Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TEXTOS DE LINGUÍSTICA COMPARADA TIPOLOGIA LINGUÍSTICA Tommaso Raso e Jacyntho Lins Brandão A tipologia linguística estuda as línguas em um modo transversal e as classifica não como derivadas de um ancestral comum, mas com base na pertinência a um tipo estrutural comum. Sua proposta é entender até que ponto as línguas podem ser e são diferentes quanto às estratégias usadas para expressar significados. Ela estuda a estrutura das línguas independentemente de sua dimensão histórica. Desse ponto de vista, todas as línguas têm o mesmo interesse, sendo essas vivas ou mortas. O hitita, por exemplo, que deixou de ser falado desde o primeiro milênio a.C., tem a mesma importância que o inglês para os estudos de tipologia. Do ponto de vista tipológico, os grupos entre os quais as línguas são divididas se chamam tipos linguísticos. Um tipo linguístico é constituído por uma combinação de traços estruturais logicamente independentes. São consideradas pertinentes as propriedades que permitem fazer previsões sobre a estrutura das línguas pesquisadas, isto é, se um tipo é um conjunto de propriedades independentes, mas relacionadas, qualquer uma dessas propriedades será pertinente se permitir a previsão das outras. Tomemos um exemplo de outra esfera. Se tivéssemos de classificar o conjunto dos veículos a motor de modo a poder fazer previsões sobre suas características e formas, poderíamos partir do uso, dividindo-os: transporte de passageiros, de animais e de mercadoria. Os veículos dos últimos dois tipos provavelmente serão bastante grandes e terão dispositivos para o reboque da carga ou, no caso dos animais, uma jaula separada da cabine de direção. Os do primeiro tipo teriam, entre características essenciais, a presença de assentos, a ausência de uma cabine de direção separada do resto do veículo etc. Em suma, podemos dizer que o parâmetro de uso permite fazer previsões sobre outros parâmetros. Se, ao contrário, tivéssemos escolhido o parâmetro cor, não teríamos conseguido deduzir outras características, porque qualquer tipo de veículo pode ser de qualquer cor. Um parâmetro linguístico que demonstrou grande capacidade de previsão é o relativo a algumas estruturas sintáticas, como o SV (sintagma verbal), o SN (sintagma nominal), a oração relativa e outros. Partindo da ordem dos constituintes de uma dessas estruturas, pode-se prever com boa probabilidade a ordem dos constituintes das outras. A tipologia não é uma disciplina puramente descritiva, mas preditiva. O tipo tem carácter meramente estrutural e a tipologia deve poder individualizar o princípio subjacente que relaciona as várias propriedades correlatas. Não são relevantes as características isoladas, mas a ratio profunda, o princípio mais profundo que explica as relações que interagem nas várias características. Isso não quer dizer que as características aparecem sempre e com certeza, mas que é provável que apareçam. De fato as línguas estão sujeitas, no seu devir histórico, a muitos condicionamentos que vão além da simples realidade linguística e que podem imprimir bruscos e imprevisíveis desvios. Os tipos são simplificações da multiplicidade que existe na natureza e não reproduções integrais e fiéis de nenhuma língua. Uma língua será inscrita em um tipo ou em outro se a sua estrutura for estatisticamente mais compatível com um ou outro. Obviamente, não devem existir tipos que, na realidade, teoricamente resultem impossíveis. Vejamos qual é a explicação mais plausível das causas subjacentes para as correlações estruturais de cada tipo. A causa seria externa ao sistema linguístico e seria de natureza pragmática: visto que a língua é, em última análise, um fato social e que a sua principal função é possibilitar a comunicação nas sociedades, a ratio profunda seria de natureza funcional. Cada configuração tipológica seria então um reflexo das estratégias de que a língua dispõe para resolver os problemas comunicativos. Nos estudos tipológicos há uma clara prevalência dos que se ocupam da morfologia e da sintaxe. O léxico, sendo uma espécie de revestimento externo da língua, encontra-se em contato muito estreito com a mutabilidade da realidade extralinguística para poder fornecer indicações confiáveis para a reconstituição dos tipos. O nível fonético-fonológico é, ao contrário, o mais impermeável às influências externas e, por isso mesmo, ficou descuidado, porque se manteve muito conservador. 