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Aula 01 CURRÍCULO: UMA PALAVRA E INÚMERAS CONCEPÇÕES 
O QUE É CURRÍCULO? 
Questões referentes ao currículo têm-se constituído em frequente alvo da atenção de autoridades, professores, gestores, pais, estudantes, membros da comunidade.
Quais as razões dessa preocupação tão nítida e tão persistente? 
Será mesmo importante que nós, profissionais da educação, acompanhemos toda essa discussão e nela nos envolvamos?
 Não será suficiente deixarmos que as autoridades competentes tomem as devidas decisões sobre o que deve ser ensinado nas salas de aula? 
A quem cabe discutir questões sobre o currículo? Qual a sua relevância para a formação de educadores e para a prática educativa? 
O currículo tem sido de fato objeto de discussão nas escolas? Em caso afirmativo, como ele se dá? 
O que se entende por currículo e como ele entra no cenário escolar: como protagonista ou figurante? 
As indagações feitas por Moreira e Candau (2007) são um bom ponto de partida para iniciarmos nossas reflexões sobre o currículo. Se analisarmos as práticas escolares ao longo dos tempos, podemos constatar que as respostas a essas questões podem variar, pois, de acordo com os diferentes contextos, tempos, atores e espaços, o currículo assume papéis e significações também diferentes. 
Você pode verificar isso, na prática, se fizer uma entrevista informal com algumas pessoas, do campo educacional ou não, fazendo a seguinte pergunta: “O QUE É CURRÍCULO?” 
É muito provável que as respostas variem bastante e tragam noções muito distintas. É importante observarmos que o que se entende por currículo, hoje, provavelmente traz uma “herança conceitual” dos múltiplos sentidos atribuídos ao currículo em outros contextos. E essa polissemia não acontece por acaso. 
Diferentes fatores socioeconômicos, políticos e culturais contribuem para que o currículo seja entendido como: 
- os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; 
- as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; 
- os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; 
- os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; 
- os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (MOREIRA e CANDAU, 2007, p.18) 
Essa multiplicidade se revela não só nos discursos informais sobre currículo, seja na escola ou fora dela. Também expressa diferentes concepções teóricas sobre currículo e o que cada uma delas privilegia. Assim, chegamos a uma primeira conclusão: os estudos sobre currículo não se pautam em uma única teoria do currículo, mas em “teorias do currículo”. Mas cabe outra pergunta antes de analisarmos os porquês dessa polissemia, dessas múltiplas concepções de currículo: 
O que entendemos por “teorias do currículo” e, consequentemente, por “teoria”? 
Ao fazer uma análise crítica dos paradigmas científicos que delineiam os estudos sobre currículo, Silva (2004) problematiza a noção de teoria como descoberta do real. Segundo o autor, essa concepção parte de um pressuposto de que há, a priori, uma realidade a ser encontra da ou desvendada. A teoria apenas a refletiria, a representaria. Assim, uma teoria do currículo teria a função apenas de descrever e explicar o currículo como algo já existente. 
Tendo como referência a perspectiva pós-estruturalista, segundo a qual a teoria não é o desvelamento de uma realidade preexistente, mas está implicada na própria produção da realidade, este autor afirma que faria mais sentido falarmos em discursos e textos sobre o currículo, ao invés de falarmos em teorias do currículo, pois as representações e significados atribuídos ao currículo não são meras descrições e, sim, construções. 
De acordo com essa visão, é impossível separar a descrição simbólica, linguística da realidade – isto é, a teoria – de seus “efeitos de realidade”. A “teoria” não se limitaria, pois, a descobrir, descrever, a explicar a realidade: a teoria estaria irremediavelmente implicada na sua produção. Ao descrever um “objeto”, a teoria, de certo modo, inventa -o. O objeto que a teoria supostamente descreve é, efetivamente, um produto de sua criação. 
Nesta direção, faria mais sentido falar não em teorias, mas em discursos ou textos. Ao deslocar a ênfase do conceito de teoria para o discurso, a perspectiva pós-estruturalista quer destacar precisamente o envolvimento das descrições linguísticas da “realidade” em sua produção [...]. Um discurso sobre o currículo, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo “tal como ele realmente é”, o que efetivamente faz é produzir uma noção particular de currículo. A suposta descrição é, efetivamente, uma criação. (SILVA, 2004, p. 11-12). 
Partindo dessas premissas, em nossas aulas, ao tratarmos de “teorias do currículo”, as conceberemos como produções de discursos sobre o currículo. 
Assim, nos diferentes discursos ou teorias sobre currículo, estão implicadas diferentes concepções de sujeito, de homem, de sociedade e de cultura, e não aleatoriamente. Sendo construções, e não apenas descrições de uma realidade, são configuradas social e historicamente. 
Tomando metaforicamente a etimologia da palavra currículo (curriculum = pista de corrida), entendemos que os “rumos” e “trajetos” desse campo do saber são múltiplos e complexos, resultantes dos diferentes contextos, dos diferentes paradigmas, das diferentes funções que ele vem assumindo na prática pedagógica, ao longo dos “percursos percorridos” em diferentes tempos, cenários e espaços. 
POR QUE DISCUTIR SOBRE CURRÍCULO? 
É inegável que o currículo nunca foi figurante no cenário escolar. Mesmo que ainda não fosse nomeado dessa forma, desde os primórdios da instituição escolar o currículo teve um papel relevante na docência, pois nele se corporificavam as diversas ações do processo de ensino-aprendizagem. Partindo-se da ideia de currículo como “[...] as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos(as) estudantes.”, (MOREIRA ; CANDAU, 2007, p.18), torna -se evidente que em qualquer tempo e espaço, é em torno dele que a prática educativa acontece. Discutir currículo é, portanto, discutir a ação educativa em suas diferentes instâncias. 
Refletir sobre o currículo implica analisar criticamente cada ação que constitui o “educar”, considerando essa palavra em seu sentido amplo. Nesse sentido, é fundamental refletir sobre as relações entre currículo, formação e atuação docente, já que os professores têm um papel importante no processo curricular por estarem, muitas vezes, em suas mãos as diferentes decisões e ações, que se constituem os atos de currículo. 
Os docentes participam da construção do currículo e do delineamento de seu “contorno”, quando: 
1.Seleciona, os conteúdos que serão trabalhados com seus alunos; 
2.Definem as abordagens que serão dadas a esses conteúdos, isto é, que conhecimentos, visões de mundo, de sujeito, de sociedade, de cultura serão privilegiadas; 
3.Planejam o modo como serão trabalhados os conteúdos: que enfoque metodológico será utilizado; que experiências e formas de interação serão proporcionadas e privilegiadas etc.; 
4.Posicionam-se frente aos conhecimentos e experiências prévias de seus alunos, valorizando -os ou não; 
5.Avaliam a aprendizagem: como encaram os erros e acertos dos alunos, o que e como privilegiam em suas avaliações, que instrumentos utilizam; como comunicam para os alunos, suas famílias e instituição o que aprenderam e o que precisam aprimorar. 
Em cada uma dessas ações cotidianas, o currículo se configura a partir da forma como se concebe a sociedade, os alunos, os conhecimentos, a cultura, o processo de ensino-aprendizagem, os métodos, a avaliação. Ele não se restringe ao domínio técnico-metodológico, visto que é um artefato social e cultural, no qual cada um desses atos de currículo pode assumir diferentes nuaces, dependendodo contexto em que é produzido, das intenções e concepções que permeiam essa produção. 
Como ressaltam Moreira e Silva (1994), [...] o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, transmite visões sociais particulares e interessadas, produz identidades sociais. O currículo não é um elemento transcendente, atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação. 
Assim, as escolhas e ênfases dadas na construção do currículo implicam uma ação política, pois elas são responsáveis pela formação de sujeitos, isto é, pela formação das identidades desses sujeitos. Formamos para a submissão ou para a transformação. Os alunos aprendem muito mais do que disciplinas através dos atos de currículo. Aprendem visões de mundo, de cultura, de si próprios. O que se ensina e como se ensina, a forma como o processo de ensino-aprendizagem é entendido e mediado, o que, como e por que se avalia são fatores que determinarão o que serão os alunos. Se o conhecimento, que constitui o currículo, não é neutro, então este assume uma importância vital na constituição dos sujeitos e de suas subjetividades. 
SOBRE ALGUNS SENTIDOS DA POLISSEMIA DO TERMO “CURRÍCULO” 
A diversidade de sentidos que a palavra currículo apresenta no cotidiano escolar ou na sociedade é reflexo, também, dos processos de construção do currículo como campo de saber. As ênfases dadas por esses estudos revelam tensões, conflitos e concepções que transcendem a abordagem epistemológica, o entendimento sobre o que é conhecimento. 
O que é privilegiado em cada um desses estudos, a forma como concebem a “realidade” se relaciona com questões de poder. Assim , a seleção dos conhecimentos que configurarão os estudos e a preponderância de uma identidade ou subjetividade sobre outras são operações de poder e situam as teorias do currículo num campo epistemológico social, em um território contestado, no qual há uma luta que vai além das ideias, das “teorias”, uma luta de poder, onde têm um papel central na atividade de garantir o consenso, de obter hegemonia. (SILVA, 2004). É nessa “luta” epistemológica, ideológica e política que o campo do currículo vem se constituindo e emerge como uma resposta não só às demandas do cotidiano escolar, mas da sociedade. 
