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06 TERCEIRO SETOR BUSCANDO UMA CONCEITUAÇÃO

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Terceiro Setor – Buscando uma 
Conceituação 
Eduardo Marcondes Filinto da Silva 
Secretário Executivo e Pesquisador FIPE 
Marianne Thamm de Aguiar 
Graduanda em Economia pela FEA/USP 
“Sob o impacto de um Estado que vem diminuindo sua ação social e de uma sociedade 
com necessidades cada vez maiores, cresce a consciência nas pessoas – tanto físicas 
quanto jurídicas – de que é necessário posicionar-se proativamente no espaço público, 
se o que se deseja é um desenvolvimento social sustentado”. 
Evelyn Berg Ioschpe* 
O objetivo aqui é buscar uma aproximação ao conceito de Terceiro Setor. Tendo em 
vista as inúmeras denominações que recebe, fruto da própria diversidade de 
organizações que o compõem e da multiplicidade de formas e áreas de atuação, 
pretende-se apresentar o problema da formulação de um conceito unificador para o 
setor. Este conceito englobaria tais organizações a partir de características comuns a 
todas elas. 
A criação de uma conceituação do setor é essencial para a construção de sua própria 
identidade, a fim de que se fortaleça e seja capaz de melhor lidar com os problemas da 
sociedade civil em que se insere. 
I. AS VÁRIAS DENOMINAÇÕES 
Simultaneamente ao surgimento de certas organizações no interior da sociedade civil, 
caracterizadas pela promoção de ações de natureza privada com fins públicos, 
diferentes denominações passaram a ser dadas às mesmas. Alguns exemplos são: 
organizações voluntárias, organizações não-governamentais (ONG’s), organizações sem 
fins lucrativos, setor independente, terceiro setor. 
Segundo SIMONE COELHO (2000), “essa multiplicidade de denominações apenas 
demonstra a falta de precisão conceitual, o que, por sua vez, revela a dificuldade de 
enquadrar toda a diversidade de organizações em parâmetros comuns”. 
Os contornos deste espaço muitas vezes não estão bem definidos sequer para os 
diversos agentes que o compõem. Fernandes (1994) atesta esta indefinição: “A própria 
idéia de um terceiro setor está longe de ser clara na maioria dos contextos. Torná-la 
clara é tanto uma tarefa intelectual quanto prática, já que não fará sentido a menos que 
um número expressivo daqueles envolvidos venha a considerá-la uma idéia 
significativa”. 
No entanto, essa imprecisão do setor não é razão para menosprezarmos sua 
importância e atuação no contexto das sociedades civis e das economias globais. Mas, 
ao contrário, para Ruth Cardoso (1997), “hoje estamos ainda na etapa de afirmação de 
uma novidade, o que implica enfatizar sua autonomia e relevância”. 
Essa mesma obscuridade no tocante à conceituação do Terceiro Setor também o cercou 
no que se refere ao seu conhecimento funcional. Entretanto, essa indefinição não 
impediu que as organizações do Terceiro Setor se proliferassem no Brasil. De acordo 
com Falconer e Fischer (1998), nos últimos 15 anos houve um aumento quantitativo e 
de tipos dessas organizações. Este incremento tornou ainda mais complexa a tarefa de 
conceituação do setor, em virtude da diversificação que o acompanhou. “Desta forma, o 
Terceiro Setor foi se ampliando sem que este termo, usado para designá-lo, seja 
suficientemente explicativo da diversidade de elementos componentes do universo que 
abrange”. 
II. O TERCEIRO SETOR – COMO CONCEITUÁ-LO 
Terceiro Setor é a denominação mais recente, e ainda pouco utilizada. Para identificar a 
existência deste Terceiro Setor faz-se necessário esclarecer que aqueles que utilizam 
este termo consideram o Estado como o Primeiro Setor e o Mercado como o Segundo, 
sendo o Terceiro Setor aquele que apresenta características de ambos. 
Portanto, genericamente, o Terceiro Setor é visto como derivado de uma conjugação 
entre as finalidades do Primeiro Setor e a metodologia do Segundo, ou seja, composto 
por organizações que visam a benefícios coletivos (embora não sejam integrantes do 
governo) e de natureza privada (embora não objetivem auferir lucros). 
O termo apresenta elementos bastante relevantes. Simone Coelho (2000) cita que, 
pesquisadores americanos e europeus avaliam que o termo “expressa uma alternativa 
para as desvantagens tanto do mercado, associadas à maximização do lucro, quanto do 
governo, com sua burocracia inoperante. Combina a flexibilidade e a eficiência do 
mercado com a eqüidade e a previsibilidade da burocracia pública”. 