1. Tipologia morfológica Os primeiros estudos de tipologia linguística levaram em conta padrões apenas de ordem morfológica, desde fins do século XVIII, com Adam Smith, e princípios do XIX, com os irmãos Friedrich e August von Schlegel. Estes últimos aplicaram às línguas flexivas a distinção proposta pelo primeiro entre línguas “analíticas” e “sintéticas”, ou seja, aquelas em que os morfemas correspondem a unidades semânticas que se apresentam claramente distintas na flexão de nomes e verbos, e aquelas em que os morfemas correspondem a várias unidades semânticas impossíveis de serem segmentadas, acrescentando um terceiro tipo, as línguas “isolantes”, em que não há flexão. A tipologia morfológica pressupõe a ação de dois parâmetros: o índice de síntese e o índice de fusão. O primeiro diz respeito ao número de morfemas indivisíveis no interior de uma palavra; o segundo, à segmentabilidade da própria palavra, isto é, o grau de dificuldade com o qual são individuadas as fronteiras entre os morfemas e, então, entre as menores unidades de significado das quais são portadores. A combinação dos dois parâmetros permite dividir as línguas em pelo menos quatro grandes tipos: isolantes, polissintéticas, aglutinantes e fusivas, cuja distribuição poderia ser assim representada: ín- di- ce de sín- te- se 1 polissintéticas 0,9 0,8 0,7 0,6 aglutinantes 0,5 0,4 0,3 fusivas 0,2 0,1 0 isolantes 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1 índice de fusão Em termos gerais, a classificação tipológica com base na morfologia redundaria no seguinte esquema, que toma como ponto de partida o nível de síntese: Línguas de tipo: 1.analítico: línguas isolantes 2.sintético: 2.1.línguas polissintéticas 2.2.flexional: 2.2.1.línguas aglutinantes 2.2.2.fusivas: 2.2.2.1.línguas flexivas 2.2.2.2.línguas ntroflexivas Você encontrará abaixo uma descrição de cada um desses tipos. 1.1. Línguas isolantes Nas línguas isolantes o índice de síntese tem valor mínimo: cada palavra tende a ser monomorfemática, cada morfema é invariável na forma e em geral exprime um único significado. Não tem sentido, neste caso, falar de índice de fusão, porque há um único morfema. Entre as línguas isolantes estão o chinês mandarim e o vietnamita. Chinês mandarim Tā zài túshūguăn kàn bào. Ele em biblioteca ler jornal. Ele está lendo jornal na biblioteca Vietnamita Khi tôi dên Nhà bąn tôi, chúng tôi bǎt ðâu làm bài. Quando eu ir casa amigo eu, PL eu tomar cabeça fazer aula. Quando vou à casa do meu amigo, começamos [tomar cabeça = começar] a estudar [fazer aula = estudar]. Nessas frases, cada palavra é formada de um único morfema. Por exemplo, observe-se o morfema tôi, que significa “eu”, no primeiro caso, e, no segundo, vem pluralizado pelo acréscimo do morfema chúng, que traz apenas uma informação gramatical [PLURAL]. Ao contrário, no inglês o plural é assinalado pelo sufixo –s: boy “rapaz” e boys “rapazes”. Além disso, as palavras tendem a ser invariáveis na forma, contrariamente ao que acontece no português, em que a categoria sintática de uma palavra pode ser modificadapor um prefixo e/ou sufixo (Adj. Velho; N velhice; V. envelhecer). Nas línguas isolantes uma mesma palavra pode desempenhar diversas funções sintáticas, permanecendo formalmente igual. Nas três ocorrências da forma tôi na frase vietnamita, na primeira e na terceira vez, ela é um pronome pessoal (eu/nós), enquanto na segunda é um adjetivo possessivo (meu). Fenômenos deste tipo se chamam “conversão”, isto é, mudança de função morfossintática sem modificação formal da palavra. Ela existe também em línguas não-isolantes: em português, rápido pode ser usado como adjetivo (essa pessoa é rápida) ou como adverbio (faço isso rápido). Em italiano, são exemplos de conversão a passagem de verbo a nome (cantante participio > il cantante N; potere infinitivo > il potere N; veduta participio > la veduta N; crescendo gerundio > il crescendo), ou a passagem de adjetivo a advérbio (cielo chiaro > parlar chiaro). Todavia, o inglês é a língua não-isolante que mais usa a conversão: stop pode ser N e V; light pode ser Adj., N, V, Adv. Um outro aspecto fundamental das línguas isolantes é a correspondência biunívoca entre os morfemas (neste caso palavras) e as unidades semânticas: cada morfema/palavra exprime um único significado, seja ele lexical ou gramatical. Por exemplo, dois significados – [pronome pessoal de 1ª pessoa] e [plural] –, que em português ou inglês estão contidos em um única palavra (nós/we vs singular eu/I), em vietnamita se expressam colocando lado a lado dois morfemas/palavras: chúng (plural) e tôi (eu). 