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História dos Povos Indígenas e Afrodescendentes – Aulas 6 a 10

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História dos Povos Indígenas e Afrodescendentes – Aulas 6 a 10
Teorias raciais e interpretações sobre o Brasil
Introdução
Em fins do século XIX e início do século XX, teóricos como Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, estudaram a sociedade brasileira e construíram um discurso que possibilitou o surgimento de teorias raciais científicas que desvalorizavam/inferiorizavam negros e mestiços. Pretende-se com essa aula conhecer as teorias raciais do século XIX, bem como refletir sobre o contexto histórico no qual elas foram elaboradas para, por fim, elaborar uma análise crítica a respeito do “mito das três raças”.
Objetivos
– Conhecer as teorias raciais do século XIX e início do século XX.
– Refletir sobre o contexto histórico no qual elas foram elaboradas.
– Examinar as interpretações feitas pelos intelectuais brasileiros da época.
Moema de Vitor Meirelles
A tela ao lado foi pintada por Vitor Meirelles, em 1866 – momento no qual havia um importante debate sobre a construção da Identidade Nacional Brasileira. À época, o Império do Brasil era uma das poucas sociedades americanas que ainda dependia da mão de obra escrava (em sua maior parte de africanos e seus descendentes) para a manutenção da produção agroexportadora do café.
O uso dos braços escravos ainda se fazia sentir em diferentes aspectos da sociedade, inclusive nos primeiros pelotões que compuseram o exército brasileiro no confronto bélico que mudaria os rumos da história do Império: a Guerra do Paraguai (1864-1870). Esse também foi um período de intenso debate sobre a identidade brasileira. 
Os primeiros institutos históricos e geográficos estavam sendo abertos no Império do Brasil, que precisava construir a história e escolher a memória que iria guardar, e o herói que iria representá-las. 
O movimento indianista foi, assim, uma das peculiaridades do Romantismo no Brasil. Na falta do cavaleiro medieval, coube ao índio (aldeado e civilizado) cumprir o papel de “bom moço” da história brasileira, mostrando ao mundo que o Brasil não só tinha um herói, como tinha um herói tipicamente brasileiro, e, por isso mesmo, autêntico. 
Tal movimento trouxe para o cenário intelectual da época importantes debates sobre a questão indígena na história brasileira, embora a figura vencedora pouco se assemelhasse aos rebeldes Aimberê e Canindé. Foi ainda a fonte inspiradora para autores magistrais da literatura brasileira, como José de Alencar e Gonçalves Dias e pintores como Vitor Meirelles.
No entanto, ao consagrar o índio domesticado como símbolo do Brasil, o indianismo elegia uma determinada memória que, por sua vez, deixava de lado grande parcela da população brasileira, que passava a ser vista, biologicamente, como inferior.
Um dos grandes desafios em trabalhar com o estudo das relações raciais no Brasil é que tal temática acompanhou as primeiras tentativas de construção da identidade brasileira independente e soberana. 
Até a produção das primeiras análises da década de 1930, praticamente todas as obras que se propunham examinar a sociedade ou a história brasileira esbarravam no problema da raça. Na realidade, como demonstrou cuidadosamente Lilia Schwarcz (SCHWARCZ: 1993), o conceito raça foi peça fundamental das ciências sociais no Brasil e no mundo.
O primeiro estudioso a usar o termo raça no discurso científico foi George Cuvier, no início do século XIX. Como bem lembra Lilia Schwarcz, neste momento a visão Iluminista de humanidade – que pressupunha certa unidade e, consequentemente, uma possível igualdade entre os homens – aproximava a ideia de raça aos debates sobre cidadania.
Essa contradição entre a definição científica de raça e os ideais igualitários herdados da Revolução Francesa acabou reacendendo os debates sobre a origem, ou origens da humanidade. O principal embate se dava entre monogenistas e poligenistas. 
Enquanto os primeiros consideravam que todo homem tinha a mesma origem e que as diferenças entre eles era resultado de uma maior ou menor proximidade do Éden (teoria difundida pela Igreja Cristã), os poligenistas, baseados em recentes estudos de cunho biológico, acreditavam na existência de diversos núcleos de produção correspondentes aos diferentes grupos humanos.
A vertente poligenista possibilitou, ainda no século XIX, o fortalecimento de disciplinas baseadas no discurso científico. Veja alguns exemplos desse movimento:
– Antropologia criminal – que considerava a criminalidade algo genético; 
– Frenologia e antropometria – que calculavam a capacidade humana de acordo com o estudo do tamanho do cérebro de indivíduos dos diferentes grupos humanos; 
– Craniologia – estudo do crânio.
Nomes de cientistas como Andrés Ratzius, Cesare Lombroso e Paul Broca ficaram conhecidos na época, graças à ampla divulgação de seus estudos. Entretanto, o debate tomou novo fôlego com a publicação do livro A Origem das Espécies de Charles Darwin, em 1859.
A partir de então, o termo raça sofreu duas significativas alterações. De um lado, a ideia de raça ultrapassou o campo da biologia, estendendo-se às discussões culturais e políticas. Por outro, o termo passou a imprimir a noção de evolução às duas correntes científico-filosóficas que discutiam a origem do homem (monogenismo e poligenismo) que, na tentativa de defender suas teses, desvirtuaram ou “adaptaram” as teorias darwinistas da maneira que lhes foi mais conveniente.
Lembrando que esse era um momento no qual grande parte dos dogmas da Igreja Católica estava sendo questionada pelo discurso científico ― que se afirmava, cada vez mais, como sinônimo da verdade ―, não é de estranhar que os poligenistas tenham “saído na frente” de seus rivais no que diz respeito ao uso das teorias de Darwin. A sociologia evolutiva de Spencer, a história determinista de Buckle e até mesmo o sentimento imperialista europeu eram provas disso.
Os poligenistas passaram a tratar a espécie humana como o gênero humano; a diversidade cultural passou a ser entendida como diferença entre espécies. O homem fora dividido e hierarquizado, e, quanto mais longe uma “espécie” se mantivesse da outra, melhor para todos.
Tudo estaria relativamente bem resolvido se os poligenistas não tivessem que responder as seguintes perguntas: o que fazer, então, com os grupos miscigenados? Como adequar a miscigenação à evolução das raças humanas?
A maior parte dos estudiosos e cientistas europeus e estadunidenses ― como Broca, Gobineau e Le Bon ― consideravam a miscigenação um erro, uma quebra das leis naturais, uma subversão do sistema. Os inúmeros impasses causados pela publicação de Charles Darwin e a formulações de novas perguntas sobre a evolução da humanidade criaram a necessidade de novos sistemas explicativos.
Uma das disciplinas gestadas neste momento foi a antropologia cultural (também conhecida como etnologia social ou evolucionismo social), que restituía a ideia de uma origem comum do Homem, ao passo em que entendia as diferenças sociais como etapas de um mesmo processo evolutivo. 
Junto com a antropologia cultural, duas perspectivas de cunho determinista também foram criadas nesse momento:
A primeira delas, a escola determinista geográfica de Ratzel e Buckle, afirmava que o desenvolvimento ou não de uma nação estava totalmente condicionada pelo meio físico;
A segunda, mais conhecida como “darwinismo social” ou “teoria das raças”, considerava a miscigenação algo negativo, na medida em que pensava ser impossível a transmissão de características adquiridas; em outros termos, as raças seriam imutáveis. 
Tais escolas acreditavam na existência de três raças bem distantes, o que invalidava a mestiçagem. O mundo dividido culturalmente seria consequência da divisão de raças. Se isso não bastasse, as escolas deterministas também defendiam a hierarquização das raças, ou seja, a superioridade de uma delas. Dessa escola saíram homens que ficaram famosos e exerceram forte influência sobre intelectuais brasileiros, dentre eles Le Bon, Renan, Taine e o conde de Goubineau.
As premissas da escola determinista,principalmente a que defendia a existência da superioridade de uma das raças, serviram de base para um movimento existente até hoje: a Eugenia. Tal ciência partia do pressuposto que o progresso só seria possível em sociedades puras (sem miscigenação), e que apenas uma raça (a ariana) estava fadada à perfectibilidade; sendo assim, a mestiçagem era vista como algo irracional, contra todas as “leis naturais”.
A eugenia vinha de encontro aos interesses políticos da Europa e dos Estados Unidos. Os europeus acreditavam que compunham um grupo humano puro, livre de hibridização, muito mais perto da perfeição e, justamente por isso, seriam responsáveis pela civilização dos demais grupos ― argumento que justificou e legitimou tanto a colonização americana como o “Imperialismo Europeu” e o sentimento do fardo do homem branco.
Já os estadunidenses, mesmo tendo sido colonizados pela Grã-Bretanha, comprovaram seu desenvolvimento, principalmente por terem evitado a miscigenação entre o branco dominador e o negro escravizado; por isso, também estavam fadados ao progresso e à civilização.
Independentemente de certa tradição mazomba do Brasil ― que, vale ressaltar, até 1822 era uma colônia portuguesa ― foi impossível evitar as repercussões da afirmação da ciência como chave explicadora do mundo e da humanidade.
Na realidade, a vitória do discurso científico caminhou a pari passu com a construção de uma identidade nacional brasileira. A primeira ideia de Brasil (entendido como uma unidade nacional soberana e desvinculada politicamente de Portugal) foi construída com os primeiros museus, institutos históricos e geográficos, faculdades de direito e de medicina em terra brasilis. Durante o século XIX, nacionalismo e ciência fundiam-se e confundiam-se.
