequentemente, manifestam hostilidade mal controlada contra pessoas em posição de autoridade; ao mesmo tempo, seu comportamento é motivado por sentimentos de culpa e mostra uma tendência a autopunição. Dunbar concluiu que determinados tipos de personalidades tenderiam a assumir ou não ocupações de responsabilidade. Alvarez tem aperfeiçoado o conceito de personalidade própria do portador de úlcera péptica, concluindo que estas pessoas demonstram características do tipo empreendedor, enérgico e agressivo. Draper diz que um grandenúmero de pacientes com úlcera péptica demonstram que sob a aparência de empreendedor, enérgico e agressivo há característica de dependência e, conforme ele as expressou, femininas. O paciente com hipertireoidismo demonstra ser extremamente tenso, irritável e sensível. Enquanto o paciente com hipotireoidismo demonstra ser uma pessoa embotada, fleumática e lenta. Alexander critica Dunbar, afirmando que os mesmos revelam, primariamente, a defesa do paciente e não os conflitos que podem estar relacionados especificamente à gênese da doença, e que os estudos psicodinâmicos têm revelado que determinados distúrbios das funções vegetativas podem ser correlacionadas diretamente com estados emocionais específicos e não com configurações de personalidades superficiais, como descritas nos perfis de personalidade. Friedman e Rosenman, ao investigarem pacientes com doenças coronarianas, concluíram que determinados indivíduos que apresentam uma acentuada urgência de tempo associada a uma intensa hostilidade, grande fluência verbal, psicomotora intensa, ambição e competição estariam mais suscetíveis às doenças coronarianas. Apesar da aceitação e da popularidade desta teoria nos anos 70, alguns autores questionam o peso destas características nas doenças coronarianas. Escola Psicossomática de Paris O termo psicossomático se refere à designação de uma abordagem de pacientes, de uma técnica psicoterápica e de uma teoria, cujo interesse é a compreensão do que ocorre na mente dos sujeitos que respondem aos conflitos e aos acontecimentos somatizando. Apresenta as seguintes características: dificuldade de fantasiar livremente, pobreza de associações subjetivas, dificuldade de estabelecer uma transferência, pobreza de investimentos libidinais e ausência de reações afetivas diante de perdas e outros acontecimentos traumáticos. A este grupo de características, nomearam de relação branca, vida operatória. O conceito de pensamento operatório surgiu nos últimos anos como consequência do desenvolvimento da escola francesa e americana, para designar a forma de pensar e de lidar com emoções de pacientes definidos como psicossomáticos. Para eles um pensamento consciente que se organizaria por causa da falha do pré-consciente, acarretando assim impossibilidade de comunicação entre o consciente e o inconsciente. Os sujeitos que apresentam esse estilo peculiar de pensamento teriam uma pobreza fantasmática e uma precária vida onírica. Portanto, a capacidade simbólica e o valor de sublimação seriam quase inexistentes acarretando um prejuízo considerável da capacidade de produção, quer científica quer artística, desses sujeitos. Essa estrutura de pensamento apresenta duas características fundamentais: a Primeira, se refere a um pensamento consciente que se manifesta sem vínculo algum com o orgânico e sem atividade fantasmática de considerável valor; e a Segunda, diz respeito ao fato do pensamento reproduzir simplesmente uma ação, ou seja, não há significado para o ato, mas apenas a palavra ilustrando a ação. Escola de Boston e Conceito de Alexitimia Jonhn Nemiah e Peter Sifneos constataram, por meio do estudo de entrevistas psiquiátricas, com pacientes de alguma doença psicossomática clássica, que dezesseis desses pacientes demonstraram uma impressionante dificuldade de expressar ou descrever suas emoções através da palavra, assim como uma acentuada diminuição dos pensamentos fantasmáticos. Posteriormente, concluíram que os pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, ao contrário dos pacientes psiconeuróticos, apresentavam frequentemente uma desordem específica nas suas funções afetivas e simbólicas, acarretando uma forma de se comunicar confusa e improdutiva. A esta maneira peculiar de se comunicar desses pacientes, Sifneos denominou de alexitimia, significando falta de palavras para as emoções. Estudos atuais demonstraram que essa maneira peculiar de se comunicar não é específica dos pacientes com doenças psicossomáticas clássicas, mas, a contribuição de Nemiah e Sifneos é de importância fundamental, pois chamaram a atenção para um aspecto do funcionamento psíquico relevante tanto par a medicina psicossomática quanto para a psicanálise. De acordo com Mc Dougall, no fenômeno alexitímico o corpo segrega seus próprios pensamentos. Sendo este corpo sentido como se pertencesse a alguém (mãe) ou a alguma coisa (mundo externo). O fenômeno alexitímico acontece em decorrência de perturbações da relação mãe-filho, sendo esse fenômeno uma patologia pré neurótica extremamente precoce dominada pelos mecanismos de defesa de clivagem e de identificação projetiva. Krystal estudou toxicômanos, vítimas de holocaustos e indivíduos psicossomáticos, e concluiu que a alexitimia é mais que uma defesa, é uma parada do desenvolvimento afetivo decorrente de uma traumatismo infantil, ou uma regressão da função afetiva-cognitiva. Nemiah e Sifneos perceberam que, enquanto os pacientes neuróticos se queixavam de sintomas emocionais e dificuldades psicológicas, os pacientes alexitímicos se queixavam de sintomas somáticos, onde na maioria das vezes não há qualquer ligação entre os sintomas e qualquer