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Tradução: As origens e a natureza da terapia focada na compaixão (Gilbert, 2014)

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Este documento trata-se de uma tradução não-profissional do artigo “The origins and nature of compassion 
focused therapy”, de Paul Gilbert. A tradução foi realizada por Carlos Alberto Dorneles Nonnenmacher, 
estudante de Psicologia da Universidade Feevale. A tradução visa apenas a divulgação do conhecimento 
científico e da TFC. Qualquer consideração: carlosdornelesn@gmail.com. 
British Journal of Clinical Psychology (2014), 53, p. 6-41 
As origens e a natureza da terapia focada na compaixão 
Paul Gilbert 
Mental Health Research Unit, Asbourne Centre, Kingsway Hospital, Derby, UK 
 
A terapia focada na compaixão (TFC) está enraizada em uma análise evolucionista e funcional de 
sistemas básicos de motivação social (e.g., viver em grupos, formar hierarquias e rankings, buscar 
parceiros sexuais, ajudar e compartilhar com aliados e cuidar de iguais) e diferentes sistemas 
emocionais funcionais (e.g., responder a ameaças, buscar recursos e estados de 
contentamento/segurança). Além disso, cerca de 2 milhões de anos atrás, os (pré-)humanos 
começaram a evoluir uma série de competências cognitivas para a racionalização, reflexão, 
antecipação, imaginação, mentalização e criação de um senso de self socialmente contextualizado. 
Essas novas competências podem causar grandes dificuldades na organização de motivações e 
sistemas emocionais arcaicos. A TFC sugere que nosso cérebro evoluído é, portanto, 
potencialmente problemático por conta de seu “design” básico, sendo facilmente induzido a 
comportamentos destrutivos e problemas de saúde mental (chamamos isso de “cérebro 
complicado”, “tricky brain”). Contudo, mamíferos e especialmente seres humanos possuem 
também motivações e emoções evoluídas para o comportamento afiliativo, de cuidado e altruísmo 
que pode organizar nosso cérebro de maneira a se distanciar significativamente de nossos 
potenciais destrutivos. Assim, a TFC salienta a importância de desenvolver a capacidade das 
pessoas de acessar (de maneira mindful), tolerar e direcionar motivações e emoções afiliativas 
para elas mesmas e os outros, além de cultivar a compaixão interna como uma maneira de 
organizar nosso “cérebro complicado” de formas pró-sociais e mentalmente saudáveis. 
 
Pontos relevantes para o profissional 
 O cérebro humano é altamente evoluído para o processamento social e esses 
mecanismos estão sendo cada vez mais compreendidos e integrados em 
psicoterapia. 
 Entre os processos centrais que regulam a emoção e o senso de self, estão aqueles 
ligados aos papéis sociais como status, senso de pertencimento e afiliação e 
cuidado. 
 Muitas dificuldades psicológicas têm raízes em problemas de relacionamento 
social, especialmente em ser cuidado por outros, ter um cuidado e interesse pelos 
outros e ter uma orientação cuidadosa/afetuosa e afiliativa consigo mesmo. 
 Ajudar clientes nesses domínios possibilita trabalhar em problemas de humor, 
comportamento problemático e uma série de dificuldades baseadas na vergonha e 
autocriticismo. 
 
Nossos problemas surgem do fato de que não sabemos o que somos e não 
conseguirmos concordar sobre o que queremos ser. A causa primária dessa 
falha intelectual é a ignorância sobre nossas origens. Nós não chegamos a este 
planeta como alienígenas. A humanidade é parte da natureza, uma espécie 
que evoluiu entre outras espécies. Quanto mais próximos nos identificarmos 
com o resto da vida, mais rapidamente estaremos aptos a descobrir as origens 
da sensibilidade humana e adquirir o conhecimento sobre o qual uma ética 
duradoura e um senso de direção podem ser construídos. (E.O. Wilson, 1992, 
p. 332) 
 
Este artigo delineia a base científica e os princípios por trás do desenvolvimento da terapia 
focada na compaixão (TFC). Ele não discutirá detalhes do processo terapêutico ou a 
evidência para a terapia (mas veja Gilbert, 2010, 2012). A TFC surgiu do crescente 
reconhecimento de que: 
1. O cérebro humano é um produto da evolução e pode ser compreendido em 
termos darwinianos da “seleção funcional” (Buss, 2009; Panksepp, 2010), da 
mesma forma que muitos problemas de saúde mental (Gilbert, 1989, 1992; 
McGuire & Troisi, 1998; Nesse, 2005). 
2. O cérebro humano é particularmente formatado e evoluído para o 
processamento social e é altamente coreografado através das relações, tornando 
os antigos e atuais contextos sociais centrais para o entendimento dos problemas 
de saúde mental. Relacionamentos baseados em afeto e carinho demonstram 
muitos efeitos psicológicos e fisiológicos positivos, até mesmo quanto à expressão 
de genes (Cozolino, 2007, 2008, 2013; Siegel, 2012; Slavich & Cole, 2013). 
3. A relação que temos com nós mesmos, especialmente nas formas de vergonha 
(Kim, Thibodeau, & Jorgensen, 2011) e autocriticismo (Kannan & Levitt, 2013), 
sustentam uma alta gama de problemas de saúde mental (Gilbert & Irons, 2005). 
4. Apesar das recentes capacidades cognitivas dos seres humanos poderem 
desempenhar um papel fundamental nos gatilhos e na manutenção de problemas 
de saúde mental (Beck, 1987; Beck, Emery, & Greenberg, 1985), a questão é 
como tais competências influenciam e são influenciadas por motivações sociais e 
emoções que evoluíram há muito tempo atrás (Buss, 2009; Gilbert, 1984, 1989, 
1992, 1995, 1998b, 2013; Knox, 2003; Nesse, 2005). 
5. O treinamento em compaixão pode ter uma alta gama de benefícios fisiológicos 
e psicológicos (Desbordes et al., 2013; Jazaieri et al., 2013; Weng et al., 2013), e 
muitos benefícios terapêuticos (Hoffmann, Grossman, & Hinton, 2011), incluindo 
para pessoas com severas dificuldades de saúde mental (e.g., Braehler et al., 
2013). 
 
Fatores evolutivos que corroboram com o surgimento de psicopatologias estão 
relacionados a sistemas básicos de motivação (sexo, status, apego), que organizam a 
mente e guiam animais a buscar recursos específicos e evitar ameaças ao longo do 
caminho. Emoções como excitação e prazer ou medo, raiva, paranoia e depressão 
fornecem direção para motivações e estão intimamente ligadas a elas (Buss, 2009; 
Gilbert, 1989; Panksepp, 2010). Os sistemas motivacionais envolvem competências para 
o processamento de informação de forma congruente às metas daquela motivação. Então, 
por exemplo, para comer, os animais precisam detectar e distinguir entre comida e 
veneno. Motivações sexuais requerem uma habilidade de perceber, rastrear e processar 
sinais específicos que indiquem oportunidades sociais – ter um desejo sexual, mas 
nenhuma ideia do que irá satisfazê-lo, não é realmente muito útil! Sistemas de apego 
requerem mecanismos atencionais que sejam sensíveis à proximidade de cuidar de outros 
e sistemas fisiológicos que reajam a sinais de carinho, como segurar, aconchegar e afagar, 
ou a separação ou ausência dos mesmos. Os problemas de saúde mental estão comumente 
ligados a diferentes sistemas de motivação social e seu processamento heurístico (Gilbert, 
1989), por vezes referidos a partir de uma “especificidade de domínio” (Buss, 2009; 
Nesse, 2005). Esses problemas podem estar relacionados à alta ou baixa ativação em 
qualquer um desses sistemas, a forma como eles se co-regulam, misturam-se ou foram 
maturados. Por exemplo, os desejos sexuais podem se misturar com afeto e carinho ou 
com motivações mais dominadoras e baseadas em poder (Gilbert, 1989). 
 