1.2. Línguas polissintéticas Em oposição às línguas isolantes encontramos as línguas polissintéticas, nas quais o índice de síntese assume o valor máximo. Essas, na verdade, concentram no interior da própria unidade lexical um grande número de morfemas, chegando a condensar em uma única palavra as informações que para nós requereriam uma frase inteira. Exemplo: Esquimó Angya-ghlla-ng-yug-tuq Barco-AUMENTATIVO-comprar-DESIDERATIVO-3ªPS. SING Ele quer comprar um barco grande. A seqüência Angyaghllangyugtuq é ao mesmo tempo uma palavra e uma frase. Nessas línguas, o índice de fusão tem valor intermediário porque o grau de complexidade da estrutura interna das palavras faz com que haja casos em que morfemas adjacentes se fundem uns com os outros. 1.3. Línguas aglutinantes As línguas do tipo aglutinante apresentam um menor índice de fusão. A palavra consta de mais morfemas e a segmentação não apresenta dificuldades particulares. É rigorosamente mantida uma correspondência biunívoca entre forma e conteúdo. Exemplo: Turco: Adam (homem) Adam-lar (homem-PL = homens) Adam-a (homem-DAT = ao homem) Adam-lar-a (homem-PL-DAT = aos homens) Nahuatl: No-kali (meu-casa = a minha casa) No-kali-mes (meu-casa-PL = as minhas casas) Mo-pelo (teu-cachorro = o teu cachorro) Mo-pelo-mes (teu-cachorro-PL = os teus cachorros) O índice de síntese nas línguas aglutinantes é médio-alto: as palavras tendem a ter muitos morfemas porque não é possível exprimir mais de uma categoria semântico-funcional em um único morfema. 1.4. Línguas fusivas Oposta é a situação das línguas fusivas (também chamadas geralmente de flexivas, embora se deva notar que também as aglutinantes conhecem o recurso morfológico da flexão). Aqui o valor do índice de síntese é médio-baixo, mas o índice de fusão apresenta valor máximo. Os limites entre um morfema e outro perdem em visibilidade e isto determina uma série de reações em cadeia: a segmentação se torna particularmente difícil, as exceções, digamos assim, se multiplicam e o ideal de correspondência biunívoca entre forma e conteúdo se perde porque mais categorias semântico-funcionais se fundem em um único morfema. As línguas indo-européias têm um caráter prevalentemente fusivo. 1.4.1. Línguas flexivas Nas línguas flexivas os morfemas nominais e verbais se apresentam, em geral, como prefixos, infixos ou sufixos que se acrescentam a uma raiz. Assim, se se considera o caso do dativo plural do latim hominibus, podemos segmentar inicialmente homin-ibus, com um morfema lexical e um morfema gramatical. Mas não é possível fazer outras segmentações. O morfema -ibus traz tanto o significado de dativo quanto de plural, portanto, dois significados correspondem a uma única forma. A diferença em relação ao turco é evidente: no dativo plural adamlara, -lar è a marca do plural e -a é a do dativo. Além disso, nas línguas fusivas, como o latim, os morfemas têm muitas vezes uma forma variável: a terminação do nominativo plural –es em homines, que pertence à terceira declinação, não é a mesma para os nomes masculinos da segunda declinação, em que a mesma função é desempenhada pelo morfema –i de lupi, tampouco a mesma dos nomes neutros da terceira declinação, para os quais o nominativo plural é feito com –a (corpora), ou, ainda, para os nomes femininos da primeira declinação (rosae). A violação da correspondência entre forma e conteúdo acontece em ambas as direções: por um lado –ibus é uma forma para dois significados (plural e dativo), por outro –ibus pode ser interpretada tanto como dativo quanto como ablativo. 