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Artigo Excludente de Ilicitude Supralegal Criminologia e Teoria Geral do Delito

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS
EXCLUDENTES DE ILICITUDE SUPRALEGAIS
Exclusionary unlawfulness supralegais
Marlon Félix Ferreira
São Paulo – SP
Junho, 2016
MARLON FÉLIX FERREIRA
RA 1337974
EXCLUDENTES DE ILICITUDE e CULPABILIDADE SUPRALEGAIS
Exclusionary unlawfulness and culpability supralegais
Trabalho de avaliação do módulo Criminologia e Teoria Geral do Delito da Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal, sob orientação Professora Ms. Ana Paula da Fonseca Rodrigues Martins. 
				
São Paulo – SP
2.016
14501621A11 Ferreira, Marlon Félix.
Teoria da equivalência / Marlon Félix Ferreira.- 2016.
Artigo (pós-graduação) – Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, 2016. “Orientação: Professora Ms. Ana Paula da Fonseca Rodrigues Martins”.
SUMÁRIO
1 – Título.……….......………………...….………..……………………………........5
2 – Tema…………………………….…….………..……………......……………….5
3 – Problema…………………….…………..………………….............……………4
4 – Hipótese………………………....…..….…...…..………..........……………......5
5 – Resumo………………..………………...…...………….....……………………..6
6 – Palavras-chaves – Keys-Words………......….………................................…6
7 – Introdução.......………………………….…..…………......……………………..6
7.1 – Conceito ………...........................................….…….....………………...6
7.2 – Origem Histórica....................................................................................6
8 – Desenvolvimento e resultado da pesquisa...................................................7
9 – Conclusão.....................................................................................................8
10 – Bibliografia..................................................................................................9
Título
	Excludentes de Ilicitude Supralegais.
	
Tema
	Aplicabilidade das excludentes de ilicitude supralegais.
	
Problema
	A imprevisibilidade legal das excludentes de ilicitude e culpabilidade supralegais, impede sua alegação junto aos nossos tribunais?
	
Hipótese
	Eu entendo que é perfeitamente possível arguir esta excludente, mesmo não havendo previsibilidade, desde que o pedido seja factível.
Resumo
	
Palavras Chaves
Excludentes - supralegais.
Key words:
Exclusionary - supralegais.
7 – Introdução 
7.1 – Conceito 
7.2 – Origem Histórica das excludentes supralegais
8 – Desenvolvimento e resultado da pesquisa
9 – Conclusão
10 – Referências Bibliográficas
As causa supralegais excludentes de antijuridicidade encontram nascedouro no Direito Penal Alemão, pois inexistia á época previsão legal referente ao estrito cumprimento do dever legal assim como ao exercício regular de direito, limitando, portanto o Estatuto Repressivo Germânico apenas á previsão da legítima defesa e ao estado de necessidade, razão pela qual a doutrina germânica admitiu a existência de causa supralegais excludentes de antijuridicidade.
Portanto, surge o debate a respeito a possibilidade ou não de se admitir as causa supralegais excludentes de antijuridicidade em nosso Direito Penal, tendo como exemplo o “consentimento do ofendido”. Observa-se que estamos na será dos bens disponíveis!
Nascem dois entendimentos doutrinários:
1º) posição: não existe a possibilidade das causa supralegais excludentes de antijuridicidade, fundamentos:
a) Como a origem é germânica, nosso Código Penal admite o estrito cumprimento do dever legal assim como ao exercício regular de direito no art. 23, III, portanto as causas supralegais excludentes de antijuridicidade se enquadrariam no citado dispositivo legal;
b) Caso não possamos utilizar o art. 23, III, o intérprete se vale da Lei de Introdução ás Normas do Direito, ou seja: analogia, princípios geras de direito e equidade.
c) O consentimento do ofendido já se verifica no tipo penal, como p. Ex. Arts. 150 e 126, CP.
Eugênio Raúl Zaffaronoi, Nélson Hungria e Assis Toledo, dentre outros.
2º) posição: existe a possibilidade das causa supralegais excludentes de antijuridicidade, fundamentos:
a) Embora exista o art. 23, II, CP, algumas situações não se encaixam no citado dispositivo;
b) O aspecto dinâmico da sociedade faz com que o legislador não possa prever todas as situações possíveis, portando as causas supralegais excludentes de antijuridicidade suprem a situação omissa, com fundamentos sociológicos;
c) Nem todas situações de consentimento do ofendido se enquadram na própria figura típica, descendo, portanto o debate a luz da antijuridicidade.
CEZAR ROBERTO BITENCOURT, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, ANÍBAL BRUNO, dentre outros.
Nosso entendimento era sustentado com o PRIMEIRO posicionamento, mas após uma análise mais perfunctória, admitimos data vênia, como mais propriedade jurídica a SEGUNDA orientação, alterando, portanto, nosso entendimento sobre o tema.
Ler texto excelente sobre o tema publicado neste site, de CEZAR ROBERTO BITENCOURT: BITENCOURT, Cezar Robeerto; Favorecimento à prostituição e o consentimento da vítima. Disponíbvel em: http://atualidadesdodireito.com.br/cezarbitencourt/2011/10/21/favorecimentoaprostituicaoeo-consentimento-da-vitima/
Admitindo-se a segunda orientação, deixo uma pergunta que não cala:
Existe a possibilidade de verificação do consentimento do ofendido como causa supralegal excludentes de antijuridicidade nos delitos culposos?