Sistemas motivacionais na relação interpessoal 
Há um grande número de sistemas de motivação social, funcionalmente específicos, que 
estão implicados nos problemas de saúde mental (Buss, 2009; Gilbert, 1989; Nesse, 
2005). Por exemplo: 
1. Competição e ranking social. A competição por recursos envolve motivações e 
competências para envolver outros em interações de disputa/conflito, visando coisascomo território, alimento, oportunidades sexuais e posição/ranking social (Barkow, 
1989; Johnson, Leedom, & Muhtadie, 2012). Entre elas, está o monitoramento de 
competências em relação a outros e suas habilidades e intenções, de forma que “o 
mais fraco” desista da competição e raramente instigue conflito com “o mais forte” 
(Gilbert, 2000a). A comparação social é, assim, um dispositivo muito antigo no 
processamento de relações baseadas em domínios de inferior-superior, e, no caso dos 
seres humanos, está ligado a orgulho-vergonha, assertividade e autocriticismo 
(Gilbert, 1992, 2009). Motivações competitivas bem-sucedidas estão ligadas a 
assertividade/confiança social, e excitação com vitórias sociais/sucesso, mas, em 
casos de fracasso ou perda, estão ligadas à disforia e ansiedade (Barkow, 1989; 
Gilbert, 1992; Price, 1972). Estados de derrota estão associados a estados depressivos 
de ameaça aumentada e emoções bloqueadas de drive em humanos e outros animais 
(Gilbert, 1992, 2006; Gilbert & Allan, 1998; Sturman, 2011; Taylor, Gooding, Wood, 
& Tarrier, 2011), indicando sistemas regulatórios de um “cérebro antigo” para esses 
estados de humor e de relação social (Johnson et al., 2012). 
Hierarquias e rankings socialmente construídos (e.g., ricos vs. pobres, opressão) 
têm um enorme impacto na qualidade de vida e na saúde psicológica e física (Kraus, 
Piff, Mendoza-Denton, Rheinschmidt, & Keltner, 2012; Sachs, 2012; Wilkinson, & 
Picket, 2010). Atualmente, é reconhecido que problemas de saúde mental podem 
surgir a partir da maneira como esses sistemas motivacionais focados em ranking 
operam em certos contextos (Johnson et al., 2012; Wilkinson, & Picket, 2010), e que 
tanto o contexto quanto o “sistema de motivação interna” podem ser problemáticos. 
Grupos também competem entre si, o que pode influenciar no surgimento de 
violência tribal e comportamentos destrutivos intensos para com pessoas de fora 
(Sidanius & Pratto, 2004; Van Vugt & Park, 2009). A História humana está repleta 
com episódios de intensa crueldade, limpeza étnica e escravidão. Novamente, não é 
apenas o sistema motivacional competitivo que torna isso possível (Sidanius & 
Pratto, 2004), mas a maneira como os contextos sociais podem hiperestimular esses 
sistemas, até mesmo cultivando o “ódio por intrusos” (Gay, 1995). E, quanto ao 
sentimento de baixo ranking social, perceber-se como parte de um grupo inferior, 
excluído ou estigmatizado pode ser a fonte de medo, paranoia e vergonha (Gilbert, 
2007). Com efeito, muitas formas de ostracismo estão associadas a emoções 
dolorosas e uma variedade de efeitos fisiológicos prejudiciais (Wesselmann, 
Williams, & Hales, 2013). Então, as motivações sociais e os mecanismos mentais 
que possibilitam as relações através da hierarquia social em uma mão, e as relações 
de dentro e fora do grupo em outra, são fontes potenciais de dificuldades humanas, 
especialmente quando são ativadas e acentuadas por contextos sociais e a aquisição 
de certas crenças pessoais. 
2. Cooperação/compartilhamento. “Fazer as coisas juntos” e coordenar ações com 
outros (como formigas construindo ninhos ou animais caçando) traz benefícios 
evolutivos enormes. Essas motivações evoluídas e seus sistemas de monitoramento 
são atualmente evidentes em humanos. Eles são experimentados como desejos de se 
tornar membro de um grupo/time, com um senso de pertencimento e conexão 
(Baumeister & Leary, 1995; Cacioppo & Patrick, 2008), com uma mudança do foco 
do “eu” para o “nós” (Crosier, Webster, & Dillon, 2012). O desejo de ser prestativo 
e contribuir na resolução de problemas para os outros começa em crianças pequenas 
(Warneken & Tomasello, 2009). Aqui também, nós precisamos de sistemas de 
processamento que possam monitorar nossas interações com os outros, sobre o que 
pensamos que os outros precisarão de nós. Nós também monitoramos o dar-e-
receber, para evitarmos sermos explorados ou trapaceados, o que pode resultar em 
desvantagem ou rejeição. Assim, a cooperação também cria desejos por 
equidade/justiça, que são as bases para alguns códigos morais e éticos (Batson, Turk, 
Shaw, & Klein, 1995). A cooperação afiliativa é a chave para as amizades, e as 
amizades podem sucumbir quando as pessoas sentem que estão sendo exploradas ou 
trapaceadas (Bagwell & Schmidt, 2013). Os seres humanos, dessa forma, possuem 
interesse e diversos mecanismos para monitorar seu senso de pertencimento e 
aceitação em relacionamentos. Quando nos sentimentos não desejados, não 
pertencentes, ou perdemos sinais sociais indicativos de conexão e valorização, 
podemos experimentar sérios problemas com um senso de ameaça, solidão, 
ansiedade e depressão (Cacioppo & Patrick, 2008; Wesselmann et al., 2013). 
3. Cuidado e alento. O autocuidado é central para a vida em si. Os indivíduos buscam 
comida para si mesmos e protegem-se do perigo, além de cuidarem da higiene e da 
aparência. Contudo, o cuidado que é especialmente importante aos humanos veio 
com a evolução do apego mamífero – as motivações e competências por cuidar de 
outros (Bowlby, 1969; Wang, 2005). Estas incluem ser sensível aos sinais de angústia 
nos outros (e.g., crianças pequenas) e agir para aliviar essa angústia (Bowlby, 1969; 
Fogel, Melson, & Mistry, 1986); prover as necessidades dos outros e expressar amor 
e carinho (como para crianças/parentes; Heard & Lake, 1988); interessar-se pelo 
bem-estar de outros com comportamentos pró-sociais (Eisenberg, 2002; Penner, 
Dovidio, Piliavin, & Schroeder, 2005), altruístas e prestativos (Warneken & 
Tomasello, 2009). Cuidar dos outros utiliza habilidades e competências similares 
com o cuidar de si mesmo (Gilbert, 1989). 
O cuidado humano utiliza competências de empatia/simpatia (Decety & Ickes, 
2011; Loewenstein & Small, 2007), teoria da mente e mentalização (Fonagy, 
Gergely, Jurist, & Target, 2002). O cuidado, então, envolve estar motivado para 
proteger, resgatar, apoiar e ajudar, mas também nutrir o crescimento e florescimento 
do self e dos outros (Fogel et al., 1986). Em muitas pesquisas, cuidar e ser prestativo 
para os outros é visto como uma das mais importantes motivações e valores pessoais, 
oferecendo fontes de significado e prazer na vida. Em contrapartida, o sentimento de 
que não temos nada a contribuir e de que “não somos desejados por ninguém” pode 
ser uma fonte de depressão (Gilbert, 1984). A evolução do cuidado também propiciou 
o surgimento de mecanismos para monitorar falhas no cuidado ou prejuízos 
causados. Se nós fomos (não intencionalmente) prejudiciais, podemos experienciar 
culpa e remorso, que evoluíram como um sistema de evitação por “causar-mal” no 
contexto de cuidado e é bastante diferente da vergonha (Gilbert, 2007). A capacidade 
de processar e tolerar a culpa (tristeza, pesar e o remorso pelos prejuízos causados) e 
se engajar em ações reparadoras são importantes para nossos relacionamentos de 
afiliação (Gilbert, 1998a, 2007; Kim et al., 2011; Tangney & Dearing, 2002) e o 
cultivo da compaixão (Gilbert, 2009). 
As habilidades para ser sensível às necessidades dos outros variam enormemente 
de pessoa para pessoa e estão ligadas a diversos fatores, como variações genéticas e 
competências cognitivas (mentalização, processos empáticos, “mindfulness social”) 
e dimensões da personalidade como amabilidade (agreeableness) (Van Doesum, Van 
Lange, & Van Lange, 2013), relações de cuidado, dominância social e motivações 
maquiavélicas (Niemi & Young, 2013). Pessoas com dificuldades do espectro de 
Asperger podem ter muitas dificuldades no processamento desses tipos de sinais 
sociais (Baron-Cohen, 2012). Problemas no processamento de necessidades ou da 
angústia nos outros pode ter um efeito profundonos relacionamentos sociais em geral 
(Liotti & Gilbert, 2010). Pessoas com dificuldades psicopáticas, contudo, podem ter 
competências sociais para a empatia, mas faltam-lhes a motivação para o cuidado. 
Obviamente, esse sistema motivacional social de conceder cuidado, com suas 
respectivas competências para a empatia, é essencial à compaixão (Gilbert, 2009). 
4. Buscar e responder ao cuidado. Os benefícios de receber cuidados são tão grandes 
que mamíferos, em particular, desenvolveram motivações e competências para 
buscar e obter cuidados, além de serem responsivos ao serem cuidados, ajudados, 
apoiados e encorajados por outros. Isso se relaciona a formas de apego e proximidade 
interpessoal (Bowlby, 1969, 1973; Cozolino, 2007, 2013; Mikulincer & Shaver, 
2007), afiliação e senso de conexão (Cacioppo & Patrick, 2008; Wang, 2005). 
Atualmente, há evidências consideráveis de que o cuidado e o afeto recebidos no 
início da vida têm uma enorme gama de efeitos na maturação de processos genéticos, 
fisiológicos e psicológicos (Belsky & Pluess, 2009; Siegel, 2012; Slavich & Cole, 
2013; veja abaixo). Ao receber ajuda de outros, o sujeito pode experienciar a 
apreciação e a gratidão, no caso de recursos materiais, e também experienciar 
reafirmação, sentimentos de segurança, calma e alívio ao receber cuidado afetivo 
diante da angústia. 
 