1.4.2. Línguas introflexivas Encontra-se também no interior do tipo fusivo o subtipo introflexivo. Nele, a relação entre unidade de forma e unidade de conteúdo se apresenta como nas línguas fusivas, porém as marcas morfológicas não vêm dispostas linearmente, mas em ordem de pente. Assim, em acádio, língua semítica falada na Babilônia no segundo milênio a. C., os tempos verbais são expressos pelo acréscimo derefixos e sufixos, quanto de infixos no interior da raiz, formada em geral por três consoantes, como se pode observar no exemplo abaixo: Raiz Pretérito Presente Estativo Infinitivo prs (cortar) iprus iparras paris parāsu kšd (chegar) ikšud ikaššad kašid kašādu šrq (roubar) išruq išarraq šariq šarāqu Também o árabe, por exemplo, constrói palavras intercalando a uma raiz (tri)consonântica, que tem uma leitura semântica frequentemente genérica, desprovida de qualquer implicação gramatical (tempo, gênero, número etc.), sequências vocálicas particulares, que são colocadas entre as consoantes, responsáveis por especificações como no exemplo abaixo: ktb = a área semântica da escrita kataba = ele escreveu yaktubu = ele escreve kitāb = livro kutub = livros kutayyib = livrinho kātib = escritor kutubī = livreiro maktaba = biblioteca 2. A tipologia sintática A tipologia sintática vem sendo estudada com bastante detalhamento nas últimas décadas, tendo-se revelado um dos critérios mais significativos para a tipologia linguística. A seguir você encontrará a exposição de alguns dos parâmetros mais importantes nessa área, incluindo: a) a disposição dos constituintes da oração declarativa; b) a distinção entre línguas acusativas, ergativas e ativas; c) a distinção entre línguas pro-drop e não-pro-drop. 2.1. Ordem dos constituintes da oração declarativa Um dos critérios que se relevaram mais produtivos para a classificação tipológica é o relativo à ordem na qual os elementos da frase declarativa são dispostos, os constituintes básicos sendo Sujeito (S), Verbo (V) e Objeto (O). Quando se considera esse aspecto, constata-se uma clara prevalência de dois tipos: a) 45% das línguas são SOV, como o o turco, parte das línguas finougrianas, as línguas dravídicas, o japonês etc. b) 42% são SVO, como as línguas românicas, germânicas, eslavas, bantas, o vietnamita etc.; c) menos de 10% adotam a ordem VSO. Exemplos: SOV SVO VSO Japonês Ioruba Galês Taro ga inu o mita Taro CLsuj cão CLobj viu Taro viu o cão.� Bàbá ra bàtá Pai comprou sapatos O pai comprou os sapatos. Lladdodd y ddraig y dyn Matou o dragão o homem O dragão matou o homem. Estes três tipos cobrem cerca de 97% da variação linguística mundial.O que acontece com os outros três tipos: VOS, OVS e OSV? São VOS o malgaxe (de Madagascar) e o coeur d’Alène (língua penute falada ao norte de Salt Lake City, nos Estados Unidos), enquanto é OVS o hixkaryana (falado no Brasil). É possível que não existam línguas OSV. A preferência das línguas do mundo pelo tipos SVO e SOV (além de, em escala menor, também por VSO) é tão clara que não pode ser fruto do acaso. O elemento que os três tipos preferidos tem em comum é a ordem SO. Então, podemos dizer que quase todas as línguas do mundo colocam o S antes do O na frase principal declarativa. Qual pode ser a razão? O S é, em geral, a entidade que realiza a ação expressa pelo verbo e exerce sobre esta um alto grau de controle. Essas prerrogativas conferem ao S, na organização mental da informação, uma saliência cognitiva superior à do O. Notamos, de fato, que a primeira posição de uma frase confere ao constituinte uma relevância maior no ato comunicativo. Além disso, o S corresponde, na maior parte dos casos, àquela parte da informação que é definida como dada, enquanto, no resto da frase, se transmite a informação nova. 2.1.1. Ordem natural e ordem marcada Na realidade a situação é mais complexa. Algumas línguas possuem uma ordem de constituintes muito rígida (como o inglês) e outras têm uma ordem muito livre (por exemplo, o húngaro). Há línguas com ordem relativamente livre, como o italiano e o português. Observem-se os exemplos abaixo, do italiano: SVO OVS OVS VOS Carlo prende la giacca (Carlos pega o casaco) La giacca, la prende Carlo (O casaco, o pega Carlos) (La prende Carlo, la giacca) (Pega-o Carlos, o casaco) Prende la giacca, Carlo (Pega o casaco, Carlos) O que diferencia a frase Carlos pega o casaco, que está na ordem SVO, de todas as outras? É que ela é natural, não-marcada, isto é, tem mais probabilidade de ser usada, serve para todos os contextos e não requer um contexto particular. As outras têm menos probabilidade de serem usadas e requerem um contexto preciso, ou um número mais reduzido de contextos, além de marcas gramaticais a mais. Por exemplo, a frase não marcada pode responder a todas as seguintes perguntas: a) Quem pega o casaco? b) O que Carlos pega? c) O que Carlos faz? d) O que aconteceu? Ao contrário, à pergunta Quem pega o casaco? não posso responder *Pega o casaco, Carlos e