Todavia, a importação desse sistema explicativo científico trazia no seu bojo ― conforme visto acima ― uma questão deveras espinhosa para a elite intelectual brasileira: o problema da mestiçagem. A constatação (por parte dos cientistas) da existência de hierarquia entre as raças humanas não era algo tão estranho a uma sociedade que escravizava, sem muitos conflitos morais ou religiosos, os elementos indígenas e negros da sociedade. Na realidade, a ideia da supremacia branca frente às demais raças ou “espécies” humanas parecia corroborar a realidade brasileira de então.
Entretanto, a massa de mulatos, cafuzos, caboclos, pardos e cabras, lembravam, a todo o momento, que o Brasil era uma nação majoritariamente mestiça ― o que inviabilizava que o país galgasse o estágio supremo da civilização. Como outras localidades da América Latina, o Brasil tornou-se uma espécie de laboratório vivo, onde cientistas procuraram comprovar na prática o que compuseram, e onde “ilustrados” brasileiros buscaram desesperadamente uma unidade, uma homogeneidade para definir o povo brasileiro.
Importantes cientistas como Thomas Buckle, Arthur de Gobineau e Louis Agassiz analisaram o fenômeno da mestiçagem brasileira, tendo inclusive visitado o país. Infelizmente, suas conclusões sobre o futuro do Brasil não eram muito esperançosas. De tal modo, aceitar, copiar e reproduzir essas teorias iria interromper um projeto de construção nacional brasileira que mal tinha começado. Os homens de ciência do Brasil tiveram que achar uma resposta original, adaptando essas teorias, utilizando o que combinava e descartando o que era problemático para a construção de um argumento racial no país (SCHWARCZ: 1993, 37).
Os embates científicos se agravaram quando o Brasil proclamou a abolição da escravidão. Até então, o problema parecia ter sido parcialmente resolvido: os indígenas, em uma espécie de recompensa por sua dizimação, foram eternizados pelos românticos brasileiros como símbolo de pureza nacional; os negros (grande parte deles) pagavam com a escravidão a sua ligação direta com o continente africano.
Ainda que os Abolicionistas defendessem a liberdade dos negros escravizados, nem todos estavam certos quanto à igualdade de direitos que defendiam, tendo em vista o contexto racialista em que viviam.
Porém, quando as discussões sobre raça e mestiçagem passaram a fazer parte da agenda dos assuntos ligados à cidadania brasileira, a simples importação de análises científicas feitas por europeus e estadunidenses deixou de ser suficiente.
Enquanto nação que se forjava no seio da Liberdade, da Igualdade e da República, o Brasil precisava construir suas próprias teorias. 
Neste momento, marcado pela a abolição da escravidão, a proclamação da República, a entrada em um novo século e a necessidade de criar uma unidade nacional, o termo raça, sobretudo a raça negra, se torna um problema para os intelectuais brasileiros. Como bem formulado por Renato Ortiz, tais homens se viam diante do seguinte dilema; “como tratar a identidade nacional diante da disparidade racial?” (ORTIZ: 1985, p.20). 
Neste contexto, três intelectuais brasileiros se destacaram no quadro das ciências sociais do país: Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha. Homens das ciências, esses intelectuais se incumbiram da árdua missão de pensar e, principalmente, de colocar o Brasil no caminho da civilização.
As obras desses intelectuais são de tamanha riqueza e complexidade que seria praticamente impossível esgotar suas análises e seus desdobramentos. Todavia, no caso específico deste, é importante ressaltar que a mestiçagem, de forma geral, e o elemento negro, em particular, foram os pontos cruciais na interpretação desses cientistas e, consequentemente, na formação de uma determinada ideia de Brasil.
Mesmo partindo de lugares diferentes (o direito, a medicina e o jornalismo), Silvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha identificaram a diversidade racial ― principalmente a forte presença negra no país ― como o entrave para que as palavras ordem e progresso, estampadas a bandeira do Brasil República, de fato se transformassem em prática social.
Na realidade, respondendo ao debate racialista internacional, os três autores viam a fusão das três raças como o elemento causador da desigualdade e do atraso brasileiro. Tal perspectiva serviu ainda como base para a formulação de políticas que procuravam viabilizar o desenvolvimento no Brasil: o branqueamento foi a principal delas.
Atividades
1 - Em fins do século XIX e início do século XX, teóricos como Sílvio Romero, Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, estudaram a sociedade brasileira e construíram um discurso que possibilitou o surgimento de teorias raciais científicas que desvalorizavam/inferiorizavam negros e mestiços. Qual foi a forma de pensamento existente que fundamentou tais teorias?
O Relativismo / O Funcionalismo / O Idealismo / O Iluminismo / O Evolucionismo
2 - A respeito das teorias citadas na questão anterior, podemos afirmar que: 
– Herdeiras do Evolucionismo, essas teorias raciais definiram, no Brasil, uma identidade nacional pautada na superioridade branca, legitimaram o passado escravista recente, e explicaram a não inserção política e social de determinados grupos, mesmo após a proclamação da República.
– Herdeiras do Evolucionismo, essas teorias foram logo descartadas pela dificuldade em comprová-las.
– Herdeiras do Evolucionismo, essas teorias, no Brasil, vigoraram apenas entre o grupo citado, pois não foi possível disseminá-la em amplos setores da sociedade.
– Herdeiras do Relativismo, essas teorias serviram como base para explicar a colonização brasileira.
– Herdeiras do Iluminismo, essas teorias explicaram a diversidade étnica e cultural do Brasil.
3 - Sobre a formação da identidade brasileira podemos afirmar que: 
– Índios, negros e brancos desempenharam um papel semelhante, pois a relação entre as três etnias se deu de forma pacífica.
– Sem negar a contribuição cultural de brancos e negros, a cultura indígena prevaleceu sobre ambas, porque os índios, enquanto nativos, tinham um conhecimento maior da terra.
– Sem negar a contribuição cultural de negros e índios, o português, por ser o colonizador, impôs sua cultura sobre as duas outras etnias, eliminandoqualquer traço das mesmas.
– Sem negar que diferentes culturas deram origem ao brasileiro é, entretanto, necessário perceber que as relações entre esses diferentes povos não foi pacífica. Conflitos, hierarquizações, desigualdades, injustiças e discriminações ocorreram.
– A junção das três culturas originou um povo mestiço e orgulhoso do fato das relações entre os três povos terem acontecido de forma pacífica, sem conflitos, hierarquizações, desigualdades, injustiças e discriminações.
Resumo do conteúdo
– Analisou as teorias raciais do século XIX e início do século XX;
– Aprendeu o contexto histórico no qual elas foram elaboradas;
– Analisou as interpretações feitas pelos intelectuais brasileiros da época.
Próximos passos
– Modernismo e a mestiçagem como salvação;
– Debates culturalistas e estruturalistas sobre raça;
– Formação e Questionamento do Mito da Democracia Racial.
HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRODESCENDENTES – Aula 7
Mestiçagem como saída
Introdução
Na última aula vimos que o cientificismo deu o tom das discussões sobre raça e formação social no Brasil durante os últimos anos do século XIX e os primeiros anos do século XX.
No entanto, é importante ressaltar que, neste período, alguns intelectuais apresentaram interpretações distintas sobre a presença negra e a herança africana no pais. Entre eles, Manoel Bomfim merece destaque.
Objetivos
– Avaliar parte da trajetória do Modernismo Brasileiro e como ele reelaborou a mestiçagem do Brasil;
– Reconhecer parte dos debates travados entre intelectuais culturalistas e estruturalistas, no que diz respeito à mestiçagem do Brasil;
– Refletir sobre a construção e a desconstrução do mito da Democracia Racial Brasileira.
Um pouco sobre Manoel Bomfim
Médico e educador, em 1905, Bomfim publicou um estudo no qual desvinculava o atraso do Brasil (e do restante da América Latina) à ideia de inferioridade racial.
Embora fizesse uso de termos médicos e científicos, o autor propôs uma leitura sociológica da pretensa inferioridade do Brasil em relação aos países desenvolvidos da Europa. Era a primeira vez que a "incivilidade" brasileira não passava por questões relacionadas à diversidade racial que compunha o país.
De tal forma, Bomfim não só defendia a miscigenação brasileira, como desacreditava na inferioridade das raças e assegurava que o Brasil só conseguiria mudar os rumos de sua história caso fizesse uma revolução baseada na universalização da educação.
Apesar de ser um homem respeitado no quadro intelectual brasileiro (tendo ocupado cargos importantes no Rio de Janeiro), sobretudo no que diz respeito à educação nacional, as ideias de Bomfim se depararam com um forte critico: Silvio Romero.
Ainda em 1905, Silvio Romero publicou um livro com o mesmo titulo do estudo de Manoel Bomfim, no qual refutava todos os argumentos apresentados pelo médico.
A notoriedade e a forte influência de Silvio Romero acabaram encerrando um debate no mínimo interessante sobre as interpretações da história brasileira, deixando a perspectiva de Manoel Bomfim esquecida por muitos anos (AGUIAR, 2000). Seus argumentos e sua perspectiva só foram retomados por outros cientistas sociais décadas depois.
Ainda nos anos de 1920 e 1930, despontou no cenário intelectual brasileiro um médico baiano que se dedicou, entre outros assuntos, a estudar a questão racial ou cultural do Brasil.
