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Locast Civic Media: internet móvel, cidadania e informação hiperlocal


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LOCAST CIVIC MEDIA 
INTERNET MÓVEL, CIDADANIA E INFORMAÇÃO 
HIPERLOCAL 
 
 
 
 
 
 
Org. Eduardo Campos Pellanda (PUCRS) 
Apresentação: Federico Casalegno (MIT) 
 
 
 
 
LOCAST CIVIC MEDIA 
INTERNET MÓVEL, CIDADANIA E INFORMAÇÃO 
HIPERLOCAL 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
2010 
© EDIPUCRS, 2010
CAPA Rodrigo Valls
ILUSTRAÇÃO DA CAPA Bruno Todeschini
REVISÃO DE TEXTO Julia Roca dos Santos
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Gabriela Viale Pereira
L811 Locast civic media : internet móvel, cidadania e informação 
 hiperlocal [recurso eletrônico] / org. Eduardo Campos 
 Pellanda ; apres. Federico Casalegno. – Porto Alegre : 
 EDIPUCRS, 2010. 
 152 p.
 Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader
 Modo de acesso: 
 <http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/edipucrs/Capa>
 ISBN 978-85-397-0058-5 (on-line)
 1. Comunicação e Tecnologia. 2. Comunicações Sem Fio.
 3. Redes Sociais. 4. Jornalismo. I. Pellanda, Eduardo 
 Campos. II. Casalegno, Federico.
 CDD 301.16
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
Apresentação: Locast: transmissões baseadas no local geográfico, 
computação móvel em rede e conteúdo pelo usuário ..................... 7 
Federico Caslaegno 
 
Introdução ......................................................................................... 12 
 
Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em 
comunicação ..................................................................................... 13 
Eduardo Campos Pellanda 
 
Narração caminhante: as possibilidades da plataforma Locast ... 24 
Mágda Rodrigues da Cunha 
 
Locast e o potencial da informação geolocalizada ........................ 41 
André Fagundes Pase 
 
Locast Civic Media e as redes sociais móveis na reconfiguração 
dos espaços urbanos ....................................................................... 45 
Sandra Henriques 
 
Mídia Cidadã: repensando o Jornalismo ........................................ 63 
Eduardo Ritter 
 
Espaços híbridos, a plataforma Locast e algumas possibilidades ..74 
Stela Menezes 
 
A relação entre o LocastPOA e seus integrantes: uma leitura da 
produção de sentido ........................................................................ 80 
Polianne Merie Espindola 
 
Mobilidade e descentralização: Projeto Locast .............................. 92 
Gustavo Buss Cezar 
 
Jornalismo Colaborativo: uma leitura do imaginário de Porto Alegre 
através da Plataforma Locast ........................................................ 111 
Ana Cecília Bisso Nunes 
Priscilla Guimarães 
 
Jornalistas cidadãos ...................................................................... 123 
Inaiara Cunha 
Locast: Jornalismo Colaborativo e mídias móveis ...................... 128 
Bruno Germer Moraes 
Mauro de Oliveira Plastina 
 
Locast Civic Media: Jornalismo Colaborativo como prática da 
cidadania e impulso para a ubiquidade da informação ............... 136 
Nayane Schaun Brose 
 
Mudando o tom: a Plataforma Locast e a publicidade no cotidiano 
de Porto Alegre. .............................................................................. 144 
Gabrielli Tiburi Soares Pires 
 
APRESENTAÇÃO 
LOCAST: TRANSMISSÕES BASEADAS NO LOCAL 
GEOGRÁFICO, COMPUTAÇÃO MÓVEL EM REDE E 
CONTEÚDO PELO USUÁRIO 
Em 2008, com a minha equipe no MIT Mobile Experience Lab, 
começamos um projeto de pesquisa com a RAI New Media, a televisão 
estatal italiana. 
Começamos a repensar a televisão, a comunicação e o 
ecossistema de informação, bem como uma nova forma de as pessoas 
terem acesso e distribuir conteúdos, baseados em três pressupostos 
iniciais básicos: 1) a informação da televisão também é distribuída no 
ambiente físico e não mais somente trancada em casa; 2) a televisão 
está ligada, como um palimpsesto, pode ser um lugar para nossas redes 
sociais; 3) a informação é híbrida, misturando o conteúdo gerado pelo 
usuário com o conteúdo de autoria. 
Nós projetamos o Locast, que significa transmissão de eventos 
baseadas em local [location+ narrow casting], para ser uma 
plataforma de localização flexível e de vanguarda que combina 
conteúdos Web distribuídos e aplicações móveis, que criam 
experiências hiperlocais e altamente conectadas. Locast sobrepõe 
camadas de informação dentro do espaço físico. Este aumento de 
espaço real é escolhido democraticamente pelos usuários do Locast, 
em tempo real, à medida que participam no processo de geração de 
conteúdo. Cada interação dentro do sistema pode ser vista 
simultaneamente pelas pessoas envolvidas no espaço físico e 
aquelas que participam online. A interligação entre os conteúdos, 
espaços e pessoas é simultânea e ubíqua. O Locast usa serviços 
baseados em localização a fim de melhorar o conhecimento do 
contexto oferecendo um conjunto de ferramentas para reconhecer a 
localização e melhorar a navegação e aumentar a quantidade de 
informações de qualidade e acessíveis. A plataforma Locast é 
projetada para ser facilmente combinada com o hardware externo, 
como dispositivos portáteis, sensores ambientais e outros aparelhos 
eletrônicos altamente específicos que melhorem o seu potencial 
8 CASLAEGNO, F. • Locast 
através de recursos adicionais. A filosofia Open-API torna o Locast 
uma plataforma ideal para ser aplicada em um número de diferentes 
contextos, tais como: mídia cidadã, turismo, engajamento cívico, 
aprendizado baseado no local, jogos urbanos e muitos mais. 
Locast é uma plataforma que nos permite projetar rapidamente 
protótipos e experimentar uma variedade de projetos e ideias. O primeiro 
projeto foi a experiência de viagem, que nós dividimos em quatro fases: 
1. Organizar 
Enquanto ainda em casa, os usuários podem organizar a visita, e 
o Locast fornece uma visão geral sobre o lugar que se deseja conhecer. 
Os usuários podem acessar vídeos postados pela transmissão da TV 
RAI ou obtidas pelos arquivos da RAI, ou ainda acessar o conteúdo 
compartilhado em tempo real por Locasters durante as suas visitas: com 
roteiros, eBooks e documentos em PDF para serem baixados e lidos 
quando desejado. 
2. Viagens 
Ao viajar para o destino, o Locast mantém os usuários 
informados sobre transportes, previsão do tempo, webcams e alertas 
de tempo importantes. Usuários podem também criar um guia 
personalizado e baixá-lo em seus dispositivos móveis (iPods, telefones 
etc.) para os podcasts serem vistos enquanto viajam para chegar ao 
seu destino. 
3. Descubra e compartilhe 
O Locast oferece uma série de ferramentas para melhorar a 
experiência durante a visita. Sua infraestrutura baseada em uma 
aplicação web distribuída, um serviço móvel e um dispositivo de 
visualização de dados wearable pode aumentar a percepção dos 
espaços e adicionar-lhes novos elementos que enriquecem o conjunto 
da experiência. A aplicação móvel dá aos seus usuários uma 
ferramenta eficaz para navegar e orientar, uma vez chegado ao 
destino. Além disso, os usuários podem assistir a vídeos extraídos de 
Locast Civic Media 9 
arquivos da RAI ou compartilhados por outros Locasters, capturar seus 
próprios vídeos e espalhá-los em tempo real para a comunidade da 
plataforma e a todos os amigos em sua rede social (Facebook ou 
Twitter). Graças ao sistema de posicionamento XPS, as características 
de localização também estão disponíveis em locais fechados. 
Finalmente, um dispositivo para vestir pode ser usado para se mover 
com precisão na cidade, facilmente seguir itinerários e alcançar os 
lugares que se quer visitar. 
4. Mantenha-se em contato 
A plataforma Locast permite aos usuários compartilhar memórias 
e as mantém vivas também na volta para casa. Graças à URL 
personalizada/página, você pode compartilhar com toda a comunidade 
Locast, amigos ou pais,a sua experiência em Veneza. No dispositivo de 
visualização wearable, os dados podem ser convertidos em uma 
moldura que exibe em tempo real imagens provenientes de outros 
usuários que estão visitando Veneza com o Locast. 
Após o sucesso desta primeira aplicação, iniciou-se uma 
colaboração frutuosa com a Faculdade de Comunicação da PUCRS 
(FAMECOS), em Porto Alegre, onde os talentosos professores e 
estudantes trabalham em um projeto de engajamento cívico. 
Com o objetivo de promover o jornalismo participativo e o 
engajamento cívico, nós projetamos o Locast Civic Media como 
plataforma móvel e web para exercer a cidadania no processo de 
captura, reportagem e disseminação de notícias e informações 
relacionadas com o ambiente urbano. A aplicação móvel permite ao 
usuário criar reportagens de rua (casts) através de vídeo e áudio e 
decidir se devem ser apresentados individualmente ou em conjunto com 
outros tópicos agrupados em áreas ou assuntos. Casts e projetos são 
criados, coletados e compartilhados em tempo real no site Locast, onde 
os membros da comunidade inteira podem juntar-se a conversas e 
comentários de outros casts. 
O projeto de pesquisa visa explorar a mídia baseada em 
localização como uma ferramenta para aumentar a conscientização dos 
cidadãos sobre eventos e dinâmicas sociais que ocorrem ao seu redor. 
10 CASLAEGNO, F. • Locast 
Mais importante ainda, pretendemos observar as dinâmicas que 
permitem que os cidadãos participem ativamente e se envolvam na 
comunidade com o compartilhamento de eventos através do Locast. O 
objetivo principal do projeto foi entender como redes sociais móveis 
poderiam impactar a cidade e a mídia representativa com as pessoas, 
ajudando o outro a manter-se informado, socializado e participar 
ativamente do processo de produção. 
Professores e alunos da FAMECOS foram envolvidos ativamente 
no projeto, e tornou-se possível trabalhar como jornalistas na rua 
durante todo o período da pesquisa de campo. 
Alguns dos principais aspectos do projeto Locast Civic podem ser 
resumidos nos seguintes pontos: 
 
Hiperlocal: O Locast Civic Media fala sobre sua cidade, região, bairro, 
rua. Propõem-se narrações locais para complementar as globais 
provenientes de meios de comunicação oficiais. 
 