devo responder O casaco, o pega Carlos. E à pergunta O que faz Carlos? não posso responder *O casaco, o pega Carlos. Quando uma forma é marcada, isso quer dizer: a) que ela exprime um valor informativo não natural, mas específico de um contexto; b) que é menos provável; c) que pressupõe a existência da forma não-marcada; d) e que traz consigo uma marca gramatical especial. Na forma natural, a frase é pronunciada sem nenhuma marca especial. Nas outras, ao contrário, há uma quebra e uma entonação particular, como se assinalou com vírgulas no exemplo, o que constitui sua marca gramatical particular. Na sintaxe nota que certas construções são mais frequentes e menos marcadas que outras. Um exemplo clássico é o das relativas, com os seguintes tipos, ordenados do mais para o menos frequente: a) nem todas as línguas possuem construções relativas, mas se uma língua possui algum tipo será a relativa do sujeito (a casa que comprei é linda); b) se uma língua possui dois tipos, serão as do sujeito e do objeto direto (vejo a casa que comprei); c) se possui três, a terceira é do dativo (dou a casa ao amigo que amo); d) se possui quatro, a quarta é do genitivo (o preço da casa que comprei é alto). Na prática, a última implica a presença das anteriores. Assim, podemos definir que a do sujeito é a menos marcada e a do genitivo a mais marcada. 2.1.2. Correlação de parâmetros Há vários parâmetros correlatos à ordem VO ou OV, ou seja, sabendo-se que uma língua é OV ou VO pode-se prever muitas outras características. Por isso, o parâmetro da ordem dos constituintes básicos é muito importante. O quadro a seguir apresenta alguns deles: Tipo VO Tipo OV N-artigo (isto é: o nome antecede o artigo) Artigo-N Preposições Posposições N-genitivo Genitivo-N N-adjetivo Adjetivo-N N-demonstrativo Demonstrativo-N N-numeral Numeral-N N-frase relativa Frase relativa-N Auxiliar-Verbo (o auxiliar antecede o verbo) V-Auxiliar V-advérbio Advérbio-V Conjunção-frase subordinada Frase subordinada-conjunção Comparativo-complemento da comparação Complemento da comparação-comparativo Pronome interrogativo em posição inicial Pronome interrogativo em posição final Exemplos: Tailandês (tipo VO) Turco (tipo OV) Verbo-Objeto Khăw sii aahăan Ele compra comida Preposições Kàp chaawbâan Com pessoas da mesma aldea N-genitivo Nănsĭi dèk Livro menino (o livro do menino) N-Adjetivo Bâan sŭay Casa bonita (uma casa bonita) N-Demonstrativo Wíchaa nán Argumento este (este argumento) N-Numeral Dèk săam khon Menino três CLASSIFICADOR (três meninos) N-frase relativa Dèk thîi rian phaasăa thay maa lέεw Menino REL estuda língua tailandesa chega já (o menino que estuda a língua tailandesa já chegou) Pronome interrogativo inicial Khray rian phaasăa thay? Quem estuda língua tailandesa? Objeto-Verbo Hasan öküzü aldi Hasan boi comprou (Hasan comprou o boi) Posposições Masanin altinda Mesa embaixo (embaixo da mesa) Genitivo- N Ayşe-nin arabasi Ayşe-GEN carro (o carro de Ayşe) Adjetivo- N Yorgun at Cansado cavalo (um cavalo cansado) Demonstrativo-N Bu makale Este artigo Numeral- N Beş adam Cinco homem (cinco homens) Frase relativa-N Okula gid-en çocuk Escola vai-REL menino (o menino que vai à escola) Pronome interrogativo final Çokuğa kitabi kim verdi? Ao menino o livro quem deu? (Quem deu o livro ao menino?) Os dois tipos em questão demonstram o índice máximo de coerência tendo em vista os parâmetros apresentados, do mesmo modo que, para as línguas VO, o bérbere e o zapoteca, e, para as OV, o basco, o birmanês e o hindi. No entanto, isso não cobre toda a gama de variedade entre as línguas. Tomemos os exemplos do português e do inglês, duas línguas geneticamente muito próximas: PORTUGUÊS INGLÊS VO Ele compra comida Preposições Para o Brasil N-Gen. O tempo da nossa vida O livro de Pedro N-Adj. Um homem pobre Adj.-N Um pobre homem Demonstrativo-N Este homem Numeral-N Três homem N-FRel. O menino que estuda historia Pron. de interrogação inicial Quem estudava historia? VO He buys food Preposições To Brazil N-Gen. The time of our life Gen.