O espaço criado pelo Terceiro Setor se configura, então, como aquele de iniciativas de 
participação cidadã. As ações que se constituem neste espaço são tipicamente 
extensões da esfera pública não executadas pelo Estado e caras demais para serem 
geridas pelos mercados. Começa então o papel do cidadão que, agente ativo da 
sociedade civil, a organiza de modo a catalisar trabalho voluntário em substituição aos 
serviços oferecidos pelo Estado via taxação compulsória, e a transformar em doação a 
busca por lucro do mercado. 
É importante explicar que “benefícios coletivos”, que compõem a caracterização do 
Setor, não correspondem necessariamente a “benefícios públicos”. Muitas organizações 
do Terceiro Setor visam promover benefícios coletivos privados. Este caso corresponde 
ao de organizações visando ajuda mútua que pretendem defender interesses de um 
grupo restrito de pessoas, sem considerável alcance social. As organizações de caráter 
público, de outro lado, estão voltadas para o atendimento de interesses mais gerais da 
sociedade, produzindo bens ou serviços que tragam benefícios para a sociedade como 
um todo. 
Talvez essa seja uma primeira grande subdivisão do setor, quando considerado como 
“aquilo que não é público nem privado”: não-governamental e sem fins lucrativos. 
Aquelas organizações que atuam efetivamente em ações sociais, na busca de benefícios 
coletivos públicos, e que podem ser consideradas como de utilidade pública, são 
capazes de auxiliar o Estado no cumprimento de seus deveres, atentando para as 
desigualdades vigentes no país e incapacidade do Estado de desempenhar com 
eficiência as atividades que lhe são atribuídas. 
Por outro lado, é difícil definir em que medida as organizações de benefícios mútuos ou 
privados não exercem uma ação relevante à sociedade, pois os grupos que as compõem 
e a maneira como atuam podem ser de significativo destaque social. 
Uma tentativa de definição para o conjunto do Terceiro Setor é apresentada por 
Salamon e Anheier (1997), sendo a mais amplamente utilizada e aceita, e denominada 
estrutural/operacional. Segundo essa definição, as organizações que fazem parte deste 
setor apresentam, as cinco seguintes características: 
1.) Estruturadas: possuem certo nível de formalização de regras e procedimentos, ou 
algum grau de organização permanente. São, portanto, excluídas as organizações 
sociais que não apresentem uma estrutura interna formal. 
2.) Privadas: estas organizações não têm nenhuma relação institucional com 
governos, embora possam dele receber recursos. 
3.) Não distribuidoras de lucros: nenhum lucro gerado pode ser distribuído entre seus 
proprietários ou dirigentes. Portanto, o que distingue essas organizações não é o fato de 
não possuírem “fins lucrativos”, e sim, o destino que é dado a estes, quando existem. 
Eles devem ser dirigidos à realização da missão da instituição. 
4.) Autônomas: possuem os meios para controlar sua própria gestão, não sendo 
controladas por entidades externas. 
5.) Voluntárias: envolvem um grau significativo de participação voluntária (trabalho 
não-remunerado). A participação de voluntários pode variar entre organizações e de 
acordo com a natureza da atividade por ela desenvolvida. 
No Brasil, o tema vem sendo tratado seguindo a mesma linha. Fernandes (1994) define 
o Terceiro Setor como “um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visama 
produção de bens e serviços públicos”, conforme mostra o seguinte quadro: 
Combinações resultantes da conjunção entre o público e o 
privado 
AGENTES FINS SETOR 
Privados Para privados = Mercado 
Públicos Para públicos = Estado 
Privados Para públicos = Terceiro Setor
Públicos Para privados = (corrupção) 
Fonte: Fernandes (1994) 
Vale ressaltar que este espaço, que não é Estado nem é mercado, tampouco apresenta 
uma definição precisa em lei no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. 
Ao mesmo tempo, no Brasil a natureza jurídica das entidades sem fins lucrativos são 
classificadas em: a) Fundação Mantida com Recursos Privados; b) Associação; c) 
Cartório e d) Outras Formas de Organizações Sem Fins Lucrativos. Sabe-se que nem 
todas as Associações e nem todas as Fundações atuam no Terceiro Setor. Desta 
maneira, as análises a partir de dados oficiais (Secretaria da Receita Federal, RAIS – 
Relação Anual de Informações Sociais) são prejudicadas. 
A consolidação do setor no Brasil promove uma revisão da cultura cívica do país. “A 
emergência do Terceiro Setor representa, em tese, uma mudança de orientação 
profunda e inédita no Brasil no que diz respeito ao papel do Estado e do Mercado e, em 
particular, à forma de participação do cidadão na esfera pública. Isto tem levado à 
aceitação crescente da ampliação do conceito de público como não exclusivamente 
sinônimo de estatal: ‘público não-estatal’” (Falconer, 1999). 