Assim, vamos ver o currículo transitar por diferentes enfoques, cada qual imprimindo a ele sentidos diferentes. O que nos interessa, nesta aula, é compreender que, seja no período anterior à emergência do currículo como campo de saber, seja depois, as tendências e concepções são múltiplas e estreitamente vinculadas às relações entre currículo, cultura e sociedade e às relações de poder. 
O que nos interessa é aprofundar o entendimento do currículo, entendendo que o movimento pendular do currículo tem sentidos que são complexos e envolvem posicionamentos ideológicos e políticos. É fundamental, portanto, entendê -lo como artefato social e cultural, determinado social e historicamente, cujos “artesãos” protagonistas são os professores, que têm em suas mãos o pensar e o fazer educação, a práxis pedagógica. A polissemia do currículo deve ser objeto de análise e reflexão de educadores, pois o entendimento de que o fazer pedagógico transcende o pensar sobre “como se faz currículo”, sobre os seus aspectos técnico-metodológicos, nos aponta para novas dimensões e reflexões - ideológicas, intercríticas e multirreferenciais – e nos instiga a pensar sobre “o que o currículo faz com as pessoas e co m as instituições” e sobre o compromisso sócio -pedagógico e político da formação e d a prática docente. (MACEDO, 2007)
 Assim, “[...] entender a criação de um currículo é algo que deveria proporcionar mapas ilustrativos das metas e estruturas prévias que situam a prática contemporânea.” (GOODSON, 1998, p.21, apud MACEDO, 2007, p.29). 
Entender e refletir sobre a polissemia do currículo é tomar posse dos “mapas conceituais” que constituem as referências da trajetória dos discursos do currículo e da construção desse campo de saber. É ter em mãos os caminhos percorridos e a possibilidade de escolher novos caminhos, ter consciência da importância desse artefato cultural e de seu papel na ação educativa. 
Aula 2: Currículo: Campo, Conceito e Relações. Aspectos Históricos, Contextuais e Educacionais
Para começar nossa conversa sobre esse tema tão polêmico, que tal fazermos uma experiência? Conforme fez Rubem Alves em seu livro Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e suas regras (1981), propomos que você olhe para a figura ao lado com um olhar de pesquisa, de investigação... Mesmo que já tenha olhado para ela alguma vez, experimente esse novo olhar. Primeiramente, olhe para a figura de uma forma geral, sem se deter nos detalhes. O que você vê?
Agora, tente mudar o seu ângulo de visão: procure olhar a partir da direita, da esquerda, de cima e de baixo. Viu algo diferente? Se você viu uma jovem, repentinamente verá uma idosa e vice-versa...
Se ainda não conseguiu enxergar clique na figura.
ALGUNS PASSOS PARA VER A JOVEM:
O risquinho preto é um colar. Ele define o pescoço. Logo acima você encontra o maxilar da jovem, cujo rosto está voltado para o fundo da figura, como se algo estivesse lá. Tanto que sua boca é invisível e a gente vê apenas a pontinha do nariz e das pestanas.
ALGUNS PASSOS PARA VER A IDOSA:
Transforme o risquinho preto em boca e o maxilar da jovem em nariz. Sua figura aparece de perfil, nariz muito evidente, olhando para frente e para baixo.
Conseguiu, agora, perceber a transformação da imagem? Então, vamos refletir sobre essa experiência e entender qual a razão de iniciar nossa discussão sobre ciência com ela... Que relações você estabelece entre o tema de nossa aula e essa experiência? Anote suas hipóteses antes de prosseguir.
Alguns aspectos envolvidos nessa experiência podem nos ajudar a estabelecer relações entre ela e o saber científico e a refletir sobre a ciência. 
No processo de observação e leitura desta imagem, o que podemos considerar como equivalente aos dados (fatos?), ao cientista, ao conhecimento científico (teorias)? 
Para dar continuidade à nossa reflexão, pense sobre essas perguntas: 
Durante a experiência, os dados (informações) mudaram ou permaneceram os mesmos?  
Se o que você viu foram os dados, e se considera que eles permaneceram estáveis, fixos, então como viu duas figuras distintas? 
O que fez com que a figura se modificasse? 
 Pois é, você já deve ter concluído que o que apreendemos da realidade não depende apenas dos dados disponíveis, mas da ação interpretativa do pesquisador, do observador.
Vimos, na aula anterior, que há pensamentos divergentes sobre a neutralidade da ciência. Na perspectiva positivista, a teoria é entendida como uma descrição imparcial e objetiva dos fatos, da realidade. Na perspectiva pós-estruturalista, hoje predominante na análise social e cultural, a teoria é entendida como uma produção, uma criação da realidade, a partir do que é observado, pressuposto com o qual trabalharemos ao longo desse curso. Nesta perspectiva, fazer ciência não é uma atividade neutra, imparcial. Nietzsche já problematizava essa questão quando afirmou que não há fatos e sim interpretações...
Mas você deve estar se perguntando se a Ciência não é exatamente o conhecimento produzido para explicar os fatos, fenômenos e situações do cotidiano, para responder às infinitas perguntas que instigam e afligem a Humanidade... Você tem razão.
Segundo Alves (1981) a ciência não é uma forma de conhecimento diferente do senso comum; é apenas uma abordagem mais especializada, controlada e disciplinada desse conhecimento. O autor coloca em questão o mito que se construiu sobre a ciência e a ideia de que o cientista é uma pessoa que pensa melhor que as outras, que tem em suas mãos uma receita universalmente válida, válida para todos os casos, de que a sua palavra, por ser especialista, valemais.
Ao contrário, relativiza as diferenças e semelhanças entre esses dois tipos de saber.
O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. E para aqueles que teriam a tendência de achar que o senso comum é inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência. (ALVES, 1981, p.16)
Para muitos autores, o que caracteriza o conhecimento científico e o distingue do saber não científico é sua abordagem sistemática da realidade e do objeto a ser pesquisado, o que envolve, em geral: a seleção de um problema; a formulação de perguntas ou questões que norteiam o olhar do pesquisador; a escolha da metodologia de pesquisa; a seleção de referenciais teóricos; a coleta e análise de dados; o levantamento de hipóteses; a elaboração de conclusões e de paradigmas; o levantamento de novas questões.
Ressaltamos que todos esses “passos” ou “etapas do fazer científico” são permeados por escolhas que não são neutras, que são configuradas a partir do contexto no qual o conhecimento científico é produzido.
O olhar do pesquisador, portanto, reflete esse contexto, se direciona para um ou outro fragmento, um ou outro dado, de acordo com o que é privilegiado, com o que é valorizado por ele, pela sociedade e pela própria ciência. 
Assim, para os mesmos dados ou fatos, podem ser “vistas” ou “produzidas” diferentes configurações da realidade. A “figura-imagem” da realidade pode assumir diferentes “formas”, dependendo do modo como a olhamos e a analisamos, do que privilegiamos...
Essa discussão é muito importante para identificarmos como, na trajetória dos discursos sobre o currículo, este vai se configurando como campo e que lutas de poder nele são travadas. Para alguns autores (Moreira e Silva, 1994; Macedo, 2007), o interesse pelo currículo é muito anterior à origem do currículo como campo.
“Mesmo antes de se constituir em objeto de estudo de uma especialização do conhecimento pedagógico, o currículo sempre foi alvo da atenção de todos os que buscavam entender e organizar o processo educativo escolar.” (MOREIRA E SILVA, 1994, p. 8-9)
Ao analisar os primórdios dos discursos sobre o currículo, Macedo (2007) evidencia que desde a antiguidade grega e romana verifica-
-se uma preocupação com um aspecto que, durante muito tempo, foi o foco das discussões e teorizações sobre o currículo e que está presente até hoje: a organização dos conhecimentos, seja através dos planos, seja através da distribuição dos conteúdos por disciplinas.
No texto A República e as Leis, de Platão, por exemplo, o currículo é definido como um plano de estudos, sendo considerado por Macedo (2007) como uma inspiração do enfoque disciplinar que viria a seguir, e tomaria rumos religiosos durante a Idade Média, para se solidificar como uma forte tendência, desde o Iluminismo até a Modernidade.
Silva (2004, p. 21) destaca a Didactica magna, de Comenius (século VXII) como um exemplo de que “há antecedentes na história da educação ocidental moderna, institucionalizada, de preocupações com a organização da atividade educacional [...] e a questão do que ensinar.”   
Assim, muito antes de o currículo se constituir um campo de estudos específico e especializado, os discursos sobre o currículo estiveram presentes, explícita ou implicitamente, nos discursos educacionais e pedagógicos formulados pelos atores que participam diretamente da ação educativa ou por teóricos das diferentes áreas ou campos, como a Filosofia, Pedagogia, Psicologia e Sociologia. Essas diferentes ideias sobre o currículo permearam as práticas educativas e contribuíram para a construção do campo do currículo.  
Como se constituiu o campo do currículo?
