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O mundo se despedaça, de Chinua Achebe Leandro Lente de Andrade 1. A obra É um romance nigeriano, portanto, sua narrativa é distinta das demais literaturas que ao abordarem a África acabam por tratar os nativos do continente partindo de uma visão externa – tipicamente europeias. Sendo assim, há uma perpectiva interna africana e encara o Outro, o branco invasor, com estranheza; invertendo, portando, as conhecidas abordagens eurocêntricas. Possui duas partes dedicadas a trabalhar a cultura dos ibos, o cotidiano da sociedade local e a vida do personagem Okonkwo; e a última parte, destinada às transformações ocorridas após a chegada dos ingleses em território africano. Trata-se de uma representação dos diversos elementos culturais presentes em uma sociedade africana, tais como religião, práticas cotidianas, tradições, contos, utensílios, rituais, músicas, culinária, modos de trabalho, língua (ao final do livro há um glossário), etc. É curioso notar a preocupação do autor em representar a unidade da cultura das aldeias, mas, ao mesmo tempo, não deixar de trabalhar questões subjetivas dentro dessa mesma sociedade. Exemplo claro disso está evidente no fato de Okonkwo, o protagonista do romance, ser a antítese do seu próprio pai. Desse modo, Chinua Achebe não reduz a complexidade da ibo, pelo contrário, constrói seus personagens e todo o contexto no qual estão inseridos, de maneira que faça o leitor ser penetrado por uma “outra realidade” distante da nossa – brasileira. Por vezes essa “outra realidade”, pode chocar, como é o caso dos sacrifícios de bebês; noutras ocasiões, a intensidade da narrativa leva-nos a refletir sobre nossa própria sociedade, nas questões de gênero, por exemplo. Em todo caso, são situações que causam estranhamento ou reflexão e compõem um quadro de práticas culturais que são aceitas, fazem sentido e, até mesmo, são naturalizadas pela cultura retratada. Um ponto importante a ser salientado é que o romance é elaborado trazendo uma narrativa de acontecimentos (fictícios, porém inspirados no real) que ocorrem antes da chegada dos homens brancos – tempo em que a oralidade exercia função primordial nas sociedades africanas. Assim sendo, o romance procura, a seu modo, promover uma visibilidade à cultura local. Tendo em vista que, pela ausência de registros escritos, tais sociedade são, por vezes, negligenciadas e esquecidas. Nesse sentido, o romance trabalha uma visão interna dos nativos de toda a interferência causada com a chegada dos novos habitantes. As escolas, a nova religião, a nova forma de organização social e de legislar sobre o seu território são elementos que exercem poder – e violência – sobre os antigos moradores. Contudo, o mais interessante é notar que o autor não parece tão preocupado em dar ênfase nos homens brancos. Chinua Achebe permanece trabalhando a sociedade local e o seu despedaçar. Seu foco é o mundo ibo. 2. O autor Albert Chinualumogu Achebe (1930-2013) foi um importante escritor nigeriano. É mundialmente conhecido. Autor de dezenas de obras de romances, contos, poesias, ensaios e comentários políticos. Foi pioneiro e é referência na literatura africana do século XX. Lecionou nos Estados Unidos, onde faleceu em Boston. 3. A publicação Foi originalmente publicado em 1958, dois anos antes da Nigéria se tornar independente. A edição que tive acesso foi publicada pela Companhia das Letras em 2009, contando com a tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva e introdução e glossários de Alberto da Costa e Silva. Outros dois livros posteriores de Chinua Achebe trazem uma temática similar e parecem compor uma espécie de trilogia: A paz dura pouco, de 1960, e A flecha de Deus, de 1964. É razoável afirmar que sua publicação, estando inserida no contexto de independência nigeriana, faz parte de um importante realce de elementos que tendem abordar o início do processo de colonização inglesa. Portanto, traz para a nação nigeriana – embora o mundo ibo não esteja enquadrado exatamente no território da Nigéria – e para os leitores da obra, a memória de um povo que sofreu por séculos com a violência e a exploração, no momento em que há a possibilidade de uma nova retomada da identidade cultural de uma parcela da população africana.
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