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CANIBALISMO - Caso dos exploradores de caverna

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CANIBALISMO
Michael Sandel, professor da Universidade de Harvard, em seu livro, “Justiça, o que é fazer a coisa certa”, narra o seguinte episódio:
Suponha que você seja o motorneiro de um bonde desgovernado avançando sobre os trilhos a quase 100 quilômetros por hora. Adiante, você vê cinco operários em pé nos trilhos, com as ferramentas nas mãos. Você tenta parar, mas não consegue. Os freios não funcionam. Você se desespera porque sabem que, se atropelar esses cinco operários, todos eles morrerão (...). De repente, você nota um desvio para a direita. Há um operário naqueles trilhos também. Mas apenas um. Você percebe que pode desviar o bonde matando esse único trabalhador e poupando os outros cinco. O que você deveria fazer? O professor continua a história dizendo que a maioria dos indivíduos diria para o motorneiro virar e matar um só inocente, por razoes quantitativas apenas, pois “sacrificar uma só vida a fim de salvar cinco certamente parece ser a coisa certa a fazer”. Logo depois ele muda a situação e diz “Dessa vez, você não é o motorneiro e sim um espectador, de é numa ponte acima dos trilhos”. Nesse caso não há desvios e o bonde avança rumo a matar os cinco operários. Até que você nota na ponte um homem grande, que se fosse empurrado nos trilhos teria a capacidade de parar o bonde, mas isso causaria sua morte. Então ele afirma que as pessoas não concordariam com tal atitude, diferentemente da situação anterior. Concluindo, Sandel diz que diante de dilemas morais, é necessário “descobrir qual princípio tem maior peso ou é mais adequado às circunstancias”, porque para nenhuma situação há apenas um lado certo, ou uma resposta correta, sempre existirão várias versões, umas mais plausíveis que as outras. Diante disso, analisando o canibalismo, mais precisamente em situações em que a pratica se mostra necessária para salvar vidas, é possível verificar que um juízo de reprovação recai sobre essa conduta. É uma atitude normal que as pessoas o reprovem ou condenem logo de início, pois é um comportamento que causa repúdio, diante de tamanha brutalidade e violência. Porem quando a pratica do canibalismo está ligado a situações fora do comum, como náufragos, quedas de avião, situação fatídicas em que as pessoas ficam isoladas da sociedade, em estado degradante e precário, sem terem o que comer por dias, muitas vezes estendendo-se por meses, quando a ajuda não chega, e o canibalismo são cometidos com única forma de sobrevivência, as opiniões ficam divididas. Michel Sandel narra ainda, um naufrágio que ocorreu no verão de 1884, no qual um navio com quatro tripulantes afundou no Atlântico Sul, cerca de 1.600 km da costa. Os tripulantes esperaram ajuda durante 24 dias num bote. Dubley era o capitão do navio, Stephens, o primeiro-oficial, Brooks o marinheiro, e Richard Parker, o camareiro, de 17 anos, órfão e sem família. Eles passaram os primeiros dias comendo duas latas de nabo e uma tartaruga que conseguiram caçar, o que possibilitou que conseguissem sobreviver por mais alguns dias. Quando a situação começou a se complicar, o capitão propor um sorteio para saber quem iria morrer para salvar o resto, como Brooks discordou da ideia, o sorteio não ocorreu. No dia seguinte, como o órfão tinha bebido água salgada e estava mal, foi escolhido pelo capitão para ser morto e servir de alimento aos três. Por quatro dias os três se alimentaram do corpo do garoto, e no 24º dia foram resgatados. Os tripulantes foram presos e julgados. Na defesa alegaram estado de necessidade. Sandel afirma que para solucionar certos dilemas, incluindo o caso do bote salva-vidas é preciso examinar grandes questões morais, conforme trecho abaixo: Para solucionar o caso do bote salva-vidas, bem como muitos outros dilemas menos extremos com os quais normalmente nos deparamos, precisamos explorar algumas grandes questões da moral e da filosofia política: A moral é uma questão de avaliar vidas quantitativamente e pesar custos e benefícios? Ou certos deveres morais e direitos humanos são tão fundamentais que estão acima de cálculos dessa natureza? Se certos direitos são assim fundamentais – sejam eles naturais, sagrados, inalienáveis ou categóricos -, como podemos identifica-los? E o que os torna fundamentais? Agora, analisando as justificativas de quem defende a conduta dos três tripulantes é possível extrair as seguintes questões: Estando eles, há tanto tempo naquela situação, com fome, frio, calor, medo, teriam seu físico e psicológico afetados, o que comprometeria o uso da razão diante daquela situação. Sendo assim, a solução de matar o mais fraco, que estava mal e não tinha família, para que os outros sobrevivessem, parece nessa lógica cabível. Há quem defenda ainda que em uma situação como essa é compreensível à morte de alguém para que os demais vivam, usando o utilitarismo de Jeremy Benthan, no qual sustenta que a maximização da felicidade. No caso, como a morte de um tripulante salvaria três vidas, é totalmente plausível. Por outro lado, alguns alegam que o consentimento da pessoa em tirar sua própria vida em favor dos outros tornaria a situação aceitável e compreensível. Esse fato pode tornar o ato justificável, sem a necessidade do uso de violência, e sem contrariar a vontade