Buscar

O Perfume

Prévia do material em texto

"O Perfume - História de um assassino", de Patrick Suskind
Como outrora na sua caverna, em sono-no-seu-sonho, no-seu-coração-na-sua-imaginação subia repentinamente o nevoeiro, o insuportável nevoeiro do seu próprio odor que lhe era impossível cheirar, porque ele não tinha odor. E, como nessa altura, foi invadido por um medo e uma angústia infinitas e julgou que morria asfixiado. Só que, contrariamente à vez anterior, não se tratava de um sonho, nem do sono, mas era a realidade pura e simples. E, contrariamente à vez anterior, não estava só na caverna, mas em pé numa praça, frente a dez mil pessoas. E, contrariamente à vez anterior, de nada lhe serviria gritar para acordar e libertar-se, nem voltar costas para se refugiar no mundo quente e salvador. Pois este aqui e agora era o mundo e este aqui e agora constituía a realização do seu sonho. E fora ele que assim o quisera. (pág. 229)
"Perfume - História de um Assassino" conta-nos a história de Jean-Baptiste Grenouille, nascido a 17 de julho de 1738, em Paris, filho de uma peixeira que foi condenada à morte por decapitação após o dar à luz, uma vez que foi presa por deixar o bebé no meio do lixo da banca de peixe, confessando que o teria deixado morrer, como tinha feito a outros quatro filhos. O bebé é entregue a várias amas, que não querem ficar com ele por um motivo: ele não tem cheiro e isso só pode ser um sinal do mal. Numa época de muita superstição, a criança sem cheiro torna-se em algo sinistro e digno de medo. Depois de passar por várias amas, Grenouille chega a Jeanne Bussie, que depois de cuidar dele por algum tempo decide voltar a entregá-lo ao padre Terrier, que acaba por entregá-lo a Madame Gaillard, uma jovem viúva que em criança tinha sido vítima de uma pancada de atiçador na fronte, dada pelo pai. Como a pancada tinha sido mesmo na parte do começo do nariz, fez com que ela perdesse o olfato para sempre. O que também perdera foi a ternura e a alegria, tornando-a uma pessoa amarga, mas justa. Madame Gaillard, como não tinha olfato, não sabia que Grenouille tinha cheiro e cuidou dele, juntamente com mais crianças que o odiavam e temiam por não ter cheiro.
Foi na pensão que descobriu o seu dom: conseguia cheirar todos, mas todos os odores do Mundo, conseguia memorizá-los a todos, criando dentro de si um local especial onde guardar as memórias de todos os odores que ia cheirando, de modo a criar o seu próprio mundo, um mundo onde ele é que era o mais maravilhoso dos seres, o melhor e o mais perfeito. Grenouille queria cheirar todos os odores, saber da sua existência, decorar os seus nomes e conseguir ficar com eles, extraí-los dos seus corpos e matéria e fazer com que se tornassem algo palpável, algo que pudesse ter fisicamente. 
Quando a pensão acabou, ela entregou-o a um curtidor de peles, de nome Grimal, que o fez seu aprendiz no ano de 1747. Grenouille esteve sob o seu jugo até cerca de 1753, até decidir ser aprendiz de um famoso perfumista, Guiseppe Balidini. Tal deveu-se ao facto de ter cheirado pela primeira vez um odor mais puro e belo do que todos os outros, o odor de uma rapariga, no dia 1 de setembro desse ano. Um odor que para sempre ficaria gravado na sua maravilhosa e dotada memória, um odor que queria para si e que queria aperfeiçoar, o odor da jovem da Rua des Marais, a sua primeira vítima. 
Foi no atelier de Baldini que começou a criar os seus primeiros perfumes, que fizeram com que Baldini enriquecesse. Depois de conhecer tudo o que tinha para conhecer ali, em termos de processos de destilação e de extração de perfume, Grenouille partiu em busca de mais formas de criar perfumes, em especial da odorização a frio, a quente e a óleo, que Baldini lhe mencionara haver em Grasse.
No caminho para Grasse, agora com 18 anos, ele encontrou uma elevação vulcânica na qual passou a viver, em Auvergne. Lá descobriu um local isento do odor humano comum e reles, que ele achava horrível. Por isso ficou lá a morar e durante sete anos nada mais fez, a não ser viver nos seus sonhos, criando para si só um universo maravilhoso, um reino de maravilhas em que ele era o rei supremo, o maior, aquele que erradicara todos os odores horrorosos, aqueles que o poluíam e enojavam, criando e deixando viver apenas aqueles de que gostava. No entanto o seu oásis acabou por ruir, ao contemplar, nos seus sonhos, o cheiro da jovem que tinha morto e a promessa de um perfume belíssimo. E isso fez com que tomasse consciência do seu próprio odor: aquele que ele não tinha. O seu odor sem cheiro, sem marca, o seu mistério e o que mais temia. Grenouille temia não ter cheiro, temia e horrorizava-se.
Partiu então em busca de um odor, o seu odor. Prometeu criar o seu próprio odor, o mais belo, o mais perfeito, aquele que faria com que todos os humanos à face da Terra o amassem. Porque ele queria ser amado e não ignorado, pois sabia que era o facto de não ter odor que fazia com que todos os ignorassem, uma vez que a explicação para se amar, odiar, temer ou ignorar era o odor que cada um emanava e nada mais.