23) O que são causas supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa? São admitidas em nosso sistema jurídico? Resposta: são aquelas que, embora não previstas em lei, levam à exclusão da culpabilidade. Há duas posições quanto a sua existência: 1ª) o Tribunal de Justiça de São Paulo sustenta que inexistem causas supralegais, com o principal argumento no sentido de que é inaplicável a analogia in bonam partem em matéria de dirimentes, já que as causas de exculpação representam, segundo a clara sistemática da lei, preceitos excepcionais insuscetíveis de aplicação extensiva; 2ª) o Superior Tribunal de Justiça entende, contrariamente, que existem outras causas de exclusão da culpabilidade além das expressamente previstas, argumentando no sentido de que a exigibilidade de conduta diversa é um verdadeiro princípio geral da culpabilidade. Contraria frontalmente o pensamento finalista punir o inevitável. Só é culpável o agente que se comporta ilicitamente, podendo orientar-se de modo diverso. Adotamos a segunda posição.
Tais como as causas de exclusão da antijuricidade ou ilicitude prevista no artigo 23 do código penal, como; legitima defesa, estado de necessidade e exercício legal do direito. Segue o direito rumo a aceitação do consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude.
Considerando que o consentimento exclui a ilicitude do fato quando se trata de interesse jurídico livremente disponível e justificável, podemos afirmar assim que não é punível quem ofende ou coloca em perigo de lesão um direito, com consentimento da pessoa que dele pode legalmente dispor.
Em relação à expressão “supralegal”, embora possa ser encontrada no Dicionário de Língua Portuguesa Aurélio, a palavra supra com o significado equivalente a “superioridade”, dessa forma podemos ter um idéia de “acima da lei”, mas o consentimento do ofendido como causa supralegal, trata-se de um solução doutrinaria na qual abrange o resultado querido ou assumido e em certos casos concretos o nexo ou a tipicidade, mas que somente é adquirido após permissão do titular para a lesão do bem jurídico. Alguns exemplos a serem citados em que o consentimento isenta a exclusão da tipicidade, podem ser analisados como nos casos em que alguém autoriza a entrada de terceiros em sua casa, excluindo-se assim a tipicidade da conduta. Já como causa de supralegal de exclusão da ilicitude, podemos citar aquele que realiza tatuagem em corpo de terceiros, assim sendo considera-se lesão corporal de acordo com o artigo 129 do CP, o ato torna-se licito se verificado o consentimentodo ofendido, pois mesmo ferindo a integridade física ou corporal sendo esses considerados fatos indisponíveis, mas desde que seja sustentado, as lesões podem ser licitas se forem comprovadas que são de natureza leve, assim como inutilizar coisa de terceiro ainda que com pedido do mesmo, classificasse como dano, mas o consentimento da vitima caracteriza-se como forma licita. No caso da aplicação ou diminuição de pena, a jurisprudência brasileira classifica como exemplo a eutanásia; aquele que mata para aliviar sofrimento mesmo que por pedido da vitima segundo a jurisprudência, por motivo de relevante valor moral é praticado homicídio privilegiado, sendo assim não há exclusão da tipicidade, muito menos da ilicitude, pois se considera a vida como bem indisponível. O consentimento jamais terá efeito quando se tratar de bem indisponível ou cuja conservação seja de interesse coletivo, ou seja, bens públicos, nos quais por serem de muitos titulares o consentimento de um só não afasta a tipicidade e nem a antijuricidade do fato.
Os requisitos exigidos para que o consentimento do ofendido possa ser valido são em caráter cumulativo, necessitando assim do ofendido ser capaz e expor consentimento livre com expressão autorização ou titulação do bem jurídico, sendo necessário que o mesmo esteja com capacidade para compreender os fatos e as conseqüências de sua decisão. Os que possuem dezoito anos completos, são dotados de capacidade para exercer o seu consentimento, caso o indivíduo seja incapaz, poderá seu responsável consentir por ele nos termos da lei civil, sendo necessário o consentimento antes ou no máximo no exato momento da conduta, bem por que o ato praticado posteriormente a conduta não afasta a tipicidade e nem a ilicitude da conduta pois não se pode denominar como consentimento. O motivo pelo qual se torna necessário a averiguação se o bem jurídico no momento em que é lesionado esta ou não sob proteção legal, assim pode analisar a situação na qual se o bem jurídico não esta sob tutela do ordenamento jurídico no momento em que é lesionado torna-se a conduta positiva, pois não implica o sistema jurídico penal, podendo assim ser considerada valida como consentimento do ofendido, mas caso o bem jurídico esteja sob tutela do ordenamento legal no momento em que é lesionado, não se pode considerar consentimento do ofendido, pois implica o sistema penal. Sendo assim podemos concluir que as causas supralegais são aquelas que não estão expressamente previstas em nosso ordenamento jurídico. No entanto, há aplicação das mesmas em virtude de princípios do nosso ordenamento jurídico.
Produzido por: Eduardo Atavila Dos Santos
Faculdade Barretos – 31 de Maio de 2011
	O consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude
Resumo
Este trabalho discorre acerca do instituto jurídico penal chamado Consentimento do Ofendido, como causa de exclusão da Ilicitude. Busca-se analisar tal instituto a partir da relevância do seu tema, perpassando pelas suas raízes históricas e sua evolução cultural. Analisa-se também sua aplicação e funcionalização em ordenamentos estrangeiros. O principal enfoque consiste no seu uso e tratamento dentro do Direito Penal brasileiro.
Introdução
O Direito Penal é o ramo da ciência jurídica que tem por escopo manter a ordem social através da seleção dos comportamentos humanos mais nocivos que, porventura, sejam capazes de lesionar, ou expor a lesão, bens jurídicos essenciais para a convivência em sociedade.