Análise Funcional Evolucionista (EFA) 
Há outros sistemas motivacionais, como o sexual, e outros meios de descrevê-los, 
mas o ponto principal é que, ao refletirmos sobre a motivação como produto da evolução 
e os sistemas emocionais que guiam seu processamento, chegamos ao que é chamado de 
EFA – a consideração das funções evoluídas de diferentes sistemas e como elas 
respondem a diferentes contingências e contextos, o que acarreta em variações fenotípicas 
(Belsky & Pluess, 2009; Buss, 2009; Confer et al., 2010). De fato, a maioria dos modelos 
de psicoterapia são baseados em algum tipo de epistemologia funcional evolucionista. 
Freud cunhou o termo “id” e descreveu funções de vários impulsos inatos, enquanto Jung 
proclamou um “inconsciente coletivo” herdado e descreveu a função de vários arquétipos 
significativos (Ellenberger, 1970; Knox, 2003). A abordagem da terapia comportamental 
para a ansiedade foca nas funções e formas de estratégias defensivas inatas (Marks, 1987), 
enquanto as terapias cognitivas discutem mecanismos subjacentes evoluídos de defesa à 
ameaça (e.g., luta, fuga, congelamento) que podem ser estimulados e regulados via 
cognição (e.g., Beck, 1987; Beck et al., 1985). 
A terapia focada na compaixão adaptou e integrou conceitos da teoria junguiana 
de arquétipos e conceitos evolucionistas de modularização e encapsulamento com teorias 
da motivação para sugerir o conceito de mentalidades sociais (Gilbert, 1989, 1993, 
2005b). Essa abordagem distingue entre sociais e não-sociais as nossas motivações, 
estratégias e seu sistema de processamento principal. Então, por exemplo, há uma grande 
diferença entre interagir com algo que é ameaçador mas não possui uma mente (como 
uma onda se aproximando, a ausência de comida ou o escalar de uma montanha) e não 
irá mudar de acordo com as suas ações, em contraste à interação e resposta a algo que tem 
uma mente e mudará de momento em momento dependendo de como você agir, como se 
estivesse em uma espécie de dança com você – como nas interações entre predador e 
presa. 
Em contextos sociais intraespécies, “processar a mente do outro” é mais complexo 
do que a relação predador-presa (Baron-Cohen, 2012). Um submisso pode 
inadvertidamente (e.g., com um olhar) estimular a agressão do dominador e deve, então, 
tentar demonstrar uma postura submissa para acalmar o dominador. Ele(a) deve monitorar 
cuidadosamente a efetividade da sua postura submissa e os comportamentos defensivos 
subsequentes – conhecer as regras (Gilbert, 2000a). Posturas submissas não são úteis para 
o predador. Uma criança demonstra aflição e o pai responde em maneiras designadas para 
resgatar ou acalmar a criança; o pai pode, então, continuamente monitorar a efetividade 
do seu comportamento de cuidado enquanto os sinais da criança mudam, para então 
mudar seu próprio comportamento, se necessário. Então, sinais específicos do indivíduo 
engatilham respostas no outro, como uma dança. Crianças com dificuldades do espectro 
autista podem enfrentar dificuldades para interpretar sinais faciais e, particularmente, o 
olhar como sinais afetivos, interpretando-os como ameaça e, assim, tendo menos 
habilidades para processar e sentir segurança a partir desses inputs sociais. Foi justamente 
para capturar essa ideia de mudança interna constante nos indivíduos, decorrentes das 
interações e contextos sociais e que requerem monitoramento específico de sistemas de 
processamento especializados, que eu cunhei o termo mentalidade social (Gilbert, 1989, 
2005b, 2009). 
As mentalidades sociais estão enraizadas em sistemas motivacionais inatos, os 
quais, quando ativados, organizam uma gama de funções psicológicas como atenção, 
emoção, cognição e comportamento para a busca de seus objetivos. Eles também 
preparam o indivíduo para posturas comunicativas e interacionais e relacionamentos 
recíprocos (Gilbert, 1989, 2005a, 2010). Por exemplo, a maneira como nossa atenção, 
pensamento, emoções e comportamento estão organizados quando estamos buscando 
uma oportunidade sexual será bastante diferente de quando estamos buscando o cuidado 
de alguém, que por sua vez será diferente de quando estamos orientados para objetivos 
competitivos, de “eu-primeiro”, ou buscando vingança de nossos inimigos. Indivíduos 
motivados por “dominação social” podem demonstrar menos cuidado para com outros e 
legitimar comportamentos abusivos (Sidanius & Pratto, 2004). Niemi e Young (2013) 
descobriram que aqueles com maior motivação para a dominação social tendem a ser 
menos pró-sociais e mais orientados à autoridade, em contraste a pessoas que estão mais 
orientadas para o cuidado. Então, a organização daqueles sistemas motivacionais sociais 
(mentalidades sociais) cria maiores diferenças individuais, com implicações para o 
comportamento social e a vulnerabilidade para criar (nos outros e em si mesmo) 
problemas de saúde mental. O principal em uma mentalidade social é que o self está 
construído de uma forma e “o outro” está construído de acordo à mentalidade social sendo 
almejada. Então, as emoções e cognições coordenadas pela mentalidade emergem do 
fluxo (dança), factual ou imaginado, de interações entre os participantes. A TFC foca nos 
sistemas de processamento contextual e relacional e reconhece que, às vezes, esses 
sistemas motivacionais podem estar operando fora de nossa consciência. Alguns 
exemplos são oferecidos na Tabela 1. 
Assim, diferentes mentalidades sociais organizam nossas mentes de diferentes 
formas e estão conectadas a sistemas de processamento especializados. Por exemplo, ver 
uma pessoa chorar pode ser prazeroso se eu estou motivado a machucá-la, mas 
angustiante se estou tentando cuidá-la; ver uma pessoa feliz por um sucesso é prazeroso 
se eu me importo com ela, mas pode criar raiva invejosa se eu estou em uma mentalidade 
competitiva. Então, nossas reações a eventos sociais dependem do contexto e da 
mentalidade social a partir da qual estamos sentindo e nos relacionando com o mundo 
social das mentes dos outros. 
Problemas relacionados a competências sociais de comunicação, como a leitura 
de expressões faciais ou de tons de voz, podem ser significativos para pessoas com 
problemas de saúde mental. Ser capaz de interpretar acuradamente e responder 
apropriadamente a esses sinais sociais é essencial para a maneira como regulamos nossas 
própriasemoções, as emoções de outros e a relação em si. Compreender o impacto dos 
Tabela 1. Um breve guia às mentalidades sociais 
Adaptado de P. Gilbert (1992). The Evolution of Powerlessness. Londres, ING: Psychology Press. 
 
nossos próprios sinais sociais na mente de outros é importante para o relacionamento 
social adaptativo. Por exemplo, se estamos com raiva, podemos escolher por não 
demonstrar isso na voz ou na expressão facial, por conta do impacto que pode ter em 
outra pessoa. Isso está ligado a habilidades de mentalização, das quais algumas pessoas 
podem enfrentar dificuldades em realizar (Fonagy et al., 2002). 
Diferentes mentalidades sociais também apresentam diferentes padrões de 
cognição. Por exemplo, a empatia é mais difícil quando as pessoas se sentem ameaçadas, 
e nos sentimos ameaçados em diferentes papéis sociais (Liotti & Gilbert, 2010). Perceba 
também que as pessoas podem se sentir mais ameaçadas quando não são empáticas (ou 
lhes faltam habilidades de mentalização), de forma que as mentes das outras pessoas 
podem parecer confusas e imprevisíveis – daí o valor do treino em mentalização (Fonagy 
 
Percebendo ou sentindo 
o self como 
 
Percebendo ou 
sentindo o outro como 
Associado com 
ameaças/medos 
conscientes ou 
inconscientes 
 
 
Busca por cuidado 
Necessitando input de 
outros: cuidado, 
proteção, reafirmação, 
estimulação, orientação 
Fonte de: cuidado, 
proteção carinhosa, 
reafirmação, 
estimulação e 
orientação 
Indisposição, 
retraimento, recusa de 
cuidado, ameaça 
abusiva, relações nocivas 
Fornecimento de 
cuidado 
Provedor de: proteção, 
segurança, reafirmação, 
estimulação, orientação 
Receptor de: cuidado, 
proteção, segurança, 
estimulação, orientação 
Esgotamento, 
incapacidade de prover, 
foco nas ameaças, culpa 
 
Cooperação 
Valorizado pelos outros, 
compartilhador, 
apreciador, contribuidor 
e prestativo 
Valorizador das 
contribuições, 
compartilhador, 
recíproco, apreciador 
Trapaça, subvalorização 
ou falta de reciprocidade, 
rejeição/vergonha 
 
Competição 
Inferior-superior, mais-
menos poderoso, 
danoso/benevolente 
Inferior-superior, mais-
menos poderoso, 
danoso/benevolente 
Subordinação 
involuntária, vergonha, 
marginalização, abuso 
Motivação Sexual Atraente, desejável Atraente, desejável Sem atração, indesejável 
et al., 2002). A empatia e a mentalização desempenham papéis muito importantes no 
funcionamento das mentalidades sociais, mas essas competências também podem variar 
de acordo com o contexto. O sujeito que é capaz de mentalizar em um contexto 
competitivo e conjecturar o que seu oponente pode estar pensando, sentindo ou prestes a 
fazer pode ser bem menos competente no papel de oferecer cuidado ou receber cuidado 
(Liotti & Gilbert, 2010). A compaixão também tem seus facilitadores e inibidores. É mais 
fácil ser compassivo com aqueles que conhecemos, aqueles que são parecidos conosco e 
aqueles de quem gostamos/amamos, em contraste com estranhos, aqueles que parecem 
diferentes e aqueles de quem não gostamos ou até mesmo odiamos. Então, a maneira 
como experienciamos nossos relacionamentos influencia não apenas nossas motivações 
e sentimentos, mas também a maneira como processamos as necessidades e mentes das 
outras pessoas (Loewenstein & Small, 2007). 
Já que as mentalidades sociais são focadas em papéis sociais, elas são nucleares 
para nossas identidades sociais. Além disso, a motivação subjacente à identidade pessoal 
tem implicações no bem-estar. Há evidências de que diferentes objetivos/papéis da 
identidade autofocada (compassiva vs. focada em objetivos egocêntricos) obtém 
resultados bastante diferentes na qualidade das relações sociais (Crocker & Canevello, 
2008) e em sintomas de depressão e ansiedade (Crocker, Canevello, Breines, & Flynn, 
2010). Na teoria das mentalidades sociais, objetivos/papéis focados no self/ego fazem 
parte do sistema competitivo e frequentemente focam na obtenção de reconhecimento e 
na evitação da vergonha e subordinação involuntária (Gilbert et al., 2007). Um aumento 
no materialismo, individualismo e competitividade às custas do interesse e zelo por outros 
pode estar relacionado a problemas psicológicos e sociais, especialmente na juventude 
(Twenge et al., 2010). As pessoas que endossam fortemente valores materiais também 
tendem a experienciar menor bem-estar, mais conflitos com outros, se engajar em maior 
comparação social, ser mais narcisistas e possuir menor motivação intrínseca (Kasser, 
2002). A terapia pode por vezes resultar no surgimento de diferentes padrões 
motivacionais – de fato, o foco no auto-treinamento compassivo procura parcialmente 
fazer isso. A TFC sugere que padrões motivacionais ligados à identidade social têm 
implicações para o bem-estar subjetivo. 
O foco nas motivações sociais está relacionado a outras teorias motivacionais. Por 
exemplo, há alguns anos, Deci and Ryan (1985; Ryan & Deci, 2000) integraram temas 
sobre a motivação e chamaram isso de teoria da autodeterminação. Eles focaram em três 
necessidades primárias, de competência, autonomia e relacionamentos, e fizeram 
distinções entre a motivação intrínseca e extrínseca. Elas focam no processo motivacional 
e não no conteúdo da motivação, mas o conteúdo (i.e., se é de cuidado, competitiva, 
cooperativa ou sexual) influenciará em quais competências serão utilizadas para o 
processamento da informação. 
A motivação intrínseca está ligada àquilo que é inerentemente recompensador e 
prazeroso de fazer, enquanto a motivação extrínseca refere-se ao valor instrumental das 
ações – então, a tarefa em si pode não ser prazerosa de realizar, mas os resultados futuros 
podem ser ou evitarão punição/prejuízos. Essas dimensões interagem claramente com as 
mentalidades sociais. Por exemplo, quando o fornecimento de cuidado é percebido como 
obrigatório, ou quando as necessidades do outro excedem os recursos que o cuidador quer 
oferecer, ou quando parecem estar além de suas competências, ou quando pode haver 
consequências negativas se não oferecer cuidado suficiente (e.g., criticismo de outros), 
tudo isso pode ser estressante e prejudicial à saúde, além de construir uma base para a 
fatiga de compaixão (Vitaliano, Zhang, & Scanlan, 2003). 
A autonomia se sobrepõe com os conceitos evolutivos de ações e compromissos 
voluntários e involuntários (Gilbert, 1992). Ser abraçado e amado por alguém que você 
confia ou gosta é bastante diferente de receber isso de alguém que você não confia ou não 
gosta, e cuidar de alguém que você gosta é diferente de cuidar de alguém que você não 
gosta. Submeter-se e reconhecer sua posição inferior com relação a alguém gostado e 
respeitado, ou até mesmo um deus adorado, é bastante diferente da subordinação 
involuntária que é baseada em medo e ressentimento. Assim, essas dimensões são muito 
importantes em uma análise de papéis sociais. É por isso que a maneira na qual o sujeito 
escolhe e se identifica com papéis sociais pode ser importante. Por exemplo, se um papel 
social é desejado, livremente escolhido, algo que o sujeito quer se tornar (e.g., um self 
mais compassivo), combinado com o sentimento de que tem a habilidade ou competência 
de desempenhá-lo, então isso terá um impacto diferente no comportamento, na emoção e 
na cognição do que se o sujeito estivesse se sentindo forçado (ou no dever de) adotar um 
papel no qual se sentisse despreparado. Então, é importante distinguir a compaixão como 
um desejo livremente escolhido, mais do que um simples dever, e sem a presença de 
punição (vergonha) por possíveis lapsos (Gilbert & Choden, 2013). A compaixãocresce 
onde o sujeito tem uma compreensão sobre a natureza do sofrimento, das competências e 
valor da compaixão, com oportunidades de praticá-la e ganhar confiança ao fazê-lo. 
Para a TFC, a compaixão emerge de sistemas particulares e evoluídos de 
motivação social e da forma como eles operaram e desenvolveram/cultivaram nas suas 
interações (Gilbert, 1989, 2000a,b, 2009; Gilbert & Choden, 2013). Essas interações 
podem ser com outras pessoas, mas também podem ser do self para self. Então, para 
resumir, parte da base para a TFC é enraizada em: 
1. A evolução de competências motivacionais, emocionais, comportamentais e 
cognitivas que nos permite notar, se engajar e trabalhar para endereçar a angústia 
e as necessidades do self e de outros. 
2. A evolução de competências motivacionais, emocionais, comportamentais e 
cognitivas sustentam a busca e a resposta ao cuidado, à ajuda, ao 
compartilhamento e à gentileza. 
 
