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Disciplina: Psicologia Resenha sobre o filme O Corte “Meu trabalho é minha vida. Se tiram meu trabalho, tiram minha vida.” O filme O corte, lançado em 2005, se passa na França e conta a história de Bruno Davert, que é um executivo com quinze anos de emprego na mesma instituição, porém após uma fusão a empresa demite 600 funcionários, entre eles o protagonista da história. Dois anos se passam desde que Bruno foi mandado embora da empresa e ele ainda não consiga arrumar outro emprego, a crise está fazendo com que o índice de desemprego seja alto e consequentemente a concorrência para novas oportunidades também, mesmo entre pessoas altamente qualificadas, como Bruno, um engenheiro com diversas especializações. Em meio a esse cenário de dificuldades no mercado financeiro Bruno então tem a ideia de conhecer os seus concorrentes, ele cria uma falsa vaga de emprego e começa a receber inúmeros currículos e seleciona cinco, que são seus principais concorrentes. Bruno tem um objetivo, que é a vaga de executivo em uma empresa e, para conseguir chegar a tal posição, ele compreende que precisa, literalmente, exterminar os seus principais concorrentes e o atual ocupante da vaga. Em meio a esse cenário o filme apresenta diversos aspectos relevantes e inúmeras situações que são observadas e sutilmente abordadas no decorrer da história. Em algumas cenas podemos notar propagandas sobre produtos que quem está desempregado não tem condições de adquirir, como por exemplo, carros de luxo, artigos de decoração de alto custo, roupas de grifes entre outros, mostrando assim também a influencia da mídia, mesmo que seja indiretamente no subconsciente do homem. O que mostra também o quanto a lógica de produção da indústria e a obsessão por cada vez mais rentabilidade financeira, por que o que se tem nunca é totalmente suficiente e o ser humano está sempre em busca de adquirir mais, mesmo que para isso sacrifique seus princípios e valores. Em casa, a família de Bruno também passa por problemas, quando seu filho se envolve em roubo de softwares, mas Bruno ajuda a encobrir e esconder vestígios de que o filho já vinha realizando esses roubos recorrentemente, para a policita acreditar que era a primeira vez. No casamento também sua esposa se vê sobrecarregada tentando conseguir recursos financeiros para o sustento da família. Segundo Gaulejac, “Gestão é um sistema de interpretação do mundo social” e isso é observado com essas mudanças dos valores do personagem, que mudaram a forma do relacionamento da família, por exemplo, a falta de dialogo de Bruno com sua esposa, a maneira que a família tinha suas refeições, que antes não eram acompanhadas de televisão, mas agora eles assistiam ao crime, que sem saber, o próprio pai havia comentido. Podemos observar também a competição generalizada do individuo, que vem através da busca cada vez maior da qualidade e da excelência é claramente observada quando Bruno se sente ameaçado por seus concorrentes em uma busca por uma vaga no mercado de trabalho. No contexto de que cada um tem seu próprio “mérito” e isso é o que é considerado como o ponto determinante para sua posição, de acordo com Gaulejac, aquele que perde seu lugar, ou que não obtém o lugar que ambiciona, só pode culpar a si mesmo. Por isso Bruno acredita que, eliminando seus concorrentes, que os considera melhores que ele, conseguiria o lugar tão desejado. Quando o personagem vai à busca dos seus alvos o mesmo encontra situações que o colocam em pensamento reflexivo consigo mesmo. Um dos seus alvos está buscando se recolocar no mercado de trabalho, mas por hora com o não surgimento de nada a sua altura o mesmo se sujeita a um trabalho como garçom em uma lanchonete, o que seria considerado um trabalho inferior, comparado com a posição de executivo. Porém mesmo na posição de garçom em uma lanchonete o personagem tem um plano e esperanças de que as coisas melhorem. Outro alvo importante de Bruno é um concorrente que estava há mais de cinco anos fora do mercado de trabalho e tinha consciência de que seria muito difícil conseguir se realocar, mesmo com toda sua experiência e capacidade. Em sua visão, as empresas não contratam quem já está tanto tempo fora do ramo. A personagem se vê também em uma difícil situação familiar, onde é deixado pela mulher e os filhos que só o veem por serem obrigados. Na tentativa de ter recursos para se manter, trabalha em uma loja de ternos caros, onde, em outro momento de sua vida, teria recursos para ser um cliente e adquirir o produto, porém hoje se encontra na posição de funcionário. Podemos observar através desta personagem o mal estar social que se instala sobre a classe de desempregados. Por não aguentar a pressão imposta pela sociedade, pelo meio o qual vive e não conseguindo vislumbrar novas perspectivas para sua vida, este concorrente comete suicídio. Na visão de Gaulejac, a gestão propõe regras que excitam o ego, prometendo-lhe satisfação do desejo sem limites. A energia libidinal é canalizada para o trabalho como forma de realização pessoal subjetiva, a “ideologia da realização de si mesmo”. Mario Sergio Cortela, famoso pensador da atualidade, em seu livro “Por que fazemos o que fazemos?”, também aborda este tema quando fala sobre a “autoria da obra”. Para Cortela, “a percepção da autoria se faz necessária para que a pessoa se construa como um indivíduo que não é descartável, que não é inútil e que não pode ser colocado à margem”. Se não me reconheço naquilo que faço, não o sou. Ao encontrar o atual ocupante do cargo que Davert almeja, ele percebe que o mesmo também possuí problemas no seu cargo, com a pressão da empresa de sempre mais e de que a qualquer momento, caso não se produza cada vez mais em menos tempo e com menor custo, a ameaça de perder o seu lugar. A falsa sensação de liberdade, de poder trabalhar a hora que quiser e bem entender, trás também ao funcionário uma obrigação de estar sempre à disposição da empresa. É uma gestão de tempo que ilude o empregado de que ele é livre quando na verdade ele é mais ainda preso ao seu empregador. Inclusive em seus tempos que deveriam ser de descanso, como sair para jantar e encontrar amigos. O autor Marcondes Torres parafraseou Marx ao dizer que “vivemos na era em que o ter subordinou o ser, ou seja, as mercadorias são supervalorizadas em detrimento da banalização e destruição da vida. As relações entre os homens foram coisificadas e as relações produtivas humanizadas. Os sentimentos de carinho, amor e solidariedade deram espaço para sentimentos egocêntricos e mesquinhos”. Isso tudo que foi abordado e demonstrado na história do filme é consequência do sistema gerencialista o qual estamos envolvidos, um sistema que segundo Gaulejac suscita um modelo de personalidade narcisista, sempre pensando em si mesmo e no seu próprio eu, tanto que ao final do filme, após Davert conseguir o tão esperado cargo na empresa, o mesmo passa a ser alvo de mais uma pessoa em busca do mesmo emprego, que é capaz de fazer tudo, assim como ele faz, para conseguir a mesma vaga. Mesmo sendo difícil imaginar que alguém seja capaz de realizar tais feitos (como homicídios) é observado que o desespero leva as pessoas a cometerem atos que contradizem sua moralidade. Pois Bruno não foi o único que teve a ideia de exterminar os concorrentes. Segundo Gaulejac, o sistema gerencialista ocasiona também agressividade, pragmatismo, personalidade sem estado de alma, centrado sobre a ação e não tanto sobre a reflexão, mostrando que o individuo está pronto e disposto a tudo para obter o seu sucesso. Estas ações desencadeiam atitudes semelhantes, incentivando um estilo de vida individualista,em detrimento do coletivo.
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