De acordo com o princípio da Intervenção Mínima, o Direito Penal deve restringir a liberdade do indivíduo minimamente, criminalizando somente aquelas condutas que, de fato, representem um risco ao bem jurídico tutelado. Existem outros ramos do Direito que podem ser utilizados como solucionadores de conflitos sociais, devendo recorrer-se à ciência penal somente como ultima ratio, visto que esta se utiliza do meio mais gravoso para resolver conflitos sociais: a criação de crimes, e, consequentemente, a restrição da liberdade individual em prol de uma necessidade social maior.
Em virtude disso, para que um comportamento seja considerado crime, é necessário, antes de tudo, que haja uma adequação a certos requisitos, visando evitar arbitrariedades. Por conta disso, temos a Teoria Tripartida do Crime, que nos apresenta as características nas quais uma conduta humana deve se enquadrar para que seja, não somente considerada crime, mas também passível de punição.
Em primeira análise, a conduta deve ser Típica, ou seja, deve estar descrita no modelo legal, pois, como o princípio da Legalidade, ou Anterioridade, nos afirma, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 1º, CP). Confirmada a tipicidade da conduta, segue-se para a análise de sua ilicitude, que, de acordo com Capez, nada mais é do que “a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas”. E, por último, verificada a ilicitude do ato, analisa-se a culpabilidade, que se trata de juízo de reprovabilidade exercido sobre indivíduo que praticou conduta típica e ilícita. Entretanto, o que nos interessa observar aqui é o instituto da Ilicitude ou Antijuridicidade.
A princípio, toda conduta típica é ilícita, visto que somente estão tipificadas as condutas consideradas criminosas, ou seja, proibidas (indiretamente) pelo ordenamento. Entretanto, sabemos que é vasta a gama de situações fáticas que ocorrem no mundo do ser. Não seria justo, por exemplo, privar a liberdade de uma pessoa que, prestes a ter sua vida ceifada, reage, em um momento de desespero, matando seu algoz. Portanto, o Legislador achou por bem positivar as excludentes de ilicitude, que estão descritas do artigo 23 ao 25 do Código Penal Brasileiro.
São quatro as excludentes legais da ilicitude: estado de necessidade; legítima defesa; estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito.
Porém, é impossível que o Legislador possa prever todas as situações nas quais a ilicitude pode ser eliminada, tendo em vista, principalmente, a evolução e as modificações culturais que ocorrem em nossa sociedade, como bem afirmou Bitencourt e Muñoz Conde,
o caráter dinâmico da realidade social permite a incorporação de
novas pautas sociais que passam a integrar o quotidiano dos
cidadãos, transformando-se em normas culturais amplamente
aceitas. Por isso, condutas, outrora proibidas, adquirem aceitação
social, legitimando-se culturalmente. Como o legislador não pode
prever todas as hipóteses em que as transformações produzidas
pela evolução ético-social de um povo passam a autorizar ou permitir
a realização de determinadas condutas, inicialmente proibidas, deve-se, em princípio, admitir a existência de causas supralegais de
exclusão da antijuridicidade, em que pese alguma resistência oferecida por parte da doutrina.1
Portanto, nota-se claramente a importância da existência de causas supralegais de exclusão da ilicitude, visto que o Direito deve buscar adaptar-se e evoluir-se juntamente com a sociedade. O Ordenamento Jurídico brasileiro admite somente uma causa supralegal de exclusão da ilicitude, qual seja, o consentimento do ofendido, instituto que abordaremos a partir de agora.
1. Evolução histórica
Acredita-se que a primeira menção feita ao Consentimento do Ofendido tenha ocorrido no Direito Romano.
Durante muito tempo, os penalistas se apegaram à máxima de Ulpiano para justificar a não punibilidade da conduta delituosa em que se apresentasse o consentimento do ofendido: nulla injuria est quae volentem fiat (Digesto, XLVII, 10.1. § 5), ou, em forma simplificada volenti non fit injuria.2
Na Roma Antiga, de acordo com a teoria de Ulpiano, dono da máxima nulla iniuria est quae in volentem fiat (o que se faz com a vontade do lesado não constitui injusto), conhecida pelo brocardo jurídico volenti non fit iniuria, considerava-se inexistente o crime que tivesse sido praticado sob a permissão da vítima, entretanto,haviam limitações, pois, tal instituto só era aplicado aos crimes considerados de natureza privada.
Aplicava-se o consentimento do ofendido a todos os crimes de personalidade, ainda que o bem jurídico tutelado fosse a integridade física ou a vida.
Por ser restrito somente aos crimes de natureza privada, o instituto romano do consentimento do ofendido carecia de uma aplicabilidade mais ampla, característica essa que observamos, ainda hoje, em outros ordenamentos jurídicos.
No ordenamento brasileiro, como veremos, por diversas vezes o consentimento do ofendido esteve ausente, entretanto, em alguns momentos ele apareceu explicitamente em nossa legislação.
1.1 Código Criminal do Império
O Código Criminal do Império, de 1830, em seu capítulo II, Título I, da parte geral, nos trazia os chamados “crimes justificáveis”, dispostos no artigo 14:
Art. 14 – Será o crime justificável, e não terá lugar a punição delle:
1º Quando fôr feito pelo delinquente para evitar mal maior. […].
2º Quando fôr feito em defesa da própria pessoa ou de seus direitos.
3º Quando fôr feito em defesa da família do delinquente. […].
4º Quando fôr feito em defesa da pessoa de um terceiro […].
5º Quando fôr feita em resistência à execução de ordens ilegais, não se excedendo os meios necessários para impedi-la.