Sistemas emocionais e compaixão 
Emoções são, é claro, diferentes de motivações. Elas são mecanismos antigos que provêm 
feedback de informações, momento-a-momento, para os indivíduos em situações sociais 
sobre as interações entre suas motivações e o ambiente, e provêm o ímpeto para a 
motivação e ação; as emoções fazem as coisas importarem (Izard, 2002; Panksepp, 2010). 
As emoções têm grandes impactos no corpo, de uma maneira que as cognições sozinhas 
não conseguem ter (Haidt, 2001). Seus impactos podem estar fora da consciência e elas 
podem conflitar (e.g., as pessoas podem ter medo de sua raiva, e raiva/desprezo de sua 
ansiedade/medo). Elas são aquilo que traz as pessoas para a terapia, aquilo nas raízes da 
“experiência do sofrimento” e, em algumas abordagens, são o foco da terapia (Greenberg, 
Rice, & Elliott, 1993). Muitas terapias reconhecem que é a evitação do sentimento e da 
experiência das emoções (medo, raiva, tristeza ou até mesmo amor e alegria), chamada 
de evitação experiencial, que contribui grandiosamente para os problemas de saúde 
mental (Hayes, Follette, & Linehan, 2004). Mesmo que muitas terapias destaquem a 
importância das relações (terapêuticas) no processo de mudança, a TFC destaca as 
habilidades para facilitar e experienciar emoções afiliativas (via compaixão), porque elas 
têm seus próprios perfis fisiológicos que facilitam a regulação de emoções temidas e 
frequentemente fornecem a coragem para se engajar com as mesmas (veja abaixo). 
 As emoções são, é claro, mais do que experiências individuais, pois elas também 
funcionam como comunicações sociais, veiculando informação sobre valores, intenções 
sociais e orientações do sujeito para com outros em termos de segurança, ameaça e 
necessidades (Keltner & Haidt, 1999). Então, as emoções influenciam não apenas o 
comportamento da pessoa passando pela experiência, mas também aqueles que as 
percebem ou recebem. Assim, emoções são parte da dança da comunicação social que 
fornece a base para a co-regulação de um pelo outro. 
A TFC faz uso de uma visão funcional-evolucionista da emoção – especialmente 
as emoções afiliativas e suas competências. A TFC se foca em três principais funções das 
emoções: (1) alertar para ameaças e ativar estratégias defensivas; (2) fornecer informação 
sobre a disponibilidade de recursos e recompensas e ativar estratégias de busca-
engajamento; e (3) fornecer informação sobre segurança, permitir o repouso e a relativa 
inação na forma de contentamento e abertura (openness). A maneira que esses três 
sistemas regulam um ao outro é um tema central na TFC. Assim, a TFC utiliza uma 
abordagem com três sistemas emocionais, baseados em uma revisão sobre as emoções 
positivas e afiliativas feita por Depue and Morrone-Strupinsky (2005) e em estudos sobre 
emoções baseadas em ameaça (LeDoux, 1998). Há, é claro, modelos mais complexos da 
emoção (e.g, Panksepp, 2010), mas esse sistema de três partes é facilmente compreendido 
por clientes que prontamente se identificam com ele e ajuda a guiar a compreensão sobre 
o valor da compaixão. Nós chamamos de modelo do círculo triplo da emoção – mas 
reconhecemos que é uma simplificação do que são os processos complexos da emoção 
(ver Panksepp, 2010). A Figura 1 oferece uma simples representação. 
 
O sistema de defesa-ameaça 
Este é um sistema de regulação emocional que fornece habilidades de detectar e responder 
à ameaça apropriadamente (LeDoux, 1998). As emoções de raiva, ansiedade e aversão do 
sistema de ameaça (por vezes chamadas de “emoções negativas”) são relativamente bem 
compreendidas, tanto em termos de coreografias neurofisiológicas quanto de 
aprendizagem (como o condicionamento clássico, operante e aprendizagem sócio-
contextual; Panksepp, 2010). Atualmente é reconhecido que o sistema de ameaça é o 
nosso sistema dominante e que ele cria o que chamamos de “viés de negatividade” 
(negativity bias); ou seja, nós prestamos mais atenção, processamos e lembramos mais 
facilmente de eventos negativos do que positivos – e há razões evolutivas para isso 
acontecer (Baumeister, Bratslavsky, Finkenauer, & Vohs, 2001). Emoções de ameaça 
podem também surgir quando uma motivação está sendo bloqueada. Por exemplo, 
crianças são altamente motivadas a permanecer próximas aos seus objetos de apego, mas, 
se seu acesso a ele está bloqueado, a criança se sente ameaçada e demonstra angústia (ou 
o que chamamos de “aflição de protesto”). É comum as pessoas sentirem ansiedade 
antecipatória em contextos onde acreditam que talvez não consigam ser bem-sucedidas 
em algo que estão motivadas a conseguir. Humanos podem ser ameaçados por coisas 
externas a eles, obviamente, mas também podem por fenômenos internos, como raiva, 
ansiedade (ficar ansioso sobre ficar ansioso) ou fantasias intrusivas. Emoções aversivas e 
estados de humor também podem surgir após a ameaça ter passado, quando o foco está 
na perda ou no prejuízo causado. Observe também que os comportamentos baseados em 
ameaça podem ser de ativação, como na luta e na fuga, mas também de desativação, como 
o sentimento de derrota, desamparo e desespero (Gilbert, 1992; 2000a). 
 
Drive, excitação e vitalidade Contentamento, segurança, conexão 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Raiva, ansiedade, aversão 
Figura 1. Os três tipos de sistemas de regulação do afeto. De P. Gilbert (2009). The Compassionate mind. 
Com a gentil permissão de Constable Robinson. 
 
Busca por coisas 
agradáveis 
Realização e 
Ativação 
Foco na afiliação 
Amparo/segurança 
Bem-estar 
 
Foco na ameaça 
Busca por segurança 
e proteção 
Ativação/Inibição 
Uma vez que as emoções relacionadas à ameaça são aquelas que as pessoas mais 
apresentam e buscam ajuda, as terapias costumam explorar as origens e significados 
ligados a essas emoções, com intervenções envolvendo algum tipo de insight, 
reestruturação cognitiva, exposição, dessensibilização e/ou treino de habilidades (e.g., 
habilidades sociais). Portanto, a maioria das terapias tendem a trabalhar de maneira 
relativamente direta com o sistema de ameaça em si (Gilbert, 1993). Contudo, no trabalho 
com a compaixão, frequentemente precisamos trabalhar com outros sistemas de afeto 
“positivo” que regulam a ameaça. 
 
