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Hermenêutica Jurídica – 1ª A.P. Hermenêutica e Unidade Axiológica da Constituição Capítulo I – Hermenêutica Filosófica 1 Introdução Desenvolvimento histórico 2 Schleiermacher 3 Dilthey 4 Heidegger 5 Gadamer 6 Posição intermediária de Paul Ricoeur (extra) 7 Por que isso importa para o Direito? 1 Introdução A hermenêutica tem origem na teologia (principalmente cristã). Hermenêutica é a teoria científica da interpretação (interpretação é o próprio ato cognitivo). A palavra hermenêutica deriva de “Hermes”, figura da mitologia grega que transmitia mensagens do plano transcendente ao imanente, tornando-as compreensíveis. A palavra interpretação tem origem latina e significa “entre entranhas”, alusão à prática religiosa de feiticeiros e adivinhos que previam o futuro a partir da retirada das entranhas dos animais. As interpretações religiosas eram casuísticas e desprovidas de critérios técnicos, mas isso mudou com o aparecimento dos livros sagrados, que se tornaram objeto de estudo. As interpretações das escrituras podiam ser literais ou alegóricas, ocorrendo grande divergência acerca do assunto. Enquanto uns defendiam a interpretação literal, apegando-se ao sentido histórico e gramatical, outros interpretavam de maneira a conciliar a mensagem cristã com a filosofia grega, alegorizando os fatos históricos contidos na escritura. Para os protestantes, a partir do século XVI, a Bíblia era a única fonte da fé, devendo a interpretação ocorrer apenas com os elementos, inclusive históricos, que se encontravam dentro do texto, sendo “intérprete de si mesma”. Somente no século XIX surge o “protestantismo liberal”, que, através de Schleiermacher buscava novos elementos de interpretação. Desenvolvimento histórico A hermenêutica nem sempre existiu, pelo menos não de maneira sistematizada como é concebida hoje. O homem sempre interpretou o mundo à sua volta, havendo inclusive obras que tratam da interpretação, como as de Aristóteles ou Santo Agostinho. No entanto, essa interpretação só se tornou objeto de estudo e sistematização, como teoria científico-normativa quando se tornou importante para determinados grupos humanos. A hermenêutica, antes, era vista como a própria interpretação ou a arte de interpretar. Ela só se tornou um rigoroso método científico, no sentido moderno, com Schleiermacher e Dilthey. A hermenêutica começou a se desenvolver no âmbito da teologia, sendo alavancada pela reforma protestante. Antes da reforma, a interpretação das sagradas escrituras era confiada à igreja, de maneira que não havia interesse estudar sua interpretação, pois que a interpretação já era dada. Com a reforma e a centralização da fé no estudo da bíblia, a interpretação passou a ter caráter pessoal. Como saber o significado certo das escrituras tornou-se importante para os fiéis, passou a ter maior importância o estudo de como se interpreta corretamente. A hermenêutica metodológica, desenvolvida então para a interpretação das escrituras, mostrou-se adequada para todos os tipos de textos, tornando-se uma teoria normativa da compreensão e o método das ciências do espírito ou culturais. O próximo passo da hermenêutica ocorreu com as democracias constitucionais. Ao instaurar-se o Estado de Direito, colocando a lei como expressão máxima do direito, à qual os governantes e cidadãos devem se submeter (império da lei), tornou-se importante determinar o significado preciso do texto normativo, despontando então o estudo da interpretação jurídica. Sistematizando-se, a hermenêutica passou a se espraiar por todo tipo de ato interpretativo do ser humano, adquirindo caráter existencial e ultrapassando a mera interpretação de textos, para atingir a compreensão do ser humano em sentido amplo. Hermenêutica metodológica ou epistemológica ontológica ou existencial Schleiermacher e Dilthey Heidegger e Gadamer 2 Schleiermacher Ele estabeleceu um método que serviria tanto para interpretar a Bíblia quanto qualquer texto de natureza histórico-literária. Dessa maneira, introduziu o método hermenêutico na História e na Filologia, possibilitando o reconhecimento da cientificidade desses ramos do saber humano. Método histórico-literário O intenso psicologismo desse método repercutiu no Direito através da ênfase