Segundo Silva (2004) e Macedo (2007), a ideia de currículo mais difundida na modernidade, associada à organização e método, embora já fosse “anunciada” anteriormente, se consolidou efetivamente no final século XIX e início do século XX, nos Estados Unidos.  Foi na literatura educacional americana desta época que o termo “currículo” começou a ser designado como um campo especializado de estudos. Para Silva (2004), a emergência do currículo como campo de estudo está diretamente relacionada a diversos fatores, dentre os quais: a formação de corpo de especialistas sobre o currículo e a elaboração de um número expressivo de estudos que se configuraram como teorias do currículo; a formação de disciplinas e departamentos universitários; a institucionalização de setores especializados sobre currículo na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas especializadas.
A origem do campo do currículo não ocorre por acaso nos Estados Unidos. Seu surgimento está relacionado às demandas socioeconômicas e políticas da sociedade capitalista e à institucionalização da educação de massas, marcante da sociedade estadunidense do início do século XX, e às condições a ela associadas.
Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a extensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos a segmentos cada vez maiores da população; as preocupações com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o processo de crescente industrialização e urbanização (SILVA, 2004, p. 22).
Aula 3: Teorias Críticas do Currículo e seus Contrastes com as Teorias Não Criticas. Articulações Pós-Críticas
Aula 4: Cenários Formativos do Mundo Atual e Etnoeducação. A Práxis Educativa e seus Significados.
Vimos, nas aulas anteriores, os diversos pensamentos que influenciaram e constituíram as abordagens tradicionais e críticas sobre o currículo. Analisamos como as ideias desse campo foram se confrontando, complementando, dialogando e em que terreno surgem as ideias que darão sustentação às novas abordagens. Agora, estudaremos os eixos centrais do pensamento pós-crítico, procurando compreender os principais conceitos teóricos que sustentam essa nova maneira de entender o currículo.
Pilares do pensamento pós-crítico: inaugurando novos olhares
Mundo no qual há a prevalência de determinadas significações, de determinadas visões de mundo, de culturas, que são veiculadas e assumidas como únicas pelo diferentes meios de comunicação e informação. Tempos nos quais a Internet, a TV, o Cinema, o Rádio, as Mídias impressas modelam modos de se vestir, de cantar, de apreciar, de ler o mundo, de ser no mundo. Paradoxalmente, através destes e de outros meios, os grupos dominados também abrem novos canais de expressão, começam a reivindicar vez e voz, manifestam-se. 
Clique no PDF para saber mais sobre este novo tempo.
Novas configurações sociais
 Tempos pós e mundo pós, nos quais surgem novas configurações sociais, novas formas de interação e relação, no qual as diversidades, sejam elas étnicas, raciais, de classe social, de gênero, de sexualidade, de nacionalidade, de idade, de religião ou de qualquer natureza, começam a assumir novas nuances. Tempos em que a diversidade e a homogeneidade travam uma luta permeada pelo poder, nestes ambíguos processos culturais pós-modernos. Nestes “tempos pós”, nos quais há uma exploração em enormes proporções da maioria dos países do mundo por pequeno grupo de países que de têm a riqueza mundial, nos quais o mundo se desloca em torno da economia e do poder, grupos sociais também se deslocam geograficamente, migram, misturam-se, convivem e enfrentam novos conflitos e tensões. 
Neste contexto, nestes tempos pós-modernos, é que se originam as teorias pós-críticas do currículo e as conexões entre currículo e cultura se impõem com mais intensidade. Tendo como principais eixos conceituais o pós-modernismo, o pós estruturalismo e as diferentes abordagens sobre a cultura, dentre as quais o multiculturalismo, as teorias pós-críticasfazem uma crítica às teorias críticas, questionando os pilares destas formulações, como os conceitos de “verdade”, “ciência”, “disciplina” ou “área”, e direcionaram o debate para novas reflexões, questões e tensões, como: homogeneização X particularização; universalismo X relativismo. 
Nestas bases epistemológicas e pautadas nestas reflexões, as teorias pós-críticas ampliam o olhar sobre o currículo no sentido de mudar o foco, que antes estava centrado nos processos de dominação exercidos pelo Estado. Sem desconsiderar o caráter “capitalista” do currículo, já que ele tem um papel decisivo na reprodução das estruturas de classe, a principal contribuição das teorias pós-críticas é estender nossa compreensão sobre os processos de dominação, incluindo em sua análise múltiplas formas de poder e de dominação, que vão muito além do poder econômico. Como destaca Silva (2004, p.148-149), “Nas teorias pós-críticas, entretanto, o poder torna-se descentrado. O poder não tem mais um único centro, o Estado, por exemplo. O poder está espalhado por toda a rede social. [...]. Para as teorias pós-críticas o poder transforma-se, mas não desaparece. Nas teorias pós-críticas, o conhecimento não é exterior ao poder, o conhecimento não se opõe ao poder. O conhecimento não é aquilo que põe em xeque o poder: o conhecimento é parte inerente do poder.” Portanto poder e saber passam a ser vistos como interdependentes, interinfluentes, como processos que atuam juntos, se imbricam, se amalgamam. Vamos analisar, sinteticamente, como o conceito de poder e outros eixos conceituais do pensamento pós-crítico foram se configurando nos diferentes campos do conhecimento para entender seus aportes e suas contribuições para esta nova abordagem do currículo.
Do Modernismo ao Pós-modernismo:
Segundo Silva (2004), a educação como conhecemos hoje em dia é moderna, por excelência.
Não nos referimos aqui ao conceito de “moderno” mais usual, relacionado à ideia de atual, inovador. Quando nos referimos à escola “moderna” estamos nos referindo ao que há do pensamento moderno na instituição escolar e, é claro, no currículo. Mas será que a modernidade é tão evidente ou ela se “esconde” nos discursos e nas práticas curriculares, nos atos de currículo?
Mas o que há de modernidade na educação e na escola?
Algumas questões podem nos ajudar a refletir e entender como a modernidade se expressa no cotidiano da escola:
A escola é moderna porque “seu objetivo consiste em transmitir o conhecimento científico, em formar um ser humano supostamente racional e autônomo e em moldar o cidadão e a cidadã da moderna democracia representativa. É através desse sujeito racional, autônomo e democrático que se pode chegar ao ideal moderno de uma sociedade racional, progressista, moderna.” (SILVA, 2004, p. 111-112). Assim, a escola revela o pensamento moderno tanto no currículo mais visível, como no currículo oculto, quando privilegia um modelo de sujeito, uma cultura, quando coloca em polos opostos o saber popular e o saber científico, quando atribui unicamente aos alunos, e às suas famílias e grupo social, o sucesso e fracasso escolar, tendo como fundamento um padrão de comportamento, de cultura, de visão de mundo. 
A escola é “moderna” e esta modernidade é colocada sob suspeita pelo pensamento pós-moderno.
Para Silva (2004, p. 111), “o pós-modernismo não representa, entretanto, uma teoria coerente, unificada, mas um conjunto variado de perspectivas, abrangendo uma diversidade de campos intelectuais, políticos, estéticos, epistemológicos.”
Definição do pós-modernismo: O pós-modernismo define-se relativamente a uma mudança de época, a um tempo histórico que sucede o modernismo, que se inicia em meados do século XX.
Pensamento do pós-modernismo: Por isso mesmo, o pensamento pós-moderno é multifacetado, amplo e complexo, não se restringe a uma área de conhecimento ou a determinados teóricos. Abarca distintos objetos de estudo e preocupações. O que as formulações que configuram o pensamento pós-moderno têm em comum é a crítica aos princípios da Modernidade, época histórica que o antecedeu.
Vamos analisar quais as principais críticas que o Pós-modernismo faz à Modernidade e conhecer alguns de seus pressupostos. Segundo Silva (2004), o pensamento pós-moderno coloca em dúvida, dentre outros aspectos:
Para os pós-modernistas, estes princípios modernistas dão sustentação às sociedades totalitárias, às relações de exploração e dominação, seja pelas estruturas estatais ou pelas estruturas organizacionais das empresas capitalistas.
A escola, uma das principais instituições através da qual os princípios modernistas são veiculados e corporificados através do currículo, também é posta sob suspeita.
O pensamento pós-moderno coloca em questão a herança modernista presente na escola e expressa pelo currículo linear, sequencial, estático, segmentado em disciplinas, que privilegia uma cultura como a única cultura, que supervaloriza o conhecimento científico em detrimento do conhecimento cotidiano, pois esta herança não mais responde aos desafios da contemporaneidade, dos tempos pós.
Em síntese, as ideias pós-modernistas estão presentes no pensamento pós-crítico do currículo através da crítica contundente aos princípios modernistas presentes na prática educativa, que tornam o currículo um importante instrumento de dominação e exclusão dos indivíduos e grupos, em diferentes aspectos, “cientificamente” validados e, por isso mesmo, nem sempre visíveis e questionados.
Do Estruturalismo ao Pós-estruturalismo:
Segundo Silva (2004), o pós-estruturalismo trata-se de uma “categoria bastante ambígua e indefinida, servindo para classificar um número sempre variável de autores e autoras, bem como uma série também variável de teorias e perspectivas.”
Guatarri, Derrida,Lacan, Kristeva, 
Para o autor, esta multiplicidade de abordagens inclui, invariavelmente, filósofos como Foucault e Derrida, mas também pode incluir, segundo alguns analistas, Deleuze, Guatarri, Kristeva, Lacan, entre outros, perpassando diversos campos, como a Linguística, a Teoria Literária, a Antropologia, a Filosofia e a Psicanálise. 