6º Quando o mal consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos e os mestres a seus
discípulos; ou desse castigo resultar, uma vez que qualidade delle não seja contrária às Leis em vigor.3
Podemos observar que, no Código Criminal do Império, não houve a contemplação do consentimento do ofendido entre os crimes justificáveis. O que nota-se claramente é a existência de justificantes muito semelhantes àquelas que temos hoje em nosso Código Penal, a exemplo da Legítima Defesa e do Estado de Necessidade.
Observa-se também que houve positivação acerca de questões familiares e outras mais afeitas à época (no que consiste aos escravos, por exemplo), que seriam melhores trabalhadas no âmbito do Direito Civil.
1.2. O Código Penal Republicano
O Código Penal Republicano foi o primeiro a nos trazer, explicitamente, a positivação do consentimento do ofendido, que constava em seu Título III, artigo 26:
Art. 26 – Não dirimem, nem excluem a intenção criminosa:
[…]
c) o consentimento do offendido, menos nos casos em que a lei só a
elle permitte a acção criminal.4
Nesse caso, nota-se que o consentimento do ofendido era uma causa de justificação meramente excepcional, visto que, em regra geral, a responsabilidade pelo crime cometido naquelas circunstâncias não era excluída. Vemos também a confusão do Legislador em dar tratamento de matéria processual ao instituto em questão.
Entretanto, a pesar do tratamento confuso dado ao instituto, é de se reconhecer a importância da sua positivação no Código Penal Republicano.
1.3. O Projeto Sá Pereira
O Projeto Sá Pereira, apresentado em 1927 pelo Desembargador Virgílio de Sá Pereira, trouxe uma evolução ao tratamento legal do consentimento do ofendido. No projeto do Desembargador, o consentimento do ofendido se desatrelou do âmbito de ordem processual, e passou a ser tratado como uma causa de isenção de pena somente “quando o objeto do crime for um bem ou um interesse jurídico de que o respectivo titular possa validamente dispor”5.
É claro que, mesmo com a inovação dada ao instituto, permaneciam algumas falhas, como a expressão “isenção de pena”, mais afeita às causas excludentes da Culpabilidade, e não à Ilicitude ou Tipicidade, que é como entendemos hoje.
1.4. A Consolidação das Leis Penais de 1932
Em 1932 houve a Consolidação das Leis Penais, que, em verdade, não se tratou de um novo Código Penal, mas de uma junção entre o Código de 1890 e as diversas leis esparsas que, naquele período, estavam em vigor.
As inovações do Projeto de Sá Pereira não surtiram efeito, pois o mesmo não entrou em vigor, sendo assim, as confusões a respeito do consentimento do ofendido feitas no Código de 1890 foram mantidas, e o instituto continuou a ser tratado como matéria de ordem processual.
1.5. O Projeto Alcântara Machado
Em 1938 foi apresentado um novo projeto de Código Penal pelo Professor da Faculdade de Direito de São Paulo, Alcântara Machado. O novo projeto, mais uma vez, dava um tratamento técnico mais adequado ao consentimento do ofendido, colocando-o no ramo do Direito Material.
Em seu artigo 14, I, estabelecia que “não será também punível aquele que praticar a ação ou omissão com o consentimento de quem possa validamente dispor do direito ameaçado ou violado”6.
Porém, a pesar das melhorias apresentadas, este novo projeto também não entrou em vigor. O Código de 1940 foi omisso quanto à positivação do consentimento do ofendido, principalmente pela influência do penalista Nelson Hungria, para quem tal positivação era desnecessária.
1.6. O Código Penal de 1969
O Código Penal de 1969 também não deu previsão ao instituto do consentimento do ofendido. A pesar de ter sido publicado, o Código de 69 não entrou em vigor, permanecendo em vacatio legis por cerca de quase dez anos. Acabou por ser revogado, voltando a viger o Código de 1940.
1.7. O Código Penal de 1940 e a Reforma Penal de 1984
Atualmente está em vigor o Código Penal de 1940, tendo este passado por uma reforma em sua Parte Geral no ano de 1984.
A nossa atual legislação penal mantém a omissão do consentimento do ofendido em seu texto, tendo a reforma somente alterado o título da matéria de “exclusão da criminalidade” para “exclusão da ilicitude”.
Dessa forma, todo o tratamento dado ao consentimento do ofendido é de caráter doutrinário e jurisprudencial.
1.8. O Anteprojeto do Novo Código Penal
Em 18 de junho de 2012, a Comissão de Juristas para Elaboração de Anteprojeto de Código Penal apresentou o relatório final de seu trabalho.
O anteprojeto prevê, em seu artigo 28:
Exclusão do fato criminoso
Art. 28. Não há fato criminoso quando o agente o pratica:
I – no estrito cumprimento do dever legal;
II – no exercício regular de direito;
III – em estado de necessidade; ou
IV – em legítima defesa; 7
Como se pode notar, foram mantidas exatamente as mesmas excludentes de ilicitude que o nosso Código Penal vigente, em seu artigo 23, elenca. A única mudança perceptível trata-se do título da matéria, que muda de “exclusão da ilicitude” para “exclusão de fato criminoso”. O Anteprojeto, portanto, também omite o consentimento do ofendido como uma excludente de ilicitude.
2. O Consentimento do Ofendido em Legislações Estrangeiras
A título de curiosidade, e para uma compreensão mais ampla da matéria, é interessante que conheçamos o tratamento legal dado ao consentimento do ofendido dentro de outras legislações, como a portuguesa, italiana, alemã e mexicana.