exagerada dada à vontade do legislador como referencial à interpretação correta da lei (subjetivismo). Hoje se adota o objetivismo de caráter evolutivo e sociológico, que procura o sentido da norma jurídica na vontade nela objetivada e que acompanha a dinamicidade dos fatos sociais. Interpretação gramatical Interpretação técnica determina os limites da... Compreensão do texto em sua literalidade, em seus signos lingüísticos. (revela o que é próprio do texto) Interpretação subjetiva, busca o sentido pretendido pelo autor. (revela o que é próprio do autor, sua genialidade) Compreensão divinatória: de natureza adivinhatória, buscava se colocar no lugar do autor. (suposições, pontos de partida) Compreensão comparativa: buscava o sentido intencional do autor através de elementos objetivos (comparando diversos escritos do autor, elementos gramaticais e históricos etc.). (teste de validade) 3 Dilthey Introduziu a hermenêutica na epistemologia e tornou-a reconhecida como teoria científica da interpretação. Buscava se libertar do psicologismo de Schleiermacher, mas não obteve êxito total. Interpretando seu antecessor, inferiu que a História era saber científico, pois, com a hermenêutica, estaria satisfeito o último requisito para qualificá-la como saber científico, o método. Requisitos: objeto determinado, método adequado ao objeto, mínimo de rigor terminológico. Dilthey inaugura uma nova categoria de ciência baseando-se na distinção kantiana entre o mundo do ser e do dever ser: Ciências naturais método empírico-indutivo explicação Ciências do espírito método hermenêutico compreensão (ou culturais – Rickert) (gênero) interpretação (espécie) Para ele o texto deveria ser estudado pelo contexto, sendo o autor um instrumento do espírito de sua época. Dilthey defendia uma circularidade hermenêutica onde o todo seria entendido pela parte e a parte pelo todo. Assim, a unidade da vida (forças sentimentais de uma época) seria conhecida pelas objetivações do espírito nas diversas produções culturais. É com base em especulações semelhantes que se defende a interpretação sistemática da ciência jurídica (as normas pelo ordenamento – princípios gerais, e o ordenamento pelas normas). Unidade da vida (todo) Objetivações do espírito (parte) Mundo dado (natureza) Mundo construído (cultura) versus 4 Heidegger As produções culturais não têm um mesmo sentido objetivo e válido para todos, assim, a hermenêutica não pode estabelecer uma teoria normativa da compreensão. Cada intérprete, segundo seu mundo existencial, percebia uma abertura diferente do Ser. Para ele, não existe a dualidade sujeito-objeto, tudo se resume ao Ser, indefinível e implícito em tudo. Na compreensão, o Ser se auto-compreende, assim como se auto- revela, o estudo da compreensão seria então o estudo da própria existência. Hermenêutica científica epistemológica metodológica filosófica ontológica existencial horizonte (limite de nosso mundo existencial)pré-compreensão (atemática, intelectiva) – sintética – compreensão (tematizada, racional) – analítica – inesgotabilidade do sentido condiciona a... nova pré-compreensão nova compreensão nova pré-compreensão 5 Gadamer Seguiu a linha de pensamento proposta por Heidegger. Através do método, o intérprete não chegava à verdade, pois o método já havia definido o ponto que se queria alcançar. A compreensão é um diálogo incessante entre o intérprete e o texto, que, ao mesmo tempo em que responde perguntas, suscita novas perguntas, sendo este o verdadeiro círculo hermenêutico, que para Gadamer, tem forma de espiral, pois a cada rodada se aprofunda o entendimento. O texto tem um horizonte que corresponde à riqueza de sentido nele incorporada por sucessivas interpretações no curso da história. Ao se compreender, há uma fusão de horizontes entre o texto e o intérprete, e, depois de reiteradas fusões, tanto o horizonte do texto quanto do intérprete adquirirem ampliação maior, de tal maneira que um reencontro entre eles daria margem a novas perguntas, e novas respostas, tornando o sentido inesgotável. fusão de horizontes intérprete texto pré-conceitos pré-juízos Compreensão Sucessivas interpretações 6 Posição intermediária de Paul Ricoeur (extra) Paul Ricoeur, através de uma hermenêutica fenomenológica, procurou conciliar as duas correntes