Há também divergência quanto à base epistemológica desta categoria descritiva, que para alguns se origina no pensamento de Ferdinand Saussure e para outros no pensamento de Nietzche e Heiddeger. O que estas abordagens pós-estruturalistas têm em comum é a crítica aos princípios modernistas. Se, por um lado, os modernistas acreditavam que o homem era o centro da ação social, capaz de, com sua soberania e autonomia, pensar, falar, produzir, os pós-estruturalistas defendem justo o contrário: que o homem é pensado, é falado, é produzido (SILVA, 2004). Para os modernistas, o homem não dirige suas ações, ele é dirigido pelas estruturas, pelas instituições, pelo discurso. Clique no PDF e saiba mais sobre o assunto
Abordagens Pós-estruturalistas
 Assim, para os pós-estruturalistas, a atividade humana não é intrínseca (não parte do interior, do sujeito), não é uma expressão individual; a atividade humana é extrínseca (é dirigida a partir do exterior, do social), é determinada pelas relações de poder que não se situam apenas nas relações econômicas, mas em toda parte. Clique no PDF para saber mais sobre este assunto.
 As abordagens pós-estruturalistas também representam a continuação/transformação do estruturalismo, um gênero de teorização social que as antecedeu. Para compreender melhor os pontos de convergência entre o pós-estruturalismo e o estruturalismo, é preciso primeiramente conhecer as bases epistemológicas do estruturalismo. Sem dúvida, as investigações linguísticas de Saussure representam um alicerce significativo do pensamento estruturalista. Tendo como foco de análise a distinção entre a língua e a fala, este teórico parte do pressuposto de que a língua representa uma estrutura estável e permanente, dotada de regras sintáticas e gramaticais, a partir das quais se operam combinações e mutações que configurarão qualquer língua particular.
 Essa ideia de estrutura, comoum “esquema básico” que rege os diferentes saberes é o que caracteriza o olhar estruturalista. Um olhar que procura o que é comum, o que é geral, aquilo que se aplica ao específico como seu estruturante. Por exemplo, na literatura, a perspectiva estruturalista terá como foco a identificação do “esquema básico” de cada gênero literário. Assim, as análises neste enfoque estarão mais preocupadas em categorizar e identificar as características específicas de um poema, de um conto, de uma crônica, pois mesmo na diversidade de produções busca-se a fórmula comum, que se torna a estrutura básica daquela categoria. Esse olhar voltado para a estrutura também domina a cena intelectual em outros campos, principalmente nas décadas de 50 e 60, tendo grande influência nos estudos antropológicos de Levi Strauss, que também busca na enorme diversidade dos mitos uma estrutura comum. 
Do Estruturalismo ao Pós-estruturalismo:
Embora Foucault rejeite ser categorizado como “pós-estruturalista”, podemos situar seu trabalho e seu pensamento como um pilar desta vertente teórica. Foucault viveu e produziu grande parte de sua obra numa época em que o pensamento marxista tinha grande importância e influência nas produções acadêmicas dos diversos campos do conhecimento.
O conceito de poder na perspectiva marxista foi um dos focos de sua crítica. Dentre as principais contribuições deste pensador para a reflexão pós-estruturalista, podemos ressaltar o “deslocamento” que Foucault faz do conceito de poder. Ele desestabiliza os axiomas e paradigmas marxistas de poder, segundo os quais o poder estava atrelado às relações econômicas e de classe, ao defender a ideia de que ele não é tão fixo nem estável como pensavam os marxistas.
Contribuição de Foucault para a reflexão Pós-estruturalista
 A guinada de olhar promovida por Foucault nos convida a enxergar o poder em todos os lugares, em todas as relações, nos leva a descobrir que o poder não é algo tão palpável, mas fluido, subliminar, incerto, “onipresente”. Também se opondo ao pensamento marxista, que instaura a cisão entre ciência-ideologia e concebe o saber como externo ao poder, afirma que o poder e saber são mutuamente dependentes. Assim como para o estruturalismo, a linguagem e o processo de significação também são centrais para o pós-estruturalismo. Neste sentido, ele dá continuidade ao estruturalismo. 
A ênfase no discurso (Foucault) ou no texto (Derrida) revela a importância dada à linguagem por eles. Contudo, ao invés de buscarem a essência estrutural e universal do significante, os pensadores pós-estruturalistas defendem a ideia de que o significado é construído social, cultural e historicamente. O foco deles não está na semelhança, no que é comum, mas sim na diferença, nos distintos significados que são atribuídos a um mesmo significante, às diferentes representações que se configuram, nos diversos contextos sociais, culturais e históricos. Através da linguagem nos expressamos, mas nossa subjetividade é perpassada pelos significantes que transitam na sociedade, que se impõem em nossos discursos, sem que muitas vezes tenhamos consciência. “Somos falados” na medida em que incorporamos os discursos produzidos social e culturalmente como se fossem nossos, na medida em que nossas representações da realidade, dos outros e de nós mesmos são representações construídas a partir das relações entre poder e saber. Silva analisa a centralidade do poder nos processos de constituição das identidades dos sujeitos, explicitada no pensamento foulcaultiano, ressaltando que É ainda o poder que, para Foucault, está na origem do processo pelo qual nos tornamos sujeitos de um determinado tipo. O louco, o prisioneiro, o homossexual não são expressões de um estado prévio, original; eles recebem suas identidades a partir dos aparatos discursivos e institucionais que os definem como tais. O sujeito é o resultado dos dispositivos que o constroem como tal. (SILVA, 2004, p.120-121)
 A principal contribuição de Derrida é a valorização dada por ele tanto à linguagem oral como escrita como formas de registros, incluindo ambas no que chama de “escrita”, ressaltando que tanto uma como a outra são inscrição e linguagem, são constituídas social e historicamente e, portanto, externas ao sujeito. Nesta perspectiva, Derrida se opõe à ideia de autoria subjetiva, individual. Sua visão de linguagem, também se opõe à ideia humanista de que os sujeitos têm voz. Para ele, os sujeitos não têm “voz”, são ditos, dizem o que já está dito. A subjetividade pode ser entendida, nesta perspectiva, como “atravessada” pelos significados impressos no contexto sócio-histórico e cultural. Assim, a subjetividade é sempre social. Indiretamente, sua abordagem também abre caminho para a importância das narrativas orais e escritas como discursos sociais, ideia que mais tarde será revisitada por outros autores.
Nestes tempos pós, pensar a vida social é, inerentemente, pensar os processos culturais, a cultura, pois é em torno dela e através dela que gira a vida social. A cultura é o centro do cenário social contemporâneo e tem sido enfatizada por autores de diferentes enfoques e campos do saber, passando a ser objeto de estudo de diferentes áreas e abrindo a possibilidade de estudos inter e transdisciplinares.
Não por acaso, a abordagem multicultural do currículo surge nos Estados Unidos, com Peter McLaren, num momento em que lá se concentrava hegemonicamente o poder econômico. Um país que, como outros países ricos, atraiu para si um enorme fluxo migratório, em função da demanda por mão de obra e, consequentemente, no qual passou a coexistir uma diversidade de grupos raciais e étnicos.
Segundo Silva (2004), podemos entender o movimento multicultural de duas formas distintas e ambíguas:
1) Como um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados, principalmente nos Estados Unidos, com o objetivo de terem suas culturas representadas e reconhecidas na cultura nacional;
2) Como uma tentativa de resolver os “problemas” oriundos da presença da diversidade de grupos raciais e étnicos naquele país;
Seja por um ou outro aspecto, ou pela dinâmica que envolve simultaneamente esses dois processos, é importante ressaltar que o multiculturalismo está permeado pelas relações de poder que levam os diferentes grupos sociais a migrarem para os polos econômicos, os centros de riqueza e poder, tendo que abrir mão de seu local de origem e passar a viver/conviver no mesmo espaço, carregando em sua bagagem as suas raízes culturais, que muitas vezes são negadas ou desvalorizadas.
No cenário multicultural e diverso da sociedade americana do final do século, o multiculturalismo emergiu como expressão da resistência de grupos culturalmente subalternizados – mulheres, negros/as, os/as homossexuais – à tendência homogeneizante do currículo universitário tradicional, no qual eram privilegiados os valores e representações da cultura dominante –  branca, masculina, europeia, heterossexual – expressos através dos seus cânones literários, estéticos e científicos e transmitidos como universais, difundindo como “a cultura” o que era apenas uma cultura particular, de um grupo particular. Para esses grupos, o currículo universitário deveria ser múltiplo, multifacetado, incluindo a contribuição das diversas culturas, em particular as culturas dominadas (SILVA, 2004).
Esses movimentos do multiculturalismo, assim como outros movimentos de resistência que começam a surgir em diferentes lugares, passam a ser um dos fatores que impulsionam os estudos culturais nos Estados Unidos, na Europa, América Latina, assim como em outros locais. Conheça agora estes estudos antropológicos.
Os estudos culturais desenvolvidos em Birminghan podem ser divididos em duas vertentes teóricas: a marxista (também denominada de materialista) e a pós-estruturalista.