O Código Penal Português sem dúvida, se trata da legislação penal europeia que dá o tratamento mais específico ao consentimento do ofendido. Em seu artigo trinta e um, o Código Penal lusitano nos traz as “causas que excluem a ilicitude e a culpa”:
Art. 31º
Exclusão da ilicitude
1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) Em legítima defesa;
b) No exercício de um direito;
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou
d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado. 8
Como podemos ver, o legislador disciplinou expressamente o consentimento do ofendido entre as causas de exclusão da ilicitude, entretanto, também se trabalha uma aplicação mais ampla do instituto em seu artigo trinta e oito:
Art. 38º
Consentimento
1 - Além dos casos especialmente previstos na lei, o consentimento exclui a ilicitude do facto quando se referir a interesses jurídicos livremente disponíveis e o facto não ofender os bons costumes.
2 - O consentimentopode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria, livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente protegido, e pode ser livremente revogado até à execução do facto.
3 - O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 14 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta.
4 - Se o consentimento não for conhecido do agente, este é punível com a pena aplicável à tentativa.9
A positivação do consentimento do ofendido na legislação portuguesa é, portanto, tácita e específica. O legislador preocupou-se em disciplinar os requisitos nos quais este instituto pode ser aplicado, como a idade mínima, os bens (nesse caso, somente aqueles que forem disponíveis), a possibilidade de revogação do consentimento, a forma e os meios em que poderá ser expresso e uma punição para o agente que praticar o ato desconhecendo a aquiescência do titular do bem em questão.
O Código Penal português vai mais além ao prever, em seu artigo 39 o Consentimento presumido:
Art. 39º
Consentimento presumido
1 - Ao consentimento efectivo é equiparado o consentimento presumido.
2 - Há consentimento presumido quando a situação em que o agente actua permitir razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto, se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado.10
Dessa forma vemos que o consentimento presumido admite a hipótese de se atuar partindo do ponto de vista de que, se o titular do bem jurídico soubesse das circunstâncias, teria permitido a prática do agente. Portanto, o consentimento presumido é tratado como o consentimento efetivo.
O Código Penal Italiano também traz expressamente o consentimento do ofendido em seu texto, no artigo 50: non è punibile chi lede o pone in pericolo un diritto, col consenso della persona che può validamente disporne (não é punível quem lesiona ou põe em perigo um direito com o consentimento de pessoa que validamente pode dispô-lo).11
Também temos uma previsão especial no Código Penal Alemão, pois este trata do consentimento do ofendido em sua parte especial, e não na geral, como ocorre com os Códigos Português e Italiano. O Código Alemão, na seção dos Crimes contra a integridade corporal, § 228, estabelece:
§ 228. Consentimiento
Quien efectúe una lesión personal con consentimiento del lesionado, entonces solo actúa antijurídicamente, cuando el hecho a pesar del consentimiento vaya en contra de las buenas costumbres.12
(Quem efetuou lesão pessoal com o consentimento do lesionado, só age antijuridicamente quando o fato, a pesar do consentimento, vai contra os bons costumes), portanto, como visto, o consentimento do ofendido na legislação alemã só é admitido no campo das lesões corporais, desde que não atente contra os bons costumes.
Por fim, o Código Penal Mexicano nos apresenta um tratamento ao consentimento do ofendido muito similar àquele dado pela legislação portuguesa, Como podemos ver em seu artigo 15:
Artículo 15: El delito se excluye cuando:
[...]
III. Se actúe con el consentimiento del titular del bien jurídico afectado, siempre que se llenen los siguientes requisitos:
a) Que el bien jurídico sea disponible;
b) Que el titular del bien tenga la capacidad jurídica para disponer libremente del mismo;
c) Que el consentimiento sea expreso o tácito y sinque medie algún vicio; o bien, que el hecho se realice en circunstancias tales que permitan fundadamente presumir que, de haberse consultado al titular, éste hubiese otorgado el mismo.13
A legislação mexicana, como podemos ver, também só admite o consentimento nos bens que o titular pode dispor. Estabelece também que o titular deve ter a capacidade jurídica necessária para poder dispor do seu bem e que seu consentimento seja tácito, expresso. É interessante notar também que, ao contrário do Código Alemão, que disciplina este instituto no âmbito das lesões corporais, o Código mexicano trata o consentimento como excludente de delito, semelhantemente à legislação portuguesa. Também é admitido no Código mexicano, expressamente, o consentimento presumido.
Há diversas outras legislações estrangeiras que trabalham o consentimento do ofendido em seu Código Penal, a exemplo da França, Áustria, Uruguai e Colômbia. Portanto, trata-se de um instituto penal de grande relevância, amplamente admitido em legislações pelo mundo todo. Entretanto, como veremos, tal instituto não encontra abrigo em nosso Código Penal, sendo tratado basicamente, como já foi dito, pela doutrina e jurisprudência.
3. O Consentimento do Ofendido na Legislação Brasileira
Como sabemos, o nosso Código Penal trabalha, em seu artigo 23, as causas de exclusão da ilicitude:
Art. 23.
