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SUMÁRIO 1. Introdução 2. O Histórico das Emoções 2.1 Linha do tempo 3. Mas afinal, o que são emoções? 4. Para que servem as emoções 4.1 As emoções básicas 5. Semântica das emoções 5.1 Qual a semântica de cada emoção? 6. Regulação emocional 7. Empatia 8. Modelo TRI 8.1 Os 15 passos da regulação emocional 9. Infância e psicopatologias 10. Recapitulando Referências bibliográficas Bibliografia complementar 2 4 6 7 9 9 12 12 13 14 15 15 19 20 21 23 2 Apesar do grande desenvolvimento clínico das psicoterapias cognitivas, a prática clínica com crianças ainda é marcada pelo baixo número de instrumentos padronizados que facilitem o aces- so à criança por parte de seu terapeuta. Poucos são os instrumentos que favorecem a entrada da criança na terapia, ou o início do processo tera- pêutico de um modo objetivo e com estratégias e metas de modo protocolar. O próprio panorama das psicoterapias cognitivas aplicadas à infância ainda difere sobremodo do avanço que as mesmas práticas possuem no tra- tamento de pacientes adultos, embora tal cenário esteja mudando significativamente, principal- mente nos últimos cinco anos. A principal vantagem da prática clínica com crian- ças é que intervenções precoces podem evitar si- tuações de sofrimento psicológico que poderiam se arrastar por um longo período e até mesmo comprometer a funcionalidade cognitivo-compor- tamental adulta. Atualmente parece haver uma conscientização maior de que intervenções, tanto preventivas quanto clínicas, nesta sensível fase da vida, favorecem em demasia a aquisição de maior capacidade de resiliência. Afinal, a maioria dos problemas de saúde mental da idade adulta já in- dicavam significativos pródromos na fase infantil e adolescente, e sabemos hoje que esses pródro- mos são derivados essencialmente de desregula- ção das emoções. A fundamental diferença entre psicoterapia cog- nitiva de adultos e de crianças é a capacidade cria- tiva do terapeuta para criar linguagens que sejam capazes de acessar a criança e promover o am- biente terapêutico propício ao desfecho do trata- mento. Desse modo, a prática clínica com crianças requer sempre uma grande capacidade inovadora por parte de quem a pratica. Esta nova ferramenta, denominada Baralho da regulação e proficiência emocional, foi desen- volvida nos últimos anos a partir de nossa expe- riência adquirida por meio do trabalho com as emoções, principalmente do uso do Baralho das emoções com as crianças em protocolos clínicos e preventivos. Ao longo do trabalho com o Baralho das emoções, os resultados clínicos indicavam sensíveis melho- ras dos pacientes nas sessões de trabalho emocio- nal. Baseado neste histórico e fundamentado pela biologia das emoções, acabamos por desenvolver e acrescentar mais elementos terapêuticos no que acabou se tornando um modelo exclusivo e espe- cífico de regulação e proficiência emocional, que acabou por originar este instrumento. O modelo aqui apresentado está configurado em quinze passos aplicados através de exercícios específicos e originais do protocolo clínico e pre- ventivo denominado TRI-C, terapia de reciclagem infantil modelo clínico, e TRI-P, trabalho de reci- clagem infantil modelo preventivo, desenvolvido principalmente nas escolas. O instrumento possui ainda a flexibilidade de se moldar a várias modalidades de intervenções. Ele pode ser utilizado como parte do modelo TRI, tanto clínico quanto preventivo, pode ser utiliza- do individualmente para trabalhar emoções por terapeutas de outras correntes de psicoterapia, por pediatras, por pedagogos, psicopedagogos, terapeutas de família, enfim, qualquer profissio- nal que julgue adequada a sua utilização e que de alguma maneira trabalhe com as emoções de sua clientela. No Baralho da regulação e proficiência emocional temos todo o