principais, demonstrando que o processo interpretativo comporta tanto a explicação quanto a compreensão como atos cognitivos. Através de um momento inicial de distanciamento do texto, o intérprete procura explicá-lo, atingindo, mediante redução fenomenológica a sua ideia ou estrutura (sentido objetivo do texto, que se mantém em todas as variações). Mediante a aproximação, tem-se a compreensão do texto ou sua apropriação existencial, que confere a inesgotabilidade de sentido. A Teoria da Interpretação de Paul Ricoeur rompe tanto com o historicismo, como com a escola romântica, propondo a autonomia do texto. Não existe, portanto, objetividade pura. O leitor imprime no texto lido sua subjetividade (componente irracional) da forma mais objetiva (componente racional) possível. O leitor deve estar ciente de que sua interpretação não é a única válida. A subjetividade acontece e é inevitável. Não existe objetividade, mas sim uma “objetivação”. A objetividade não passa de um ideal: nenhum sujeito o realiza, pois o real é o que cada um vê, e não é o mesmo para todos. Diante da plurivocidade e da experiência de cada um, que influencia sua interpretação, Ricoeur ressalta que sempre há a possibilidade de se cometerem equívocos: o primeiro equívoco é achar que se deve perseguir a intenção do autor, o que importa é apropriar-se do sentido do próprio texto; o segundo equívoco é achar que se deve entender o texto como o seu destinatário original, pois na realidade, o texto é atemporal, aberto, e seu sentido pode ser alcançado por qualquer leitor; o terceiro equívoco é achar que só há capacidades finitas de compreensão, quando, pelo contrário, a apropriação do texto, pelo leitor, perpassa por um projeto de mundo, a proposição de um modo do ser no mundo, que o texto desvela diante de si mesmo. distanciamento aproximação (explicação) (compreensão) inesgotabilidade do sentido 7 Por que isso importa para o Direito? As teorias de Schleiermacher e Dilthey influenciaram Savigny e outros, o que resultou na Hermenêutica Jurídica Clássica, voltada principalmente para o Direito privado e para as normas com estrutura de regra. Aqui a hermenêutica é encarada como teoria normativa da compreensão das ciências culturais, pois se consegue através dela extrair o sentido válido da norma. No entanto, essa hermenêutica não é suficiente para interpretar corretamente as constituições, pois estas se baseiam em normas com estrutura de princípios, porém, a hermenêutica clássica continua a ser aplicada às normas infraconstitucionais. A nova hermenêutica constitucional recebe influências de Heidegger e Gadamer, pois objetiva acima de tudo a concretização de valores e não a imediata submissão de fatos a disposições normativas. A Constituição, sob o ponto de vista axiológico (valores), constitui um sistema aberto de princípios, que estão no plano abstrato e não têm previsão de fato de incidência. Tudo depende de um sopesamento, razão pela qual as técnicas da hermenêutica clássica são insuficientes. Os princípios representam valores que deve receber peso correspondente à intensidade com que são vividos na sociedade, daí por que a influência da hermenêutica existencial. Além disso, a hermenêutica constitucional aproxima a interpretação da aplicação, pois, segundo Gadamer, compreender o texto seria fazer a sua aplicação ao nosso contexto existencial. Assim, dá-se maior importância ao papel do juiz, que, por também ser membro da sociedade, pressupõe-se que tem uma pré-compreensão de valores semelhante aos demais membros, ou seja, quando ele aplica a norma a seu contexto existencial, a aplica a contexto semelhante aos dos demais cidadãos. Hermenêutica Jurídica Clássica Nova Hermenêutica Constitucional Schleiermacher Dilthey Heidegger Gadamer Normas com estrutura de regras (sistema fechado) Normas com estrutura de princípios (sistema aberto) Científica / normativa Axiológica / valorativa Não há antinomias, subsunção do fato à norma Não tem previsão de incidência, no plano abstrato não há hierarquia Uso de técnicas de interpretação: gramatical, lógica, sistemática, filológica, histórica, teleológica, sociológica. Sopesamento de princípios abstratos (texto) para determinar sua incidência no caso concreto (contexto).
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