Esta é a história de Grenouille. Decidi elaborar este resumo maior para explorar melhor a história presente na obra. Este livro é uma narrativa, uma história contada completamente na perspetiva do narrador, sempre presente, que tudo vê e tudo sabe. Existem poucos diálogos, alguma descrição de locais, mas principalmente bastantes descrições de atitudes, pensamentos, odores e ideias. O autor, ao contar-nos esta história, está-nos a dar a oportunidade de conhecer Grenouille, compreender (ou não) as suas atitudes, tendo em conta os seus pensamentos, as suas opiniões, as suas ideias e decisões: os seus motivos. 
Ao longo do livro é nos possível acompanhar Grenouille na jornada em busca do seu maior desejo. Um desejo que ao início não é o que parece, mas que é o mais profundo dos desejos do Homem: ser amado. Grenouille, tendo vivido desde pequeno no meio de tudo menos de amor, quer, bem no seu íntimo, ter para si algo que muitos têm: Amor. Tendo conhecimento que é devido a determinados odores que umas pessoas despertam mais amor do que outras, ele quer ter a essência odorífica dessas pessoas, pois só assim poderá ser-lhe possível ser amado. 
Esta personagem é deveras complexa. Não consegui odiá-lo, mas também não gostei particularmente dele. Sendo ele um assassino, não o odiei por isso, pois no fundo compreendi os seus motivos. Só que também não tive piedade dele depois de ser apanhado. Acho que o facto da história ser contada na perspetiva do narrador cria um certo distanciamento das personagens. É possível conhecer os seus motivos e por isso compreende-se as suas atitudes. Porém, não me foi possível ficar encantada por ele, como tantas vezes acontece por outras personagens. Também o facto de ser um assassino não me deixou ficar encantada, como é claro. Mas, no fundo, ele queria ser amado... e isso chega a ser comovente, uma vez que nunca teve oportunidade de o ser. Ninguém se esforçou por amá-lo. Quando teve alguém do seu lado foi apenas por interesse dessas pessoas, para lucrarem com ele, sentido algo de repelente em relação a ele, nunca lhe tocando ou gostando de verdade. O facto de Grenouille odiar os homens e mulheres deve-se ao facto de estes nunca o terem amado, apenas temido e sentido nojo. Porque, tendo apenas recebido distância e frieza das pessoas, é que havia de amá-las? No entanto, ele desejava ser amado, bem lá no seu coração.
E este facto é bastante interessante e o pomo da questão, uma vez que é à volta dele que toda a história flui. Todas as ações de Grenouille estão de acordo com esse fim. E não é o que todos nós queremos? Ser amados? Porque é que ele haveria de não o querer ser?
A escrita é bastante fluída e bem encadeada. Os vocábulos estão bem escolhidos de modo a criarem um maravilhoso quadro visual do que vai acontecendo ao longo da história. Isso foi um facto que me encantou. O autor tem um humor bastante interessante também, aquando de certos momentos irónicos. E o final é bastante surpreendente, bem como o que caminhoque é percorrido até lá chegar. Todas as outras personagens que vão aparecendo são interessantes, havendo sempre uma caracterização das suas atitudes e motivos. Este ponto está sempre presente para todas as personagens e tal é muito importante para a compreensão da história. O autor fez um trabalho excelente a esse nível e a muitos outros, como tenho vindo a mencionar nesta minha reflexão sobre a obra.
Também, e não menos importante, existe um aspeto muito bom ao longo da história: o contexto histórico. O ambiente, as mentalidades, os comportamentos, tudo está de acordo com o século XVIII. A história passa-se apenas uns anos antes da Revolução Francesa e, numa análise mais profunda da obra, é possível observar muito tenuemente alguns laivos do que provocou a revolução, como os avanços científicos, o distanciamento da religião, novas formas de ver o mundo e de agir perante certos acontecimentos. É um aspeto bem interessante e bem conseguido.
Foi então que Grenouille sentiu que o olhar lhe fugia e o mundo exterior se transformava em trevas. O nevoeiro prisioneiro condensou-se num líquido ardente, à semelhança do leito que ferve e vem por fora. Inundou-o e esmagou-o com uma insuportável pressao de encontro à parede interior do seu corpo, sem encontrar saída. Ele queria fugir, fugir por qualquer meio, mas fugir para onde? ... Queria desfazer-se, explodir, para não ser asfixiado por si próprio. Finalmente, caiu prostrado e sem sentidos. (pág. 230).
Espero ver o filme brevemente, para comparar. 
Recomendo-o a todas as pessoas que gostam de ler uma boa história.
Muito bom! 
Tinha-o na cova da mão. Um poder superior ao poder do dinheiro ou ao poder do terror ou ao poder da morte: o poder invencível de suscitar amor nos homens. Só havia uma coisa que este poder não abrangia: não conseguia que Grenouille emanasse odor. E embora o seu perfume o fizesse aparecer como um deus aos olhos do mundo ele, se ele não podia cheirar-se a si próprio e jamais saberia quem era, estava-se nas tintas: para o mundo, para ele próprio e para o seu perfume. (pág. 240)

Continue navegando