modelo original e específico de regu- lação emocional da TRI como base em seus quinze passos originais, o que faz com que o instrumento seja específico para regulação emocional. O cerne do modelo TRI tanto clínico quanto preventivo re- side aqui neste baralho. O protocolo TRI forma o acrônimo Terapia de Re- ciclagem Infantil e foi desenvolvido por Caminha e Caminha no ano de 2012, a partir da integração dos três instrumentos terapêuticos: Baralho das emoções, Baralho dos pensamentos e Baralho dos comportamentos. Inicialmente, em sua modalidade clínica, foi de- senvolvido para o tratamento de transtornos de ansiedade e humor na infância, tendo em seguida, surgido o protocolo preventivo denominado Tra- 1. INTRODUÇÃO 3 balho de Reciclagem Infantil. Todos os baralhos aqui citados estão associados aos protocolos clíni- co e preventivo, denominados TRI. Nosso objetivo neste curso – Regulação Emocional na Infância - é que você possa conhecer e apren- der sobre nossa proposta de um modelo específi- co, aplicado à Teoria Cognitivo Comportamental Infantil, composto por 15 passos da Regulação Emocional. Mas para chegarmos lá, é fundamen- tal conhecermos, mesmo que de forma sintética, um pouco mais sobre as emoções, seu histórico, seu significado e suas funções. É isso que veremos nas próximas seções. • 4 2. O HISTÓRICO DAS EMOÇÕES O conhecimento que possuímos atualmente acerca das emoções deriva de um apanhado histórico que envolve formulações envolvendo aspectos fisioló- gicos, psicológicos, socioculturais e cognitivos. Vários importantes pesquisadores já formularam modelos tanto sobre a origem quanto sobre o pro- cesso de funcionamento dinâmico das emoções (Formiga, Camino, Ismael, 2002). O cientista evolucionista Charles Darwin propôs uma teoria em que postulava que as emoções pos- suem uma base inata, ou seja, que existe uma filo- gênese das emoções. Esta hipótese surgiu a partir da observação de Darwin em relação a seus filhos e seus cães de caça. Ele percebeu que, assim como seus filhos, seus cães também apresentavam emo- ções, como medo, raiva, tristeza, ciúme, alegria, en- tre outras. A partir disto o cientista passou a estu- dar estas similaridades e em seu livro A expressão da emoção nos homens e nos animais (1876) traçou um comparativo entre a expressão emocional em humanos e em todos os animais, desenvolven- do assim um tratado da psicologia evolucionista. O trabalho de Darwin constatou que as emoções são filogeneticamente transmitidas, ou seja, estão na natureza das espécies. Todavia a teoria darwi- niana permaneceu no ostracismo por um longo período, não recebendo o reconhecimento e apro- fundamento necessário para o desenvolvimento deste estudo e isso se deve, em grande parte, as distorções que os trabalhos sobre melhoramento genético de Malthus e Galton sobre a justificativa das discrepâncias sociais de Robert Spencer. Outra questão importante acerca da teoria de Darwin é a ausência de uma explicação concreta sobre qual a forma de transmissão dos caracteres de uma po- pulação para outra, ou de forma geracional. Este último, resolvido por Mendel. O trabalho desenvolvido por Darwin foi resgatado de forma definitiva por Edward Osborne Wilson (1975), professor de entomologia de Harvard - So- ciobiologia: A nova síntese, que integrou neuro- ciência, psicologia, biologia do comportamento, etologia e a lógica darwiniana. O questionamento a respeito da via de transmis- são dos caracteres foi respondido a partir dos estu- dos de Mendel e de Watson e Crick ao decifrarem a estrutura do DNA, dupla hélice ligadas por bases hidrogenadas, além dos estudos sobre a biologia e genética molecular. A partir dos estudos de Men- del, publicados em 1923 que, a via de transmis- são de tais caracteres eram os genes. Tais avanços favorecerem o aceite das ideias darwinianas e o desmonte