da pessoa, porém não o torna moralmente justificável. No código penal brasileiro o estado de necessidade é admitido conforme disposto no art. 23 que diz “não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legitima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. Já o art. 24 diz que: Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar; direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se. A discussão não se encerra aqui. A pratica do canibalismo envolve os direitos fundamentais do ser humano. Tirar a vida de alguém para o bem próprio (sobrevivência) em detrimento da morte do outro, afeta principalmente a dignidade e o direito à vida, inerente a todos os seres humanos. Dessa forma, não há justificativa para um ato com tamanha violência. Tirar a vida de alguém, uma vida que não difere em nada da vida de ninguém. Mesmo que, por exemplo, no caso em questão o garoto fosse órfão, o argumento não é moralmente aceito. O ato não foi pensado de forma igualitária, porque em algum momento os mais fortes se acharam melhores, concluíram que suas vidas tinham mais valor que a do garoto, se colocou com o poder de decidir pela vida de alguém. Colocando em discussão, a escola utilitarista, de Benthan, é possível afirmar que para o filosofo, a moralidade ou a justiça devem ser baseada em suas consequências. Isso quer dizer que analisando os resultados, os indivíduos devem escolher fazer aquilo que traga melhores e maiores resultados, ou seja, maximizar o prazer e minimizar a dor. Um bem maior para o maior número de pessoas. Além disso, Benthan não gostava da ideia da existência dos direitos naturais. Segundo as considerações de Benthan, o canibalismo praticado nesse caso estaria totalmente justificado. Isso porque um indivíduo foi morto (órfão) par salvar a vida de três tripulantes que tinham família. Mas será que Bentham estava realmente certo? A vida de uma pessoa é algo divino, que não pode ser levada à balança. Toda vida tem que ser valorizada, independentemente de qualquer situação que ela se encontre, e ainda deve-se dar o valor a cada vida da mesma forma e com o mesmo valor. Por isso ninguém, absolutamente ninguém pode decidir por retirar a vida de alguém. Uma das características do utilitarismo que ele não respeita os direitos individuais, por que: Ao considerar apenas a soma das satisfações, pode ser muito cruel com o indivíduo isolado. Para o utilitarista, os indivíduos têm importância, mas apenas enquanto as preferências de cada um forem consideradas em conjunto com as de todos os demais. Todos são iguais e assim, todos devem ser respeitados igualmente. Nocaso, todos estavam afetados pela situação trágica. Por isso se alguém tiver que morrer, todos deverão morreram, de forma natural. Juntos foram colocados naquela situação, e dessa forma igualmente devem permanecer. Qualquer decisão é coercitiva, forçada pelas condições e ausente de racionalidade. A dificuldade em julgar casos como este é exatamente, pelo fato de ninguém passou pela situação que os tripulantes passaram de desespero e agonia. Mas independente das circunstancias, o julgamento dos tripulantes era o mais certo a se fazer. Conforme assegura Sandel, “a vida em sociedades democráticas é cheia de divergências entre o certo e o errado, entre justiça e injustiça”. Em se tratando de canibalismo consensual, aconteceu um estranho evento em 2001, na cidade alemã de Rotenburg. Armin Meiwes, de 42 anos, publicou um anuncio na internet que queria alguém para matar e depois comer o corpo da vítima. Bernd-Jurgen Brandes, de 43 anos, respondeu ao anuncio, demonstrando interesse no feito. Depois de uma conversa Meiwes aceitou a proposta, matando Brandes, cortando seu corpo e guardando os pedaços no freezer. Quando Meiwes foi preso, e levado a julgamento, o caso chocou a população e chegou a deixar o júri confuso, pois a vítima tinha participado voluntariamente. Meiwes foi condenado por homicídio involuntário, com pena de oito anos e meio de reclusão. Tendo posteriormente sua condenação alterada para prisão perpetua. Dessa forma, “o canibalismo consensual entre adultos representa o teste definitivo para o principio libertário da posse de si mesmo pelo indivíduo e da ideia de justiça dele decorrente”. E segundo Sandel o canibalismo é: (...) uma forma extrema do suicídio assistido. Visto que não tem nenhuma relação com o alivio da dor de um doente terminal, a única justificativa cabível é que somos os donos de nosso corpo e nossa vida e podemos fazer com eles o que bem entendemos. Se o argumento libertário estiver correto, seria injusto proibir o canibalismo, por isso violaria o direito à liberdade. No mesmo assunto também se pode levantar em conta o caso da Cordilheira dos Andes, no qual um avião colidiu com a montanha e caiu em meio a toda aquela neve. Os sobreviventes à queda tiveram que esperar 72 dias até chegar o resgate. Nesse tempo os 16 sobreviventes decidiram que teriam que se alimentar dos 13 mortos para se mantiver vivos. Nesse caso, as pessoas morreram de forma natural e por isso é mais aceitável moralmente do que a situação anterior. Mas também se pode colocar em discussão o fato de que aqueles mortos eram pessoas, e que por respeito a elas, seria inaceitável se alimentar dos corpos. É como dar um passo para traz, e voltar nos tempos antigos, voltar ao estado primitivo.

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