Os diferentes aspectos envolvidos no debate sobre o multiculturalismo, movimentos e identidades sociais colocam muitos e importantes desafios e oportunidades para a escola e para o currículo. Um exemplodo que deve ser incorporado ao processo de reflexão pedagógica diz respeito à perspectiva crítica desenvolvida quanto ao etnocentrismo e ao racismo presentes na prática educativa, através dos atos do currículo. Também apontam para a necessidade de se pensar com seriedade numa perspectiva etnoeducativa, entendida como “desdobramento da dimensão político–pedagógica da diversidade cultural e como uma resposta de ideólogos dos movimentos sociais e intelectuais comprometidos com as políticas antirracistas” (MIRANDA, 2011, p.4)
A abordagem pós-crítica do currículo, na qual se inserem as contribuições do pensamento pós-modernista, os estudos pós-estruturalistas e multiculturalistas, nos instiga a refletir sobre outros aspectos implicados na relação entre conhecimento, cultura e poder, que nos levam a pensar sobre alguns pontos que antes eram negligenciados
• De que forma a seleção e a organização dos conteúdos curriculares têm lidado com as diferenças? 
• Como os diferentes grupos sociais, raciais e étnicos são contemplados e representados no currículo? 
• Como a cultura de massa se expressa na cultura escolar? 
• Que lugar os conhecimentos cotidianos, sejam dos alunos ou professores ou de outros atores sociais, vem ocupando no contexto escolar? 
Estas e outras questões serão aprofundadas na próxima aula, quando estudaremos mais detalhadamente os atos de currículo numa perspectiva pós-crítica.
Aula 5: Atos do Currículo 
“(...) os/as educadores não poderão ignorar, no próximo século, as difíceis questões do multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do trabalho que, na verdade, as escolas já estão tendo que enfrentar. Essas questões exercem um papel importante na definição do significado e do propósito da escolarização, do que significa ensinar e da forma como os/as estudantes devem ser ensinados/as para viver em um mundo que será amplamente globalizado, ‘high tech’ e racialmente diverso que em qualquer outra época da história.” Henry Giroux (1995)
Quais os desafios que se colocam na sociedade contemporânea em relação ao papel da escola e do currículo na perspectiva de uma educação de qualidade para todos e todas, pautada nos princípios democráticos e multiculturalmente orientada?
Que conhecimentos são relevantes nos tempos pós-modernos?
O que a escola deve ensinar e por quê?
Quais as relações entre o conhecimento escolar, a cultura e o poder?
Nesta aula, aprofundaremos o olhar sobre os novos desafios que se impõem na sociedade contemporânea, pós-moderna, e sobre a importância da cultura nos processos de controle e mudança social que se configuram na instituição escolar, tentando esboçar respostas, mesmo que provisórias, para estas questões. Para isso, começaremos nossa reflexão retomando alguns pontos analisados na aula anterior e ampliando a discussão sobre a abordagem multiculturalista, de forma a subsidiar o debate sobre os atos de currículo.
Tempos pós-modernos: novos desafios para a prática educativa
A clássica compreensão de que a escola é um espaço social onde se ensina e se aprende, parece estar, nos tempos atuais, a exigir com urgência ressignificações. Se orientarmos a discussão para refletir e ou definir sobre o que a escola deve ensinar (para citarmos apenas um dos aspectos que esta compreensão pode envolver), encontraremos posicionamentos e formulações teóricas bastante distintas, algumas delas complementares e outras excludentes ou contraditórias, que se revelam, também, na formulação das propostas curriculares. Contudo, a reflexão sobre o papel dos conhecimentos escolares e a relevância e centralidade da cultura nos processos de construção das identidades dos alunos/as tem caracterizado o debate acerca do tema e nos impulsionam a analisar de que forma as modificações que vêm ocorrendo na sociedade, seja no âmbito da economia, da política, da cultura, das interações sociais, é significada e trabalhada nas salas de aula.
Portanto, a reflexão sobre o que a escola deve ensinar está profundamente vinculada ao debate sobre como as transformações sociais vêm interferindo na construção das identidades dos sujeitos e de que forma a cultura assume um papel central nesse processo.  Tais evidências, inseridas na complexidade que caracteriza as transformações sociais do mundo contemporâneo, nos remetem a Forquin (1993) que, ao abordar as relações entre escola, cultura e modernidade, referenciado por dois outros autores - Paul Lengrand e Joffre Dumazedier - observa: “(...) que o mundo muda sem cessar: eis aí certamente uma velha banalidade. Mas para aqueles que analisam o mundo atual, alguma coisa de radicalmente nova surgiu, alguma coisa mudou na própria mudança: é a rapidez e a aceleração perpétua de seu ritmo, e é também o fato de que ela se tenha tornado um valor enquanto tal, e talvez o valor supremo, o próprio princípio da avaliação de todas as coisas (...). Em quê o mundo muda, por quê, em quais direções? (1993, p. 18,19)   
Mais especificamente, coloca-nos a emergência de buscarmos resposta para uma questão colocada inicialmente, e que neste contexto pós-moderno se amplia, se complexifica: 
Qual deve ser, então, a natureza dos conteúdos que a escola deve ensinar?
O que eles devem contemplar?
Ou, mais elementarmente: afinal, o que deve ser ensinado nas escolas?
Responder a essas indagações implica desvendar a natureza dessa “aceleração perpétua” que tem produzido  tantos dilemas e incertezas, neste conturbado tempo em que vivemos. Exige o enfrentamento do desafio de encontrar caminhos, possíveis e realizáveis, para redefinirmos o papel social que a escola deve ocupar, nesse contexto em que se deslocam para outros espaços sociais a difusão da cultura e a incorporação do conhecimento socialmente produzido.
No que se refere ao ensino fundamental no Brasil:
A partir da Conferência de Jontiem e da elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos do MEC, que tem como prioridade a universalização da oferta de ensino e a melhoria da qualidade da escola básica, a definição sobre os conteúdos que devem constituir os currículos de 1ª à 4ª série tem sido motivo de muita polêmica, e de muitas tentativas de respostas a essas questões.
Secretarias de Educação, sejam estaduais ou municipais, têm produzido inúmeras versões de propostas curriculares nos últimos anos. Assim como, a exemplo de outros países, foi feito a nível federal, pela Secretaria de Educação Fundamental do MEC, a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Da mesma forma, estudos produzidos no campo do currículo vêm apresentando contribuições que alimentam o debate e revelam a complexidade do tema.
Ganha terreno, nesta área, uma diversidade de estudos que busca estabelecer relações entre o currículo e diferentes aspectos que caracterizam as discussões sobre cultura, educação e reformas do sistema educativo.
Na linha dessas reflexões, podemos ressaltar os estudos sobre:
A cultura que a escola seleciona e privilegia - o conhecimento escolar;
 as diferenças culturais dos grupos sociais;
as relações entre a cultura do aluno e a cultura mais ampla;
a ênfase na prática participativa, sobretudo de professores e alunos, na construção do currículo;
os processos de elaboração de propostas curriculares no âmbito das políticas de reformas educacionais.
Estes estudos ocupam, de forma crescente, espaço nas publicações, ampliando as perspectivas de análise e reflexão sobre o tema. Clique no PDF e saiba mais sobre o assunto.
Perspectivas de Análise e Reflexão 
E, isso não poderia ser diferente, pois como assinala Forquin (1992) “a questão do currículo como forma institucionalizada de estruturação e de programação de conteúdos de ensino deveria estar no centro de toda reflexão sociológica sobre educação”. (1992,p.28) 
Complementando a afirmativa de Forquin, é preciso ressaltar que nesta estruturação e programação dos conteúdos que comporão o currículo, a cultura será o ponto central, que deve ser problematizado, pois é inevitável considerar que vem ocorrendo uma verdadeira“revolução cultural” na sociedade contemporânea, marcada pela globalização e pelas grandes transformações tecnológicas, que afetam tanto a organização societária como a vida cotidiana. 
Conforme aponta Hall (1997), “Por bem ou por mal, a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis - da mudança histórica no novo milênio. Não deve nos surpreender, então, que as lutas pelo poder sejam crescentemente simbólicas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assuma progressivamente a feição de uma política cultural.“ Assim, a reflexão sobre o que a escola deve ensinar está em profundamente vinculada ao debate sobre como as transformações sociais vêm interferindo na construção das identidades dos sujeitos e de que forma a cultura assume um papel central nesse processo.
Alternativas para o currículo: multiculturalismo e diversidade cultural
Ao se referir às relações existentes entre cultura e escola, Silva (1995)   denuncia o enorme distanciamento “entre as experiências atualmente proporcionadas pela escola e pelo currículo e as características culturais (...),” próprias da realidade social. Para ele:
“no novo mapa cultural traçado pela emergência de uma multiplicidade de atores sociais e por um ambiente tecnicamente modificado, a educação institucionalizada e o currículo continuam a refletir, anacronicamente, os critérios e os parâmetros de um mundo social que não mais existe.
A desconstrução dos discursos e das narrativas hegemônicas e dominantes pela afirmação de narrativas e discursos alternativos dos grupos subjugados socialmente, devem ser, segundo o autor, um compromisso incorporado pela escola.
Para isso, indica quatro componentes centrais representativos das novas configurações culturais e sociais que devem constituir-se como objeto de reflexão para a pedagogia e o currículo.
Componentes Centrais
CARATER PREDOMINANTE MASCULINO E PATRIARCAL- O primeiro refere-se ao caráter predominantemente masculino e patriarcal que atravessa as várias instâncias sociais e suas implicações para as relações que se estabelecem na escola e a expressão disso corporificada pelo currículo. Para ele, é central que se desestabilize essa situação. E, apesar de considerar que esta questão nos coloca uma série de dilemas e dificuldades, aponta para a importância de pensarmos seriamente formas de introduzir o ponto de vista e a experiência feminina na escola e no currículo.