Participativo: Os cidadãos de forma autônoma criam reportagens, 
discutem com a comunidade e redefinem a agenda de pautas. 
 
Flexível: O Locast oferece várias opções para participar na comunidade. 
Qualquer pessoa com um equipamento digital básico e uma conexão à 
internet pode encontrar uma maneira de fazer a sua voz ser ouvida. 
 
Space 2.0: O Locast aumenta o espaço físico com múltiplas camadas de 
informações que são democraticamente geradas de baixo para cima por 
seus usuários. 
 
Tempo Real e Onipresente: Jornalistas e cidadãos usando o nosso 
aplicativo móvel estão estreitamente relacionados com o resto da 
comunidade. Quando a conversão é criada, ela se torna 
imediatamente disponível online para ser analisada e visualizada 
pelos outros membros. 
 
Locast Civic Media 11 
Os docentes e alunos envolvidos no projeto têm trabalhado muito 
e apaixonadamente para explorar e repensar a melhor forma de utilizar a 
comunicação em rede para melhorar o envolvimento cívico com 
processos democráticos. Esta publicação ilustra elementos-chave do 
projeto, mostra a riqueza da pesquisa e da oportunidade de uma melhor 
concepção de um ecossistema de mídia interativa para apoiar o 
envolvimento cívico e o jornalismo participativo. 
 
Federico Caslaegno 
Massachusetts Institute of Technology 
Mobile Experience Lab, Lab Design 
http://mobile.mit.edu 
http://locast.mit.edu 
Agradecimentos: Obrigado ao MIT Mobile Experience Lab, à equipe 
Locast, em particular a David Boardman e Steve Pomeroy, e à 
Faculdade de Comunicação da PUCRS (FAMECOS). 
 
Tradução: Eduardo Campos Pellanda 
 
INTRODUÇÃO 
Este livro é um relato da pesquisa Locast Civic Media, que, em 
novembro de 2009, esteve realizando o seu teste nas ruas de Porto 
Alegre. A união da Faculdade de Comunicação da PUCRS (Famecos) e 
do Mobile Experience Lab (MEL), do MIT, proporcionou este 
experimento que foi um exemplo de pesquisa aplicada na área da 
comunicação. O projeto envolveu alunos de graduação, pós-graduação 
e pesquisadores das duas instituições que em parte estão representados 
neste trabalho. 
Para que tudo fosse possível, tivemos o apoio fundamental do 
Grupo RBS e da TIM, que não só contribuíram para a infraestrutura do 
experimento, mas participaram ativamente dos testes. A adição de uma 
empresa de comunicação como RBS foi fundamental para que fosse 
possível estudar o funcionamento de uma plataforma como o Locast em 
um ambiente de jornalismo profissional. 
Todas estas conexões nos mostraram fundamentalmente que é 
possível agregar várias partes da sociedade e duas renomadas 
instituições de pesquisa para investigar as respostas para todas as 
novas e complexas transformações do universo da comunicação. 
 
 
PROJETO LOCAST COMO EXEMPLO DE PESQUISA 
APLICADA EM COMUNICAÇÃO 
Prof. Dr. Eduardo Campos Pellanda1
RESUMO 
 
Este texto busca relatar algumas percepções do experimento com a 
plataforma Locast. Trata-se de um sistema de publicação de vídeos 
através de celulares, desenvolvido pelo Mobile Experience Lab do 
Massachusetts Institute of Technology (MIT – MEL), que contou com a 
colaboração de desenvolvimento da PUCRS. A plataforma móvel e 
online permite aos usuários atuarem de forma ativa no processo de 
coletar, reportar e disseminar notícias e informações relacionadas com 
as suas rotinas urbanas. O principal objetivo deste experimento foi 
entender como se dá a conexão dos locais físicos com os fatos e as 
informações no ciberespaço. A plataforma teve como foco a discussão e 
a potencialização de um novo canal de cidadania. 
PALAVRAS-CHAVE: mobilidade; espaços físicos; virtualização; 
cidadania; internet. 
 
O desenvolvimento das plataformas móveis de comunicação tem 
integrado a percepção de ambientes virtuais e espaços físicos 
(PELLANDA, 2005). Esta relação acaba transformando a experiência de 
obtenção de informações relacionadas aos pontos geográficos 
viabilizadas por tecnologias de detecção de localizações. Esta 
possibilidade pode vincular acontecimentos com os seus espaços 
físicos, o que potencialmente pode significar uma nova forma de 
percepção de notícias, acontecimentos e relatos que acontecem em 
volta do indivíduo. Neste contexto, este texto busca relatar algumas 
percepções do experimento com a plataforma Locast.2
No princípio da Internet, a conexão era restrita aos pontos 
baseados em computadores pessoais conectados aos cabos de rede que 
 
 
1 Professor e pesquisador da Famecos, da PUCRS, e membro do Programa de Pós-
Graduação da mesma instituição. Coordenador do projeto Locast pela PUCRS. 
2 http://locast.mit.edu/. 
14 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação 
necessariamente precisavam estar dentro de ambientes fechados. Como 
consequência, os lugares na cidade estavam deslocados do contexto de 
dados (MITTCHELL, 2003) não potencializando conexões importantes de 
contexto histórico, características físicas e outros elementos peculiares 
dos espaços tangíveis. A profusão dos aparatos móveis, como 
smartphones atrelados ao espaço de redes de terceira geração, tem 
caracterizado um quadro de novas janelas para o ciberespaço (LÉVY, 
1996). A percepção é de que o processo comunicacional é realizado 
dentro do monitor do computador (TURKLE, 1995) e a “existência do 
virtual” acontece somente neste local. O esquema ubíquo de informação 
que se desenha neste novo quadro da Internet móvel viabiliza o 
envolvimento do indivíduo com a sua conjuntura informacionalgeográfica. Um exemplo empírico deste quadro é o sistema de procura 
do Google Móvel, que classifica o resultado das buscas em relação ao 
ponto físico da ação de busca em algumas plataformas. 
Neste contexto, os lugares nas cidades começam a ser pontos 
informacionais que se conectam em uma nova camada da rede 
(MITTCHELL, 2003). Trata-se de uma Cibercidade (LEMOS, 2004) em 
que, além do fluxo normal de átomos, há uma nova categoria de bits que 
estão intimamente interligados. Esta relação é nova na história das 
mídias, que na perspectiva analógica e massiva nunca tiveram uma 
conexão precisa com o espaço geográfico. Sempre existiram, porém, 
exemplos como rádios comunitárias ou jornais de bairro, em que a 
abrangência era focada em indivíduos em uma região e não em um 
único indivíduo em um ponto físico preciso. Do ponto de vista 
econômico, é um grande potencial que se abre para as empresas 
produtoras de conteúdo, mas também se caracteriza por um desafio 
complexo de se transpor pela grande quantidade de informações que 
devem ser captadas e processadas. 
Um dos grandes efeitos da popularidade dos meios de 
comunicação móveis não é só o fato de o indivíduo estar always on 
(PELLANDA, 2005) com um fluxo de dados de informações constante, 
mas também o fato de ele ser um ponto de compartilhamento de fatos 
ao seu redor. O trio smartphone, câmera e rede ubíqua somado ainda a 
softwares inteligentes que se conectam a redes sociais geram um 
Locast Civic Media 15 
grande potencial de broadcast de informações de maneira 
extremamente eficientes. Surge, nesta perspectiva, uma possibilidade de 
difusão do efeito “cidadão jornalista” (GILLMOR, 2004) que produz 
conteúdos classificados como UGC.3
Neste cenário, o Mobile Experience Lab do Massachusetts 
Institute of Technology (MIT – MEL) desenvolveu, inicialmente para a 
rede de TV italiana RAI, um sistema de publicação de vídeos através de 
celulares chamado Locast. A PUCRS colaborou na adaptação do 
sistema para um contexto de mídia cidadã em Porto Alegre. A 
plataforma móvel e online permite aos usuários atuarem de forma ativa 
no processo de coletar, reportar e disseminar notícias e informações 
relacionadas com as suas rotinas urbanas. Este experimento contou 
com o apoio dos estudantes de graduação e pós-graduação da PUCRS, 
que atuaram como jornalistas posicionados nas ruas de Porto Alegre 
durante o período da pesquisa aplicada. Além disso, jornalistas da 
empresa RBS também utilizaram a plataforma para que fosse testado o 
uso complementar aos meios do Grupo. A operadora TIM também 
colaborou com a pesquisa, cedendo 25 aparelhos com o sistema 
operacional Android e com rede de dados. 
 Estes usuários captam e 
distribuem informações de maneira mais rápida e eficiente do que as 
grandes e lentas estruturas tradicionais de jornalismo. Um exemplo 
recente deste fato é a foto tirada logo após o avião da U.S Airways 
pousar no Rio Hudson em Nova Iorque. Essa foto foi tirada por um 
passageiro de uma balsa com um aparelho iPhone e compartilhada em 
tempo real via rede Twitter. Trata-se da primeira imagem tirada do fato 
que, posteriormente, obteve uma larga cobertura da mídia tradicional por 
se tratar de um acontecimento de relevância. Contudo, uma série de 
outros fatos, que são menores ao olhar da mídia massiva, acontece ao 
redor do indivíduo e que pode ter um significado contextualmente 
diferente pela questão da proximidade geográfica. Esta informação ao 
redor do indivíduo, captada com o auxílio de artefatos que detectam a 
posição geográfica, é a que consiste em um fato novo. 
A pesquisa teve como objetivo explorar a mídia cidadã aplicada 
ao contexto do local como ferramenta de divulgação e estimular as 
 