-N Pedro’s book Adj-N A poor man Demonstrativo-N This man Numeral-N Three men N-FRel. The man who studied history Pron. de interrogação inicial Who studied history? Observe-se que, mesmo tratando-se de duas línguas SVO, o português não respeita os parâmetros previsíveis em dois casos (N-Demonstrativo e N-Numeral) e em um caso (N-Adj.) pode ter as duas ordens; enquanto o inglês não respeita os parâmetros em três casos (N-Adj., N-Demonstrativo e N-Numeral) e em um caso (N-Genitivo) pode ter as duas ordens. Que explicação se poderia dar para isso? Decomponhamos parte por parte o primeiro tipo (VO): No que concerne ao SV (Sintagma Verbal), o elemento dominante, tecnicamente definido como núcleo, é o verbo. Tanto é verdade que ele decide se deve haver ao menos um objeto direto e como este deve ser: podemos dizer o menino come a maçã, ou ainda o menino come, ou come a maçã mas não *o menino a maçã. Neste tipo, o V precede o O, isto é, o seu complemento. No SN (Sintagma Nominal),o núcleo, isto é, o N, que governa a concordância e não pode ser omitido, como podem ser os seus modificadores, precede os próprios complementos e os próprios modificadores. No sintagma apositivo, o aposto, isto é, o núcleo (mesmo que nem todos estejam de acordo que um aposto possa ser considerada núcleo) também precede o complemento. Tendo em vista que no tipo OV se observa justamente o contrário, então se pode concluir que o princípio organizador de ambos concerne à posição do núcleo e dos complementos/modificadores. O tipo VO obedece ao princípio de situar o “núcleo à esquerda” e o tipo OV de situar o “núcleo à direita”. Isso tem consequências importantes, seja do ponto de vista teórico ou empírico. Do ponto de vista teórico, é significativo que algumas construções logicamente independentes obedeçam a um princípio organizador único e coerente. Do ponto de vista empírico, esse critério permite aos falantes uma notável economia de energia em fase de aquisição e no uso da língua. No entanto, essa explicação não esclarece por que o adjetivo e o artigo são colocados no princípio em línguas VO. O artigo, como modificador, deveria vir antes do N no tipo OV e depois dele no tipo VO, mas o contrário acontece com frequência. Uma tentativa de explicação é que a coerência tipológica seria rigorosamente respeitada somente pelos constituintes que têm uma estrutura sintática interna, isto é, pelos constituintes que, em uma representação em árvore, exibissem uma ramificação. Vejamos o exemplo do Inglês: a) leader of the party SN (Sintagma Nominal) N (Nome) SP (Sintagma Preposicionado) Leader P (Preposição) SN (Sintagma Nominal of the party b) book that I read SN N FRel (Frase relativa) book Pron. Frase That Pron. V I read c) black dog SN Adj. N black Dog d) the/a table SN Art. N the/a Table Enquanto no caso de N-Gen. e N-FRel há ramificação, no caso de Adj.-N e de Art.-N não há ramificação e, portanto, deixa de haver obrigação de respeitar-se a ordem previsível. 2.2. Línguas acusativas, ergativas e ativas Este critério de classificação tipológica diz respeito à marcação das funções do sujeito e do objeto de diferentes tipos de verbos. Os estudos sobre a diferença entre línguas acusativas e ergativas são mais numerosos, motivo por que começaremos por esta distinção. 2.2.1. Línguas acusativas Consideram-se línguas acusativas as que marcam o objeto dos verbos transitivos, não fazendo distinções entre sujeitos de verbos transitivos e intransitivos. Em línguas que possuem algum tipo de declinação esse fenômeno fica mais claro, a forma do nominativo servindo para todo tipo de verbos. Assim, por exemplo, em latim: Verbos intransitivos Verbos transitivos Puer ambulat. Menino-NOM caminhar-PRES-3P-SING O menino caminha. Puer canem uidet. Menino-NOM cão-AC ver-PRES-3P-SING O menino vê um cão. Canis latrat. Cão-NOM ladrar-PRES-3P-SING O cão ladra. Canis puerum mordet. Cão-NOM menino-AC morder-PRES-3P-SING O cão morde o homem. Puer clamat. Menino-NOM gritar-PRES-3P-SING O menino grita. Homo canem occidit. Homem-NOM cão-AC matar-PRES-3P-SING O homem mata o cão. Observe tanto como o objeto, no caso dos verbos transitivos, apresenta uma marca bastante regular (-m), enquanto o sujeito pode ter terminações variadas (puer, canis, homo). O mais importante, contudo, é que, independentemente de o verbo ser transitivo ou intransitivo, o sujeito apresenta sempre a mesma forma. Ainda que de uma família diferente do latim, também o japonês é uma língua acusativa, pois não procede à distinção na marcação do sujeito tendo em vista a transitividade ou não do verbo: Verbos intransitivos Verbos transitivos Otoko ga tsuita. Homem CLsuj chegar-PAS O homem chegou. Otoko ga kodomo o mita. Homem CLsuj menino CLobj ver-PAS O homem viu o menino. Um