Os afetos positivos em buscar e adquirir (drive) 
O que é menos comum de ser reconhecido é que há diferentes sistemas funcionais para 
as emoções positivas, com funções quase diametralmente opostas! Além disso, eles 
exercem papéis cruciais no processamento da ameaça e no seu enfrentamento. Depue and 
Morrone-Strupinsky (2005) apontam que uma das formas de apresentação das emoções 
positivas é como sendo estimulantes e ativantes – alegria, divertimento, excitação e 
prazer. Uma mistura deameaça com drive e senso de controle pode oferecer uma grande 
carga de excitação (pulo de paraquedas). Geralmente, contudo, emoções positivas desse 
tipo estão ligadas a maneiras de buscar e adquirir recursos (recompensas e habilidades) 
que conduzem à prosperidade e ao bem-estar. Estão relacionados ao processo de “ampliar 
e construir” (broaden and build), sugerido por Fredrickson (1998). Esse sistema também 
está envolvido em motivações (e mentalidades sociais) competitivas, a busca pela 
dominância e posição social. Está ligado ao sistema nervoso simpático. Quando 
contingências ambientais são excessivas, a ativação desse sistema de emoção positiva 
pode também ser excessiva ou até mesmo hipomaníaca. Então, por exemplo, ganhar uma 
loteria de £10 vai proporcionar um efeito fisiológico bastante diferente do que ganhar 
uma de £100,000,000! O ponto é que indivíduos (até mesmo indivíduos mindful) teriam 
grande dificuldade de controlar a resposta dopaminérgica em seu corpo, de dormir por 
alguns dias e de não ter pensamentos e flashes intrusivos de excitação sobre ser muito, 
muito rico! A qualidade e a extensão dos recursos obtidos têm um impacto importante na 
intensidade da ativação da emoção positiva. Terapeutas cognitivos apontam que o 
significado pessoal desempenha um papel nesse caso, porque, se você já era um 
bilionário, você provavelmente não ficaria tão hipomaníaco, e se você fosse paranoico, 
sentiria que agora as pessoas planejariam a sua morte para pegar seu dinheiro e você 
também não teria a mesma ativação. 
Algumas pessoas, contudo, têm medo de sentimentos positivos, porque sentem 
que, se ficarem felizes ou algo bom acontecer para elas, então algo de ruim estará prestes 
a acontecer depois ou como consequência (Gilbert et al., 2012; Joshanloo, 2013). Em 
muitos casos, durante a infância, alguma ameaça ou punição ocorreu no contexto de 
desfrute/prazer, o que cria uma memória aversiva à emoção positiva, via 
condicionamento clássico. Então, gerar esse tipo de emoção positiva nem sempre é 
simples como talvez possa parecer. Processos comportamentais de dessensibilização e 
exposição podem ser importantes antes que algumas pessoas possam acessar ou 
permanecer com estados emocionais positivos de desfrute e excitação. 
Há uma crescente preocupação de que sociedades Ocidentais (principalmente 
capitalistas) estão hiperestimulando a competitividade baseada em “buscar”, “querer” e 
com “foco no eu” e a ativação do sistema nervoso simpático geral (Pani, 2000), 
possivelmente em detrimento de formas de vida afiliativas e comunitárias (Twenge et al., 
2010). Conceder uma grande importância à realização e aquisição pode aumentar a 
vulnerabilidade a certos estados de depressão, ligados a problemas no sistema de procura 
de recursos e recompensas (sistema de drive), especialmente quando as 
motivações/objetivos ficam bloqueados ou quando as pessoas se sentem incompetentes 
para atingi-los, o que gera sentimentos de exaustão, fadiga e desesperança – e a perda de 
drive (Taylor et al., 2011). 
 
Os afetos positivos de contentamento, segurança, paz e afiliação 
Há todo um conjunto de emoções que não estão baseadas na ativação (ameaça ou fazer 
algo e realizar algo), mas em acalmar e consolar/amparar (soothing), sentir-se seguro, em 
paz e contente, que têm sido largamente ignoradas na psicologia clínica, possivelmente 
pela noção de que esses sentimentos são apenas a ausência de ameaça. Contudo, Depue 
e Morrone-Strupinsky (2005) demonstram que há um sistema de afeto positivo bastante 
diferente e específico que está ligado à calma, descanso e contentamento – um estado de 
tranquilidade no qual o sujeito não está sob ameaça nem em um estado mental de busca 
e aquisição, representando uma tranquilização do sistema de ameaça e de drive. Uma vez 
que o objetivo é atendido (e.g., a comida foi adquirida) e o animal não está sob ameaça, 
os sistemas de drive precisam ser “desligados” para produzir a tranquilidade, descanso e 
despesa balanceada de energia. Esse sistema está ligado a endorfinas e à ativação do 
sistema nervoso parassimpático, que é por vezes chamado de sistema de “descanso e 
digesta” (Porges, 2007). Com efeito, Depue e Morrone-Strupinsky (2005) sugerem que 
nosso sistema de contentamento pode ser considerado como um sistema especializado de 
regulação do afeto com seus próprios comportamentos reguladores, infraestruturas 
fisiológicas e uma série de efeitos em outros sistemas, na atenção e na reflexão. 
Então, a “não-luta” (non-striving), a aceitação e o estar no momento-presente 
podem ser associados com um senso de bem-estar em contentamento, que é diferente da 
resposta de relaxamento. É possível que a postura mindfulness acesse este sistema ao 
posicionar a pessoa dentro do que é chamado “modo ser” (being mode) em vez do “modo 
fazer” (doing mode). Assim, mindfulness pode estar relacionado com a redução da 
atividade no modo-padrão (Brewer et al., 2011) e a mudança no balanço simpático-
parassimpático (i.e., melhorando a variação de batimentos cardíacos; Krygier et al., 2013; 
veja também Mankus, Aldao, Kerns, Mayville, & Mennin, 2013), sendo que ambos os 
efeitos podem estar ligados a este sistema de amparo-contentamento (soothing-
contentment). De fato, seus praticantes falam sobre sentirem-se mais conectados, menos 
autoguiados, menos ameaçados e mais contentes e em paz consigo mesmos após a 
meditação, especialmente após longos períodos, como após um retiro. 
É importante ressaltar que há um número de clientes que podem ter dificuldades 
com sentimentos de contentamento, segurança e compaixão (Gilbert, McEwan, Matos, & 
Rivis, 2011). Por exemplo, quando você lhes ensina sobre mindfulness ou respiração 
mindful, para permitir a diminuição do ritmo e sentimentos de calma, eles ficam 
assustados, O sentimento de “diminuir o ritmo”, engatilha memórias aversivas. Uma 
cliente descreveu sentir-se “segura e contente” como abaixar a guarda (vigilância). Ela 
deu um exemplo de como se lembrava de ser criança, simplesmente estar relaxada, 
olhando televisão e então sua mãe alcóolica simplesmente entrava em um estado de ira 
por conta de algo e começava bater nela. “Você nunca pode se sentir segura ou 
confortável, porque é aí que você será machucada”. Então, utilizando conceitos do 
condicionamento clássico, podemos perceber que esses tipos de estados emocionais 
podem ter histórias e memórias traumáticas associadas. Outros exemplos podem ser de 
quando a criança estava descansando em seu quarto e um de seus pais entrou, abusou dela 
e a deixou sozinha e com medo. Assim, trabalhar com medo da compaixão e medo da 
segurança são pontos importantes para algumas pessoas (Gilbert et al., 2011, 2012; 
Pauley & McPherson, 2010) e um foco central para a TFC (Gilbert, 2010). 
 
O cérebro humano é “complicado”: relações entre cognição, emoção e motivação 
A terapia focada na compaixão usa o conceito de “cérebro complicado” (tricky brain) 
para retratar o fato de que nossos cérebros evoluídos vêm com um monte de “perde-e-
ganha”, comprometimentos e falhas – eles são incrivelmente complexos e fazem coisas 
incríveis, mas não são “bem projetados” (Gilbert, 1998b, 2002; Nesse, 2005). Um grande 
perde-e-ganha que causa sérios problemas humanos surgiu há cerca de 2 milhões de anos 
quando humanos evoluíram capacidades cognitivas complexas (inteligentes), como 
imaginação, antecipação e ruminação, além de um senso de self objetivo. Nós ficamos 
inteligentes, aprendemos a falar, usar símbolos e abstrações e conseguimos solucionar 
muitos problemas adaptativos através de “pensar nas soluções” e criar tecnologias. O lado 
ruim, porém, é que ainda temos emoções e motivações de nossos cérebros antigos. Alémdisso, podemos estimular esses sistemas com nossas novas capacidades de processamento 
cognitivo e distorcê-las para o bem ou para o mal. Por exemplo, uma zebra fugindo de 
um leão ficará rapidamente calma após ter escapado do predador, enquanto um humano 
pode permanecer traumatizado por imaginar o que poderia ter acontecido se tivesse sido 
pego (imaginar ser comido vivo e morrendo em agonia), o que poderia acontecer amanhã 
caso houvesse dois leões, o pensamento de “o que acontecerá se...” e assim em diante. 
Nossa capacidade para tal “reflexão” pode estimular emoções de ameaça e manter esses 
sistemas fisiológicos em um estado de ativação no corpo – trazendo à tona tanto 
problemas de saúde mental quanto de saúde física (Sapolsky, 1994). 
Nossa inteligência pode ser utilizada para objetivos destrutivos, como construir 
armas químicas ou nucleares (típico do tribalismo do nosso cérebro arcaico). Atualmente, 
nós podemos propositalmente, com muita reflexão e planejamento, com grandes 
intenções e propósitos cruéis, espalhar terror (como em crucificações, formas de tortura 
e campos de concentração). Somos fascinados e nos deleitamos com a violência e 
crueldade no entretenimento televisivo. Temos sistemas motivacionais de compaixão, 
mas também temos de intenções prejudiciais, que podem usar a inteligência de nossos 
novos cérebros para efeitos trágicos. Mas podemos utilizar nossa inteligência a serviço 
de motivações/objetivos compassivos e aprender a superar nossas motivações destrutivas 
e egoístas e ajudar uns aos outros (Loewenstein & Small, 2007). 
Também acontece que nossa capacidade evoluída de criar um senso de self 
objetivo, que podemos observar e julgar, traz à tona problemas de narcisismo (uma visão 
elevada do self em relação aos outros), hipocondria, tipos de pânico e medo de morrer, 
junto com vergonha, autocriticismo e autoagressão. As últimas estão ligadas a muitos 
problemas de saúde mental, pois estão regularmente estimulando os sistemas de ameaça 
(Gilbert, 2009). De fato, o autocriticismo é um poderoso estimulador do processamento 
de ameaça no cérebro (Longe et al., 2010). Então, a mente humana é capaz de gerar laços 
(loops) complexos e disfuncionais entre as motivações, as emoções e as cognições. Isso 
não é nossa culpa, e é algo que gastamos um bom tempo discutindo com clientes como 
parte das intervenções de desenvergonhamento (de-shamig) e despersonalização. Então, 
se não estamos plenamente atentos (mindful) do que acontece em nossas mentes, e apenas 
permitimos que nossa atenção e nossas ações sejam absorvidas por esses loops, por 
qualquer emoção ou motivação engatilhada, podemos causar muito mal à nossa saúde 
mental, sem mencionar aos outros e ao mundo em que vivemos. 
 As terapias cognitivo-comportamentais que focam nos processos de 
racionalização e metacognição têm possibilitado muitas intervenções avançadas, mas elas 
sempre foram mais baseadas em heurísticas úteis do que em uma ciência da mente. 
Atualmente, contudo, a psicologia clínica pode ser mais clara sobre a forma como nossos 
sistemas cognitivos recentemente evoluídos interagem com motivações e emoções mais 
antigas, além do fato de que frequentemente precisamos trabalhar com sistemas de 
motivação e emoção diretamente (Gilbert, 1992; Greenberg, et al., 1993 Haidt, 2001). 
Ademais, nossos sistemas cognitivos recentemente evoluídos podem ser diferentes nas 
formas de mentalização e de como realizamos o raciocínio lógico e matemático; 
diferentes tipos de sistemas cognitivos podem exigir diferentes tipos de intervenção. 
 