Arthur Ramos de Pereira Araújo nasceu em Alagoas no ano de 1903, estudou medicina na Bahia e, com 23 anos, se fez médico ao defender a tese intitulada Primitivo e Loucura — obra que recebeu elogios de importantes especialistas no assunto, como Sigmund Freud e Levi-Brhul.
Desde cedo Arthur Ramos estreitou suas relações com a intelectualidade internacional e, durante a década de 1920, lecionou em diferentes universidades estadunidenses.
Defensor ferrenho da Antropologia Participativa e utilizando inúmeros recursos metodológicos da psicologia e psiquiatria, Ramos atuou em diferentes áreas das ciências humanas, consagrando-se como um grande estudioso da cultura brasileira.
No que diz respeito à questão do negro no Brasil, Arthur Ramos não só trouxe importantes contribuições, como também chamou atenção para a desigualdade socioeconômica vivida por este setor da população brasileira.
Segundo Luitgarde Barros, ao repudiar qualquer tipo de explicação biologizante dos comportamentos sociais, Arthur Ramos fez uma análise critica da obra de Nina Rodrigues, ao mesmo tempo em que foi seu principal divulgador.
Em 1934, um ano após Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, Ramos publicou O Negro no Brasil (1940). Nele, o autor demonstrou a grande importância do negro na formação da sociedade brasileira, dando especial relevo à mestiçagem e ao sincretismo religioso.
Gilberto Freyre
Ainda na década de 1930, contemporâneo de Arthur Ramos, despontou no cenário intelectual brasileiro o pernambucano Gilberto Freyre, com uma abordagem diferenciada sobre a história do Brasil, sobretudo no que diz respeito às relações raciais.
Falar sobre Gilberto Freyre e Casa Grande e Senzala é uma tarefa no mínimo polêmica. Sua obra teve um impacto tremendo nas ciências sociais brasileiras e durante muitos anos foi tomada como a interpretação mais completa sobre as relações raciais no país.
Por isso, seguindo a estrutura que permeia esse estudo, é fundamental compreender ao menos dois lados de Gilberto Freyre:
O primeiro deles será o lado inovador ou, nas palavras de Antônio Cândido, o radicalismo da obra freyriana. Ou seja, tentar compreender o autor em seu tempo.
O segundo lado se pautará no exame das premissas levantadas por Freyre frente à problemática das questões raciais no Brasil, destacando com sua análise e as leituras feitas sobre ela acabaram por conformar a ideia mítica de que o Brasil seria uma sociedade desprovida de racismo, uma democracia racial.
Filho de importante família da aristocracia rural pernambucana, o escritor concluiu seus estudos na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Lá entrou em contato com novas perspectivas analíticas das ciências sociais, principalmente com os estudos da Antropologia Cultural de Franz Boas, que defendia a ideia da igualdade racial.
À forma menos determinista de compreender os processos sociais, Freyre adicionou as histórias que ouvira quando menino e uma dose cavalar de fontes documentais pouco exploradas até então. O resultado disso foi uma análise da sociedade e da história brasileira feita pelo e para o Brasil.
Dito de outra forma, Freyre introduziu uma ideia de civilização genuinamente nacional, na qual as ascendências indígena e africana compartilhavam com a europeia o protagonismo na trajetória brasileira.
Publicado em 1933, Casa Grande e Senzala não só rompeu com o discurso racialista reinante nas ciências sociais brasileiras, como também apontou um novo olhar sobre o país.
Uma das premissas básicas de Freyre dizia que a formação brasileira era um processo resultante do equilíbrio de antagonismos, fossem eles econômicos, sociais, políticos e até mesmo geográficos (FREYRE, 1933, p.116).
Todavia, Freyre frisou que o maior e mais profundo antagonismo do Brasil era o existente entre escravos e senhores. Vê-se logo, que a escolha do título Casa Grande e Senzala não foi aleatória.
É possível afirmar também que a grande inovação de Gilberto Freyre residiu, justamente, no exame equilibrado dos dois extremos da sociedade brasileira. Era a primeira vez que um estudo analisava as contribuições dos escravos negros e, consequentemente, das heranças africanas no Brasil - na mesma chave utilizada para falar de brancos e indígenas.
Junto com essa nova abordagem, a forma por meio da qual Freyre construiu sua análise também o distanciava dos cientistas sociais da época. Escrito de forma ensaística, com uma narrativa que muitas vezes se confunde com romances do século XIX, Casa Grande e Senzala é um verdadeiro inventário da vida íntima brasileira.
Segundo o autor, o Brasil nascera da tecnologia indígena empregadana produção da mandioca, do leite das amas negras que alimentaram os meninos das famílias patriarcais, das experiências sexuais desses mesmos meninos com as mulatas do país.
A intimidade brasileira estava impregnada pela mestiçagem e isso não fazia o Brasil menos civilizado do que os países europeus. Na realidade, a mestiçagem era a brasilidade.
Longe de esgotar as possibilidades de interpretação da polêmica obra clássica de Gilberto Freyre - o que seria uma tarefa hercúlea -, é importante pontuar o impacto que Casa Grande e Senzala trouxe para o cenário intelectual brasileiro.
Se por um lado Nina Rodrigues foi o primeiro intelectual a fazer um estudo sistêmico da presença africana no Brasil, Freyre foi o primeiro que apresentou essa herança africana de forma positiva e em profundo diálogo com as demais esferas formativas do país.
Ainda que a análise de Freyre guarde um tanto de ineditismo e inovação para o período em que foi publicada, por todas as razões levantadas a pouco, é preciso salientar que, mesmo recuperando de forma positiva a herança africana e o elemento negro, Gilberto Freyre determina muito bem os locais sociais e políticos dos atores da história brasileira. Uma vez mais, é forçoso lembrar que a escolha pelo titulo não foi aleatória: aos senhores, cabia a casa grande; aos escravos, a senzala. A harmonia residia, justamente, nesta dicotomia.
Ao privilegiar a noção de harmonia, a narrativa freyriana acabou suavizando a violência inerente das relações de gênero e sociais características da história brasileira que pautaram a vida de grande parte das mulheres negras e/ou escravas.
Na realidade, as críticas ao modelo de análise freyriana são inúmeras. É possível reler toda a obra do autor e rediscutir os pontos por ele levantados. Todavia, o cerne da crítica reside, justamente, na noção de que o Brasil seria composto por um equilíbrio de antagonismos que pende para a harmonia. Como bem apontado por Renato Ortiz, a ideologia do sincretismo de Freyre, bem como a ideia do Brasil como um "cadinho das três raças", retira todas as contradições e toda a violência que marcaram a trajetória social brasileira desde os tempos coloniais (ORTIZ, 1989, p.94-95).
A construção de uma interpretação na qual a sociedade brasileira não apresenta muitos conflitos, e que as relações dos diferentes sujeitos históricos estava pautada em uma harmonia fundante das relações sociais, permitiu a leitura de que o Brasil estava desprovido de racismo. A maior prova disso seria a mestiçagem: característica maior da sociedade brasileira.
Intencionalmente ou não, o exame de Freyre ofereceu os dados necessários para a construção da ideologia da Democracia Racial.
Democracia Racial – Esta ideologia serviu muito bem aos interesses políticos do governo getulista (marcado pelo nacionalismo e pelo populismo), que, embora difundisse a ideia do Brasil como um país desprovido de discriminação racial, deixava muito claro que cada raça tinha um lugar determinado a ocupar na sociedade brasileira. Só assim, a harmonia defendida por Freyre continuaria "reinando".
O modelo de análise de Gilberto Freyre foi bem recebido em grande parte do círculo intelectual brasileiro e internacional. Muitos cientistas sociais estrangeiros, sobretudo estadunidenses, passaram a usar o Brasil como padrão positivo de relações raciais, e realizaram estudos de caso a fim de comprovar a existência do que seria um "paraíso racial".
Projeto UNESCO
Os horrores da Segunda Guerra também chamaram a atenção para a problemática do racismo em escala mundial. Na década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil.
Conforme sugerido antes, a origem deste projeto estava associada à agenda antirracista formulada pela UNESCO no final dos anos 1940, sob o impacto do Holocausto.
A aparente harmonia racial no Brasil fazia do país uma espécie de "laboratório vivo". De tal modo, os objetivos do Projeto UNESCO era determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos que favoreciam ou não a existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos.
Para tanto, jovens cientistas sociais brasileiros e estrangeiros se incumbiram de analisar a significativa mobilidade e integração do negro na sociedade brasileira (GUIMARÃES, 2004).
Antônio Sérgio Guimarães pontuou duas grandes contribuições deste Projeto para os estudos das questões raciais no Brasil:
O primeiro deles, fazendo uso das conclusões trazidas por Thales de Azevedo, foi a constatação da discriminação racial no Brasil. Assim como ocorria com os Estados Unidos e a África do Sul, o Brasil também era uma sociedade racista.
A segunda contribuição teria sido a desconstrução do monopólio analítico de Gilberto Freyre e Arthur Ramos, cuja autoridade analítica passou a ser dividida com outras correntes das ciências sociais, representados por nomes como Roger Bastide, Florestan Fernandes e Donald Pierson.
O fim deste “monopólio” permitiu ainda o estudo das relações raciais em campos até então pouco estudados, como o mundo urbano e a região centro-sul do país, além da importante vinculação entre discriminação racial e discriminação econômica.