3 User Generated Content. 
16 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação 
dinâmicas sociais realizadas nos bairros. Outra finalidade foi 
compreender como as redes sociais móveis impactam na cidade e na 
representação do espaço urbano. Ainda neste sentido, objetivou-se 
também observar como esta ferramenta ajuda as pessoas a se 
manterem informadas, engajadas socialmente e com participação ativa 
nos processos de criação das mídias, sobretudo nas relacionadas com 
as suas comunidades. Depois do experimento, que durou dez dias, 
houve uma série de entrevistas individuais e grupo de discussão com 
os participantes. 
1 O SISTEMA LOCAST 
 
Figura 1 
 
A plataforma é composta por um site (Figura 1) que contém as 
notícias que foram atualizadas por celular ou na própria página. Neste 
último caso, a atualização da posição geográfica é feita manualmente. 
Vinculada com cada notícia está um ponto onde ela foi capturada no 
mapa, estes fatos podem ser visualizados somente deste modo gráfico. 
Locast Civic Media 17 
Deste modo, o indivíduo pode se situar dos acontecimentos ao seu 
redor, o que representa um modo alternativo de visualização de fatos, já 
que usualmente os sites e blogs mostram as notícias em modo de 
destaque pela relevância do fato ou de maneira cronológica. O site teve 
também a função de cadastrar e gerenciar os usuários do sistema. 
 
 
Figura 2 
 
Além do site, o centro da plataforma é baseado na aplicação 
móvel (Figura 2), que neste caso foi desenvolvida no sistema operacional 
Android. O software permitiu que os participantes do projeto pudessem 
capturar vídeos e enviá-los para o site com uma descrição de texto e a 
informação da posição geográfica capturada pelo GPS4 do aparelho em 
forma de metadado.5
 
4 Global Positioning System – sistema de localização da posição geográfica usando 
satélites e um chip que captura os sinais nos aparelhos celulares. 
 Estas notícias puderam ser comentadas e também 
ser compartilhadas na rede Facebook. Um perfil no Twitter também foi 
criado separadamente e mantido pelos bolsistas do projeto. 
5 A informação de latitude e longitude é inserida junto com o arquivo de video, mas só é 
visualizada pelo sistema do site que traduz a informação para a visualização no mapa. 
18 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação 
2 CONTEÚDOS CONTEXTUALIZADOS AOS LUGARES 
No primeiro dia de experimento foi realizado um workshop para 
demonstrar a plataforma e criar duplas de trabalho. Estas equipes não 
receberam nenhum tipo de instrução sobre que tipo de informação 
capturar. Esta foi uma questão proposital e foi planejada com o objetivo 
de entender que tipo de fatos os integrantes do projeto entederiam como 
sendo pertinentes para serem compartilhados na plataforma. 
Depois dos dez dias de trabalho se observaram diversos tipos de 
pautas registradas pelos participantes, desde as mais cotidianas como 
buracos nas ruas e narrações de engarrafamentos até coberturas de 
eventos, passando por outras mais atemporais que buscavam narrações 
da vida cotidiana. No caso das informações cotidianas, foi interessante 
perceber que mesmo os pequenos incidentes da rotina de uma cidade 
como Porto Alegre ganharam um novo contexto pela questão da 
localização, pois acontecimentos como ruas fechadas ou acidentes são 
pertinentes para quem está geograficamente próximo. Por outro lado, 
quem está distante talvez não tenha necessidade de tomar 
conhecimento de tal fato. No contexto atual dos sites de notícias este 
tipo de classificação é inviável. 
Neste período, aconteceu também uma das mais severas 
tempestades que a cidade de Porto Alegre já presenciou, tendo 
inclusive aulas na PUCRS suspensas devido aos bloqueios das vias 
urbanas. Esta foi uma pauta não planejada e acabou sendo alvo de 
vários tipos diferentes de visões por integrantes do projeto que estavam 
em diversos pontos da cidade. O mapeamento destas informações 
resultouem uma visão ampla de relatos de diferentes problemas 
causados pelo incidente natural. 
Outro tipo de depoimento foi captado por uma dupla que estava 
interessada em perceber a visão dos moradores sobre determinado 
bairro. Com a pergunta: “Este bairro é o coração de Porto Alegre?”, as 
duas integrantes do projeto registraram relatos sobre diferentes 
percepções dos locais de trabalho e moradia daqueles cidadãos. Esta 
ideia resultou em pequenos documentários não editados sobre 
diferentes percepções que, muitas vezes, possuíam uma linha clara de 
pensamento entre as pessoas de uma determinada região. 
Locast Civic Media 19 
Já os jornalistas profissionais da empresa RBS tiveram no Locast 
uma extensão das atuais plataformas de publicação. O sistema acabou 
sendo usado nos dez dias de experimento de duas maneiras distintas. Em 
um primeiro momento, foi feito um complemento da matéria tradicional, 
em alguns casos como um making of da cobertura. Em um segundo 
momento, foi utilizado para capturar alguns fatos que não teriam espaços 
nos canais tradicionais. Um dos objetivos desta integração com a 
empresa era testar como, em um mesmo ambiente, poderiam conviver 
conteúdos feitos por profissionais e relatos gerados das ruas. Esta dupla 
fonte de informações, em um futuro em que se fará o uso aberto do 
sistema e com uma maior densidade de colaborações, pode ser 
potencialmente rica para um desenho diferenciado de fatos na cidade. 
3 LINGUAGENS TRANSFORMADAS 
A plataforma Locast teve como base a linguagem audiovisual 
com os vídeos gerados pelos participantes. Os textos eram basicamente 
descrições resumidas dos acontecimentos. Especificamente sobre este 
ponto foram feitas várias observações nas entrevistas individuais e nos 
grupos. Os vídeos foram todos captados e publicados sem cortes, em 
plano-sequência, e sem edição. Esta característica foi percebida pelos 
participantes como um ponto positivo no sentido de relatar fatos. A 
impressão foi de realismo, uma imagem mais próxima da cena do que a 
de matérias de TV. A edição foi comparada nas entrevistas como 
“supressão de realidade”. Esta é, talvez, uma questão que demonstre o 
desgaste da estética televisiva que não possui uma mudança 
significativa na transição para os meios digitais (PASE, 2008). O tema da 
qualidade da imagem gerada por telefones celulares também não foi 
considerado um problema nesta mesma linha de pensamento. Um dos 
pontos comentados pelo grupo durante as entrevistas foi a 
“invisibilidade” da câmera de um aparelho celular, que permitiu que 
quando a captura era baseada em entrevistas os sujeitos das matérias 
se mostravam bem mais receptivos do que um contexto tradicional de 
equipamentos para TV. 
Alguns vídeos transcenderam a questão de relatar fatos e 
privilegiaram a estética mostrando imagens que não necessariamente 
20 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação 
eram úteis, mas tiveram motivações artísticas. Foram cenas 
inusitadas da cidade, manifestações de arte de rua e algumas 
experiências de videoarte. 
Pela característica desta mídia móvel hiperpessoal, tanto no 
consumo como na produção do conteúdo, ela tem o potencial para o 
aparecimento de outras formas de linguagem como percebido na 
produção do projeto. A imagem em movimento, que possui ainda uma 
forte ligação com a TV, começa uma mutação como aponta (LEVINSON, 
2004, p. 151): “... televisão, como conteúdo individual dos videocassetes, 
reverte o processo e move filmes de volta da tela pública para o 
cinescópio individual, que os filmes podem ser vistos por uma pessoa 
por vez”. Se ainda levarmos em conta que esses conteúdos são pontos 
de conversação em forma de vídeo, há uma nova perspectiva de 
expressão mediada pelas redes ubíquas. 
4 INFORMAÇÃO GEOLOCALIZADA 
O ponto principal do experimento era vincular os fatos, as 
imagens e as conversações aos lugares onde ocorreram. Toda a 
estrutura de reconhecimento geográfico que os aparatos móveis 
proporcionam neste momento histórico permite que se liguem espaços 
ao seu histórico de acontecimentos, tornando assim um ambiente 
propício para uma memória cotidiana (CASALEGNO, 2006). Esse 
mesmo autor foi o responsável pela coordenação do projeto no MIT, 
sustentando o seu trabalho nesta tese de expansão da cidadania com 
redes de armazenamento e conversação urbana. 
O mapa de acontecimentos no site permite uma nova 
visualização dos acontecimentos, de maneira que o próprio indivíduo 
possa fazer suas próprias conexões entre os fatos que são pertinentes 
ao seu cotidiano. Em uma futura versão devem ser implantados filtros de 
assuntos, lugares e pessoas para que a observação destes eventos seja 
mais precisa. 
Esta cidade conectada (MITTCHELL, 2003) é composta de uma 
camada informacional concomitante com as vias físicas. Esta ligação 
tem o potencial de fortalecer o diálogo da cidadania, como o caso da 
tempestade em que a visualização das imagens de diferentes regiões 
Locast Civic Media 21 
permitiu um entendimento do todo. Em situações semelhantes, estes 
fatos vinculados ao mapa podem criar uma conversação que seria peça 
importante em tópicos como violência, trânsito e grandes eventos. O 
mapa representa o espelho da polis, mas sem o contexto da camada de 
informação é somente um nó sem conexão. 
A possibilidade de percepção do que está acontecendo em volta 
do indivíduo também é algo de extrema complexidade neste contexto de 
junção do ambiente virtual com o físico. Mesmo fatos que podem ser 
considerados de pouca relevância pública, quando geograficamente 
perto do sujeito, podem ter uma importância elevada para este indivíduo. 
A proximidade de uma rua fechada por um incidente é mais relevante 
individualmente naquele espaço de tempo do que um terremoto em 
outro país. Do ponto de vista coletivo para as pessoas de uma 
determinada região, a informação compartilhada pode significar uma 
conversação de aprimoramento da cidadania e ao mesmo tempo de 
memória coletiva. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Esta gama de diferentes possibilidades demonstrou que, no 
contexto de uma câmera conectada, a base dos smartphones pode ser 
uma interface entre os lugares físicos, ou átomos, e o fluxo de 
informação baseada em bits, que formam a base da internet. Se “(...) 
lugares não podem ser separados de seu contexto de experiência” 
(SANTAELLA, 2007, p. 161), há agora mais potenciais relações 
contextuais com informações e trocas sociais em redes de comunidades. 
À medida que se faz uma foto com tag geográfico de um local e se 
compartilha em uma rede social, o encadeamento de ações com este 
espaço físico tende a aumentar. 
Ao agregar as informações aos espaços, estes se transformam 
ao mudar de significado para o sujeito, salientam Castells et al. (2007, p. 
171): “Um espaço que flui informações não é um espaço vazio; ele tem 
relações construídas na rede e envolta dela (...)”. Acionando-se a isto 
uma nova percepção do entorno (MEYROWITZ, 2003, p. 97), “Como 
resultado, estamos experimentando uma mudança radical nos nossos 
sensos de local, identidade, tempo, valores, ética, etiqueta e cultura”. 
22 PELLANDA, E. C. • Projeto Locast como exemplo de pesquisa aplicada em comunicação 
Embora este tenha sido um experimento e não uma pesquisa em 
larga escala, as indicações de potencialidades detectadas foram os 
resultados mais valiosos. Em dez dias e um número limitado de 
participantes não é possível medir o impacto social que um sistema 
como o Locast pode significar. Mas o objetivo principal era começar um 
processo de pesquisa sobre o tema que poderá constatar se estes 
potenciais se confirmam. Este vínculo dos espaços físicos com o 
ciberespaço está em fase embrionária, com manifestações como a rede 
Foursquare6 e o início do uso de tags geográficas no Twitter.7
A aplicação dos conceitosem um experimento como o Locast 
permite vislumbrar a validação das teorias e, em um segundo momento, 
escrevê-las novamente com a contribuição do empírico. Todo o material 
recolhido pelas entrevistas e observações de campo demonstrou que 
existe uma natural capacidade para que a ligação dos pontos físicos aos 
seus contextos factuais e históricos, viabilizados por uma convergência 
de tecnologias, habilita um potencial único de cidadania. 
 