Não há crime quando o agente pratica o fato:
I. Em estado de necessidade;
II. Em legítima defesa;
III. Em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.14
Portanto, são quatro as hipóteses descritas em nosso ordenamento em que se admite exclusão de ilicitude: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito. Como vemos, o consentimento do ofendido não possui tratamento legal expresso. Nelson Hungria, penalista membro da comissão revisora do Código Penal de 1940 considerou o instituto “evidentemente supérfulo”15, sendo assim, a forte influência que sua opinião exercia contribuiu para que o consentimento do ofendido permanecesse ausente do texto legal em questão, vigente até os dias atuais. Entretanto, o consentimento do ofendido possui aceitação majoritária entre a doutrina e a jurisprudência como causa supralegal de exclusão da ilicitude, em virtude das diversas situações nas quais o instituto pode ser aplicado, como afirma o doutrinador Salgado Martins, que
“as causas ilidentes da antijuridicidade não podem limitar-se às estritas prescrições da lei positiva, mas devem ser examinadas dentro de quadro mais amplo, isto é, à luz de critérios sociológicos, éticos, políticos, em suma, critérios que se situam antes do Direito ou, de certo modo, fora do âmbito estrito do direito positivo”.16
Seguindo o mesmo entendimento de Salgado Martins, Cezar Roberto Bitencourt defende que “como o legislador não pode prever todas as hipóteses em que as transformações produzidas pela evolução ético-social de um povo passam a autorizar ou permitir a realização de determinadas condutas, [...] deve-se, em princípio, admitir a existência de causas supralegais de exclusão da antijuridicidade [...]17. Portanto é imprescindível que se observe a modificações que a sociedade constantemente sofre.
Guilherme de Souza Nucci também defende o instituto e sua ampla aceitação ao afirmar que “não se trata de matéria pacífica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Entretanto, pode-se observar que a maioria tem perfilhado o entendimento de que se trata de excludente de ilicitude aceitável, embora não prevista expressamente em lei18.
O entendimento da doutrina majoritária (aqueles que defendem o consentimento como causa de justificação), geralmente, segue o mesmo raciocínio, ou seja, ideia de que o legislador não pode prever todas as situações fáticas ou modificações que surgem em nossa sociedade. O direito, portanto, deve adaptar-se a tais mudanças, razão pela qual o consentimento do ofendido é instituto de suma importância para o direito penal brasileiro, pois, de acordo com Toledo, “a criação de novas causas de justificação, ainda não traduzidas em lei, torna-se uma imperiosa necessidade para uma correta e justa aplicação da lei penal19.
Entretanto, existem doutrinadores que se posicionam contrariamente à aceitação do consentimento do ofendido como causa supralegal de justificação, como podemos ver na declaração de Zafaroni e Pierangeli:
Devido a carências do código penal alemão de 1871, a doutrina alemã entendeu que era necessário construir uma teoria das causas de justificação 'supralegais', particularmenteno tocante ao estado de necessidade justificante. Hoje, esta teoria já foi abandonada, e, em nosso país, é totalmente desnecessária, pois nosso CP tem as causas de justificação perfeitamente estruturadas, incluindo o exercício regular de direito (art. 23, III, que implica uma remissão às disposições permissivas encontráveis em outra parte da ordem jurídica). Como consequência do que acabamos de dizer, negamos que a antijuridicidade possa ter outro fundamento além da lei, ainda que para sua determinação nos casos concretos, eventualmente, se deva recorrer a valorações sociais20.
Porém, mesmo que hajam dissenções, o entendimento majoritário da doutrina aceita o consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude, obedecendo, claro, a alguns requisitos que veremos a seguir.
4. Aplicação do Consentimento do Ofendido
O ordenamento jurídico brasileiro admite somente uma causa supralegal de exclusão da ilicitude, que, como já sabemos, trata-se do consentimento do ofendido. De acordo com o entendimento de Assis Toledo,
“não vemos, no momento, espaço no Direito brasileiro para outras causas supralegais de justificação [...]. É que, entre nós, a inclusão, no Código Penal, como causas legais, do exercício regular de direito e do estrito cumprimento do dever legal [...], faz com que tais causas legais operem como verdadeiros gêneros das mais variadas espécies de normas permissivas, espalhadas pelo nosso ordenamento jurídico, abrangendo-as todas”.21
Sendo assim, a doutrina majoritária, atualmente, aceita somente o consentimento do ofendido como uma causa supralegal de justificação. Entretanto, para que tal instituto seja aplicável, isentando o réu de pena por ausência de ilicitude, é necessário que se obedeça a certos requisitos:
a) A concordância do ofendido: o titular do bem jurídico deve concordar com a lesão, sem vício algum de vontade, fraude, artifício ou coação.
b) Consentimento explícito: o consentimento deve ser expresso de forma tácita, explícita, admitindo-se até o consentimento implícito, desde que seja possível identifica-lo. Não admite-se a figura do consentimento presumido, como ocorre com as legislações penais portuguesa e mexicana.
c) Capacidade para consentir: por não haver positivação do consentimento do ofendido no texto legal, não há uma idade definida quanto à capacidade de ceder bens ou interesses próprios. Por conta disso, a doutrina optou por considerar a idade penal, de 18 anos, pois, como afirma Nucci, “aquele que tem capacidade para responder por seus atos na esfera criminal, sem dúvida, pode dispor validamente de bens ou interesses seus”.22 No entanto, deve haver flexibilidade neste campo, tendo em vista que um adolescente de 17 anos, por exemplo, com certeza tem capacidade para discernir a respeito da perda de um bem.
d) Disponibilidade do bem: para que o titular do bem jurídico em questão possa cedê-lo, é obrigatório que este – o bem jurídico – seja disponível. Significa dizer que aquele bem possui relevância somente para o próprio titular, não afetando em nada a sociedade como um todo. Observa-se, também, se tal conduta contra aquele bem jurídico não prejudica os costumes e a ética social, analisando-se, claro, a época atual, visto que os valores sociais tendem a se modificar e evoluir constantemente.
e) O consentimento deve ser dado antes ou durante a prática: não admite-se que o consentimento seja dado após a realização da conduta, pois aí já consumou-se o crime, sem que tenha havido o controle ou permissão da vítima. Portanto, o consentimento deve ser dado antes ou durante a prática, do contrário configurará acolhimento do perdão.
f) Revogação do consentimento: ainda que o titular do bem tenha permitido sua lesão, poderá, em qualquer tempo, revogar o consentimento, desde que a prática ainda não tenha chegado ao fim.
g) Conhecimento do agente: é necessário que o agente tenha conhecimento da permissão da vítima quanto à lesão de seu bem, como acontece nas demais excludentes de ilicitude.