Parte dos estudos patrocinados pelo Projeto UNESCO comprovou a inexistência da Democracia Racial no Brasil. No entanto, os trabalhos feitos na década de 1970 realizaram importante critica a tais estudos, ao mostrar que os fatores econômicos que protagonizavam as análises não eram suficientes para responder as razões que levariam à discriminação racial no Brasil.
Dito de outra forma, os estudos que se iniciaram na década de 1970 afirmavam que a raça (como construção social) era, sim, um fator de distinção na sociedade brasileira; o pertencimento a determinada classe não dava conta de explicar o racismo no Brasil.
Florestan Fernandes
Inúmeros trabalhos ligados ao Projeto UNESCO apontaram que o Mito da Democracia Racial era infundado. Um dos estudos mais importantes neste período foi feito por Florestan Fernandes.
Em A integração do Negro na sociedade de Classes (1964), Florestan analisou os meios pelos quais parte da população negra da cidade de São Paulo integrou-se à sociedade capitalista.
Ao trabalhar com inúmeros estudos de caso, o sociólogo mostrou que a maior parte dos homens e mulheres egressos do cativeiro teve uma modesta inserção na sociedade capitalista graças à cor da sua pele e à evidente preferência dos patrões por funcionários brancos.
Oracy Nogueira
No campo da antropologia culturalista, destacou-se o trabalho pioneiro e inovador de Oracy Nogueira grande seguidor dos ensinamentos de Pierson.
Em certa medida é possível afirmar que Nogueira ampliou os estudos de seu professor, ao questionar as conclusões de Pierson sobre a inexistência do racismo tatu senso, no Brasil. Se o professor norte-americano negou a discriminação racial em detrimento da discriminação socioeconômica, é possível afirmar que Oracy Nogueira demonstrou que os dois sistemas discriminatórios conviviam no Brasil.
Grosso modo, as conclusões de Oracy Nogueira apontavam que negros e mestiços compunham a grande maioria da população que exercia atividades subalternas, enquanto os brancos ocupavam lugar de destaque.
De acordo com o próprio autor: “cor branca facilita a ascensão social, porém, não a garante, por si mesma; de outro lado, a cor escura implica antes numa preterição social que numa exclusão incondicional de seu portador” (NOGUEIRA, 1998).
Observa-se, então, que, segundo as pesquisas de Oracy Nogueira, a cor da pele tinha forte influência no desempenho socioeconômico dos indivíduos.
Ao se desvencilhar da comparação com o modelo de relações raciais dos Estados Unidos, Oracy conseguiu desenvolver dois conceitos-chave das relações raciais no Brasil: o preconceito racial de marca e o preconceito racial de origem.
Ainda que os dois trabalhos apontados tenham seguido métodos analíticos distintos, ambos foram eficazes em apontar que a harmoniadas três raças brasileiras era uma farsa.
Embora o negro tenha sido o principal objeto de análise dos trabalhos citados (é necessário frisar que Florestan Fernandes fez importantes trabalhos sobre povos indígenas do Brasil, como os Tupinambás), a desconstrução do mito da democracia racial, ou do "cadinho das três raças", permitiu que novas questões fossem colocadas na agenda de debates da sociedade brasileira.
Os movimentos sociais incorporaram parte do debate acadêmico e passaram a fazer novas exigências para o estado de um país que, sabidamente, estava longe de ser um paraíso racial.
Resumo do conteúdo
– Os movimentos vanguardistas do Modernismo no Brasil foram fundamentais na construção de uma identidade brasileira que passa a ver a mestiçagem a partir de uma chave positiva;
– O contexto histórico que permitiu a formação do Mito da Democracia Racial;
– As críticas feitas ao Mito da Democracia Racial.
Próximos passos
– Identificação de como o conhecimento da fauna, da flora e até mesmo as táticas de guerra indígena, foi crucial para a fixação do colonizador;
– Avaliação da política e da legislação indigenista brasileira, analisando a atuação de órgãos como o Serviço de Proteção aos Índios (SNI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRODESCENDENTES – Aula 8
Herança Indígena e a sua inserção efetiva no Brasil contemporâneo
Introdução
Nessa aula será analisada a questão indígena na contemporaneidade brasileira.
Objetivos
– Avaliar alguns aspectos da história do índio brasileiro.
– Conhecer a política e a legislação indigenista brasileira, analisando a atuação de órgãos como o Serviço de Proteção aos Índios (SNI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
ECO 92
Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que ficou conhecida como ECO 92. A Conferência inaugurou o conceito de desenvolvimento sustentável e contribuiu para a mais ampla conscientização de que os danos ao meio ambiente eram majoritariamente de responsabilidade dos países desenvolvidos.
Reconheceu-se, ao mesmo tempo, a necessidade dos países em desenvolvimento receberem apoio financeiro e tecnológico para avançarem em direção ao desenvolvimento sustentável.
Na ocasião, foram produzidos os seguintes documentos:
– A Carta de Terras; Três convenções sobre Biodiversidade, Desertificação e Mudanças Climáticas; Uma declaração de princípios sobre florestas; A Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento; e a Agenda 21.
A questão indígena também ganhou espaço no debate, pois qualquer debate sobre meio ambiente no Brasil precisa levar em consideração as agências desses sujeitos.
No entanto, o Brasil tem uma questão a ser resolvida em relação a essas sociedades, que é a sua definição. O critério da auto identificação étnica vem sendo o mais amplamente aceito pelos estudiosos da temática indígena.
Na década de 1950, o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro baseou-se na definição elaborada pelos participantes do II Congresso Indigenista Interamericano, no Peru, em 1949, para assim definir, no texto "Culturas e línguas indígenas do Brasil", o indígena como:
(...) aquela parcela da população brasileira que apresenta problemas de inadaptação à sociedade brasileira, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana. Ou, ainda mais amplamente: índio é todo o indivíduo reconhecido como membro por uma comunidade pré-colombiana que se identifica etnicamente diversas da nacional e é considerada indígena pela população brasileira com quem está em contato.
Uma definição muito semelhante foi adotada pelo Estatuto do Índio (Lei n° 6.001, de 19/12/1973), que norteou as relações do Estado brasileiro com as populações indígenas até a promulgação da Constituição de 1988.
Nessa aula será analisada, então, a questão indígena na contemporaneidade brasileira.
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, encontraram um número significativo de povos autóctones a quem chamaram índios. Ainda que eles julgassem estar frente a uma raça diferente, ainda nos primeiros anos de colonização, os lusitanos conseguiram encontrar traços específicos que diferenciavam essas sociedades, apontando parte da complexidade que regeu a vida desses grupos. O processo colonial foi extremamente violento com as sociedades indígenas. As estimativas apontam que no início do século XVI existiam entre 1 e 10 milhões de índios, no que hoje é o Brasil. Esses habitantes se dividiam em diferentes povos, com culturas, crenças e línguas diferentes.
Vimos nas primeiras aulas do curso que dezenas de milhares de índios morreram em decorrência da colonização da América portuguesa. Gripe, sarampo, tuberculose e varíola mataram sociedades indígenas inteiras, contribuindo para aquele que foi o maior genocídio da história da humanidade. Junto com a mortandade causada pela falta de imunidade indígena, a efetivação do sistema colonial trouxe muitas mudanças nos padrões organizacionais desses povos.
Resumidamente, as sociedades indígenas que habitavam o Brasil tinham sua economia organizada em modos de produção de uso, ou seja, produziam o suficiente para o consumo interno.
Ainda que pesquisas recentes apontem a presença de moeda em algumas sociedades indígenas que habitavam a bacia amazônica, grande parte das trocas realizadas entre esses grupos ocorria por meio do escambo. A instauração do aparelho colonial, a produção do açúcar, o movimento das bandeiras e a criação de gado fizeram com que tais sociedades tivessem que se adaptar a um ritmo de trabalho extremamente pesado, o que, uma vez mais, acarretou na morte de milhares de índios e na desestruturação das sociedades que entraram em contato com os colonos europeus.
A catequese foi outro instrumento de colonização e, justamente por isso, um processo que desestruturou boa parte dos povos indígenas. Embora muitos missionários objetivassem levar a verdadeira fé aos índios, e em muitos casos tenham (na sua perspectiva) defendido os indígenas, a conversão ao catolicismo, a criação de uma língua geral e até mesmo os movimentos de resistência eram indícios de que o contato entre portugueses e índios estava criando novas formas de sociabilidade, sobretudo para os últimos, que estavam subjugados dentro do sistema colonial que se forjava. Estudos recentes apontam que, atualmente, os únicos grupos que não tiveram suas línguas alteradas pelo contato com os portugueses foram os Fulniô (de Pernambuco), os Maxakali (de Minas Gerais) e os Xokleng (de Santa Catarina). Interessante notar que nenhuma das sociedades apontadas pertence à família Tupi, mas estão ligadas ao tronco Macro-Jê. Durante todo o período colonial, os portugueses e colonos nascidos na América utilizaram os índios não só como mão de obra barata (ou então escrava), mas também fizeram uso de seus saberes. A técnica da coivara foi levada a proporções imensas. A região das minas foi encontrada graças a ajuda indígena; remédios eram feitos com base nos saberes de pajés e xamas e a mandioca transformou-se na base da alimentação da colônia durante 300 anos.