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NARRAÇÃO CAMINHANTE: AS POSSIBILIDADES DA 
PLATAFORMA LOCAST 
Mágda Rodrigues da Cunha1
RESUMO 
 
O presente artigo faz uma observação e uma análise do projeto e dos 
resultados da pesquisa desenvolvida por intermédio da parceria entre a 
PUCRS/Famecos e o MIT/Mobile Lab, com participação do Grupo RBS, 
de Porto Alegre. A investigação traz à tona para reflexão categorias de 
análise como critérios narrativos, narração “caminhante”, a narração das 
cidades e dos lugares e jornalismo participativo. 
PALAVRAS-CHAVE: narração; mobilidade; tecnologia; cidade; 
jornalismo participativo. 
 
O projeto desenvolvido em parceria pela PUCRS/Famecos, 
MIT/MobileLab e RBS traz à tona, por intermédio de uma situação 
empírica, a reflexão sobre uma série de fatores e dimensões em torno 
da narração. Há uma perspectiva que envolve a ausência de um critério 
narrativo ou da pauta jornalística que traz consigo a pergunta: o que as 
pessoas decidem narrar quando não recebem um indicativo específico? 
Vale ressaltar que, na sociedade midiatizada, narradores, profissionais 
ou não, trazem consigo índices narrativos comuns a vários grupos e 
historicamente construídos na cultura, pela convivência com os 
tradicionais meios de comunicação e sua forma de organização de 
notícias e conteúdos. Há outra discussão importante que diz respeito à 
narração “caminhante” como decidimos aqui designar, a partir de 
Certeau (1994), e a consequente relação construída com os espaços, 
mais especificamente com as cidades. Afinal, a primeira escolha é pela 
narração das cidades, de seus acontecimentos, de seus problemas, de 
seus eventos. Caminhar e narrar é a ação que se desenha nesta 
operação. Mas, quando o projeto envolve também a ideia de cidadania 
 
1 Jornalista, professora e pesquisadora do programa de pós-graduação em Comunicação 
Social, Faculdade de Comunicação Social (Famecos), PUCRS. 
Locast Civic Media 25 
ou prática do jornalismo participativo, abre outro debate que não é novo, 
mas que merece ser revisitado permanentemente: Jornalistas versus 
Cidadãos e a ação narrativa em torno dos acontecimentos. Para tanto, 
também são recuperados alguns pensamentos em torno da produção 
jornalística e avaliada a atualização destes mesmos conceitos. Todas as 
variáveis, entre muitas outras, estão reunidas em torno da pesquisa aqui 
descrita e analisada. 
O que muda no contexto desse projeto é o cruzamento dos 
hábitos narrativos, culturalmente burilados, com a liberação deste 
narrador para que escolha, em situação de mobilidade, o que tem 
importância e o que não tem. Ao circular pela cidade, ele poderá 
decidir o que deve ser narrado daquele lugar, especificamente. 
Conforme o foco e interesse desta reflexão, é neste ponto que reside 
a relevância maior do projeto Locast, em sua fase desenvolvida em 
Porto Alegre: a observação de práticas narrativas, em um processo 
que começa a assumir dimensões a cada dia maiores, a situação de 
mobilidade, não com possibilidade de relato posterior, mas 
diretamente do lugar, influenciado pelo espaço, portando tecnologia 
móvel. Essa perspectiva traz ainda possibilidades de reflexão 
relacionadas à própria narração, à movimentação dos sujeitos 
narradores, a sua relação com os lugares e também questionamentos 
referentes à memória. 
Com a ampliação de possibilidades tecnológicas móveis e de 
sistemas para narração, as situações de narração do lugar têm suas 
dimensões ampliadas. Lemos (2008 p. 207) define tal processo como 
mídia locativa, conjunto de tecnologias e processos 
infocomunicacionais, cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar 
específico. “Locativo é uma categoria gramatical que exprime lugar, 
como ‘em’, ‘ao lado de’, indicando a localização final ou o momento de 
uma ação.” O autor acrescenta que as mídias locativas são dispositivos 
informacionais digitais, cujo conteúdo da informação está diretamente 
ligado a uma localidade. O processo de emissão e recepção de 
informação a partir de um determinado local implica uma relação entre 
lugares e dispositivos móveis digitais até então inédita, conforme 
esclarece Lemos (2008). 
26 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
1 NARRAÇÃO CAMINHANTE 
Nessa linha de pensamento, Cunha (2009) entende que a ação 
narrativa caminhante assume dimensões locais e simultaneamente 
planetárias, mas distraída. O planeta jamais viveu um momento com 
tamanho grau de conexão entre as pessoas. Mas estes humanos nunca 
foram tão distraídos. Paradoxal ou não, este parece ser o retrato do 
instante planetário. O que se observa nas ruas das cidades, sejam 
metrópoles ou vilarejos, são caminhantes distraídos para honrar a 
conexão, exaustivamente mantida por intermédio das tecnologias 
móveis. Dessa relação, que reúne o contexto planetário e a observação 
distraída, surge a narração praticada pelos caminhantes em espaços 
constituídos por camadas de tempos e memórias. É a mesma e é outra 
comunicação, em que o narrador é também receptor, desenhando um 
processo complexo. Em consequência da crescente mobilidade humana 
e tecnológica, além da ampliação dos nós da existência em rede, as 
ações narrativas ocorrem em larga escala em primeira mão. Há muito 
mais narradores. O que antes se via à distância, por intermédio dos 
relatos de outros, hoje se enxerga de perto e se podecontar. Os 
humanos nunca foram tão móveis. 
A virada da modernidade se caracteriza, em primeiro lugar, no 
século XVII, pela desvalorização do enunciado, pela concentração sobre 
o ato de enunciar, a enunciação, descreve Certeau (1994). Quando se 
tinha certeza quanto ao locutor (“Deus fala no mundo”), a atenção se 
voltava para o ato de decodificar os seus enunciados. Mas, quando essa 
certeza fica perturbada com as instituições políticas e religiosas que lhe 
davam garantia, pergunta-se pela possibilidade de localizar substitutos 
para o locutor único. Surge o problema de uma linguagem que se deve 
fazer e não mais somente ouvir. Cada discurso particular atesta a 
ausência do lugar que, no passado, era atribuído ao indivíduo pela 
organização de um cosmos. Ao perder seu lugar, o indivíduo nasce 
como sujeito. O lugar que lhe era fixado por uma língua cosmológica, 
torna-se agora um nada. Isso obriga o sujeito a apoderar-se de um 
espaço e colocar a si mesmo como um produtor de escritura. A escritura 
se torna um princípio de hierarquização social. 
Locast Civic Media 27 
Certeau (1994) enfatiza que a prática escriturística assumiu valor 
mítico nos últimos quatro séculos, reorganizando aos poucos por onde 
se estendia a ambição ocidental de fazer sua história e, assim, fazer 
história. A origem não é mais aquilo que se narra, mas a atividade 
multiforme e murmurante de produtos do texto e de produzir a sociedade 
como texto. Certeau (1994, p. 226) designa por escritura a atividade 
concreta que consiste, sobre um espaço próprio, constituir um texto que 
tem poder sobre a exterioridade da qual foi previamente isolado. O 
modelo de uma razão produtora escreve sobre o não lugar da folha de 
papel. Este texto construído num espaço próprio é a utopia fundamental 
e generalizada do ocidente moderno. “A cidade moderna também: é um 
espaço circunscrito onde se realizam a vontade de coligir-estocar uma 
população exterior e a de conformar o campo a modelos urbanos.” 
2 A CIDADE NARRADA 
A vontade de ver a cidade precedeu os meios de satisfazê-la, 
relata Certeau (1994). As pinturas medievais ou renascentistas 
representavam a cidade vista em perspectiva por um olho que, no 
entanto, jamais existira até então. Essas obras inventavam, ao mesmo 
tempo, a visão do alto da cidade e o panorama que ela possibilitava. 
“Essa ficção já transformava o espectador medieval em olho celeste” 
(CERTEAU, 1994, p.170). Certeau descreve a situação do espectador 
que sobe ao alto do antigo e agora inexistente World Trade Center, 
como o mesmo que ser arrebatado até o domínio da cidade. O corpo 
não está mais enlaçado pelas ruas que o fazem rodar e girar segundo 
uma lei anônima, nem possuído, jogador ou jogado. Aquele que sobe ao 
alto foge à massa que carrega e tritura em si mesmo toda identidade de 
autores ou de espectadores. Será necessário depois cair de novo no 
sombrio espaço onde circulam multidões que, visíveis lá do alto, 
embaixo não veem. 
Embaixo, a partir dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os 
praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa experiência, 
pensa Certeau (1994), eles são caminhantes, pedestres, cujo corpo 
obedece aos cheios e vazios de um texto urbano que escrevem sem 
poder lê-lo. A ideia da não leitura, aqui descrita por Certeau, torna-se 
28 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
interessante quando trazida para as situações de narração a partir das 
plataformas móveis. Os corpos obedecem ainda ao texto urbano, mas 
não são mais orientados apenas por essa perspectiva. Recebem 
também a orientação das narrações cruzadas. Os caminhantes ajudam 
cada vez mais na redação do texto urbano que acabam por ler e, por 
intermédio da reapropriação, reescrever. 
E a própria perspectiva de cegueira do movimento dos corpos na 
cidade, conforme entende Certeau (1994) também existe numa 
perspectiva narrativa atualizada, digamos assim. 
 