do preconceito e da vinculação política de seu trabalho (Desmonde Moore, 1995). Outros estudos e propostas que investigaram tal temática estão nos trabalhos de Willian James (1842-1910) e Carl Lange (1834-1900), que ficou conhecida como teoria James-Lang. Embora am- bos tenham chegado a conclusões semelhantes, eles nunca trabalharam juntos (Carlson, 2002). Outra teoria clássica surgiu em 1920 postulada pelos fisiologistas Walter Cannon e Philip Bard, denominada teoria Cannon-Bard, dando ênfase às bases neurais das emoções. Nesta linha, Papez de- senvolveu os fundamentos anatômicos para o es- tudo das emoções (Lent, 2005). Em 1949, MacLean aponta a importância do Sistema Límbico como o regulador das emoções. Na década de 1960, surgem postulados teóricos so- bre as emoções proposto pelos psicólogos Stanley Schachter e Jerome Singer, sugerindo que o cór- tex constrói as emoções, similar ao que acontece no córtex visual. Assim, o córtex criaria respostas cognitivas de acordo com a expectativa individu- al e o contexto social, sendo, portanto, a primei- ra teoria a envolver aspectos cognitivo-sociais na abordagem das emoções (Carvalho, 2010). Seguem outros importantes autores como Mag- da Arnold, que enfatiza que a emoção deriva da avaliação inconsciente do estímulo ambiental, perigoso ou benéfico, enquanto o sentimento é a reflexão consciente do sentir. Richard Lazarus seguiu a mesma linha enfatizando a importância das interpretações no disparo das emoções (Cami- nha, Soares e Kreitchmann, 2011). Nos anos 1970, Izard propôs a Teoria Diferencial das Emoções, na qual enfatiza que as emoções bá- sicas resultam de motivações e envolvem propósi- tos específicos de cada sujeito envolvido na ativa- ção emocional (LeDoux, 2001). 5 A década de 1970 foi dominada pela visão cogniti- va das emoções até o trabalho do psicólogo Robert Zajonc surgir nos anos 1980. Zajonc demonstra experimentalmente que há ativação de emoções independente do registro consciente das mesmas, ou seja, alheio ao processamento cognitivo, numa modalidade de funcionamento procedural (Le- Doux, 2001). Outros teóricos merecem citação quando se fala de emoções: Solomon (1980), Pankseep (1982), Averill (1982), Shaver et al. (1993), Frijda (1993). Estes autores enquadram aspectos diversos como fisiologia, cognição e contexto sociocultural, con- tribuindo então, com o avanço no conhecimento científico acerca das emoções (Carvalho, 2010). Entretanto destacamos aqui o trabalho de autores que compõem a base teórica e lógica conceitual do modelo TRI e do Baralho de Regulação e Profici- ência Emocional como Damásio (1996), Edelman (1992), Ekman (1968, 2011) e De Waal (2010). O trabalho de Paul Ekman acerca da universalida- de das emoções iniciou-se contrariando as teorias de Darwin. Ekman acreditava que as emoções e suas expressões eram transmitidas culturalmente, e por isso divergiam entre diferentes populações. Ao deparar-se com o trabalho de Silvan Tomkins nos anos 60 em diante, ele passou a questionar se eu entendimento estava correto. Tomkins (1995), assim como Darwin, postulava que as expressões faciais vinculadas à emoção eram inatas e uni- versais, todavia sua teoria, assim como seu ante- cessor, não possuía evidências científicas. Ekman então delineou seus estudos, munido da seguinte questão “As emoções são universais ou elas são específicas de cada cultura, como a linguagem?”