Moldado por contextos sociais 
Nós também somos altamente contextualizados e coreografados com um senso de self 
que nunca escolhemos. Aconselhamos clientes de que “Se eu fui sequestrado aos três dias 
de idade e levado a uma gangue violenta do tráfico de drogas, então essa versão do Paul 
Gilbert, como um terapeuta, certamente não existiria. Em seu lugar estaria uma versão 
bem diferente de mim – um membro de gangue potencialmente agressivo, talvez com 
pouca empatia”. Então, somos todos parcialmente criados por nossos genes, a natureza 
funcional de nossos cérebros evoluídos e as circunstâncias sociais que coreografaram 
nossos cérebros e nossa expressão genética (Belsky & Pluess, 2009; Slavich & Cole, 
2013). Nós não escolhemos nada disso! Então, esses processos não podem ser abordados 
apenas de uma visão cognitiva, mas precisam ser compreendidos em termos de como 
nosso cérebro evoluiu para funcionar de determinadas maneiras, nem sempre úteis, e 
como ele é altamente sensível à maturação de “diferentes versões de si mesmo”, 
dependendo do nicho social em que está inserido (Gilbert & Choden, 2013; Siegel, 2012). 
Nosso senso de self é uma construção genética e social. Muitos clientes consideram essas 
perspectivas como uma revelação e validantes – e essa informação pode ser concedida 
até mesmo em intervenções breves em unidades de cuidado psiquiátrico intensivo (veja 
Heriot-Maitland et al., 2014). Esse entendimento inicia o processo de criação de uma 
abordagem de despersonalização e “humanidade comum” frente as dificuldades. 
 
Compaixão: as mentalidades sociais de cuidado, ajuda e compartilhamento 
A terapia focada na compaixão utiliza uma abordagem integrada à psicologia humana, na 
qual a compaixão é estimulada por sistemas nucleares de motivação e emoção e 
competências cognitivas evoluídas. Assim, a TFC reconhece que os seres humanos têm 
grandes potenciais para serem cooperativos, mas também para serem muito destrutivos 
consigo mesmos e com outros. Olhando a História repleta de guerras, crueldade e tortura, 
somos uma espécie potencialmente muito má (Gilbert, 2005a). Juntamente com nossas 
motivações evoluídas que propiciam a compaixão, estão aquelas que propiciam egoísmo, 
vício, ganância, tribalismo, violência, depressão e suicídio. Temos uma multi-mente que 
não é sempre fácil de coordenar e regular. Como Buda apontou milhares de anos atrás, a 
compaixão mindful nos permite compreender nossas mentes e uma orientação maior 
(sistema de motivação básica) que nos auxiliará na organização de nosso cérebro 
complicado (Gilbert & Choden, 2013). 
A compaixão está ligada às motivações, emoções e habilidades/competências de 
ser solidário, compreensivo, gentil e cooperativo com outros (Davidson & Harrington, 
2002; Weng et al., 2013; www.compassion-training.org), e a ser socialmente mindful (que 
é diferente de mindfulness geral; Van Doesum et al., 2013). Com suas raízes na evolução 
do cuidado e do altruísmo, a compaixão tem recebido várias definições. Por exemplo, o 
estudioso budista Geshe Thupten Jinpa, que desenvolveu o treinamento Stanford de 
cultivo da compaixão (para o qual há crescentes evidências de eficácia; Jazaieri et al., 
2013), definiu compaixão em termos bastante típicos do budismo: 
…um processo multidimensional composto de quatro componentes-chave: (1) 
uma consciência (awareness) do sofrimento (awareness cognitiva/empática), 
(2) interesse simpático relacionado a estar emocionalmente comovido pelo 
sofrimento (componente afetivo), (3) um desejo de ver o alívio daquele 
sofrimento (intenção), e (4) uma responsividade ou prontidão para o auxílio no 
alívio daquele sofrimento (componente motivacional; Jazaieri et al., 2013). 
De fato, os conceitos budistas da compaixão estão sendo cada vez mais integrados 
à psicoterapia ocidental (Germer & Siegel, 2012). Apesar da compaixão ter sobreposições 
óbvias a conceitos como “gentileza” (Phillips & Taylor, 2009), eles são ligeiramente 
diferentes (Gilbert & Choden, 2013). Em TFC, também utilizamos uma definição budista 
derivada dos escritos do Dalai Lama e de outros (1995; veja também Tsering, 2008): a 
compaixão é:‘uma sensibilidade ao sofrimento do self e dos outros, com um 
compromisso de tentar alivia-lo e preveni-lo’. 
Agora, essa definição aponta para duas mentalidades ou “psicologias” diferentes 
que se ligam facilmente com as definições de Jinpa (Gilbert & Choden, 2013). A primeira 
envolve as motivações, competências e prontidão para perceber, se engajar, direcionar, 
tolerar e compreender o sofrimento – mais do que evitar, negar, ser sufocado ou dissociar-
se do sofrimento em si e nos outros. A segunda mentalidade envolve a habilidade e a 
sabedoria de saber (ou descobrir) o que fazer a respeito disso (Germer & Siegel, 2012). 
Estas competências são muito mais focadas na ação. Por exemplo, querer ser um bom 
psicólogo para ajudar pessoas deprimidas seria parte da primeira mentalidade, mas 
assegurar-se como um suficientemente treinado e habilidoso seria a segunda. Boas 
intenções não são o suficiente. É como ver alguém cair em um rio com forte correnteza, 
pular para salvá-lo, mas lembrar na metade do caminho que não sabe nadar! Então, ambas 
mentalidades ou “psicologias” são integrantes da TFC. 
A compaixão, como uma mentalidade social, pode “fluir” (flow) em três direções. 
Primeiro, há a compaixão que podemos sentir por outro ou outros; há também a 
compaixão que podemos sentir vindo dos outros para nós mesmos; e há a compaixão que 
podemos direcionar para nós mesmos (autocompaixão). Cada uma pode ser um foco de 
trabalho na TFC. 
 