Findo o período colonial, os índios continuaram fazendo parte da história brasileira. Em meados do século XIX, uma determinada ideia de índio foi criada pelos intelectuais brasileiros, que a utilizaram como ícone de herói nacional.
No final desse mesmo século e no início do século seguinte, os índios que habitavam a região norte do país foram fundamentais para as atividades extrativistas. Sociedades indígenas inteiras foram – direta e indiretamente – trabalhar na busca pelo látex, bem como nos movimentos exploratórios da região amazônica. Foi nesse contexto que o positivista Marechal Rondon despontou no quadro nacional.
Marechal Rondon
Nascido em maio de 1865 no Mato Grosso, Cândido Rondon era de origem indígena. Seus familiares de parte de mãe eram descendentes de Bororo e Terena, enquanto seu bisavô paterno era Guará. Foi criado pelo tio até ingressar naEscola Militar no Rio de Janeiro.
Anos mais tarde, tornou-se o responsável pela Comissão de Construção da linha telegráfica que ligaria Goiás ao Mato Grosso. Para cumprir essa missão, Rondon abriu caminhos e desbravou terras entrando em contato com diversos povos indígenas como os Bororo, Nhambiquara, Urupá, Jaru, Karipuna, Ariquemes, Boca Negra, Paca ás Novo, Macuporé, Guaraya e Macurape.
Em 1907, no posto de major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveria construir a linha telegráfica de Cuiabá a Santo Antonio do Madeira, a primeira a alcançar a região amazônica, e que foi denominada Comissão Rondon.
Seus trabalhos desenvolveram-se de 1907 a 1915. Nesta mesma época estava sendo construída a ferrovia Madeira-Mamoré, que junto com o desbravamento e integração telegráfica de Rondon ajudaram a ocupar a região do atual estado de Rondônia. Nesse meio tempo, Rondon organizou e dirigiu o Serviço de Proteção aos Índios (1910). O objetivo principal da SPI era proteger os índios frente à escravização que estava ocorrendo no norte do país, bem como promover a integração dos mesmos, tendo em vista que tal órgão acreditava que o "índio" era um estágio transitório que precisava ser tutelado até transformar-se em um proletário rural ou urbano.
Como chefe da SPI, o Marechal Rondon comandou e traçou o roteiro da expedição que o ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, fez pelo interior brasileiro entre 1913 e 1914, que ficou conhecida como a Expedição Roosevelt-Rondon. Cândido Rondon passou a ser assim, o principal intermediário entre o Estado brasileiro e os grupos indígenas. Embora essa relação nem sempre fosse pacífica, graças aos esforços e a mediação de Rondon, inúmeras expedições foram feitas na bacia amazônica, o que apresentou uma diversidade ainda maior dentre os índios do Brasil.
Ele publicou o livro Índios do Brasil, em três volumes, editado pelo Ministério da Agricultura. Incansável defensor dos povos indígenas do Brasil ficou famoso por sua frase: "Morrer, se preciso for; matar, nunca".
Rondon teve sua importância reconhecida inúmeras vezes pelo governo brasileiro, recebendo diversas homenagens, como nome dado ao estado de Rondônia. Marechal Rondon morreu em 1955, aos 92 anos de idade.
Movimentos exploratórios da Amazônia
A partir das décadas de 1920 e 1930, os movimentos exploratórios da Amazônia despertaram não só interesses econômicos, mas também chamaram a atenção de muitos intelectuais brasileiros.
Conforme visto em aulas anteriores, nesse período havia um forte debate sobre a identidade nacional brasileira, que passava a encarar a mestiçagem de forma positiva. Embora boa parte dos estudos históricos e sociológicos se detivesse ao exame do legado africano no Brasil, os antropólogos (brasileiros e estrangeiros) iniciaram uma série de análises sobre os grupos indígenas. Foi graças a esses trabalhos que o arquétipo de índio construído no século XIX foi desmontado. Em primeiro lugar, os estudos antropológicos apontaram que era impossível falar de índio no singular. O contato com os portugueses e demais colonos havia transformado padrões socioeconômicos e culturais. O estudo das línguas indígenas demonstra isso.
Segundo os estudos da FUNAI:
Os povos que habitavam a costa leste, na maioria falantes de línguas do Tronco Tupi, foram dizimados, dominados ou refugiaram-se nas terras interioranas para evitar o contato (...) 
Os Guarani, que vivem em diversos estados do Sul e Sudeste brasileiro e que também conservam a sua língua, migraram do Oeste em direção ao litoral em anos relativamente recentes. 
As demais sociedades indígenas que vivem no Nordeste e Sudeste do País perderam suas línguas e só falam o português, mantendo apenas, em alguns casos, palavras esparsas, utilizadas em rituais e outras expressões culturais.
A maior parte das sociedades indígenas que conseguiram preservar suas línguas vive, atualmente, no Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Nas outras regiões, elas foram sendo expulsas à medida em que a urbanização avançava.
Em 1939 foi instituído o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI, Decreto n° 1.794, de 22 de novembro de 1939), órgão que permitiu que antropólogos destacados atuassem na formulação das políticas indigenistas brasileiras. Era preciso reavaliar a política "sertanista" do SPI que, em certa medida, dava continuidade às premissas coloniais como a distribuição de presentes, a defesa de vestir os índios, ensinar-lhes a tocar instrumentos e a comportar-se como ocidentais.
O "governo dos índios" exigia ainda uma boa formação científica e "espírito de dedicação à causa pública". A produção de informações cartográficas e ambientais era fundamental para subsidiar as atividades de conquista e exploração comercial do interior.
Além disso, a proposta de registrar minuciosamente as expedições acabou por contribuir com a formação da antropologia no Brasil e das coleções de cultura material indígena dos museus brasileiros e estrangeiros. Tal política já vinha sendo questionada pelos irmãos Villas-Boas que ficaram famosos por suas expedições na região central do Brasil entre as décadas de 1940 e 1960.
Nesse contexto, antropólogos importantes como Heloísa Alberto Torres, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Eduardo Galvão, tentaram levar ao SPI as premissas antropológicas da época, questionando os cânones e práticas sertanistas. Embora considerassem inevitável a integração dos índios à sociedade nacional, defendiam que o órgão indigenista não se comprometesse a estimular este processo. As discussões que propunham estavam em consonância com os debates latino-americanos e internacionais mais amplos realizados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), que, em 1957, promulgou, através da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção nº 107 “Sobre a Proteção e Integração das Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes”, que apenas foi ratificada pelo Brasil em 1966 (Decreto nº 58.824/66). Os poucos recursos destinados ao SPI e o baixo grau de profissionalização dos seus funcionários (muitos deles militares e trabalhadores rurais que não tinham qualquer conhecimento frente às questões indígenas) e acusações de genocídio levaram à extinção do órgão juntamente com o CNPI.
Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
Em 1967 foi criada a Fundação nacional do Índio (FUNAI) cujo principal objetivo era servir como tutora dos índios brasileiros. A partir de então, cabe à FUNAI promover a educação básica aos índios; demarcar, assegurar e proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas; estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos indígenas.
A Fundação tem, também, a responsabilidade de defender as comunidades indígenas; promover o interesse da sociedade nacional pelos índios e suas causas; e gerir o seu patrimônio e fiscalizar suas terras, impedindo ações predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de seus limites e que representem um risco à vida e à preservação desses povos.
Demarcação das terras indígenas
Uma das questões mais trabalhadas pela FUNAI é a demarcação das terras indígenas. Na legislação brasileira terra indígena é “a terra tradicionalmente ocupada pelos índios, por eles habitada em caráter permanente, utilizada para as suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e para à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Atualmente, para uma terra ser reconhecida e demarcada como indígena, ela precisa passar por um longo processo:
Observa-se que esse é um processo longo e burocrático, e que ainda tem que se deparar com outros obstáculos. De um lado, os interesses econômicos, sobretudo a exploração madeireira e a derrubada sistemática da floresta amazônica para a criação de gado e a produção de soja têm colocado sociedades indígenas, a FUNAI e os grandes proprietários de terra em constanteembate. De outro, a noção de terra e território dos grupos indígenas é muito mais fluida do que a lei brasileira determina. Conforme visto nas primeiras aulas do curso, a maior parte das sociedades indígenas era nômade ou seminômade o que, por si só, já aponta outros usos e significados da terra para esses povos.
Mapa das Terras Indígenas Brasileiras
Percebe-se, então, que as questões referentes às populações indígenas ainda estão longe de uma solução que agrade os diferentes sujeitos, principalmente os índios. Embora a presença indígena e o legado por eles deixado na história e nos costumes do Brasil sejam cada vez mais reconhecidos, ainda falta muito para que sua integração seja feita de forma efetiva, levando em consideração não só os interesses da União, mas a diversidade indígena em suas múltiplas facetas.
Resumo do conteúdo
– Avaliou aspectos da história indígena no Brasil;
– Identificou os hábitos dos brasileiros que derivam da cultura indígena;
– Definiu a política e a legislação indigenista brasileira, analisando a atuação de órgãos como o Serviço de Proteção aos Índios (SNI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Próximos passos
– Trajetória dos afrodescendentes na construção de outra memória brasileira;
– Lutas enfrentadas por afrodescendentes na busca por igualdade socioeconômica no Brasil República;
– Diferentes facetas do Movimento Negro.
HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRODESCENDENTES – Aula 9
Movimento Negro e a Busca de Outra Memória Afrodescendente
Introdução
Nessa aula serão estudados diferentes momentos da trajetória da luta dos afrodescendentes na construção de outra memória brasileira. O objetivo é recuperar questões levantadas desde o começo do século XX por atores reconhecidamente afrodescendentes, analisando as muitas direções que tais movimentos tomaram durante cem anos de luta.
Objetivos
– Reconhecer as diferentes facetas do Movimento Negro;
– Analisar os diferentes momentos da trajetória da luta dos afrodescendentes na construção de outra memória brasileira;
– Analisar as lutas enfrentadas por afrodescendentes na busca por igualdade socioeconômica no Brasil República.
João Cândido
O ano de 1910 foi marcado pela luta dos marinheiros brasileiros pelo fim dos castigos corporais. Embora o uso da chibata como castigo na Armada brasileira já houvesse sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano, na prática, os marinheiros, cuja grande maioria era formada por homens negros e mestiços, continuavam a receber as punições. Era um claro resquício da escravidão.
O estopim da Revolta ocorreu no dia 16 de novembro de 1910, quando foi publicado em diferentes jornais brasileiros que o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes havia sido punido com 250 chibatadas aplicadas na frente de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais. Seis dias depois, lideradas pelo marinheiro e filho de ex-escravos, João Cândido, tripulações de diferentes embarcações em todo Brasil fizeram um levante por meio do qual reivindicavam a abolição da chibata na marinha, com o lema: “nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira”.
Foram quatro dias de muita tensão. A cidade do Rio de Janeiro estava sob a mira dos canhões da marinha e, caso as reivindicações não fossem atendidas, a cidade seria atacada. Todavia, após inúmeras negociações, os marinheiros conseguiram fazer com que as autoridades brasileiras se comprometessem a acabar com as punições e terminaram o levante.
Porém, a história não acabou aí. Ainda que o Congresso brasileiro tenha votado pela anistia dos marinheiros envolvidos, logo depois de se entregarem, grande parte dos sublevados foi presa ou morta pelas próprias autoridades. O líder, João Cândido, passou alguns anos preso na Ilha das Cobras e depois foi expulso da marinha. Ele faleceu em janeiro de 1969, aos 89 anos, esquecido por seus contemporâneos.
A trágica história de João Cândido é uma das tantas que demonstra a luta que milhares de afrodescendentes tiveram que experimentar em busca de melhores condições de vida em um país marcado pelas diferenças raciais.
O movimento abolicionista no Brasil
Existe uma vertente historiográfica que defende que o Movimento Negro surgiu ainda sob a égide da escravidão, por meio da participação negra no movimento abolicionista. Fundado na Inglaterra, no início do século XIX, o abolicionismo foi um movimento que pregava o fim do cativeiro. Tal movimento existiu em diferentes partes do mundo e foi fundamental para a abolição da escravidão em diversos países americanos. No Brasil não foi diferente.
No caso brasileiro, a manutenção da escravidão e do tráfico, mesmo após a independência em 1822, fez com que o movimento abolicionista só ganhasse força dentre as classes dirigentes do Império a partir da década de 1860. Neste período, o tráfico já havia sido extinto – por meio da Lei Euzébio de Queiroz, aprovada em 1850 – e debates sobre o futuro da escravidão, que eram pautas de praticamente todos os jornais do país.
A incerteza quanto à manutenção da escravidão facilitou a propagação dos ideais e práticas abolicionistas. Profissionais e intelectuais que eram contrários à escravidão no Brasil organizaram associações e jornais por meio dos quais pudessem divulgar suas ideias. Conforme mencionado, muitos descendentes diretos da escravidão fizeram parte deste movimento.
Periódicos como A Gazeta da Tarde, cujo editor era José do Patrocínio, e A Redenção foram instrumentos importantes na luta abolicionista. Em pouco tempo, o número de associações abolicionistas cresceu. Tais organizações não apenas faziam denúncias contra a escravidão por meio dos artigos escritos nos jornais, dos discursos feitos em praça pública e das peças teatrais encenadas em importantes teatros do Brasil, realizavam também festas e reuniões nas quais arrecadam dinheiro que seria usado na compra da alforria de alguns escravos.
Lei nº 2040 - A Lei do Ventre Livre
No ano de 1871, o Senado brasileiro aprovou a Lei nº 2040, mais conhecida como a Lei do Ventre Livre, determinando que a partir daquela data (28\09\1871) todas as crianças nascidas de ventre escravo seriam livres.
Para garantir que receberiam bons cuidados e que não seriam separados das mães, todos os senhores deveriam ficar com os recém-nascidos até eles completarem oito anos de idade. Depois disso, o senhor de sua mãe poderia escolher receber 600 mil réis do governo e dar a liberdade total para a criança ou então utilizar os serviços dessa criança até ela completar vinte e um anos.
A Lei nº 2040 ainda reconheceu que todo escravo que tivesse o dinheiro necessário poderia comprar sua liberdade, independentemente da vontade senhorial de conceder ou não a carta.
Ainda que as condições de liberdade garantidas pela lei fossem de médio prazo e que permitissem aos senhores utilizar os filhos de suas escravas durante o período em que eles tinham grande potencial de trabalho, a garantia do Estado brasileiro sobre a liberdade de todos aqueles que nasceram após 28 de setembro de 1871 deu mais força para os abolicionistas.
Iniciativas importantes
1879 – Em 1879, André Rebouças fundou a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e Joaquim Nabuco, junto com José do Patrocínio, criou a Confederação Abolicionista, ambas na cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil na época. Os poemas de Castro Alves que denunciavam as atrocidades da escravidão também foram armas importantes na luta abolicionistas.
Além do jornais e associações, o abolicionismo também virou ação. Casos de violências extremadas contra cativos passaram a ser defendidos por importantes advogados, homens e mulheres de diferentes localidades começaram a fazer doações com o intuito de comprar alforrias. As fugas massivas de escravos e a formação de quilombos passaram também a contar com a ajuda de intelectuais brasileiros.
1883 – Participação Popular – A população aderiu ao movimento de diferentes formas. O caso mais emblemático ocorreu no Ceará, em 1883, quando jangadeirosliderados por Francisco José do Nascimento e João Napoleão, ex-escravos, se recusaram a transportar os cativos que desembarcavam no porto cearense. Essa manifestação rapidamente ganhou mais adeptos e teve tanta repercussão que obrigou as autoridades locais e decretaram o fim da escravidão no Ceará em 1884, quatro anos antes da extinção nacional da escravidão. Nesse mesmo ano, a província de Amazonas também a aboliu.
Ações rebeldes – Embora os senhores e o governo brasileiro ameaçassem e até mesmo entrassem em confronto com abolicionistas, a pressão contra a escravidão aumentava a cada dia e os escravos intensificaram suas ações rebeldes.
1884 – As fugas em massa para cidades e a formação de quilombos foram as principais estratégias utilizadas pelos escravos. Neste período, o quilombo de Jabaquara, próximo a Santos, e o quilombo do Leblon tornaram-se famosos em todo pais devido às suas estreitas relações com o movimento abolicionista. No vale do Paraíba e no Oeste Paulista, principais regiões econômicas do Brasil naquele período, os escravos também iniciaram atos violentos contra seus senhores e suas propriedades.
1885 – Lei do Sexagenário – Mais uma vez, o Estado brasileiro tentou apaziguar a situação decretando mais uma lei abolicionista. Em 1885, foi promulgada a lei do Sexagenário que determinava que todos os escravos, homens e mulheres, com mais de sessenta anos estariam automaticamente livres. Todavia, essa lei pouco mudou o quadro social fomentado pelos abolicionistas e escravos.
1888 – Lei Áurea – Se não bastasse todo o alvoroço interno causado pelo abolicionismo, as autoridades brasileiras ainda tinham que lidar com a Inglaterra, que desde o começo do século XIX pressionava as autoridades brasileiras a acabar com a escravidão. Em meio a um contexto tão conflituoso, não havia mais nenhuma forma de mantê-la. Deste modo, em 13 de maio de 1888, a princesa Izabel, filha do Imperador D. Pedro II que estava ausente, assinou a Lei Áurea, na qual foi "declarada extinta desde a data dessa Lei a escravidão no Brasil".
A abolição da escravidão
A abolição da escravidão causou uma verdadeira comoção na população brasileira. Missas e festas foram realizadas para comemorar o feito que, além de acabar com o escravismo, não ressarciu nenhum proprietário. Estava totalmente extinta uma instituição que vigorou por mais de trezentos e cinquenta anos.
A luta por igualdades sociorraciais no Brasil
A abolição da escravidão era apenas uma das etapas na luta por igualdades sociorraciais no Brasil. Conforme visto nas aulas 6 e 7, junto com a República brasileira nasceu a busca por uma identidade que a diferenciasse do Império escravista, mas que, ao mesmo tempo, desse conta do debate racialista internacional.
A fim de combater práticas racistas, ou de lutar por melhores condições de vida e de trabalho, entre o final do século XIX e começo do século XX, trabalhadores e intelectuais negros de diferentes localidades do Brasil começaram a se organizar para discutir a discriminação sofrida, pensar alternativas para a melhoria da condição de vida dos afro-brasileiros e proporcionar momentos de lazer que até então eram negados para essa parcela da população.