. Após desenvolver um longo estudo intercultural, ele pode comprovar as teorias postuladas por Da- rwin quase 100 anos antes, de que emoções são filogeneticamente transmitidas e, portanto, trans- culturais. Ekman então passou a dedicar suas pes- quisas a respeito das expressões faciais e sua vin- culação às emoções. Ele apresentou ensinamentos importantes sobre esta relação e sobre as emoções como um todo, como por exemplo seu viés adap- tativo, sua relevância na capacidade de comunica- ção e socialização, além de provar a existência da expressão facial padronizada e respectiva vocali- zação de cada emoção. Outra importante desco- berta de Ekman foram as emoções básicas, sendo estas a alegria, a surpresa, o medo, a tristeza, a raiva e o nojo. Estas são chamadas de básicas pois todos os seres humanos possuem a capacidade de senti-las e expressá-las, e por isso tornam-se capa- zes de identificá-las e reconhecê-las em outros se- res. Ekman desenvolve diversos trabalhos sobre esta temática até os dias atuais, como por exemplo sua colaboração com Dalai Lama, a consultoria da série Lie to Me e do filme Divertidamente. As com- provações científicas e trabalho deste pesquisador tiveram importante papel no desenvolvimento do modelo TRI, mas, além disso, seu entendimento acerca da relevância de projetos e pesquisas que contemplem as emoções, foi também um elemen- to fundamental. Para Ekman, as emoções são um fator determinante na qualidade de vida dos in- divíduos e da sociedade, uma vez que estão pre- sentes em todas as relações que estabelecemos ao longo da vida. Outro teórico importante no desenvolvimento do modelo TRI foi António Damásio. Damásio, jun- tamente com sua esposa Ana, possuía o maior centro de mapeamento cerebral do mundo. Seu trabalho ficou mundialmente conhecido ao escre- ver o livro Erro de Descartes (1996). Neste livro Damásio desafia a primazia da razão e da cons- ciência, sobre a emoção, questionando a célebre frase de Descartes “Penso logo existo”, com a con- cepção “Sinto logo existo”. Damásio postula que seres humanos são seres emocionais, em especial as crianças. A consciência, como conhecemos, só começa a aparecer por volta dos 3 anos de idade, com a formação do hipocampo, região do cérebro responsável pela retenção das memórias, em es- pecial as memórias autobiográficas. Destaca-se também o trabalho desenvolvido pelo primatólogo e etólogo Frans De Waal sobre as emoções. Sua marca no modelo TRI se dá, prin- cipalmente, ao falar sobre empatia, uma vez que o Baralho de Regulação e Proficiência Emocional tem como foco o seu desenvolvimento. Além dis- so suas contribuições acerca da emoção amor e do conceito de cognição corporificada são funda- mentais no desenvolvimento deste trabalho. De Waal, assim como Damásio, compreende o amor como uma emoção básica. Em seu livro A era da empatia (2010) ele explica que o bebê hu- mano, por ser o filhote mais dependente do reino animal, necessita de intensos cuidados em seus primeiros anos de vida, e disso depende sua so- brevivência. Segundo De Waal o que reforça tais cuidados parentais é a existência do vínculo / at- tachment, entre cuidadores e bebê, e o amor se- 6 ria a força promotora disto. Desta conexão entre mãe e filhote que surge também a empatia e suas funções sociais correlatas como a compaixão, res- peito, colaboração e altruísmo. A empatia, assim como as demais funções, promove bem estar, so- cialização e equilíbrio social. De Waal apresenta também o importante conceito de cognição corporificada e explica que esta ma- nifestação não possui um padrão e sim uma es- tilização, e que possui o papel de transmissão de informação. • 2.1 Linha do tempo A seguir oferecemos um quadro (Quadro 1) com uma espécie de linha do tempo referente aos aspectos teóricos apresentados anteriormente. Essa linha do tempo não tem a pretensão de ser completa ou definitiva sobre os temas apresentados. É apenas um resumo do que discutimos e tem a finalidade de facilitar o posicionamento do leitor dentro de um contexto histórico. Darwin 1876 Livro: A expressão da emoção nos homens e nos animais; Cannon-Bard 1920 Teoria Cannon-Bard; Mendel 1923 Os Genes são os transmissores de caracteres de nas populações; McLean 1949 A importância do Sistema Límbico como o regulador das emoções; Schachter e Singer 1960 Sugerem que o córtex constróias emoções; Magda Arnold 1960 A emoção deriva da avaliação inconsciente do estímulo ambiental, enquanto o sentimento é a reflexão consciente do sentir; Lazarus 1970 Enfatizando a importância das interpretações no disparo das emoções; Ekman 1968 “As emoções são universais ou elas são específicas de cada cultura, como a linguagem?”; Izard; Solomon; Zajonc; Pamkseep; Avenill; Edelman; Frijda; Shaver. 