Esses praticantes jogam com espaços que não 
veem... Os caminhos que se respondem nesse 
entrelaçamento, poesias ignoradas de que cada 
corpo é um elemento assinado por muitos outros, 
escapam à legibilidade (CERTEAU, 1994, p. 171). 
 
As redes dessas escrituras, pensa Certeau (1994), que avançam 
e entrecruzam-se, compõem uma história múltipla, sem autor nem 
espectador, formada em fragmentos de trajetórias e em alterações de 
espaços. Mas é por intermédio dos passos desses caminhantes que a 
cidade passa a ter sentido. Quando aborda esta perspectiva, Certeau 
(1994) afirma que cada uma de suas unidades é algo qualitativo, 
impossível contá-las. “Sua agitação é um inumerável de singularidades. 
Os jogos dos passos moldam espaços. Tecem os lugares” (CERTEAU, 
1994, p. 176). Os processos do caminhar podem reportar-se em mapas 
urbanos de maneira a transcreverem-lhes os traços e as trajetórias. 
Porém, essas curvas remetem à ausência daquilo que passou. Só se 
deixa captar um resíduo colocado no não tempo de uma superfície de 
projeção. “Visível, tem como efeito tornar invisível a operação que a 
tornou possível. Essas fixações constituem procedimentos de 
esquecimento” (CERTEAU, 1994, p. 176). Nesta evolução, sem dúvida, 
os processos e operações narrativas tornam-se a cada dia menos 
visíveis, conforme observa-se em projetos e investigações em torno das 
plataformas móveis. Os acontecimentos narrados por uma multiplicidade 
de canais, com origem em fontes diversas, resultam em um texto único, 
a partir dos muitos fragmentos. A operação propriamente dita é mais 
sutil, menos visível do que os processos narrativos midiáticos 
Locast Civic Media 29 
centralizados em empresas e construídos até o momento. Muitos narram 
e leem, gerando um texto interminável, permanentemente tecido. 
O ato de caminhar, reflete Certeau (1994), está para o sistema 
urbano como a enunciação está para a língua ou para os enunciados 
proferidos. O ato de caminhar parece encontrar uma primeira definição 
como espaço de enunciação. Considerada através desse prisma, a 
enunciação pedestre apresenta três características que a distinguem do 
sistema espacial: o presente, o descontínuo, o fático. Se existe uma 
ordem espacial que organiza um conjunto de possibilidades, por onde é 
permitido circular, e proibições, que impedem de prosseguir, o 
caminhante atualiza algumas delas. Ele tanto as faz ser, como aparecer, 
mas também as desloca e inventa outras, pois as idas e vindas, as 
variações ou as improvisações da caminhada, privilegiam, mudam ou 
deixam de lado elementos espaciais. Entendemos, a partir de Certeau 
(1994), que essas improvisações são hoje influenciadas por narrativas 
produzidas e pelos textos compartilhados. A narrativa “caminhante” tem 
em sua essência o compartilhamento. De nada mais adianta presenciar, 
seja qual for o fato, a notícia, o acontecimento, se ele não puder ser 
compartilhado e consequentemente influenciar outras andanças, 
mudanças de rota. Essa retroinfluência é talvez a principal novidade no 
processo de permanente deslocamento humano que gera hoje 
narrativas diversas. 
O caminhante transforma, conforme Certeau (1994), em outra 
coisa cada significante espacial, cria algo descontínuo, seja efetuando 
triagens nos significantes da “língua” espacial, seja deslocando-os pelo 
uso que faz deles. “Vota certos lugares à inércia ou ao desaparecimento 
e, com outros, compõe ‘torneios’ espaciais ‘raros’, ‘acidentais’ ou 
ilegítimos. Mas isso já introduz a uma retórica da caminhada” 
(CERTEAU, 1994, p. 178). Esta arte de moldar frases tem como 
equivalente uma arte de moldar percursos. O uso define o fenômeno 
social pelo qual um sistema de comunicação se manifesta de fato: 
remete a uma norma. 
“A gesta ambulatória joga com as organizações espaciais, por 
mais panópticas que sejam: ela não lhes é nem estranha (não se passa 
alhures) nem conforme (não recebe delas a sua identidade)”(CERTEAU, 
30 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
1994 p. 180). Ela insinua as suas muitas referências e citações, modelos 
sociais, usos culturais, coeficientes pessoais. Ela mesma é o efeito de 
encontros de ocasiões sucessivas que não cessam de alterá-la e de usá-
la “como brasão de outra”. Esses aspectos instauram uma retórica e 
chegam mesmo a defini-la, pensa Certeau (1994). 
“As figuras são gestos dessa metamorfose estilística do espaço. 
Ou antes, como afirma Rilke, árvores de gestos em movimento” 
(CERTEAU, 1994, p. 182). “Essas árvores de gestos se movimentam por 
toda a parte. Suas florestas caminham pelas ruas. Transformam a cena, 
mas não podem ser fixadas pela imagem em um lugar.” Caminhar é ter 
falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de 
um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma 
imensa experiência social da privação de lugar, “esfarelada” por 
deslocamentos e caminhadas, compensada pelas relações e os 
cruzamentos desses êxodos que se entrelaçam, criando um tecido 
urbano. Os lugares, reflete Certeau (1994), são histórias fragmentárias e 
isoladas em si, dos passados roubados à legibilidade por outro, tempos 
empilhados que podem se desdobrar. No entanto, estão ali como 
histórias à espera. Permanecem como quebra-cabeças, enigmas, 
simbolizações marcadas na dor ou no prazer do corpo. A ideia de 
histórias à espera entende-se, a partir da observação do projeto aqui 
analisado, que um processo passa a se complementar. Os lugares são 
agora narrados porque há possibilidades tecnológicas para tal, não por 
um determinismo, mas pelo fato de corpos e cidades já estarem há 
algum tempo em situação narrativa, mas isolada, não compartilhada. O 
sentido do lugar passa a existir também pela narração do outro e 
complementada a partir das novas vivências. 
E as cidades são, a cada dia, o espaço mais significativo para 
estas investigações. É, nas cidades, como até foi possível inferir, que 
convivem as narrativas cruzadas, os textos corpóreos, que se somam 
numa grande obra textual. É, nas cidades, como afirma Bauman (2009 
p.78), onde vive atualmente mais da metade do “gênero humano”. Elas 
são de certa maneira os depósitos onde se descarregam os problemas 
criados e não resolvidos no espaço global. São depósitos sob muitos 
aspectos, como o fenômeno global de poluição do ar e da água e “a 
Locast Civic Media 31 
administração municipal de qualquer cidade deve suportar suas 
consequências, deve lutar apenas com os recursos locais para limpar as 
águas, purificar o ar, conter as marés”. Tudo recai sobre a população 
local, sobre a cidade, sobre o bairro. As cidades são depósitos nos quais 
se procuram soluções locais para problemas que foram produzidos pela 
globalização. Talvez a afirmação de Bauman já seja de conhecimento 
comum, mas ressalta a necessidade de construção de estratégias para a 
sobrevivência em cidades que historicamente resultam da conformação 
do campo, reunindo aqueles que vieram de fora, em condições urbanas 
muitas vezes não satisfatórias. Trata-se, em certa dimensão, de uma 
comunidade que precisa localizar meios de superação, para solucionar 
problemas globais, como reflete Bauman (2009). Redes sociais, 
plataformas tecnológicas para narração compartilhada, a exemplo do 
próprio Locast, são recursos que podem estar inseridos para 
proporcionar a inclusão narrativa, com base em tecnologias móveis. 
3 MEMÓRIA DO TEMPO PRESENTE 
A narração, diretamente do local do fato, em condição de 
compartilhamento, traz também à evidência a ideia de retroinfluência, 
conforme descrito anteriormente, a partir de uma memória presente, 
encurtada pelo tempo de observação, registro e narração. Virilio (2006) 
define a memória “vivida”, memória do que ocorre no momento, como 
um elemento novo oferecido pelas tecnologias de comunicação. Isto traz 
um paradoxo, pois a televisão ou a internet e outras tecnologias 
promovem a ideia de uma memória do instante presente. “É como se 
houvesse um efeito de lupa não sobre um objeto, mas sobre um instante 
no tempo: um efeito de dilatação” (VIRILIO, 2006, p. 93). 
Nesta perspectiva, o autor entende que as tecnologias 
funcionam para a memória como um telescópio. Virilio acredita que a 
internet e as tecnologias de informação permitirão ver o que se passa 
no mais curto espaço de tempo, o que se passa na comunicação. 
Neste ponto de sua reflexão, o autor define que esta é uma memória 
que diz respeito à comunidade, pois não há memória por si, memória, 
conforme o seu pensamento, é uma linguagem, um utensílio de 
comunicação. Não há memória que não seja coletiva. E essa memória 
32 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
está sendo construída, conclui-se a partir da investigação aqui 
analisada, em grande parte com base em tecnologias disponibilizadas 
para narração. É uma memória escrita a partir de muitos relatos 
simultâneos, desenhada sobre a ideia de comunidade, construída pelo 
próprio conhecimento da cidade. 
4 JORNALISMO PARTICIPATIVO 
Até aqui se analisa a prática narrativa, por intermédio de 
plataformas tecnológicas móveis, como uma evidência do fato que na 
modernidade valoriza-se o ato de enunciar. O sujeito passa a ser o 
enunciador e consequentemente precisa localizar o que narrar. O lugar à 
espera de ser narrado e já enlaçado com os corpos, transforma-se em 
elemento ou foco de narração. Neste mesmo processo evolutivo, esses 
corpos, saídos do campo e conformados pela retórica urbana, precisam 
ter estratégias de conformação e sobrevivência na modernidade e 
também em tempos globalizados. Narrar seus fatos, seus problemas, 
grandes e positivos, ou mesmo os buracos de rua, passam a ser na 
mesma medida – ou a acender as discussões a respeito – exercícios de 
um jornalismo participativo. 
Jornalismo Participativo, de acordo com Bowman & Willis 
(2003), é o ato de um cidadão ou grupo de cidadãos atuar na coleta, 
reportação, análise e disseminação de notícias e informações. O 
objetivo dessa participação é proporcionar a independência que requer 
a democracia. No fenômeno do jornalismo participativo, não há critérios 
jornalísticos formais. É o resultado de muitas conversações 
simultâneas distribuídas. 
Moretzsohn (2006) discute as teorizações que se constroem em 
torno do chamado jornalismo cidadão ou participativo e o equívoco de 
apontar um confronto entre cidadãos que desejam comunicar livremente 
e jornalistas. Em sua reflexão, Moretzsohn (2006, p. 63) também 
relaciona as alterações no papel do narrador às facilidades 
proporcionadas pelas novas tecnologias da comunicação. O fato vem 
provocando, entre muitas outras, a profecia do fim do jornalismo tal 
como o conhecemos: munido de um celular com câmera, operando um 
blog na internet, qualquer um se transformaria em repórter. 
Locast Civic Media 33 
Uma pequena pausa para reflexão levaria, entretanto, 
a arrefecer significativamente o entusiasmo diante 
dessa perspectiva supostamente democratizante – ou, 
talvez mais precisamente, libertária –, que acena com 
o ideal do poder pulverizado entre “todos” e esconde 
ou despreza os mecanismos através dos quais esse 
mesmo poder se reorganiza nas mãos dos poderosos 
de sempre, ao mesmo tempo que desconsidera um 
aspecto fundamental para sustentar a profecia: o 
caráter específico da mediação jornalística, que é o 
que legitima socialmente esse tipo de informação e 
impõe procedimentos necessários para que se lhe 
exija a indispensável credibilidade. 
 