Portanto, obedecendo-se aos requisitos apresentados anteriormente, pode-se aplicar o consentimento do ofendido como causa supralegal de justificação.
Tal como ocorre com as causas legais de exclusão da ilicitude, no consentimento do ofendido também é punível o excesso. O excesso neste instituto configura-se com a ultrapassagem dos limites impostos pela vítima que consentiu com a lesão de seu bem ou perda de seu interesse.
5. Exemplos práticos da aplicação do Consentimento do Ofendido: julgados
a) APELAÇÃO. VIOLENCIA DOMÉSTICA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. DELITO DE DESOBEDIÊNCIA TIPIFICADO NO ART. 359 DO CP. NÃO CONFIGURADO. CONSENTIMENTO DA OFENDIDA. PROVIMENTO. Réu afastado do lar por força de medida protetiva que volta ao local com o consentimento da ofendida, não age ilicitamente. Presume-se que a beneficiária das medidas protetivas abriu mão da proteção estatal oferecida através da Lei Maria da Penha. Apelo defensivo provido. (Apelação Crime Nº 70052872884, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 13/03/2014).
Como podemos ver neste julgado do TJ do Rio Grande do Sul, o réu foi absolvido pela aplicação do consentimento do ofendido, visto que houve, presumidamente, a permissão da vítima quanto à volta ao local do qual, anteriormente, o réu havia sido afastado por medida protetiva solicitada pela própria vítima.
b) HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE QUE A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA NO ESTUPRO DE MENOR DE QUATORZE ANOS SERIA RELATIVA EM RAZÃO DO CONSENTIMENTO DAOFENDIDA: IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO QUANDO A VÍTIMA É MENOR DE QUATORZE ANOS. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o eventual consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a conjunção carnal e mesmo sua experiência anterior não elidem a presunção de violência, para a caracterização do estupro. Precedentes. 2. Habeas Corpus indeferido. (HC 93263 RS, Primeira Turma, STF, Relatora: Cármen Lúcia, Julgado em 19/02/2008).
Esta decisão do STF indeferiu pedido de Habeas Corpus que argumentava presunção de violência no estupro relativa, em razão da vítima ter consentido com a conjunção carnal. Podemos observar aqui que, de fato, não havia a possibilidade da aplicação do consentimento do ofendido, visto que, como ressaltou o próprio STF em sua decisão, a vítima era menor de 14 anos, não possuindo a idade limite para consentir a lesão ao bem jurídico, que, como estabelecido pela doutrina, e corroborado pela jurisprudência, ficou sendo a idade penal, a saber, 18 anos.
c) APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO - NORMA JURÍDICA - JUÍZO DE REALIDADE E DE VALOR - CONCRETIZAÇÃO - PRESUNÇÃO RELATIVA DE VIOLÊNCIA - CONSENTIMENTO DO OFENDIDO - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO - POSSIBILIDADE - INADEQUAÇÃO TÍPICA - ABSOLVIÇÃO.
A norma jurídica não mais se identifica com o texto normativo; ela se constrói a partir do texto. Com efeito, no processo de concretização da norma extrai-se dos textos normativos uma norma- programa que se projeta na realidade social. A norma enuncia algo que deve ser, em virtude de ter sido reconhecido um valor como razão determinante de um comportamento declarado obrigatório. O legislador não se limita a descrever um fato tal como ele é, à maneira do sociólogo, mas baseando-se naquilo que é, determina que algo deva ser, com a previsão de diversas consequências, caso se verifique a ação ou a omissão, a obediência à norma ou a sua violação. O juízo de realidade (ser), no qual o legislador de 1940 se baseou (dever ser) para elaborar a atual parte especial do Código Penal, é diferente do que hoje se tem como parâmetro para aplicar o juízo normativo. ""In casu"", se da análise probatória concluir-se que nada mais se tem a proteger em relação à menor - no que tange à atividade sexual - não há que se falar em ofensa ao bem jurídico tutelado no artigo 213 c/c 224 do Código Penal. A vítimade estupro com violência presumida não é qualquer menor de 14 anos e sim aquela em cuja pessoa se possa dar a ofensa ao bem jurídico. Recurso a que se nega provimento. (100000028205950001 MG 1.0000.00.282059-5/000, TJ, MG, Relator: Tibagy Salles, Julgado em 24/09/2002).
Neste julgado do TJ de Minas Gerais podemos observar a flexibilidade quanto à aplicação do consentimento do ofendido, especialmente no que se refere à idade. A análise mais detalhada do processo em seu inteiro teor, nos revela que a vítima, menor de 14 anos, consentiu plenamente com a conjunção carnal, declaração que foi proferida por ela mesma.23 Diante disto, o relator afirma que a vítima “não é qualquer menor de 14 anos e sim aquela em cuja pessoa se possa dar a ofensa ao bem jurídico”. Sendo assim, em virtude do consentimento tácito da vítima, o juiz declarou a absolvição do réu por consentimento da ofendida.
A observância desses julgados evidencia uma certa individualidade quanto à aplicação do consentimento do ofendido, visto que alguns tribunais atuam mais flexivelmente em comparação com outros.
Esta diferenciação se deve, especialmente, pela ausência do instituto em nosso Código penal, que deixa a cargo dos juízes e doutrinadores dar a aplicação que mais lhes parecer correta ao consentimento do ofendido.