III. POR QUE CONCEITUÁ-LO? 
Encontrar uma conceituação para o Terceiro Setor que reúna as mais diversas 
organizações que o compõem, baseada em seus pontos em comum, é essencial para 
que se possa determinar os limites entre o Terceiro Setor, o Mercado e o Estado. Para 
Simone Coelho (2000), “o fator determinante na delimitação desses setores será a 
interação dos mesmos, através da qual se interpenetram e se condicionam. Essa relação 
varia de intensidade e profundidade de acordo com a conjuntura sociopolítica”. 
Segundo Fernandes (1994), a delimitação do Terceiro Setor permite compreender que 
os três setores interagem e que Mercado e Estado não são regidos somente por uma 
lógica intrínseca. Neste contexto, o comportamento do Terceiro Setor de um país muito 
provavelmente influenciará as esferas política e econômica. 
Um problema do Terceiro Setor é a falta de consciência de sua própria condição: as 
entidades que o integram ainda não se percebem como um conjunto concreto e coeso. 
A obtenção dessa consciência e a construção de uma identidade do setor são 
fundamentais para que suas ações políticas tenham força e notoriedade, permitindo 
que, conseqüentemente, o setor possa se consolidar ainda mais. 
Além disso, a definição do papel desse Setor permite compreender as transformações as 
quais estão sujeitas as sociedades globais: “Entender o que são, de onde vem, o que 
querem, como cresceram e se multiplicaram, como atuam as organizações de cidadãos 
implica retomar os fios de uma história que combina valores e práticas ancestrais com 
fenômenos contemporâneos e, em boa medida, anunciadores de profundas mudanças 
no perfil das sociedades e da ordem internacional”. (Oliveira, 2001). 
Ruth Cardoso ressalta a importância do Terceiro Setor como meio de uma revolução nos 
papéis sociais tradicionais, afirmando que seu conceito “descreve um espaço de 
participação e experimentação de novos modos de pensar e agir sobre a realidade 
social. Sua afirmação tem o grande mérito de romper a dicotomia entre público e 
privado, na qual público era sinônimo de estatal e privado de empresarial. Estamos 
vendo o surgimento de uma esfera pública não-estatal e de iniciativas privadas com 
sentido público. Isso enriquece e complexifica a dinâmica social” (Cardoso, 1997). 
Partindo-se da proposta de Salamon e Anheier, citada anteriormente, o desafio imposto 
é a criação de uma coleção de características comuns, para as organizações sem fins 
lucrativos brasileiras, que venham ao encontro de uma conceituação para o Terceiro 
Setor. 
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
CARDOSO, Ruth C. L. “Fortalecimento da sociedade civil”. Em IOSCHPE, Evelyn Berg 
(org.). 3º setor: desenvolvimento social sustentado. São Paulo/Rio de Janeiro: Gife/Paz 
e Terra, 1997. 
COELHO, Simone de Castro Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil 
e Estados Unidos. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000. 
FALCONER, Andrés Pablo. A Promessa do Terceiro Setor: um Estudo sobre a Construção 
do Papel das Organizações sem fins lucrativos e do seu Campo de Gestão. São Paulo: 
Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor, 1999. 
FERNANDES, Rubem César. Privado Porém Público: o Terceiro Setor na América Latina. 
Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 
_________. “O que é o Terceiro Setor?”. Em IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º setor: 
desenvolvimento social sustentado. São Paulo/Rio de Janeiro: Gife/Paz e Terra, 1997. 
_________. Elos de uma Cidadania Planetária. 
FISCHER, Rosa Maria & FALCONER, Andrés Pablo. Desafios da Parceria Governo 
Terceiro Setor. Escola de Serviço Social da UFRJ, 1998. 
*IOSCHPE, Evelyn Berg. “Prefácio”. Em IOSCHPE, Evelyn Berg (org.). 3º setor: 
desenvolvimento social sustentado. São Paulo/Rio de Janeiro: Gife/Paz e Terra, 1997. 
OLIVEIRA, Miguel Darcy. O protagonismo dos cidadãos e de suas organizações: um 
fenômeno recente, massivo e global. http://idac.rits.org.br/prtag/idac_ptrotag_1.html. 
17/08/2001 
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos 
jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. 
RIKFIN, Jeremy. “Identidade e Natureza do Terceiro Setor”. Em IOSCHPE, Evelyn Berg 
(org.). 3º setor: desenvolvimento social sustentado. São Paulo/Rio de Janeiro: Gife/Paz 
e Terra, 1997. 
SALAMON, Lester M. & ANHEIER, Helmut K. Defining the nonprofit sector: A cross-
national analysis. Manchester: Manchester University Press, 1997.

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