A autora cita declaração de Pinto (2005) para quem o papel da 
edição de informação se torna a cada dia mais necessário. O 
pesquisador considera provável, no entanto, que esta função tenha de 
coexistir com formas diversificadas de produção dos cidadãos que uns 
chamarão jornalismo e que serão a multiplicação de polos de 
enunciaçãoe a amplificação dos círculos de produção da informação e 
de opinião na sociedade. Na mesma linha, Pinto (2005) entende que 
essas tendências, a continuarem e a consolidarem-se, constituirão 
plataformas relevantes de acompanhamento e de escrutínio público de 
media e do jornalismo. 
Há ainda uma dimensão importante nas possibilidades narrativas 
de parte do cidadão, quando isto se relaciona ou é proporcionado pelas 
empresas. No caso do projeto Locast, a plataforma não está baseada 
em uma empresa de comunicação, mas viveria com certa 
independência. A observação das ofertas feitas pelas empresas 
evidencia outra dimensão do processo narrativo, relevante, mas que não 
está no centro do projeto PUCRS/MIT. Moretzsohn (2006) avalia que os 
acenos das empresas de comunicação ao “repórter cidadão” têm 
inapelavelmente esse sentido mistificador de sugerir que o “povo” fala, 
embora não edite. Além disso, representam uma econômica alternativa 
para obter matéria-prima a partir de uma mão de obra informal, que ao 
mesmo tempo se comove com a súbita valorização e retribui com sua 
audiência fiel. 
34 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
A edição é, sem dúvida, um ponto de corte fundamental. A cada 
dia, mais e mais espaços são oferecidos à audiência, que 
repentinamente passou a ser valorizada. No caso do Locast, trata-se de 
uma plataforma, onde não há previsão de edição final ou pós-produção 
do material, mas narrativas brutas, onde os fatos são apresentados sem 
uma finalização “perfeita”. Todavia, também não se observa nenhuma 
interferência da empresa RBS em critérios editoriais ou mesmo na 
edição final do material, antes de sua publicação. 
Ainda sobre jornalismo cidadão, Moretzsohn (2006) sugere que, 
para recolocar a questão nos trilhos, será preciso recuperar o 
referencial de autoridade do jornalismo como mediador, implicado ao 
“quarto poder”. Para isso, pode ser necessário, segundo ela, 
desmistificar esse conceito e apontar o papel necessariamente político 
dessa mediação. Por isso, não há dúvida de que o testemunho 
(inclusive fotográfico ou videográfico) do cidadão sempre será 
importante, porém necessariamente como fonte a ser adequadamente 
checada. E isso se confirma na observação da produção narrativa por 
intermédio do projeto Locast. Todos se interessaram por narrar. Muitos 
narraram a cidade. Outros narraram os seus fatos, aqueles que lhes 
eram caros ou com os quais estavam envolvidos. Em boa dose, muitos 
narram para si e não para uma audiência, como se constitui nos 
processos tradicionais de comunicação. 
Outro aspecto que interessa na observação é que são narrações 
resultantes do ato de deslocamento. Os jornalistas deixaram as 
redações com objetivos específicos, narram a partir de um fato em 
pauta. Seja por cidadãos ou por jornalistas, o conjunto evidencia uma 
narração sempre em primeira mão, o relato da fonte diretamente 
envolvida com o acontecimento. Convivem lado a lado na mesma 
plataforma Locast os fatos como pedras brutas a serem buriladas e 
polidas, jornalisticamente, e os fatos com suas relações e 
consequências, a partir de uma produção jornalística. Uma evidência 
que chama a atenção é o elevado número de projetos, como foram 
chamados, postados por profissionais da Rádio Gaúcha, pertencente ao 
Grupo RBS. Também foram distribuídos aparelhos de telefonia celular 
entre os jornalistas da Zero Hora, o jornal da mesma empresa. 
Locast Civic Media 35 
Uma possível explicação para isso pode estar relacionada ao que 
descreve Ortriwano (1985, p. 84) de que o rádio foi o primeiro meio de 
comunicação de massa que deu imediatismo à notícia, graças à 
possibilidade de divulgar os fatos no exato momento em que eles 
ocorrem. Mesmo a evolução da telefonia celular foi de grande valia para 
o rádio, pois aproximou o repórter da audiência, exatamente pela 
possibilidade de narração diretamente do lugar do acontecimento. Isso 
ganha força com o uso do telefone celular, alterando o conceito de 
velocidade e instantaneidade, define Del Bianco (2008). 
 
O que contribuiu para aprofundar e explorar a 
característica do imediatismo inerente à natureza 
tecnológica do rádio. O tempo entre o acontecimento e 
a veiculação da notícia foi encurtado. A cobertura ao 
vivo criou uma sensação de participação do ouvinte no 
cenário dos principais acontecimentos políticos da 
época (DEL BIANCO, 2008, p. 5). 
 