último exemplo é bastante expressivo: o hebraico não apresenta nenhuma desinência de sujeito, independentemente do sentido ou da regência do verbo, tendo contudo uma preposição que marca o objeto (et), como você pode ver no exemplo abaixo, que reproduz a primeira oração do Gênesis: Bereshit bara’ ‘eloḥim ‘et ḥashamain veet ḥaerets. Em-princípio criar-PAS-SING-3P deus-PL CLobj DET-céu e-CLobj DET-terra No princípio Deus criou o céu e a terra. Considerando-se esse padrão tipológico, classificam-se como acusativas as línguas indo-europeias, as línguas semíticas, as línguas bantas, o japonês, etc. É nesse grupo que se encontra também o português. Semelhantemente ao que se observa no japonês e no hebraico, note-se como no chamado objeto direto preposicionado, utilizado quando se opta por uma ordem dos termos da oração não-marcada, a indicação de qual termo constitui o objeto se faz por meio da preposição ‘a’. Assim, em: O menino viu o cão, sabemos que ‘o cão’ é o objeto por estar posto após o sujeito, conforme a ordem SVO. Caso contudo se deseje modificar a ordem natural (SO), então o objeto deverá ser precedido pela preposição ‘a’, que funciona como um autêntico classificador: OSV OVS VOS Ao cão o menino viu. Ao cão viu o menino. Viu ao cão o menino. 2.2.2. Línguas ergativas Nas línguas ergativas, o sujeito dos verbos transitivos recebe uma marca de caso (ergativo) diferente do que acontece com o sujeito dos verbos intransitivos, o qual, tal qual o objeto, não apresenta marca (o que se chama de caso absolutivo). Tomemos o exemplo do basco: Verbos intransitivos Verbos transitivos Mutila ibiltzen. Menino-DET-ABS/caminhar-PRES-3P-SING O menino caminha. Mutilak txakurra ikusi du. Menino-DET-ERG/cão-DET-ABS/ver + AUX-PRES-3P-SING O menino vê o cão. Txakurra iblitzen. Cão-DET-ABS/caminhar-PRES-3P-SING O cão caminha. Txakurrak mutila kosk egiten du. Cão-DET-ERG/menino-DET-ABS/morder + fazer-DUR + AUX-PRES-3P-SING O cão morde o homem. Mutila beldur da. Menino-DET-ABS/medroso/ser-PRES-3P-SING O menino é medroso. Gizonak txakurra akabatu du. Homem-DET-ERG/cão-DET-ABS/matar + AUX-PRES-3P-SING O homem mata o cão. Observe como os sujeitos dos verbos transitivos são diferentes dos sujeitos dos verbos intransitivos. É que os primeiros se encontram no caso ergativo (mutilak, txakurrak e gizonak), enquanto os segundos estão no caso absolutivo, este último sendo a forma tanto dos sujeitos de verbos intransitivos, quanto dos objetos diretos (mutila e txakurra). Considerando-se que os substantivos bascos podem apresentar três formas, a saber, indeterminado, determinado singular e determinado plural (as formas determinadas correspondendo às que em português marcamos com o artigo determinado), temos o seguinte quadro: mutil (menino) txakur (cão) gizon (homem) Absolutivo Ergativo Absolutivo Ergativo Absolutivo Ergativo Indeterminado mutil mutilek txakur txakurrek gizon gizonek Determinado singular mutila mutilak txakurra txakurrak gizon gizonak Determinado plural mutilak mutilek txakurrak txakurrek gizonak gizonek Um traço distintivo das línguas ergativas é contar com duas séries de pronomes pessoais: uma para o absolutivo (sujeito de verbos intransitivos), outra para o ergativo (sujeito de verbos transitivos), como no exemplo abaixo, também do basco: Verbo naiz (ser) Verbo ukan (ter) + objeto no singular + objeto no plural ni naiz (eu sou) hura da (ele é) gu gara (nós somos) zu zara (tu és) zuek zarete (vós sois) haiek dira (eles são) nik dut (eu tenho) hark du (ele tem) gu dugu (nós temos) zuk duzu (tu tens) zuek duzue (vós tendes) haiek dute (eles têm) nik ditut hark ditu gu ditugu zuk dituzu zuek dituzue haiek dituzteSão línguas ergativas, além do basco, o cartvélio (da família caucásica), o tibetano (da família sino-tibetana), as línguas esquimó-aleutinas, várias línguas ameríndias, como o maia e o panoano, bem como o sumério, que deixou de ser falado no primeiro milênio a. C. e que não se conhece a que família pertenceria. 