RELAÇÃO CULTURAL ENTRE POVOS E NAÇÕES- Outro componente trata da relação cultural entre povos e nações dominantes e povos e nações dominadas e se insere na perspectiva crítica denominada pós-colonialismo. Para o autor, os processos de reprodução e perpetuação de relações de poder determinados pela hegemonia de uma determinada cultura sobre a outra devem ser desestabilizados e dasalojados pela escola e pelo currículo. Neste sentido, Silva (1995) argumenta que: “Num mundo como este, no qual conhecimento e poder estão intimamente entrelaçados e no qual os saberes subjugam, é extremamente importante uma perspectiva educacional e curricular que permita o desenvolvimento de visões alternativas das relações de dominação e subordinação entre culturas e nações.” (p. 194).
NOVO CENÁRIO CULTURAL- Um terceiro aspecto destacado pelo autor aponta a necessidade de a escola rever posições para lidar com o novo cenário cultural representado pela difusão e generalização das novas mídias. Para ele, tais transformações: “não podem ser interpretadas no registro conservador do pânico moral e da visão patologizante que vê a ampliação da influência da cultura popular e o predomínio dos novos meios e conteúdos culturais como uma ameaça a tradicionais valores e capacidades supostamente mais universais, humanos e superiores.” (p. 198)
ESTUDOS CULTURAIS- Como último componente, o autor evidencia as contribuições de trabalhos desenvolvidos no campo dos Estudos Culturais, colocando em destaque a ideia do multiculturalismo. Nessa direção, sublinha que os diferentes aspectos do debate sobre o multiculturalismo, movimentos e identidades sociais devem ser incorporados ao processo de reflexão sobre a prática educativa, pois tal perspectiva “pode ser imediatamente transportada ao âmbito da escola e do currículo, pois as relações aí envolvidas não são abstratas e removidas do âmbito da prática. Elas estão presentes, manifesta e diretamente, no cotidiano de todos nós e no cotidiano da escola e do currículo.” (p.197).
Da mesma forma, Candau ao discutir os conceitos de Multiculturalismo e Interculturalismo e suas implicações no campo educacional da América Latina, analisa as origens e os avanços destas correntes, assinalando que tais perspectivas, embora venham ocupando um espaço “crescente no nível internacional”, no contexto da América Latina, permanecem sendo “um desafio”.
Como destaca a autora, muito embora possamos reconhecer que, desde o início do século, em alguns países latino americanos tenham se desenvolvido experiências educativas “orientadas a atender de modo mais adequado a diferentes grupos sociais e culturais marginalizados”, como no caso das populações indígenas. O que pode nos indicar a “hipótese de que a preocupação por uma educação que respeite a diversidade cultural emerge de modo original na América Latina e é muito anterior ao atual movimento de valorização desta perspectiva que se desenvolve no plano internacional.”- nossas escolas ainda permanecem cultivando uma cultura de “caráter monocultural”.
Basta observar, como nos assinala a autora, que “o sistema público de ensino em nosso país (...), além de estar longe de garantir a democratização efetiva do direito à educação e ao conhecimento sistematizado, terminou por criar uma cultura escolar padronizada, ritualística, formal, pouco dinâmica (...) e está referida à cultura de determinados atores sociais, brancos, de classe média, de extrato burguês e configurados pela cultura ocidental, considerada como universal.”
Outra questão discutida pela autora diz respeito à diferença que é preciso estabelecer entre o significado dos termos multiculturalismo e interculturalismo, “muitas vezes utilizados como sinônimos”.
Significado dos termos multiculturalismo e interculturalismo
Para ela, o entendimento de que o termo multiculturalismo pode “significar a presença de diferentes grupos culturais numa mesma sociedade”, não implica compreender que, em tal realidade, se processem “relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a esses universos culturais diferentes”. Este princípio seria do campo de significação do termo interculturalismo, pois este “supõe a deliberada interrelação entre diferentes culturas”. 
Logo, para que se desenvolvam modelos educativos que levem em conta uma perspectiva intercultural é preciso que estes se realizem como “um processo permanente, sempre inacabado, marcado por uma deliberada intenção de promover uma relação dialógica e democrática entre as culturas e os grupos involucrados e não unicamente de uma coexistência pacífica num mesmo território”. Nesse sentido, Candau ressalta a importância de se definir critérios que efetivamente possam contribuir para a não redução ou limitação na adoção de uma perspectiva intercultural em educação e destaca ser este o principal desafio que a educação e os professores precisam enfrentar nesse final de século, pois essa perspectiva “apresenta uma grande complexidade e nos convida a repensar os diferentes aspectos da cultura da escola e o sistema de ensino como um todo. Não pode ser trivializada. 
Coloca questões radicais que têm que ver com papel da escola hoje e no próximo milênio”. As idéias de Candau assim como dos demais autores comentados até aqui, parecem encontrar eco nos argumentos apresentados por Sacristán (1995) ao abordar “a integração de minorias sociais, étnicas e culturais ao processo de escolarização”. Considerar como um dos objetivos gerais da escola a promoção de uma educação multicultural exige a análise de questões amplase complexas que envolvem o processo de escolarização e do “sistema escolar em seu conjunto”. 
Não se garantirá que “a capacidade da educação para acolher a diversidade”. (p.82) - possa efetivar-se, se não forem problematizadas as concepções vigentes sobre currículo e multiculturalismo, pois “o problema do currículo multicultural não é algo que diga respeito apenas às minorias culturais, raciais ou religiosas, com vistas a que tenham oportunidade de se verem refletidas na escolarização como objetos de referência e de estudo; trata-se, antes, de um problema que afeta a “representatividade” cultural do currículo comum que, durante a escolarização obrigatória é recebido pelos cidadãos.”(p.83). Nessa perspectiva, o currículo entendido como instrumento de registro dos conteúdos que se pretende ensinar não garante a prática dessas intenções, sendo, portanto, necessário compreendê-lo a partir de uma concepção mais ampla.
Tal concepção deve refletir inúmeros aspectos envolvidos nos processos de interação que ocorrem em sala de aula.
Nesses processos professores e alunos entrecruzam “crenças, aptidões, valores, atitudes e comportamentos.” (p.88) - conferindo ao que se aprende ou ao que se  deixa de aprender uma dimensão real que não se limita aos conteúdos propostos e expressos no currículo escrito. Assim considerado, “um currículo multicultural no ensino implica mudar não apenas as intenções do que queremos transmitir, mas os processos internos que são desenvolvidos na educação institucionalizada.” Assim considerado, “um currículo multicultural no ensino implica mudar não apenas as intenções do que queremos transmitir, mas os processos internos que são desenvolvidos na educação institucionalizada.”
É preciso, dessa forma, reorientar a formação docente para evitar que se perpetuem visões e atitudes de não valorização de grupos sociais diversos e socialmente excluídos, considerar criticamente a utilização de materiais pedagógicos e, particularmente, dos livros didáticos que se apresentam carentes de uma visão multicultural, assim como levar em conta o conhecimento prévio dos alunos, obtido pelas experiências cotidianas e extraescolares, como alternativas necessárias e inerentes à viabilização de uma educação multicultural.  
Neste sentido, é fundamental aprofundar a reflexão sobre o papel dos atos de currículo neste processo de busca por uma educação mais democrática, na qual as diferentes representações sociais possam ser contempladas.
Atos de currículo: o currículo corporificado na práxis
O que são atos de currículo?
Qual o seu significado e importância numa perspectiva multirreferencial e intercrítica de currículo?
Quais os seus pontos de contato com a abordagem intercultural?
Estas questões nos ajudam a pensar no currículo em uma das principais instâncias onde ele se corporifica: a sala de aula.
O termo Atos de currículo é um conceito que vem sendo desenvolvido pelo professor e pesquisador brasileiro Roberto Sidnei Macedo, no Grupo de Pesquisa em Currículo, Complexidade e Formação / UFBA - Bahia, a partir de uma perspectiva não formal, multirreferencial e intercrítica de currículo. Para compreendermos os aportes fundantes deste conceito, procuraremos sintetizar o que se entende por uma abordagem multirreferencial e intercrítica, segundo Macedo.
Os conceitos de multirreferencialidade e intercrítica encontram-se, nas formulações de Macedo (2007), dialogicamente interligados, representando uma perspectiva que rompe com a ideia de disciplinaridade, tão presente nas abordagens modernas e estruturalistas de currículo.
A partir das contribuições de Edgar Morin e de Jacques Adorno, e suas críticas radicais à rigidez prescritiva da lógica disciplinar, Macedo propõe uma “virada multirreferencial” como alternativa para a compreensão dos complexos processos curriculares. Quer dizer que olhar o currículo por uma perspectiva multirreferencial e intercrítica implica, segundo Macedo:
“em trabalhar os saberes como referências constituídas na dialógica da diferenciação, na referenciação/desreferenciação, sem nenhuma pretensão unificante, nos permite pleitear de forma muito mais fecunda e coerente a intercriticidade nos âmbitos dos atos de currículo.” (2007, p. 82)
Trabalhar o currículo nesta perspectiva é entender o currículo de forma heterogênea, não centrado nas categorias disciplinares, mas incluindo como referências, os múltiplos e diferentes saberes nele implicados, nele presentes.