E, quando se aborda a questão do processo de produção da 
informação, é relevante trazer o pensamento de Ortriwano (1985), para 
quem a matéria-prima do jornalismo são os acontecimentos que irão ser 
ou não formatados como notícia. No projeto Locast, observa-se que estes 
acontecimentos estão todos narrados, com ou sem formatação. Composta 
de informação atual, que pode ser lida, escrita, filmada, é a própria rotina 
do jornalista que produz, formata e entrega ao público a mensagem 
pronta. Ortriwano (1985) considera que a atuação informativa baseia-se 
na notícia, que pode apresentar-se de forma pura, limitada ao relato 
simples do fato em sua essência ou de forma ampliada, incluindo-se a 
reportagem e os comentários, tanto interpretativos como opinativos. A 
rede da informação apresenta os fatos objetivos, precisos, para quem não 
pode estar no local, na hora do acontecimento. 
E essa é realmente uma dimensão interessante, quando 
revisitamos os conceitos a respeito da produção jornalística. Se o 
pensamento de Certeau (1994) aponta que a virada da modernidade 
iluminou a enunciação, verificamos que as possibilidades tecnológicas 
narrativas são uma representação da chegada ao contexto 
contemporâneo, do que começou a ser desenhado anteriormente. 
36 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
Interessa cada vez mais, proporcionado pelas plataformas, mas também 
pelo interesse da audiência, o ato de enunciar. Assim, a ideia de Molotch 
e Lester (1993, p. 34) de que “as notícias são o resultado desta 
necessidade invariante de relatos do inobservado, desta capacidade de 
informar os outros, e o trabalho de produção daqueles que estão nos 
media”, que coincide com o pensamento de Ortriwano, de 1983, sobre o 
relato para quem não pode estar no local, precisa ser questionado a partir 
variante que se torna o local. No conceito de mídia locativa, descrito por 
Lemos (2008) e demais autores desta mesma linha, o local passa a ser 
determinante no processo narrativo. Enunciar daquele lugar tem mais 
relevância e constitui um critério acrescentado ao processo jornalístico 
tradicional, por intermédio da participação dos cidadãos ou não. 
O jornalista, de sua parte, trabalha com acontecimentos que 
podem ou não ser noticiáveis. Para Rodrigues em Traquina (1993, p. 
27), cada acontecimento pertence a uma escala de probabilidades de 
ocorrência. O fato seria, assim, mais noticiável quanto menor fosse a 
sua probabilidade de ocorrer. 
 
O acontecimento jornalístico é, por conseguinte, um 
acontecimento de natureza especial, distinguindo-se 
do número indeterminado dos acontecimentos 
possíveis em função de uma classificação ou de uma 
ordem ditada pela lei das probabilidades, sendo 
inversamente proporcional à probabilidade de 
ocorrência. (RODRIGUES, 1993 p. 27). 
 
O tempo determina outra característica da notícia: o imediatismo. 
Schlesinger destaca: “A notícia é uma mercadoria. Vista de um ponto de 
vista temporal, é definida pela sua qualidade efêmera e transitória”. No 
dia a dia das redações de rádio e televisão, pois o jornal não consegue 
transmitir suas reportagens instantaneamente, o imediatismo de acordo 
com o autor é um conceito dado ao tempo decorrente entre a ocorrência 
de um acontecimento e a sua transmissão pública, a notícia. 
 
O imediatismo age como uma medida para a 
deteriorabilidade. Quanto mais imediatas mais 
‘quentes’ são as notícias. São ‘frias’ e ‘velhas’ quando 
já não podem ser utilizadasdurante o dia noticioso em 
questão. (SCHLESINGER, p. 181). 
Locast Civic Media 37 
Traquina (1993, p. 68), ao falar sobre a notícia, afirma que os 
jornalistas não são simples observadores passivos, mas participantes 
ativos no processo de construção da realidade. As notícias, segundo ele, 
não podem ser vistas como emergindo naturalmente do mundo real, mas 
acontecem na conjunção de acontecimentos e de textos. “Enquanto o 
acontecimento cria a notícia, a notícia também cria o acontecimento.” 
No que diz respeito à narrativa, o autor entende que, embora 
sendo índice do real, as notícias registram as formas literárias e as 
narrativas utilizadas pelos jornalistas para narrar o acontecimento. Ao 
citar Robert Karl Manoff, Traquina (1993, p. 169) afirma que a escolha 
narrativa feita pelo jornalista não é inteiramente livre, mas orientada pela 
aparência que a realidade assume para ele, pelas convenções que 
moldam a sua percepção e fornecem o repertório formal para a 
apresentação dos acontecimentos pelas instituições e rotinas. “As 
formas literárias e as narrativas garantem que o jornalista, sobre a 
pressão tirânica do fator tempo, consegue transformar, quase 
instantaneamente, um acontecimento numa notícia.” 
As notícias são o resultado de um processo de produção, 
definido como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-
prima, no caso os acontecimentos, num produto, que são as notícias. Os 
acontecimentos são um imenso universo de matéria-prima, pensa 
Traquina (1993). A observação da experiência Locast, num contexto em 
que convivem diferentes plataformas tecnológicas disponíveis para 
narração, amplia a lente ou o foco sobre todos esses conceitos. 
Coexistem as diferentes aparências que a realidade assume, para 
jornalistas e para cidadãos, o tempo de narração e de finalização passa 
a ser determinado, numa expressão um pouco mais forte, pela 
possibilidade da plataforma que o sujeito for capaz de portar, que pela 
não linearidade, manterá os projetos sob demanda. 
5 CONSIDERAÇÕES NARRATIVAS OU EXPRESSÃO 
Narração “caminhante”, narrativas da cidade, memória do tempo 
presente, jornalismo cidadão, variáveis que se cruzam e que têm na 
essência a intervenção do sujeito, agora presente no local do 
acontecimento, permitindo que o lugar indique o critério narrativo, porque 
38 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
afinal ele está munido de equipamentos capazes de registrar e 
compartilhar informações. Mas há intencionalidade no ato narrativo da 
parte deste sujeito? Sim, o sujeito ingressa num jogo narrativo, por 
intermédio do qual captura informações e distribui. Mas o que ele deseja, 
além de estar no centro da evolução de um processo, que encontra sua 
origem no ingresso na modernidade? Esta pergunta é perseguida por 
muitas reflexões em torno do tema. Augé (2006) entende que a 
sociologia real ou a sociedade real é mais complexa do que os modelos 
que tentam dar conta dela. Na realidade concreta, os elementos que 
justificam ou dirigem a elaboração de modelos interpretativos não se 
excluem, mas se sobreadicionam. 
 
Na realidade, tal como podemos observar 
concretamente, nunca houve desencanto do mundo, 
nunca houve morte do Homem, fim de grandes 
relatos ou fim da História, mas houve evoluções, 
inflexões, mudanças e novas ideias, ao mesmo 
tempo em que reflexos e motores de mudanças 
(AUGÉ, 2006, p. 115-116). 
 
Entendemos, a partir da observação das ações narrativas no 
projeto Locast, que as formas de expressão e as apropriações em 
relação às tecnologias narrativas encontram-se em diálogo dentro de um 
mesmo contexto e emergem simultaneamente. Augé (2006) reflete sobre 
a individualização dos destinos ou dos itinerários e sobre a ilusão da 
livre escolha individual, o que, segundo ele, desenvolve-se a partir do 
momento em que se debilitam as cosmologias, as ideologias e as 
obrigações intelectuais com as quais estão vinculadas. Augé (2006 
p.107) cita que “o mercado ideológico se equipara a um self-service, no 
qual cada indivíduo pode prover-se com peças soltas para ensamblar 
sua própria cosmologia e ter a sensação de pensar por si próprio”. 
Augé (2006) cita o pensamento de Max Weber que, para evocar a 
modernidade, fala sobre o desencanto do mundo, apresentando três 
características. A primeira é o desaparecimento dos mitos de origem, dos 
mitos de fundação, de todos os sistemas de crença que procuram o 
sentido do presente da sociedade em seu passado. Surge também o 
desaparecimento de todas as representações e crenças que, vinculadas a 
Locast Civic Media 39 
esta presença do passado, submetiam a existência e, inclusive, a 
definição do indivíduo de seu meio. O homem do Século das Luzes é o 
indivíduo dono de si mesmo, de quem a Razão corta os laços 
supersticiosos com os deuses, com a terra, com sua família, que afronta o 
porvir e se nega a interpretar o presente baseado em magia ou bruxaria. 
Seja qual for o objetivo deste sujeito, agora independente sob 
uma perspectiva moderna, mas enlaçado no nó da rede que ele mesmo 
ajuda a tecer, ele é elemento propulsor de uma ação narrativa infinita. É 
exatamente por conta dessa independência que a produção de 
conteúdos e textos hoje chega a uma dimensão planetária, capaz de 
narrar desde o buraco na rua até fatos jornalísticos de grande relevância 
em escala internacional. Todos eles convivem lado a lado. São fatos, 
acontecimentos, notícias que circulam como matéria-prima, em estado 
bruto ou pós-produzido profissionalmente. Não podemos esquecer que 
já há à disposição dos cidadãos tecnologias móveis capazes de 
proporcionar finalização profissional, ou próximo disso, dos conteúdos 
compartilhados. Mas esta é a próxima etapa de um processo 
desordenado de produção de conteúdos, que permanecerá assim em 
nosso entendimento e está apenas começando. Mais do que uma 
estratégia consciente, é uma conformação do sujeito às transformações 
pelas quais vem passando na modernidade. Mais do que isolamento e 
navegação solitária, é solidariedade por intermédio do compartilhamento 
de informações. 
REFERÊNCIAS 
AUGÉ, M. Sobremodernidade: do mundo tecnológico de hoje ao desafio 
essencial do amanhã. In: MORAES, D. Sociedade Midiatizada. Rio de 
Janeiro: Mauad, 2006. 
BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar 
Ed., 2009. 
BOWMAN, S.; WILLIS, C. (2003). We Media. How audiences are 
shaping the future of news and information, Stanford: The Media Center 
at The American Press Institute, Julho. Disponível em: 
<www.hypergene.net/wemedia>. 
40 CUNHA, M. R. da • Narração caminhante 
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1.artes de fazer. Petrópolis, 
RJ: Vozes, 1994. 
CUNHA, M. R. Conectados e distraídos. Corpos caminhantes e ação 
narrativa. In: Revista GHREBH vol. 14, 2009, PP. 
DEL BIANCO, N. R. Remediação do radiojornalismo na era da informação. 
In: Bocc, Biblioteca On-line de Ciências das Comunicação, 2008. 
LEMOS, A. Mídia locativa e territórios informacionais. In: Santaella, L.; 
ARANTES, P. (org.). Estéticas tecnológicas. Novos modos de sentir. 
São Paulo: Educ, 2008. 
MOLOTCH, H.; LESTER, M. As notícias como procedimento intencional: 
acerca do uso estratégico de acontecimentos de rotina, acidentes e 
escândalos. In: TRAQUINA, N. Jornalismo: questões, teorias e estórias. 
Vega, 1993. 
MORETZSOHN, S. O mito libertário do “jornalismo cidadão”. In: 
Comunicação e Sociedade, vol. 9-10, 2006, pp. 63-81. 
ORTRIWANO, G. S. A informação no rádio – Os grupos de poder e a 
determinação dos conteúdos. São Paulo, Summus Editorial, 1985. 
RODRIGUES, A. D. O acontecimento. In: TRAQUINA, N. Jornalismo: 
questões, teorias e estórias. Vega, 1993. 
SCHLESINGER, P. Os jornalistas e a sua máquina do tempo. In: 
TRAQUINA, N. Jornalismo: questões, teorias e estórias. Vega, 1993. 
TRAQUINA, N. As notícias. In: TRAQUINA,N. (org.) Jornalismo: 
questões, teorias e estórias. Vega, 1993. 
VIRILIO, P. Diálogo com Paul Virilio. O paradoxo da memória do presente 
na era cibernética. In: CASALEGNO, F. Memória cotidiana. Comunidades 
e comunicação na era das redes. Porto Alegre: Sulina, 2006. 
 