Associações e Grêmios
Um dos primeiro movimentos foi criar associações e grêmios que permitissem não só o encontro, mas o debate. Em São Paulo, que na época já era o principal centro econômico do país, foram fundados o Centro Cultural Henrique Dias, a Associação Protetora dos Brasileiros Pretos e o Grêmio Dramático Recreativo e Literário “Elite da Liberdade”. Associações e grêmios semelhantes foram criados nas demais cidades brasileiras. Nessas organizações eram realizados diversos tipos de atividades como festas, bailes e reuniões ¯ ocasiões em que havia diversão, discussão e diversas redes de solidariedades e amizade eram estabelecidas.
Imprensa Negra
Todavia, as questões experimentadas pela população negra não ficaram restritas às associações e grêmios. Como os meios de comunicação da época apenas reproduziam os padrões de beleza europeus e estampavam a população negra como “criminosas em potencial” ― reforçando, assim, o racismo ―, diversas das organizações negras que compunham as associações e grêmios se articularam e fundaram jornais voltados para a população negra. Não por acaso tais jornais ficaram conhecidos como: imprensa negra.
Esses jornais, em parte influenciados pelos periódicos escritos pelos e para os imigrantes, eram direcionados a uma elite de homens e mulheres negros e mestiços, que, mesmo pequena, tinha representantes em diferentes localidades do Brasil. Alguns deles eram jornais muito semelhantes aos produzidos no restante do país e pouco, ou quase nunca, tocavam na problemática do racismo. Nesses casos, os periódicos traziam ofertas de emprego, anúncios de concursos de beleza e outras notícias cotidianas.
No entanto, em periódicos como O Clarim d´Alvorada, A Liberdade, a Sentinela, O Alfinete, e O Baluarte, jornalistas e intelectuais negros não só denunciavam situações de preconceito racial, como também usavam o jornal para ajudar na educação e aumentar a autovalorização da população negra e mestiça ¯ questões que não tinham espaço nos outros jornais brasileiros. Alguns periódicos chegaram a abrir espaços para que seus leitores publicassem poemas e contos. E não foi por acaso que muitos jornais da imprensa negra faziam menção constante aos abolicionistas brasileiros.
Jornal A Voz da Raça
Em geral, havia uma grande preocupação em transmitir mensagens morais que pregavam contra a vadiagem e enalteciam o trabalho e o trabalhador negro. Produzidos em pequenas gráficas e muitas vezes contando unicamente com o financiamento de seus editores ou com o dinheiro angariado em rifas, a grande parte desses jornais tinha uma pequena tiragem e era distribuída gratuitamente ou então vendida a custos baixos nas organizações e agremiações frequentadas pela população negra. Porém, uma vez mais, a solidariedade entre os membros da comunidade negra se fez sentir.
Frente Negra Brasileira (FBN)
Em 1931, foi fundada em São Paulo a Frente Negra Brasileira. A FNB, como ficou conhecida, era uma organização que objetivava integrar a população negra na sociedade, seguindo os padrões vigentes.
Tal organização se empenhou em criar as condições necessárias para que a população negra pudesse ingressar no competitivo mercado de trabalho. Em pouco tempo, outras filiais dessa organização foram criadas em todo país.
A FNB proporcionou a alfabetização de centenas de negros e criou cursos de costura para que as mulheres negras pudessem se inserir no mercado de trabalho. Era lá que operários negros se encontravam para debater assuntos referentes a seu trabalho e à discriminação que sofriam e ainda recebiam assistência médica a preços acessíveis.
A Frente Negra Brasileira teve papel fundamental na ampliação de redes de solidariedades entre negros de todo o Brasil e no combate contra o racismo, provando a capacidade intelectual da população negra. Todavia, graças a sua vertente partidária, a FNB, assim como os jornais da imprensa negra, foi fechada a mando de Getúlio Vargas em 1938.
Teatro Experimental do Negro (TEN)
Porém, o fechamento da FNB e dos jornais da imprensa negra não representou o fim da luta da população negra. Em 1944, Abdias do Nascimento fundou o Teatro Experimental do Negro. Além de recuperar heranças africanas como o candomblé, o TEN promoveu congressos e, principalmente, provou que o Brasil tinha talentosos atores, poetas, bailarinos e músicos negros, incomodando muitas emissoras de televisão e jornais do Brasil.
Jornal Quilombo
Quatro anos depois, Abdias do Nascimento e outros intelectuais negros fundaram um dos jornais mais famosos da imprensa negra: o Quilombo, publicado entre 1948 e 1950. Diferentemente dos outros periódicos, o Quilombo contava com a participação de jornalistas negros e brancos, tinha forte diálogo com intelectuais negros do Caribe, África e Estados Unidos e dava especial atenção à cultura afro-brasileira, sobretudo às manifestaçõesartísticas e culturais realizadas pelos negros do Brasil.
Por meio da exaltação de importantes personagens negras da história brasileira, o Quilombo permitiu que muitos negros, especialmente aqueles que estavam na classe média, criassem uma identidade negra que tivesse um respaldo histórico. Muitos dos intelectuais que fizeram parte do corpo editorial do jornal Quilombo tinham grande diálogo com os movimentos internacionais que combatiam o racismo, inclusive com o Pan-africanismo, e com importantes lideranças negras dos Estados Unidos envolvidas na luta pelos direitos civis dos negros estadunidenses.
Panteras Negras
Além de exaltar a cultura negra, esses movimentos passaram a fazer reivindicações constantes contra o racismo e a favor da igualdade de oportunidade entre negros e brancos. Na década de 1980, foi fundando o Movimento Negro Unificado que, com outras organizações parecidas, inclusive movimentos e ONGs que trabalham com a dupla discriminação sofrida pelas mulheres negras, tem lutado para que negros e mestiços tenham a mesma oportunidade que o restante da população brasileira.
As denúncias e o combate desses movimentos fizeram com que intelectuais negros e brancos tivessem que revisitar a história brasileira para acabar com a ideia de que o Brasil era um país sem racismo. As provas da discriminação racial no Brasil serviram de base para a exigência de melhorias urgentes na vida dessa parcela da população e na adequação do racismo como crime inafiançável. Mesmo assim, essa luta ainda está longe de terminar.
Outra importante ação desses movimentos foi recuperar importantes figuras negras da história do Brasil, como Zumbi dos Palmares que, atualmente, é considerado um dos heróis brasileiros.
Vamos testar seus conhecimentos até aqui... Atividades
1) Sobre a luta dos afrodescendentes no Brasil república é incorreto afirmar que:
a) Surgiu na década de 1980, com a formação do Movimento Negro Unificado.
b) Foi possível ver seu gérmen ainda no período escravista, com a atuação dos abolicionistas.
c) A Frente Negra e o Teatro Experimental do Negro foram importantes ferramentas.
d) A Imprensa Negra teve papel fundamental nas primeiras décadas do século XX.
e) Teve inúmeras adversidades ao longo do século XX, inclusive advindas das autoridades governamentais do país.
2) Com relação à estrutura administrativa da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), tem-se que o departamento ao qual compete coordenar o desenvolvimento de ações, objetivando a regularização e o registro das áreas indígenas, os procedimentos de levantamento, indenização e entrosamento das áreas indígenas, emitir certidões e estabelecer sistemas de controle do Patrimônio Territorial Indígena, denomina-se:
a) De Patrimônio Indígena e Meio Ambiente
b) De Desenvolvimento Comunitário
c) Fundiário
d) De Demarcação
e) De Identificação e Delimitação
3) Para os efeitos da Lei, índio ou silvícola é:
a) Todo indivíduo de origem brasileira que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.
b) Todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.
c) Todo indivíduo de origem e ascendência sul-americana que se identifica como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.
d) Todo indivíduo de origem e ascendência colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.
e) Todo indivíduo de origem e ascendência estrangeira que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.
Resumo do conteúdo
– Identificou diferentes facetas do Movimento Negro, desde o movimento abolicionista no século XIX até a década de 1980;
– Examinou os diferentes momentos da trajetória da luta dos afrodescendentes na construção de outra memória brasileira.
Próximos passos
– A importância da Constituição brasileira de 1988 para o reconhecimento de direitos há muito pleiteados pelo Movimento Negro e por representações indígenas;
– O fato do repúdio ao racismo estar no texto da Constituição brasileira de 1988 possibilitou a elaboração e a implementação de inúmeras políticas públicas garantidoras de seu cumprimento, sobretudo o Sistema de Cotas nas Universidades brasileiras.
HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS E AFRODESCENDENTES – Aula 10
Somos Racistas?
Introdução
Nessa aula pretende-se compreender a importância da Constituição brasileira de 1988 para o reconhecimento de direitos há muito pleiteados pelo Movimento Negro e por representações indígenas. Objetiva-se também perceber que o fato do repúdio ao racismo estar no contexto da Constituição acima citada possibilitou a elaboração e a implementação de inúmeras políticas públicas garantidoras de seu cumprimento, sobretudo o sistema de cotas nas universidades brasileiras.
Objetivos
– Compreender a importância da Constituição brasileira de 1988 para o reconhecimento de direitos há muito pleiteados pelo Movimento Negro e por representações indígenas;
– Analisar o fato do repúdio ao racismo estar no texto da Constituição brasileira de 1988 e ter possibilitado a elaboração e a implementação de inúmeras políticas públicas garantidoras de seu cumprimento, sobretudo o Sistema de Cotas nas Universidades brasileiras.