6. Conclusão
O consentimento do ofendido é, portanto, instituto jurídico-penal de extrema relevância, em virtude se sua ampla aplicabilidade em nossa sociedade. São inúmeros os casos nos quais tal instituto se concretiza, como é o caso do médico que necessita cortar o paciente para realizar cirurgia; o tatuador que lesiona a pelé de seu cliente; o ator que se deixa insultar em peça teatral; o cientista que se aprisiona para realizar experimento. Em suma: é evidente a grande quantidade de acontecimentos rotineiros que são amparados pelo instituto.
Notadamente, muitas outras legislações estrangeiras estão à frente do ordenamento brasileiro no que tange ao desenvolvimento e aprofundamento do consentimento do ofendido como uma causa de justificação.
A maior parte de nossa legislação penal omitiu o consentimento do ofendido de seu texto, estando, o instituto, presente somente no Código Penal Republicano. Porém, o tratamento dado à excludente era demasiadamente inadequado, visto que o consentimento nem sequer excluía o crime, sendo, somente, uma exceção naqueles casos que a própria lei determinaria. Posteriormente foram apresentados dois projetos para um novo Código Penal que traziam, em seu texto, a positivação do consentimento do ofendido: O Projeto Sá Pereira, de 1927, e o Projeto Alcântara Machado, de 1938. Ambos dispensavam tratamento muito mais adequado à excludente, entretanto, lamentavelmente, nenhum dos dois foi aprovado.
O nosso atual Código Penal, sancionado em 1940, manteve ausente o consentimento do ofendido entre suas causas excludentes da ilicitude, por ter sido considerado “supérfulo”. Portanto, permanecem as conhecidas causas justificativas do artigo 23 do aludido diploma legal.
Entretanto, a ausência de previsão legal do consentimento do ofendido não impede sua utilização como uma causa supralegal de justificação. O argumento utilizado majoritariamente por aqueles que defendem o instituto é o fato da impossibilidade de se prever todas as situações concretas nas quais um crime pode ser justificado, bem como as modificações e evoluções culturais pelas quais, frequentemente, nossa sociedade passa. Em determinada época tal conduta pode ser considerada criminosa, porém, nada impede sua descriminalização a partir do momento que a sociedade passa a aceitar e a incorporar em sua cultura aquela prática, antes reprimida.
Sendo assim, os doutrinadores brasileiros, com raras exceções, compreendem a relevância e a aplicabilidade do consentimento do ofendido, tanto que a própria jurisprudência, incluindo nosso Supremo Tribunal, segue esse entendimento, utilizando o instituto nos casos que são levados a seu julgamento.
Interessante seria, de fato, a incorporação deste instituto ao texto legal, viabilizando, assim, um maior aprofundamento e, porventura, uma evolução do tema, assim como evitaria confusões e dissenções acerca de sua aplicação pelos tribunais brasileiros, uniformizando seu entendimento, pois, a final de contas, o Direito é uno, e deve ser compreendido e aplicado de forma igual e justa por todos os profissionais da área jurídica.
(Kananda Magalhães Santos)
CITAÇÕES:
1 BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria Geral do Delito, p. 275/276.
2 PIERANGELI, José Henrique, O Consentimento do ofendido na teoria do delito, p. 72.
3 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm.
4 Disponível em http://www2.câmara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-publicacaooriginal-1-pe.html.
5 PEREIRA, Virgílio de Sá. Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil (Projeto Apresentado ao governo). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928.
6 REISS, Michel Wencland. Ibid., p. 50.
7 PLS – Projeto de Lei do Senado nº 236/2012. Disponível em:
http://www12.senado.gov.br/noticias/Arquivos/2012/06/pdf-veja-aquioanteprojeto-da-comissaoespecial....
8 e 9 Disponível em https://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/legislacion/l_20080626_10.pdf.
10 Disponível em https://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/legislacion/l_20080626_10.pdf.
11 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale – Parte Generale, p. 202
12 Tradução sugerida por Cláudia Lopez Diaz, da Universidad Externado de Colombia. Disponível em:
https://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/obrasjuridicas/oj_20080609_13.pdf.
13 Disponível em: http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/9.pdf.
14 Vade Mecum universitário RT/ São Paulo, 2009, p. 870.
15 HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, 1968, vol. 1, tomo II, p. 268/9.
16 MARTINS, Salgado, Direito Penal, Introdução e Parte Geral, p. 179.
17 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 1, 2011, Saraiva, São Paulo.
18 NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal, Parte Geral, 2007, RT, São Paulo, p. 271.
19 Ibid., p. 171.
20 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, p. 490/491.
21 Francisco de Assis Toledo, Princípios Básico, cit., p. 172.
22 Nucci, Manual de Direito Penal, RT, 2007, cit., p. 276.
23Disponível em: http://tjmg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5790830/100000028205950001-mg-1000000282059-5-000-1/inteiro-teor-11939.
Referências
NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial / Guilherme de Souza Nucci. – 3. Ed. Rev. Atual. E ampl. 2. Tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. – 18. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal: parte geral, 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 17. Ed. Rev., atual. E ampl. De acordo com a lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012.
TESE DE DOUTORADO, O Consentimento do Ofendido na Teoria do Delito. Sheyla Cristina da Silva Starling, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
Http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/2428/1952 > Acessado em 31/03/2015.
Http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/7163/5114 > Acessado em 31/03/2015.
Http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=Consentimento+da+ofendida&p=6 > Acessado em 02/04/2015.
Http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5790830/100000028205950001-mg-1000000282059-5-000-1/inteiro-teor-11939720 > Acessado em 02/04/2015.
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