LOCAST E O POTENCIAL DA INFORMAÇÃO 
GEOLOCALIZADA 
Dr André Fagundes Pase1
RESUMO 
 
O artigo busca refletir as ações realizadas durante o período de uso da 
ferramenta Locast em Porto Alegre. Além de observar a implantação e a 
prática, que sinalizam como as ferramentas completam o ofício 
jornalístico e as práticas cidadãs, também é possível pensar em futuros 
desdobramentos da plataforma. 
PALAVRAS-CHAVE: Locast; jornalismo; geolocalização; citzen journalism. 
 
Uma das marcas da contemporaneidade digital não é apenas a 
propagação da informação pelos caminhos digitais, mas a fusão do 
jornalismo com as linguagens de programação. A natureza open-source 
do Android permite a criação de aplicações atualizadas praticamente em 
tempo real com o código livre para colaboração em torno de um objetivo 
único. No caso do Locast, isto pode ser observado em duas etapas. 
Antes de o sistema ser disponibilizado para o público, alguns 
arquivos precisaram de tradução. Mesmo que o sistema apresentasse 
palavras do universo digital comum dos usuários, como “login”, foi 
preciso traduzir parte do material para o português. A atividade foi 
realizada em paralelo com a equipe de Boston, pois foi necessário 
validar os arquivos. 
O segundo momento aconteceu durante o workshop inicial do 
Locast, envolvendo os alunos da Faculdade de Comunicação da PUCRS, 
a equipe da RBS e o time remoto do Mobile Experience Lab do MIT. Os 
problemas do software eram detectados pelo grupo durante a 
apresentação e, quase que instantaneamente, o código era atualizado e 
publicado. Esta possibilidade reduziu em grande parte erros de processo 
que poderiam ter ocorrido durante a prática do projeto. Compreende-se 
 
1 Doutor, professor de Jornalismo e coordenador da especialização em Desenvolvimento 
de Jogos Digitais da Famecos/PUCRS. E-mail: afpase@pucrs.br. 
42 PASE, A. F. • Locast e o potencial da informação geolocalizada 
que o mesmo poderia ter sido realizado com o kit de desenvolvimento do 
iPhone, por exemplo, porém as liberdades de instalação do software sem 
caminhar para uma loja como a iTunes Store ou sem a necessidade da 
sincronia como desenvolvedor autorizado garantiram agilidade no projeto. 
1 PRÁTICAS E PUBLICAÇÕES 
Mesmo com todo o esmero para configurar o sistema, na prática 
o Locast revelou seu verdadeiro potencial. Além da mobilidade de 
comunicação, os participantes do projeto utilizaram o material para 
documentar fatos do cotidiano, problemas com o trânsito e eventos 
culturais, sobretudo. Além disso, a infeliz tempestade que atingiu Porto 
Alegre no dia 17 de novembro de 2009 tornou-se uma data especial para 
avaliar como o Locast poderia ser uma base com informações para 
orientação em um cenário adverso. 
A possibilidade de indexação geográfica dos vídeos permite um 
olhar duplo sobre o material publicado em tempo real. Não apenas é um 
mapa com os locais ou uma lista com o que foi publicado recentemente, 
mas o cruzamento dos dois dados. No caso do dia 17, foi possível 
visualizar os estragos provocados na cidade de uma maneira diferente. 
Apenas as notícias ou simples imagens colocadas no Twitter, por 
exemplo, perdem o contexto espacial, sobretudo quando a população 
precisa pensar como será o seu deslocamento pela cidade. 
Outro aspecto interessante relatado pelos participantes foi a 
reação dos entrevistados quando filmados. Muitas vezes, as câmeras 
provocam reações adversas nas pessoas em foco, que apresentam 
sinais de nervosismo ou intimidação pelo aparelho. O celular age de 
maneira menos feroz e, dado o seu uso cotidiano, não se torna tão 
intrusivo em alguns momentos. Além disso, seu manejo fácil permite 
que seja carregado mais facilmente pelo citzen journalist ou 
profissional, que já utiliza o aparelho e não necessita de mais gadgets 
para sua rotina. 
A observação das publicações revela que os jornalistas utilizaram 
a ferramenta inicialmente para informações de contexto da notícia, 
também conhecidas como “pautas ambientais” no jargão jornalístico, e, 
sobretudo pela equipe de Zero Hora, como ferramenta para gravação e 
Locast Civic Media 43 
transmissão de entrevistas, com o vídeo servindo para posterior 
degravação e utilização em matérias textuais. 
Este uso parece simples, porém é muito útil para o profissional do 
texto. Ele conta com um complemento para as suas anotações e ainda 
enriquece o site da sua publicação, com material captado em outras 
linguagens que pode ser utilizado pelo impresso como ponte para o 
online e, o mais importante, auxilia na compreensão dos fatos. Desta 
forma, a ferramenta digital não obriga o jornalista a realizar mais uma 
ação, mas sim facilita a sua vida. Muitas vezes, a equipe da redação 
reage contra mais uma tarefa no ato da reportagem, sobretudo quando 
envolve o online. Ressaltar que a ação substitui outras e ainda é prática, 
como observado com o Locast, pode servir no processo de inclusão do 
celular como companheiro de captação de dados. 
Além disso, o uso do Locast para captar os bastidores da 
captação também foi observado. Porém, este recurso deve ser 
direcionado para pautas em específico, pois nem tudo o que acontece 
com a equipe é de interesse do grande público. Controlar esta espécie 
de publicação, sobretudo valoriza quando ela é colocada em foco. 
Apesar de não contar com a pressão pela busca da informação, a 
equipe de pesquisadores também captou em tempo real, porém 
preocupados com o fato, não o instante. Muitas vezes a publicação era 
realizada horas depois, porém houve a busca por um conjunto de 
planos-sequência, entrevistas e imagens dos fatos sem edição. Esta 
forma culminou por revelar um vídeo orgânico. Não se trata aqui de 
rejeitar o fino cuidado da edição, necessário quando há tempo 
disponível, mas sim observar que a informação direta, desde que 
acompanhada de uma orientação sonora ou visual do repórter/citzen 
journalist também é válida. Aliás, esta publicação permite que outra, 
mais refinada, seja realizada posteriormente. 
Desta forma, o Locast completa o trabalho do profissional e permite 
que o público faça um mapa natural do que acontece ao seu redor. Este 
conteúdo pode ser utilizado por uma empresa jornalística, desde que não 
haja interferência no conteúdo ou mesmo o público evite publicar por achar 
que uma publicação pode ir contra o princípio do site. A moderação e 
gestão do sistema prescindem de transparência e guias claros. 
44 PASE, A. F. • Locast e o potencial da informação geolocalizada 
2 PROPOSTAS PARA NOVAS AÇÕES 
As ações do Locast em Porto Alegre mostram que a 
ferramenta é única e interessante. O uso pelos profissionais e 
pesquisadores revela que este foi apenas o primeiro impacto, e a 
tecnologia tem plenas condições de ser utilizada em outros momentos 
e com novas possibilidades. 
A plataforma já conta com integrações, mas uma eventual 
conexão com a API do Twitter permitiria não postar do Twitter para o 
Locast, mas sim o Locast avisar que há um novo cast. Isto permitiria 
utilizar uma informação pública em uma timeline específica, sem a 
necessidade de acompanhar uma pessoa em especial. Além disso, 
informar o nome de usuário no Twitter do publicador permitiria um 
diálogo provocado pelo Locast, mas sem poluir o ambiente inicial com 
informações específicas. 
Outro uso poderia ser como plataforma para um exercício de 
newsgaming. Não apenas provocar o público para publicar e valorizar o 
material no ar com um escore, premiando quem mais contribuísse pelo 
seu bairro