É conceber o caráter híbrido do currículo, no sentido de que nele podem coexistir e se confrontarem múltiplas significações, fecundadas num debate intercrítico e radicalmente democrático (MACEDO, 2007). Significa abrir espaço para um “diálogo” possível sobre e com a realidade curricular, contemplando diferentes pontos de vista. Clique no ícone do PDF e conheça mais sobre este assunto.
Os atos de currículo, entendidos como toda ação socioeducacional através da qual o currículo é corporificado, têm um papel central nos processos  elencados, vistos no texto que você acabou de ler, pois é através deles que os processos de produção e negociação cultural ocorrerão na escola: na escolha dos conhecimentos que comporão o currículo e estarão presentes nas aulas (os conteúdos, as imagens, os textos, as músicas, as artes, o corpo, as linguagens);
nas formas como os conhecimentos serão organizados e abordados (o que e como estará presente nos cadernos, nos livros didáticos, nos murais e em outros espaços); no modo como serão tratadas as diferenças (que valores e visões de mundo serão contemplados); na organização dos espaços e tempos escolares; nas expectativas positivas ou negativas que projetamos sobre a escola, os alunos, os grupos sociais, sobre nós mesmos.
Um desafio que tem como protagonistas as culturas e suas interfaces.
Aula 6: A noção de competências e habilidades e a organização curricular. O currículo por competências
Você já deve ter ouvido falar, já viu ou utilizou documentos curriculares ou de avaliação, oficiais ou escolares, onde estão expressos os objetivos como norteadores da prática escolar, não é mesmo?
os objetivos transversais, que perpassam todas as disciplinas;
objetivos de cada área/disciplina, organizados geralmente por ciclos ou séries/anos.
Neste encontram-se os objetivos gerais, que revelam o que se deseja desenvolver naquela disciplina ao longo daquele segmento de ensino e os objetivos específicos, que expressam o que se espera que o aluno aprenda naquela disciplina durante determinada série.
Também observamos, em alguns documentos curriculares, a subdivisão dos objetivos em conceituais, procedimentais e atitudinais. O que esta forma de organização curricular tem de peculiar?
Um dos aspectos ressaltados por Macedo (2007) é que este modelo curricular que podemos denominar de “currículo por competências”, embora possa ser utilizado como uma reedição do modelo tecnicista de Tyler - voltado exclusivamente para os objetivos instrucionais - promova uma desconexão entre conhecimentos, habilidades e valores... ...na medida em que as diferentes instâncias do saber, conceitos, procedimentos e atitudes - são vistos separadamente, perdendo o seu caráter relacional, também pode ter “nos seus fundamentos a desconstrução de alguns prejuízos epistemológicos e formativos” (p. 92).
antes de analisarmos mais profundamente a gênese deste modelo curricular, sua influência no Brasil, limites e possibilidades, é preciso distinguir os conceitos de “competência” e “habilidade”, contextualizando-os.
Competência e Habilidade – o que os distingue e os une? “Pelo dicionário, para ser competente, devemos ser habilidosos, mas ser habilidoso nem sempre é suficiente para ser competente. Em outras palavras, habilidade faz parte de competência, mas esta exige muitos outros aspectos além daquela.”Lino de Macedo
É muito comum as pessoas utilizarem as palavras “competência” e “habilidade” como sinônimas. Embora estes conceitos estejam bastante relacionados, é preciso compreender em que se distinguem e em que se complementam.Para isso, vamos analisá-los separadamente.
Habilidade- Segundo Macedo (2008), “habilidade significa fazer algo com qualidade, ter capacidade, inteligência, destreza, astúcia, ter manha. Habilidade é saber ver, ouvir, comunicar.” Para ele, a “habilidade é uma expressão de competência, mas esta não se reduz àquela. Ou seja, para ser competente, temos de ter várias habilidades, mas nossa competência não se resume a um somatório de habilidades [...]. Para ser competente devemos ser habilidosos, mas isso não é suficiente para sermos competentes.”
Competência- Segundo Mello (2003), competência “é a capacidade de mobilizar conhecimentos, valores e decisões para agir de modo pertinente numa determinada situação”.
Tomando estas conceituações como pontos de referência, seria inevitável nos perguntarmos:  
“Seria, então, a competência a latência da habilidade?” “Seria a habilidade a concretização da competência, a competência traduzida em ação?”
Ropé e Tanguy (1997) assinalam que a noção de competência está permeada por dúvidas quanto ao seu real significado e que na área educacional tende a ser concebida como “saberes e conhecimentos”.
Perrenoud nos instiga a refletir um pouco mais sobre a relação entre estes dois conceitos. Para ele,
Existe a tentação de reservar a noção de competência para as ações que exigem um funcionamento reflexivo mínimo, que são ativadas somente quando o ator pergunta a si mesmo:
- O que está ocorrendo?  
- Por que estou em situação de fracasso? 
- O que fazer?
A partir do momento em que ele fizer “o que deve ser feito” sem sequer pensar por que já o fez, não se fala mais em competências, mas sim em habilidades ou hábitos.
No meu entender, estes últimos fazem parte da competência... Seria paradoxal que a competência aparentasse desaparecer no momento exato em que alcança sua máxima eficácia. (PERRENOUD, 1999, p. 26)
Portanto, fazendo uma tentativa de síntese conceitual, vamos considerar, a princípio, estes conceitos como faces de uma mesma moeda: o saber, o saber-fazer, como um processo híbrido e indissociável.
Contudo, dependendo do contexto sócio-histórico ou da área de conhecimento no qual se situe, o conceito de competência pode assumir significações bastante distintas.
O que mais nos interessa, nesta aula, é entender como o conceito de competência foi se constituindo no campo educacional, quais suas bases teóricas e epistemológicas.
Propostas curriculares no Brasil: a recontextualização do conceito de “competência”
Segundo Dias (2002), na proposta curricular brasileira há um processo de recontextualização do conceito de competência, no qual coexistem tradições teóricas a princípio consideradas contraditórias, como a psicologia cognitiva e comportamental e novas conceituações. Para a autora, “ao mesmo tempo que conserva tradições curriculares do passado, cria novos sentidos para o uso do conceito no currículo ajustado ao contexto atual” (ibid.:4). Para Dias, as análises orientadas pelo princípio de recontextualização (BERNSTEIN, 1998) evidenciam a compreensão dos sentidos que se configuram nos discursos sociais e acadêmicos. Esta abordagem do tema possibilita compreender como, quando e onde foram sendo produzidos os diferentes significados de competência, sendo um caminho para o entendimento mais profundo e reflexivo desta polissemia.
Ao analisar o ressurgimento do conceito de competência na pedagogia e nas propostas curriculares brasileiras, com base na formulação de alguns autores que estudaram esta temática, a autora ressalta alguns aspectos que configuram o caráter polissêmico e inconclusivo do conceito de competência, dos quais destacamos os seguintes:
Dias (2002) destaca que, tanto no campo da educação como no campo do trabalho, a difusão do conceito de competência torna-se mais significativa a partir da década de 80. Segundo ela, há pontos convergentes no uso do conceito nos dois campos, dos quais destaca três:
O enfoque no indivíduo e na sua educação como processo de formação permanente;
o processo pedagógico com centralidade nos saberes práticos, da experiência, relacionados ao trabalho e, por último;
grande ênfase no processo de avaliação das competências obtidas pelo aprendiz. Sendo que as duas últimas características apresentam-se de forma associada. (ibid, p.48)
Para Bernstein (1998), o conceito de “competência” utilizado atualmente na educação é o resultado de sua recontextualização, abarcando e reelaborando os múltiplos sentidos a ele atribuídos, em diversos tempos e campos científicos.
Segundo ele, esta recontextualização só foi possível devido a uma convergência nos campos sociopsicológico e linguístico, dos quais destaca os seguintes conceitos:
- Competência linguística (Chomsky) – Linguística;
- competência comunicativa (Dell Hymes) – Sociolinguística;
- competência cognitiva (Piaget) – Psicologia;
- competência social (Lévi-Strauss) – Antropologia.
Neste processo de recontextualização há a criação de novos sentidos, porém mantém alguns sentidos do contexto original, modifica e mantém.
Mas o que mais instigava Bernstein, e que é fundamental nos perguntarmos, é como o discurso pedagógico passou a incorporar o conceito de “competência” e quais as consequências desta incorporação, desta recontextualização para a prática educativa.
Segundo Dias (2002), nas análises das atuais reformas curriculares, diversos autores vêm apontando aproximações entre o atual modelo de competências com os modelos curriculares dos teóricos da eficiência social, destacando que estas influências se iniciam nas décadas 1920, com a incorporação dos princípios da Administração Científica e do trabalho industrial para o campo curricular, sendo revitalizadas por Bobbit e Tyler, que, como vimos anteriormente, foram os precursores de um modelo curricular tecnicista, organizado por objetivos, através do qual pretendia-se preparar os estudantes para a vida adulta e para o trabalho.
O currículo por objetivo, segundo Dias (ibid), teve seu auge nas décadas de 60 e 70, sendo este modelo curricular influenciado, também, pelos trabalhos de Benjamim Bloon, Robert Marger e James Popham, que tinham como foco a avaliação, entendida como medição da eficiência do processo educacional.