“Em 2007, o relator especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias observou que o homicídio era a principal causa de mortes entre pessoas com idade entre 15 e 44 anos, com 45 mil a 50 mil homicídios cometidos todo ano”, diz documento. “As vítimas são, em sua maioria, jovens do sexo masculino, negros e pobres.”
"O relatório com observações de 22 ONGs alerta para altos índices de discriminação racial e sexual e enfatiza o problema da violência. Também chama a atenção para a distância entre a legislação e sua prática. A Anistia Internacional afirma que, com a Constituição de 1988, o Brasil adotou 'as leis mais progressistas para a proteção dos direitos humanos da América Latina'. `No entanto, persiste um enorme fosso entre o espírito dessas leis e sua implementação', diz a organização." Fonte: Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 2008.
A reportagem acima apresenta um fato conhecido por boa parte dos brasileiros: a persistência do racismo em diferentes esferas no Brasil. Em tese, tais práticas deveriam ter sido extintas ou, no mínimo, severamente controladas e punidas pelas autoridades estatais que, desde 1988, tem como ferramenta a Constituição brasileira. Porém, o racismo no Brasil é repleto de sutilezas que muitas vezes impedem que a lei seja cumprida.
Em 2009, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo concluiu que o Brasil não é um país racista, mas um lugar onde existe racismo. Dentre as pessoas entrevistadas, 97% afirmaram não ter nenhum tipo de preconceito racial, mas 98% afirmou conhecer alguém que pratica ou já praticou discriminação racial. Tal constatação é uma contradição, que acaba se tonando a base das relações raciais no Brasil.
Nessa aula será abordada parte da luta contra o racismo no país, bem como as ações estatais que tentam alcançar esse objetivo.
Entendendo um pouco da influência do Samba...
O samba – Tempos Idos – Cartola
Os tempos idos
Nunca esquecidos 
Trazem saudades ao recordar 
É com tristeza que eu relembro 
Coisas remotas que não vêm mais 
Uma escola na Praça Onze 
Testemunha ocular 
E junto dela balança 
Onde os malandros iam sambar 
Depois, aos poucos, o nosso samba 
Sem sentirmos se aprimorou 
Pelos salões da sociedade 
Sem cerimônia ele entrou 
Já não pertence mãos à Praça
Já não é mais o samba de terreiro
Vitorioso ele partiu para o estrangeiro 
E muito bem representado 
Por inspiração de geniais artistas 
O nosso samba de, humilde samba 
Foi de conquistas em conquistasConseguiu penetrar o Municipal 
Depois de atravessar todo o universo 
Com a mesma roupagem que saiu daqui
Exibiu-se para a duquesa de Kent no Itamaraty
Ao retratar a trajetória do samba no Brasil, o cantor e compositor Cartola mostrou que o ritmo musical que nasceu com as quitandeiras baianas na Praça Onze conseguiu vencer os preconceitos e ganhar o estrangeiro. Hoje, o samba é uma das marcas do Brasil.
Quando se fala em uma comida tipicamente brasileira, qual a primeira palavra que vem à cabeça? E um ritmo musical? E o esporte?
A feijoada, o samba e o futebol, que se tornaram símbolos do Brasil, são heranças diretas dos africanos que para cá foram trazidos. A capoeira, que no passado foi responsável pela prisão de muitos escravos e libertos, hoje se transformou em sinônimo de esporte brasileiro.
Os africanos também trouxeram diferentes tipos de tambores e outros tantos instrumentos musicais que permitiram que a música brasileira se tornasse tão diversificada. Tambores, atabaques, agogôs, cuícas, berimbaus, zabumbas são alguns dos instrumentos presentes em diferentes ritmos musicais brasileiros. Tão diversificado quanto os instrumentos são os tipos de músicas brasileiras que herdaram a harmonia, o ritmo ou a cadência de diferentes regiões da África.
O samba (palavra que também tem origem africana e significa divertir-se) talvez seja o maior exemplo disso. Ele foi criado na segunda metade do século XIX, na Pedra do Sal, que ficava no Morro da Conceição, situado na região central do Rio de Janeiro. Nesse local, escravos e libertos, africanos e crioulos se encontravam no final do dia para fazer música e conversar.
Já no século XX, o samba sofreu influências de outros ritmos musicais, como o maxixe, e introduziu outros instrumentos, transformando-se no que se conhece hoje.
O samba proporcionou a criação de uma ampla rede de amizade e solidariedade entre pessoas negras, principalmente nos morros cariocas. Porém, o ritmo do samba foi tão contagiante que costuma se dizer que ele “desceu o morro” e revelou grandes músicos brasileiros como Cartola, Dona Ivone Lara, Martinho da Vila e Paulinho da Viola; tornando-se, assim, uma música tipicamente brasileira.
Atualmente existem diferentes tipos de samba, como o samba-enredo, tocado pelas escolas de samba, e o samba de roda, mais encontrado em regiões rurais do Brasil, onde as pessoas tocam e dançam em forma de roda.
Arte e Cultura
Maxixe, forró, maculelê, baião, frevo, pagode e o afoxé são outros ritmos musicais criados a partir de instrumentos e ritmos vindos da África e recriados no Brasil. Essas músicas criadas com as heranças africanas eram acompanhadas por tipos diferentes de danças e festividades.
O Carnaval
O Carnaval é uma das festividades mais importantes do Brasil. Desde o período colonial, o Carnaval também era brincado por, escravos e libertos, que viam nesse festejo uma das poucas oportunidades de diversão concedidas por seus senhores.
Com o passar dos anos, o Carnaval foi influenciado por cada região brasileira. As escolas de samba tornaram-se a marca registrada do Carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na Bahia, os blocos de carnaval e os trios elétricos levam multidões ao som de afoxés e da axé music. Já Recife é embalado pelo som do frevo. Os bailes e os blocos são encontrados em todo o Brasil.
Artes plásticas
A música e as festas populares brasileiras não são as únicas manifestações culturais que apontam o legado africano no Brasil. No campo das artes plásticas também é possível observar forte presença da população negra, seja ela objeto ou sujeito das obras.
Resultado das heranças
Observa-se, então, que aquilo que hoje é chamado e mundialmente conhecido como cultura brasileira é em grande parte fruto de heranças africanas e de reinvenções feitas pela população negra no Brasil. Não existiria Brasil sem as Áfricas que dele fazem parte.
As populações indígenas também deixaram importantes legados na formação do Brasil República, embora tal herança seja menos visível, ou seja, mais regionalizada, melhor dizendo.
Boa parte das festas populares descritas nesta aula é, na verdade, fruto da mistura de práticas africanas com costumes indígenas. Isso fica mais evidente quando se tomam as regiões norte e centro-oeste do país, locais em que a presença indígena está claramente estampada nos rostos brasileiros.
O maracatu é um exemplo de dança que tem muita herança indígena. Na região amazônica, festas como Parintins vêm se tornando cada vez mais conhecidas em todo o país. Do ponto de vista cultural, é possível afirmar que há um reconhecimento significativo da pluralidade brasileira e que tal pluralidade é organizada a partir das heranças deixadas pelos “três povos” que fundaram o Brasil: o indígena, o português e o africano. Contudo, essa pretensa harmonia cultural não se estende aos campos socioeconômicos e políticos do país.
A desigualdade
Dados obtidos por diferentes órgãos de pesquisa (como o IBGE e o IPEA) indicam que a população brasileira está cindida por uma significativa desigualdade que se expressa por meio da cor. Os índices mostram que a diferença salarial, a população carcereira, a entrada nas Universidades públicas e os índices de assassinatos passam pelo crivo racial.
Nas aulas anteriores foi visto como afrodescendentes e grupos indígenas vêm lutando para mudar esse quadro. Nos últimos 40 anos essa população começou a contar com a ajuda de muitos intelectuais e até mesmo com o apoio do Estado nacional.
Lei CAÓ – Em 1985, foi aprovada a Lei nº 7.437, também conhecida como Lei CAÓ, em homenagem ao seu formulador. Esta lei: Incluí, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951 ― Lei Afonso Arinos.
Art. 1º - Constitui contravenção, punida nos termos desta Lei, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Art. 2º - Será considerado agente de contravenção o diretor, gerente ou empregado do estabelecimento que incidir na prática referida no art. 1º desta Lei.
Das Contravenções
Art. 3º - Recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento de mesma finalidade, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Pena - prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 3 (três) a 10 (dez) vezes o maior valor de referência (MVR).
Art. 4º - Recusar a venda de mercadoria em lojas de qualquer gênero ou o atendimento de clientes em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes, abertos ao público, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, e multa de 1 (uma) a 3 (três) vezes o maior valor de referência (MVR).
Art. 5º - Recusar a entrada de alguém em estabelecimento público, de diversões ou de esporte, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, e multa de 1 (uma) a 3 (três) vezes o maior valor de referência (MVR).
Art. 6º - Recusar a entrada de alguém em qualquer tipo de estabelecimento comercial ou de prestação de serviço, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, e multa de 1 (uma) a 3 (três) vezes o maior valor de referência (MVR).
Art. 7º - Recusar a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Pena - prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 1(uma) a três) vezes o maior valor de referência (MVR).
Parágrafo único - Se se tratar de estabelecimento oficial de ensino, a pena será a perda do cargo para o agente, desde que apurada em inquérito regular.
Art. 8º - Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público civil ou militar, por preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.
Pena - perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em inquérito

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