Cuidado e alento 
Os elementos-chave do cuidado e do alento que se tornaram a base da compaixão na TFC 
foram originalmente retirados do modelo de alento/nutrimento (nurturance) de Fogel et 
al.’s (1986), mais do que de um modelo budista (see Gilbert, 1989). Eles definiram os 
elementos nucleares do cuidado-alento como segue: “…a provisão de orientação, 
proteção e cuidado para o propósito de promover mudança desenvolvimental congruente 
com o potencial esperado de mudança do objeto do cuidado” (p. 55). Aqui, o cuidado não 
está apenas focado no sofrimento, mas também no suporte e encorajamento da mudança 
desenvolvimental para o bem do outro. De um ponto de vista evolutivo, o 
cuidado/nutrimento é útil para o crescimento fomentado. Note que isso não é 
especificamente focado no apego. De fato, podemos demonstrar cuidado a indivíduos que 
talvez não estejamos apegados ou até mesmo que nem desejamos estar. Além disso, o 
cuidado, definido dessa forma, pode ser direcionado a animais e plantas. Com efeito, essa 
é a nossa habilidade cognitiva recentemente evoluída de reconhecer o que aliviará o 
sofrimento e promoverá o florescimento que estende nossas habilidades de cuidado além 
de um foco estreito, limitado e modularizado. Por exemplo, os chipanzés cuidam dos seus 
filhotes, mas não conseguem usar um conceito abstrato de carinho para, digamos, 
desenvolver agricultura ou pecuária. São profundas as habilidades cognitivas evoluídas 
para compreender os princípios da relação necessidade-cuidado e ser capaz de aplicar 
esses princípios a muitos domínios. Isso libera a mente humana de ser uma mente 
modularizada e permite domínios de processamento mais amplos – o que Mithen (1996) 
chamou de evolução da mente desmodularizada. Essas competências humanas são 
essenciais para a TFC. 
 Evidências também sugerem que uma forma mais expansiva de cuidado surgiu há 
cerca de 1 milhão de anos atrás. Dessa época, o registro fóssil sugere que os humanos 
doentes ou machucados estavam sobrevivendo, e eles só poderiam ter conseguido isso se 
estivessem sendo cuidados, confortados e apaziguados. Nenhum outro animal se importa 
com seus velhos e doentes dessa forma (Spinks, Rutherford, & Needham, 2010). A 
atenção arcaica para alguns procedimentos funerários, com posses ou joias, sugere 
interesse pelos outros, estendido para algum tipo de “outra vida” futura. Isso sugere o 
desenvolvimento da motivação para prover cuidado, as competências cognitivas para 
entender o que o outro precisa e a capacidade de pensar sobre a natureza de suas vidas 
em um mundo imaginário, desconhecido. 
Fogel et al. (1986) ainda sugeriram que o cuidado/nutrimento envolve um número 
de qualidades nucleares que começam com (1) a motivação para cuidar, (2) atenção e 
consciência da necessidade de ser acalentador, que requer (3) um entendimento da 
natureza da dificuldade e o que é preciso para ser acalentador, que leva à (4) expressão 
de ações/sentimentos acalentadores, e (5) uma habilidade de corresponder com cuidado 
ao feedback do impacto de nossas ações sobre o outro. Esse último aspecto é, claro, a 
habilidade de mudar quase de momento-a-momento de acordo com a maneira que o 
cuidado está acontecendo – como em uma mentalidade social. 
A neurociência também começou a revelar alguns profundos sistemas cerebrais 
envolvidos no comportamento de cuidado. Simon-Thomas et al. (2012) conduziu um 
estudo com imagem por ressonância magnética funcional (fMRI) para explorar a 
diferença na ativação da compaixão versus orgulho. Eles descobriram que: 
A indução da compaixão esteve associada com a ativação na matéria cinzenta 
do mesencéfalo periaquedutal (PAG), uma região que é ativada durante a dor 
e a percepção de dor nos outros, e isso esteve implicado em comportamentos 
de cuidado parental. A indução de orgulho envolveu o córtex posterior medial, 
uma região associada com processamento autorreferente. 
Esses achados são importantes porque o indivíduo ativa sistemas cerebrais bastante 
diferentes se estiver tentando ajudar pessoas autocríticas a se orgulharem de suas 
realizações ou a serem compassivas com sua dor ou vergonha. Apesar de não ser 
simplesmente “ou um ou outro”, Neff e colaboradores (Neff, Hsieh, & Dejitterat, 2005; 
Neff & Vonk, 2009) demonstraram que o foco na autoestima e a luta por realização têm 
seus próprios problemas no enfrentamento de derrotas e fracassos, enquanto a 
autocompaixão auxilia as pessoas a enfrentarem essas situações de maneira adaptativa. E 
se você for bem-sucedido hoje, mas amanhã falhar novamente? A autocompaixão nos 
ajuda com as derrotas, fracassos e tempos difíceis (Neff, 2011). 
 
 
Apego 
Ao lado da psicologia do cuidado, está a psicologia do apego. A teoria do apego provê 
uma explicação para a evolução dos relacionamentos pai-bebê como centrais à dinâmica 
de certas formas de cuidado (Bowlby, 1969, 1973; Mikulincer & Shaver, 2007). Contudo, 
o cuidado não é particularmente o foco da teoria do apego (Heard & Lake, 1988), mas 
sim a busca por proximidade e a provisão de uma base segura/porto seguro que suporte 
a sobrevivência e desenvolvimento da criança. Hrdy (2009) levantou a possibilidade de 
que foi no processo de cuidado estendido onde os seres humanos ganharam uma vantagem 
evolutiva, no momento em que tios e avós começaram a desempenhar um papel no 
cuidado e proteção da criança. A maioria das mães primatas não permitem que outros 
segurem seus bebês, enquanto humanos até mesmo encorajam esse suporte de outros. Isso 
significa que bebês humanos estão interagindo com “muitas mentes” desde tenra idade, o 
que pode ter sido um incentivo à intersubjetividade (veja abaixo). Há evidências de que 
o cuidado e o afeto que recebemos em nossa infância não apenas influencia a expressão 
genética e os tipos de cérebro que maturamos (Cozolino, 2007, 2013), mas também 
estabelece a fundação para sermos cuidadores e compassivos (Gillath, Shaver, & 
Mikulincer, 2005). 
 
Comportamento pró-social 
Por mais central e importante que a teoria do apego seja para a evolução das capacidades 
de compreensão das necessidades dos outros, com um desejo de satisfazê-las e acalentá-
las, a compaixão não é unicamente estabelecida dentro de mecanismos de apego. Com 
efeito,o “comportamento de ajuda” tem um amplo foco, ligado aos estudos do 
comportamento pró-social (Bierhoff, 2005; Penner et al., 2005). Como as crianças 
aprendem a compartilhar, se interessar umas nas outras e regular suas motivações 
potencialmente egoístas-competitivas ou hostis (Eisenberg, 2002) é importante para o 
desenvolvimento das habilidades de compaixão (Penner et al., 2005). Desde a tenra idade, 
as crianças são capazes de compreender os objetivos que os outros estão almejando e, se 
estão tendo dificuldades em alcançá-los, se oferecerão para ajudar. Então, por exemplo, 
por volta dos 18 meses, uma criança que vê um adulto deixar cair algo pode correr, 
recolher e devolver para ele. Também parece que crianças sorriem e regozijam com o ato 
de ajudar, cooperar e compartilhar (veja Warneken & Tomasello, 2009; e para uma boa 
demonstração veja http://www.youtube.com/watch?v=Z-eU5xZW7cU). Assim, 
comportamento de cuidado e ajuda não estão evoluindo apenas no contexto do papel 
parental, mas também através de vários domínios das relações sociais. Por exemplo, a 
evolução do altruísmo talvez tenha sido encorajada por ser visto como um traço 
sexualmente atrativo em um companheiro de longo prazo ou amizade (Goetz, Keltner, & 
Simon-Thomas, 2010). 
 De uma perspectiva evolutiva, gerar felicidade para os outros é frequentemente 
visto como recompensador ou, como comentado anteriormente, “é recompensador ser 
recompensador para os outros" (Gilbert, 1984). De fato, Gilbert (1984) sugeriu que uma 
das questões referentes à depressão é que as pessoas não se sentem recompensadoras ou 
“inúteis” para os outros, e que um processo antidepressivo poderia ser ajudar as pessoas 
a se sentirem com valor, ajudando-as a realizar contribuições que os outros apreciarão. 
Há crescente evidência de que fazer coisas gentis para os outros e focar em ajudá-los pode 
promover felicidade e reduzir a depressão leve (Lyubomirsky, 2007). Além disso, a 
prática de criar sentimentos de gentileza (meditações de amor-bondade) por outros pode 
mudar sistemas cerebrais (Lutz, Brefczynski-Lewis, Johnstone, & Davidson, 2008). 
O desenvolvimento pró-social em crianças e o prazer subjacente em ajudar os 
outros passa por estágios de empatia e teoria da mente. O comportamento pró-social surge 
quando as crianças têm uma oportunidade de praticar, têm modelos, são recompensadas 
e guiadas na prática de cuidado, compartilhamento e cooperação (Eisenberg, 2002). 
Também é importante como as crianças vêm a entender suas próprias emoções, porque 
isso é relevante na maneira como entendem as emoções de outros. Então, a compaixão 
surge de uma complexa integração das motivações, emoções e competências evoluídas 
para o cuidado parental das crianças e da evolução do comportamento de ajuda e pró-
social, onde até mesmo crianças pequenas podem se interessar nos objetivos e bem-estar 
dos outros. 
As competências e motivações para o cuidado são também conhecidas por terem 
uma fisiologia específica. Por exemplo, a oxitocina e a vasopressina desempenham um 
importante papel no apego e na intensidade na qual as pessoas tentam ajudar as outras e 
estão abertas ao cuidado (por exemplo, confiam umas nas outras) (Carter, 1998; Insel, 
2010). A adaptação do sistema nervoso parassimpático mielinado foi particularmente 
importante na evolução dos comportamentos de cuidado (Porges, 2007). Isso criou 
mudanças na regulação das respostas de luta-fuga, de forma que os indivíduos poderiam 
não apenas ficar próximos um do outro, mas que essa proximidade poderia ser calmante. 
Esses sistemas fisiológicos têm papéis fundamentais no comportamento afiliativo e de 
cuidado (Carter, 1998; Insel, 2010; veja Andrew, Braehler & Macbeth, esta edição). 
Porém, novamente, a mentalidade social na qual a oxitocina está operando é importante, 
pois promove a afiliação apenas a alvos em particular, como de pessoas próximas ou do 
mesmo grupo. A oxitocina pode, na realidade, aumentar a agressão de uma mãe a 
potenciais ameaças a seu bebê e a indivíduos reconhecidos como estranhos, de fora de 
seu grupo (De Dreu, Greer, Van Kleef, Shalvi, & Handgraaf, 2011). A mentalidade social 
específica e o contexto funcional são centrais para a forma como um sistema 
neurofisiológico atua. A oxitocina não é um sistema generalizado de “ser gentil com todo 
mundo” – ela depende muito de como a relação self-outro é construída. De fato, até 
mesmo a regulação da oxitocina em um contexto individual nem sempre produz efeitos 
positivos – especialmente se o indivíduo tem um relacionamento crítico ou hostil consigo 
mesmo (Rockliff et al., 2011; veja Gumley et al., esta edição). 
 
Ser cuidado – O outro aspecto da terapia focada na compaixão 
Ser capaz de gerar compaixão com as duas “psicologias” delineadas acima é apenas uma 
parte da história da TFC, particularmente quando falamos de autocompaixão. Para a 
terapia, muito depende de como as pessoas respondem e são mudadas por receberem 
compaixão. Novamente, ajuda receber informações sobre evolução e como o cuidado 
evoluiu para impactar aqueles que são alvo de cuidado. 
 