Taxonomia de Bloon
A estreita relação entre a adoção das competências como princípio organizador do currículo e as novas formas de organização do saber e do trabalho na sociedade contemporânea é também evidenciada na análise que a autora faz da importância que o conceito assume nos documentos internacionais de orientação para as reformas curriculares, especialmente no Relatório Jacques Delors (2001), e como eles se constituem como forte eixo nas propostas curriculares brasileiras para a educação básica e formação profissional (DIAS, 2002, p.79), tendo este documento como referência.
Segundo Lopes e Macedo (2012), nosso currículo importou, durante muitos anos, os modelos curriculares americanos.
Segundo as autoras, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, representa a primeira tentativa de definir diretrizes curriculares no Brasil, sendo utilizada como referencial em muitos estados e municípios.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1997, bem mais detalhados e compilados por áreas de conhecimento, embora não reconhecidos oficialmente pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) como currículo nacional, tornaram-se também documentos de referência no Brasil, assumindo, segundo as autoras, o papel de “orientadores curriculares”. 
Elas lembram que, até o final de 2012, o Ministério da Educação (MEC) deve complementar as diretrizes curriculares aprovadas entre 2009 e 2011, definindo as expectativas de aprendizagem que nortearão a educação brasileira.
Currículo por competências: limites e possibilidades
Convivem, atualmente, no espaço escolar, práticas centradas nos conteúdos, nas matérias, enfatizando o que deve ser ensinado, e documentos como os PCNs e Projetos Políticos Pedagógicos, que traduzem as intenções curriculares atravésde objetivos.
Estas diferentes formas de organizar o currículo representam, também, modos distintos de conceber os aprendizes, os conhecimentos, a sociedade e a cultura, como vimos nas aulas passadas.
Ao analisar como a noção de competência se expressa nos currículos, Macedo (2007) ressalta que algumas “atitudes didático-pedagógicas podem ser apontadas como pertinentes ao trabalho formativo via um currículo por competências”, dentre as quais destacamos:
- Valorização da transposição didática;
- globalização dos saberes;
- tradução dos conteúdos em objetivos flexíveis;
- aprendizagem para e pelas situações e cenários de trabalho;
- avaliação pautada em indicadores flexíveis e em instrumentos avaliativos de registro.
Novas questões se colocam, a partir das reflexões feitas durante nossa aula:
O currículo por competências poderia acarretar uma desvalorização dos conteúdos nos processos de ensino ou representam uma nova forma de abordar os conhecimentos?
Que tensões existem entre o currículo por competência e as diversidades, numa perspectiva intercultural? Pode-se considerar a diversidade e, ao mesmo tempo, projetar competências iguais para todos os alunos?
Como garantir aos alunos o acesso aos saberes produzidos socialmente e, ao mesmo tempo, valorizar suas representações e construções sociais, suas identidades? Como enfrentar o desafio que se coloca no embate entre universalismo e relativismo?
Há sentidos ainda possíveis de serem construídos para que o currículo por competência incorpore uma perspectiva crítica e pós-crítica de currículo ou esta interseção é um espaço de incompletude? 
Estes questionamentos podem ser objeto de reflexões e de busca de possíveis respostas, mesmo que provisórias, até novas recontextualizações.
Aula 7: Algumas Propostas Contemporâneas de Currículo, suas Características e Especificidade
Na aula passada você teve a oportunidade de refletir sobre o modelo de organização curricular por competências. Tomou conhecimento das críticas feitas a ele, mas também das possibilidades que o currículo organizado por objetivos de aprendizagem pode abrir, principalmente na questão da não fragmentação dos saberes em disciplinas.
Nesta aula, vamos conhecer novos modelos de organização curricular contemporâneos, alguns mais conhecidos e outros menos, mas todos importantes para refletirmos sobre os limites e possibilidades de cada um e suas implicações para a prática educativa.
Todos os alunos têm mesmo que aprender no mesmo tempo? Os ciclos e possíveis diálogos com o tempo escolar.
“Há o aluno que, uma vez ensinada a matéria, a apreende na hora; há o aluno que a apreende uma semana depois e há o aluno que só depois exclama: Ah! O que o professor queria dizer era isso!”(BORBA apud MACEDO, 2007, P.115) 
O que fundamenta a concepção dos ciclos são as teorias que defendem que a aprendizagem nos seres humanos não se dá de forma linear, nem ao mesmo tempo e nem a partir somente de estímulos externos [...].
Porém, a instituição escolar ainda mantém uma certa organização de seu currículo, a distribuição de seu tempo e espaço e seu sistema de avaliação coerentes com princípios e concepções de aprendizagem anteriores a essas teorias.(FERNANDES, 2010b) 
Para começar nossa conversa sobre o tempo escolar e a proposta do currículo por ciclos, vamos nos imaginar numa sala de aula de História, no 4º ano do Ensino Fundamental, em uma escola da rede municipal de ensino no Rio de Janeiro, em 2012. 
Clique no ícone abaixo,  para acompanhar uma pequena situação do tempo escolar e a proposta do currículo por ciclos.
Será mais justo privilegiar o tempo daqueles que concluíram a tarefa ou daqueles que, mesmo se esforçando, não conseguiram correr tanto quanto os outros?
Será justo impor um único tempo para que todos os alunos realizem as tarefas ou para que aprendam?
Em que bases se sustentam as práticas escolares homogeneizadoras tão “naturalizadas” e pouco problematizadas?
O que esse exemplo nos diz sobre o tempo escolar?
O que ele nos diz sobre os tempos das pessoas que estão em cena?
Que conflitos e tensões se estabelecem neste embate de tempos e por quê?
Para entender como estas práticas foram se constituindo, é importante compreendermos o contexto social do surgimento do modelo de escola na qual se inserem e as razões da instauração da seriação, da linearidade e da temporalidade como mecanismos de controle e verificação, partindo do pressuposto que a organização da escolaridade é:
“um produto da cultura da escola, que define a organização dos tempos e espaços escolares marcados culturalmente, mas também social e historicamente, uma vez que não podem ser desconsideradas as inter-relações entre cultura, ideologia, política e economia.” (FERNANDES, 2010a)
Lembram-se das teorias tradicionais do currículo, cujo principal objetivo era criar modelos voltados para a preparação e inserção dos alunos no mercado de trabalho, de forma a atender as demandas do capitalismo, em plena ascensão no final do século XIX?  
Esta vinculação entre educação e mercado de trabalho foi uma das principais razões para que os sistemas escolarizados assumissem a função de “adaptar” os alunos aos padrões do modelo industrial, através de processos de regulação pedagógica e estrutural (Hamilton apud Fernandes, 2010a) pautados na disciplina, na ordem, na eficiência.
A utilização do tempo como fator de controle dos resultados, respaldada na lógica da eficiência capitalista - produzir mais/ensinar mais no menor tempo possível – foi constituindo o modelo escolar seriado, linear, burocratizado que persiste até hoje. O tempo-controle passou a vigorar como a grande espinha dorsal do sistema escolar. Tempos delimitados e inflexíveis para dar uma aula; ensinar um conteúdo; realizar uma tarefa; apreender um conteúdo. Para saber mais sobre esse assunto, visite a Biblioteca Virtual disponível em sua plataforma.
Há uma relação bastante significativa entre organização curricular por ciclos e novas modalidades de avaliação. Na medida em que se entende que os processos de aprendizagem ocorrem em tempos e de maneiras distintas, é inevitável repensar as formas de enunciar os objetivos da aprendizagem e os processos de avaliação das aprendizagens dos alunos.  
O sistema de avaliação classificatório no qual testes e provas mensais, bimestrais ou trimestrais têm a função apenas de identificar os fracos e os fortes, os bons e maus alunos, os eficientes e os fracassados, e  atribuir-lhes uma nota, servindo unicamente para definir a aprovação ou reprovação, passa a entrar em choque com os princípios deste novo modelo curricular.
A organização curricular por ciclos pressupõe processos avaliativos de caráter formativo e processual. Os diversos instrumentos de avaliação, sejam eles mais convencionais (análise de atividades diversas em cadernos e outros materiais didáticos, trabalhos em grupo, testes e provas) ou mais diferenciados (registros do professor, relatórios, autoavaliação, portfólios, memorial), devem ser utilizados para fornecer informações ao professor sobre como conduzir o processo educativo e aos alunos sobre seu processo de aprendizagem.
Por terem um caráter prioritariamente formativo, tornam-se importantes elementos de conscientização e autorregulação da aprendizagem. Diferentemente das notas e conceitos, que só dizem para o estudante “você está mal, pode ser reprovado” ou “você está bem, pode ser aprovado”, o foco da devolução dos resultados e evidências de aprendizagem é indicar “você já sabe isto” ou “você ainda não sabe isto e precisa aperfeiçoar-se neste aspecto”.
O “currículo por módulos de aprendizagem” foi defendido por um dos representantes da teoria crítica do currículo, o sociólogo Michael Young. Tendo como eixos centrais a modularização e a conectividade, sua proposta curricular também rompe com a rigidez, linearidade e fragmentação do currículo tradicional, no qual as disciplinas são vistas como unidades isoladas, dissociadas. 
Os módulos (pequenos blocos de aprendizagem) podem ser combinados

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