2.2.3. Línguas ativas Línguas ativas são aquelas em que o sujeito pode assumir a forma de agente ou paciente, de acordo não com a transitividade do verbo, mas com seu conteúdo semântico. Assim, em tupi antigo, encontramos as seguintes possibilidades: Sujeito agentivo Sujeito não-agentivo (ou pacientivo) Verbos intransitivos Verbos transitivos (ixé) asó (eu vou) (endé) eresó (tu vais) (a’e) osó (ele vai) (oré) orosó (nós vamos – exclusivo) (îandé) îasó (nós vamos – inclusivo) (pe’e) pesó (vós ides) (a’e) osó (eles vão) (ixé) aîkuab (eu conheço) (endé) ereîkuab (tu conheces) (a’e) oîkuab (ele conhece) (oré) oroîkuab (nós conhecemos – exclusivo) (îandé) îaîkuab (nós conhecemos – inclusivo) (pe’e) peîkuab (vós conheceis) (a’e) oîkuab (eles conhecem) xe ma’enduar (eu lembro) nde ma’enduar (tu lembras) i ma’enduar (ele lembra) oré ma’enduar (nós lembramos – exclusivo) îandé ma’enduar (nós lembramos – inclusivo) pe ma’enduar (vós lembrais) i ma’enduar (eles lembram) Note como há duas séries de pronomes pessoais, cujo uso, no caso de sujeitos agentivos, não é obrigatório, uma vez que o verbo apresenta uma conjugação através de prefixos, sendo o uso dos pronomes obrigatório no caso de sujeitos não-agentivos, uma vez que o verbo tem uma forma invariável para todas as pessoas. Acrescente-se que, no caso do agentivo sujeito de verbo transitivo, este último informa também sobre o objeto (no exemplo acima, um objeto de terceira pessoa, expresso pelo pronome -î-, colocado entre a desinência número-pessoal e a raiz: a-î-kuab). São línguas do tipo ativo, além do tupi antigo, outras línguas ameríndias (o guarani e as línguas arauak, na América do Sul, o as línguas popolucas, na América Central, as línguas siuan, na América do Norte), várias línguas austronésias e papuas, na Ásia, e, na Europa, diversas línguas caucasianas, como o tabarasan e o tsova-tush. Gramkrelidze e Ivanov defendem que, no seu estágio mais antigo, o proto-indoeuropeu seria uma língua ativa, como demonstra a existência de uma divisão de gêneros entre nomes animados (sujeitos agentivos) e inanimados (sujeitos pacientivos). 2.3. Línguas pro-drop Outro critério sintático que parece bastante representativo, do ponto de vista tipológico, é a realização de sujeitos e objetos nulos, ou seja, a não obrigatoriedade da expressão dos pronomes sujeitos e objetos. O termo pro-drop (abreviação de pronoun dropping, ou seja ‘queda do pronome’) foi cunhado por Chomsky (Chomsky, Noam. Lectures on Government and Binding: The Pisa Lectures. Holland: Foris Publications, 1981). Isso em parte decorre, no caso do sujeito, do fato de o verbo apresentar formas conjugadas para cada uma das pessoas, como acontece em português, espanhol, italiano, latim, grego etc. Comparem-se, quanto à realização do sujeito nulo, as línguas abaixo: Português: Você vê esse tronco? Secou completamente. Espanhol: ¿Ves este tronco? Está completamente seco. Italiano: Vedi questo tronco? È completamente asciutto. Inglês: Do you see this log? It has completely dried. Francês: Tu vois ce tronc? Il est complètement sec. Nas três primeiras línguas encontramos, na segunda oração, sujeitos nulos, pragmaticamente recuperados a partir do objeto da primeira: ‘tronco’. Nas duas últimas línguas, o uso do pronome de terceira pessoa, na segunda oração, é obrigatório (it, il), pois não se admite o sujeito nulo. Isso se aplica mesmo a verbos que, por natureza, não teriam sujeito, como os relativos a fenômenos naturais, como o português, ‘aqui chove muito’, o espanhol, llueve mucho aquí, e o italiano, piove molto qui, opostos ao inglês, it rains a lot here, e ao francês, il pleut beaucoup là. Do mesmo modo, também os pronomes objetos podem ser elididos, uma vez que a sua recuperação se subentende por razões pragmáticas. Comparem-se as seguintes orações: Línguas não pro-drop Línguas pro-drop Inglês The book is finished. Do you want to read it? Português O livro está pronto. Você quer ler? Francês Le livre est prêt. Tu veux le lire? Turco Kitap bitti. Okumak istediğiniz?� Observe que o pronome objeto que aparece obrigatoriamente nas línguas não pro-drop pode ser elidido nas pro-drop (‘você quer ler?’ = ‘você quer lê-lo?’; ‘okumak istediğiniz?’ = ‘bunu okumak istediğiniz?”, em que ‘bunu’ é o pronome de terceira pessoa). Isso é possível, ou seja, a realização de um objeto direto nulo, porque o mesmo pode ser pragmaticamente recuperado, uma vez que o destinatário sabe que se trata do ‘livro’ a que se fez referência na primeira oração. � As posposições ga e o são chamadas de classificadores: a) ga indica o sujeito; b) o indica o objeto. Assim, caso se quisesse dizer que ‘o cão viu Taro’, a oração acima seria: Inu ga Taro o mita. � kitap, livro; bitti, pronto, terminado; okumak, ler; istediğiniz, tu queres. �PAGE � �PAGE �16�
Compartilhar