Contentamento, cuidado e segurança 
A psicologia da afiliação envolve tanto emoções ativantes (os prazeres do amor e do 
compartilhamento) quanto aquelas calmantes e apaziguantes (soothing). De fato, há boas 
evidências de que o sistema emocional que influencia a calma e o contentamento teve um 
papel significativo na evolução do próprio apego, especialmente a maneira na qual um 
pai é capaz de acalmar uma criança e criar um sentimento de segurança (Bell, 2001). 
Porges (2007) escreveu extensamente sobre como as adaptações do sistema nervoso 
autonômico (especialmente o nervo vago mielinado do sistema nervoso parassimpático) 
surgiram para que os indivíduos pudessem não apenas ficar próximos sem estimular seus 
sistemas de fuga-luta, mas que também experienciassem um ao outro de forma 
recompensadora, apaziguadora e fisiologicamente regulatória, iniciando o 
comportamento de aproximação. 
De forma importante, a oxitocina e as endorfinas desempenharam papéis centrais 
no dar e receber cuidado. Ser o recipiente de certos tipos de cuidado aumenta os níveis de 
oxitocina e tem efeitos calmantes na amígdala. A oxitocina ajuda a nos sentirmos seguros 
e oferece uma percepção de bem-estar (Carter, 1998; Insel, 2010). O toque afetuoso libera 
endorfinas e oxitocina, estimula as propriedades tranquilizadoras do sistema nervoso 
parassimpático (Porges, 2007) e baixa os níveis de cortisol (Field, 2000). Há cerca de 50 
anos atrás, Harry Harlow demonstrou que quando macacos jovens ficam assustados eles 
preferem recorrer a uma mãe artificial de tecido felpudo do que uma feita de arame e 
provedora de leite (para uma revisão, veja Harlow & Mears, 1979). Assim, mamíferos 
são altamente adaptados para o contato físico e para serem emocionalmente regulados 
através do toque, o qual estimula a tranquilização (soothing) (Dunbar, 2010). 
Field (2000) revisou a evidência dos efeitos benéficos da proximidade, afago e 
toque durante o desenvolvimento, mostrando que até mesmo ratos de laboratório podem 
crescer mais calmos se forem regularmente afagados (veja também Slavich & Cole, 
2013). Assim, o contato físico cria um tipo particular de desenvolvimento fenotípico. 
Como Sapolsky (1994) observou: 
O toque é uma das experiências centrais de um bebê, seja roedor, primata ou 
humano. Nós prontamente pensamos em estressores consistindo de várias 
coisas desagradáveis que podem ser feitas ao organismo. Às vezes, um 
estressor pode ser a falha em prover algo ao organismo, e a ausência do toque 
é semelhantemente um dos mais marcantes estressores desenvolvimentais que 
podemos sofrer. (p. 92) 
Atualmente,há evidências de que esses comportamentos físicos podem também 
influenciar a expressão genética através de um processo chamado metilação do DNA e 
pode haver efeitos intergeracionais (Bick et al., 2012; Slavich & Cole, 2013; para uma 
introdução fácil, veja Cozolino, 2013). Muitas pessoas com problemas de saúde mental 
frequentemente falam sobre a falta de afeto físico em seus ambientes primários e atuais1. 
 
1 Baseada na evidência sobre o papel do toque na regulação do estresse, particularmente na infância, a 
psicologia clínica precisa levantar sérios questionamentos sobre a crescente ausência de “toque, afago e 
abraço” para crianças em escolas, especialmente quando estão estressadas. 
Então, um processo-chave no cuidado de uma criança é a forma como o pai é capaz de 
regular a ameaça e o drive com o estímulo de tranquilização, através do toque, afago, 
abraço, tons de voz e expressões faciais, o que é uma das razões para que esses elementos 
sejam foco na TFC. 
 
Apego 
A importância extraordinária da evolução do cuidado para o desenvolvimento psicológico 
da criança foi articulada pelo psiquiatra britânico John Bowlby, que chamou seus achados 
de teoria do apego (Bowlby, 1969, 1973, 1980). Bowlby estava particularmente 
interessado nos aspectos comportamentais do cuidado e nas maneiras que uma criança 
desamparada enfrenta a ameaça. Isso estava ligado a três funções principais. A primeira 
é a necessidade da criança de buscar proximidade de um cuidador. A segunda é a 
habilidade do cuidador de atuar como uma base segura que regula a exposição à ameaça 
para a criança, mantendo-a longe de danos, eliminando predadores ou recolhendo a 
criança e trazendo-a para perto; ser apaziguador da aflição da criança e ser provedor 
quando necessário (e.g., com comida ou calor ou limpeza). Assim, quando a criança está 
aflita por causa de fome, frio, dor ou ameaça - todas podem ser reguladas com o cuidado 
do outro – nesse caso, o pai/mãe; o genitor é um poderoso regulador fisiológico da criança 
(Cozolino, 2007, 2013). Então, o pai é uma fonte de necessidade de satisfação, redução 
de estresse e é capaz de induzir a criança a estados de melhor balanço parassimpático e 
contentamento. Destes estados, a criança é capaz de descansar e dormir. Claramente, o 
input de carinho do pai está estimulando o sistema de tranquilização (soothing), que então 
regula o sistema de ameaça. Essas experiências afetam significativamente a maturação 
cerebral e, claro, com o condicionamento clássico, constituem a base das memórias 
emocionais para o soothing. 
Bowlby também falou sobre a importância de uma base segura, da qual a criança 
ganha a confiança para sair, brincar e explorar, desenvolver e adquirir habilidades para a 
independência. Fenney e Thrush (2010) exploraram como uma base segura opera em 
relacionamentos adultos com as funções de encorajar comportamento exploratório, 
facilitação da confiança e autodesenvolvimento. Essas são funções mais típicas de drive, 
a facilitação de comportamentos para a busca e aquisição de habilidades, recursos e 
enfrentamento de desafios. Mas, importantemente, elas são melhores desenvolvidas no 
contexto de segurança. Para essas funções, Fenney e Thrush sugerem que cuidar de outros 
deveria ser algo disponível, não-interferente, encorajado e recompensador. Em termos de 
TFC, esses processos são importantes para facilitar em terapeutas e são centrais na 
compreensão da relação terapêutica. 
Uma base segura também facilita a intersubjetividade, que permite que 
compartilhemos nossos pensamentos e sentimentos (Trevarthen & Aitken, 2001). Por 
exemplo, a criança não olha para o dedo apontado, mas para aquilo que está sendo 
apontado; isso quer dizer que elas podem compartilhar a “perspectiva” e uma tomada de 
interesse mútua no objeto apontado. Isso também cria a capacidade para “nossidade” 
(“we-ness”), um compartilhamento da experiência, mais do que apenas a autorreferência 
(“me-ness”). Essa harmonia de mentes e a experiência de segurança na harmonização das 
mentes é fundamental para nossas habilidades de sentir segurança no mundo em geral. 
Por exemplo, se eu estou assustado com aquele que está apontando, então a maior parte 
da minha atenção estará focada nele como um “objeto temido” e não no “objeto 
apontado”. Assim, o compartilhamento requer algum grau de segurança mútua. 
Cortina e Liotti (2010) exploram as ligações entre apego, intersubjetividade e 
exploração, sugerindo que “o apego refere-se a segurança e proteção, a intersubjetividade 
refere-se ao compartilhamento e a compreensão social”, mas são interdependentes, no 
sentido de que o medo provavelmente diminuirá a intersubjetividade. Esta é crucial para 
o desenvolvimento sofisticado das mentalidades sociais e a maneira como começamos a 
experienciar a vida em um mundo interpessoal de outras mentes. Ela permite que 
tornemo-nos conscientes de que não estamos vivendo apenas em um mundo material de 
potenciais predadores, mas também vivendo em um mundo de mentes que podem 
mentalizar “nossas mentes” e julgarão, rejeitarão ou buscarão se relacionar conosco de 
uma maneira socialmente (mentalmente) específica. Então, precisamos ser capazes de 
mentalizar “a mentalização dos outros sobre nós”, para que possamos perseguir nossos 
objetivos de vida social. 
 
Observando nossas próprias mentes 
Sentir-se cuidado, apoiado e compreendido também nos auxilia para entender nossas 
próprias mentes, especialmente nossas emoções e como moldam nossas motivações 
(Corrtina & Liotti, 2010; Trevarthen & Aitken, 2001). Ligada à intersubjetividade está a 
forma como entendemos nossas próprias mentes, motivações e emoções e como usamos 
esse entendimento para compreender os outros. Somos membros da mesma espécie com 
basicamente as mesmas mentes, desejos, necessidades e medos – os outros não são 
alienígenas insondáveis (Nickerson, 1999). E não são apenas nossas mentes, mas também 
a natureza de nosso ser-no-mundo que compartilhamos: que somos todos geneticamente 
criados e socialmente coreografados. Nós nascemos, florescemos por um tempo, estamos 
suscetíveis a numerosas doenças e ferimentos, então envelhecemos e morremos – nada 
disso nós realmente escolhemos. Mas o potencial em ver os outros como iguais também 
abre o potencial para cometer erros (projeções) bastante significativos (Nickerson, 1999). 
O cuidado compassivo requer que tenhamos alguma capacidade de empatia e 
mentalização, permitindo que nos movamos fora de uma perspectiva egocêntrica e 
vejamos a diferença entre o self e “o outro”. Então, a empatia torna-se parte de uma 
“descoberta guiada” – tornar-se familiarizado com o não-familiar, fazendo esforços 
deliberados para imaginar ser o outro e perceber que eles são (em algumas coisas) não 
“exatamente como eu”. Se ninguém que eu amava profundamente já morreu, eu poderia 
entender as profundas dores da perda e como isso pode tomar conta de todo o corpo? 
Como o paciente experiencia os esforços empáticos do terapeuta ao criar uma relação 
aberta, empaticamente exploratória e sem julgamentos pode influenciar o quão aberto ou 
receptivo eles estão à compaixão. 
Assim, as psicoterapias podem tratar parcialmente dos processos de maturação e 
maneiras de estimular as motivações e competências autoidentitárias, fornecendo a elas 
proeminentes inputs evolutivos. Por exemplo, a teoria do apego tem sido usada como uma 
base para entender o amadurecimento psicológico que toma lugar na terapia e guia as 
intervenções terapêuticas (Wallin, 2007). Com efeito, terapeutas de diferentes escolas 
estão agora integrando a pesquisa baseada no apego em seus processos terapêuticos, 
parcialmente

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