doença física que pudessem ter. Outra característica se refere a uma extraordinária dificuldade desses sujeitos em reconhecer e descrever seus próprios sentimentos, assim como, em diferenciar as sensações corporais dos estados emocionais. Esses sujeitos demonstraram ser hiperadaptados e com elevado grau de conformismo social, aparentando ser às vezes um neurótico com uma personalidade histérica ou um caractere obsessivo. A explicação Biológica e Neurofisiológica em Psicossomática Chrousos e Gold definem estresse como um estado de desarmonia ou de homeostase ameaçada. Heracleitus foi o primeiro a sugerir que um estado estático, sem alteração, não era condição natural dos organismos vivos, mas sim a capacidade, de se submeterem a alterações constantes. Empédocles propôs que a condição necessária para a sobrevivência dos seres vivos consiste n equilíbrio e harmonia dos elementos em oposição dinâmica. Hipócrates definiu saúde como sendo um equilíbrio harmonioso dos elementos e das qualidades de vida, e doença como desarmonia sistemática destes elementos. As forças que provocam a desarmonia – a doença – têm sua origem nas fontes naturais e não de fontes sobrenaturais e que as forças de contra equilíbrio ou adoptativos eram também de origem natural. Posteriormente, Walter Cannon criou o termo homeostase, ampliando-o tanto a parâmetros emocionais quanto a físicos. Através de suas pesquisas com animais percebeu que, quando estes eram submetidos a estímulos desequilibradores de sua homeostase, se preparavam para a luta ou fuga, apresentando alterações somáticas e que estas alterações eram desencadeadas por descargas adrenérgicas da medula da suprarrenal e de noradrenalina em fibras pós-ganglionares. Cannon teorizou em 1934 a relação entre emoções e alterações fisiológicas e hormonais, enquanto função adoptativa do organismo às solicitações ou agressões externas. Hans Selye demonstrou que um organismo, quando exposto a um esforço provocado por um estímulo que ameace sua homeostase, reage com o corpo todo e de forma uniforme e inespecífica. Selye denominou de Síndrome Geral de Adaptação, chegando assim a noção de stress. Logo, Stress para ele, é uma resposta inespecífica que o organismo desenvolve ao ser submetida a uma situação que exige esforço para a adaptação. Esta síndrome, consiste em 3 fases: a de alarme, a de resistência e a fase de exaustão, sucessivamente. Para que haja o stress, não é necessário que a fase se desenvolva atéo final e, se a reação ao agressor foi muito intensa ou se o agente do estresse for muito potente e/ou prolongado, poderá haver como consequência, doença ou maior predisposição ao desenvolvimento da doença. Outras Concepções e Modelos em Psicossomática Os princípios psicossomáticos, teriam suas hipóteses alicerçadas na interrelação entre o corpo fisiológico e o corpo erótico. Através da subversão libidinal, o corpo erótico surge do corpo biológico, mantendo constantemente uma relação de dependência, influenciando e intervindo ao nível da relação órgão-junção. A subversão libidinal de algo que, além de não ser definitivo, não se completaria jamais, acarretando assim um confronto constante entre corpo erótico e corpo biológico. Não faz sentido algum separar doença orgânica e doença mental uma vez que as somatizações, nas duas, correspondem a uma somatização cerebral, designada habitualmente por psicose. A escolha do órgão, nessa concepção, dependeria das vicissitudes da subversão libidinal e da construção do corpo erótico, ancorado nas funções bio-endócrinos como nas motoras e cognitivas. Sami-Ali enuncia um projeto paradoxal, uma vez que, o pensar o somático e o pensar psíquico são dois caminhos radicalmente diferentes. Ao pensar somático, propõe modelo multidimensional em psicossomática. Para ele, ponto mais fraco da psicanálise de Freud e dos autores que se seguiram é a extensão, é a extrapolação teórica e especulativa, sem limites, dos modelos da psicopatologia aos fenômenos orgânicos, biológicos, históricos, sociais, etc. Diz ainda que é uma ilusão, pensar que seja possível chegar a uma compreensão de todos os funcionamentos individuais, grupais, biológicos e históricos, partindo de um só e único modelo – a patologia freudiana. Para chegarmos a uma compreensão dos fenômenos psicossomáticos, ele acredita que é necessário que nos livremos dessa ilusão. Toda questão psicossomática deve ser considerada na relação onde não hava dum lado o psíquico e do outro o orgânico. O que realmente existe é qualquer coisa que reenvia a uma relação original, existente antes do nascimento e depois do nascimento. Está-se em relação desde a concepção. Para ele, o sonho é uma criação da realidade e não uma realização do desejo como é visto por Freud, sendo que está ligado aos ritmos biológicos. Sami-Ali considera o espaço e o tempo como duas dimensões fundamentais na compreensão da realidade humana, pois a organização desse espaço e tempo é parâmetro para a análise e para a compreensão dos fenômenos psicossomáticos. Ele fala de um tempo e espaço ideais e da transposição de espaço em tempo e deste tempo em espaço d representação, em relação com a projeção. É no sonho que ocorre a objetivação de um mundo e na criação de um mundo objetivo, que se torna subjetivo, uma vez que a projeção é a alucinação, é o fato de criar um mundo que sou eu, e todos criam esse mundo. A. Dias, acredita que o termo psicossomática, devido a sua inespecificidade, deve ser substituído pela designação, somatopsicose, que enuncia um contexto teórico claro, onde o adoecer psicossomático é encarado na sua relação com fenômenos psíquicos determinados.
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