1980 a 1993 Enquadram aspectos diversos como fisiologia, cognição e contexto sociocultural, contribuindo então, com o avanço no conhecimento científico acerca das emoções; Damásio 1996 “Sinto logo existo”. De Waal 2010 Empatia e amor - A era da empatia; A empatia, assim como as demais funções, promovem bem estar, socialização e equilíbrio social. Caminha Atual TRI 7 Existem diversos conceitos e definições acerca das emoções. Enquanto alguns conceitos possuem um foco maior nos processos cognitivos, outros centram-se nos aspectos sociais ou fisiológicos. Todavia aqui adotaremos uma abordagem mais sistêmica a respeito das emoções, abrangendo as diferentes conceitualizações: Emoções podem ser compreendidas como descar- gas biológicas, envolvendo o sistema endócrino, o estriado e a modulação desta descarga pelo siste- ma límbico (Damásio, 1996), ou seja, um processo puramente fisiológico, sentido no corpo. A partir disso é possível compreender a necessidade de um cérebro que a decodifique, de forma a lhe ga- rantir uma semântica (processos cognitivos), uma interpretação que lhe dê significado. Essas atri- buições semânticas podem ser entendidas como sentimentos. Nesta lógica, as emoções são descargas fisiológi- cas, enquanto sentimentos são a interpretação dessas respostas corporais detectadas pelo cére- bro. O cérebro semântico interpreta, portanto, as reações corpóreas. A partir da lógica evolucionista originada por Da- rwin, as emoções possuem duas funções básicas: estratégias reativas à ativação das emoções e co- municação, essencial às espécies sociais. Ou seja, as emoções, desencadeiam comportamentos espe- cíficos, que promovem e favorecem a adaptação e as transformações sociais e pessoais. Para com- preender melhor podemos utilizar como exemplo a emoção medo. Diante de uma ameaça a emoção medo se ativa e com ela surge o comportamento de luta, fuga ou freezing. Esta resposta, por exem- plo, desencadeia a função adaptativa de proteção e preservação da vida (Reeve, 2006). Sendo as emoções filogeneticamente transmitidas e servindo ao fim adaptativo de estratégias de so- brevivência e comunicação nas espécies sociais, concluímos que todos os seres humanos nascem com um conjunto básico de emoções: alegria, triste- za, medo, nojo, raiva e surpresa, conforme Ekman (2011). Devemos incluir o amor como uma emoção básica, conforme sustentam Damásio (2010) e De Waal (2010). Ekman entende a surpresa como emo- ção básica, todavia neste modelo opta-se pela não utilização da mesma, uma vez que a compreende- mos como emoção decodificadora e indicativa de outra emoção principal. Ao ativar surpresa pode- mos ter a presença de um predador que ativaria por exemplo medo e/ou raiva, ou ainda ter a che- gada de um grupo de entes queridos que poderia ativar alegria e/ou amor. Outra mudança impor- tante é relacionada à emoção amor. Para Ekman o amor não constituiria uma emoção básica, visto que não possui uma padronização de expressão facial e vocalização, e sim uma multiplicidade de manifestações. Entretanto Damásio e De Waal o compreendem como emoção básica por ser funda- mental para o desenvolvimento da empatia e, por- tanto, para a capacidade de conexão entre seres, na agregação e nas relações sociais. Estes autores consideram o amor como a emoção essencial que leva à reprodução e à proteção ao filhote, apego (at- tachment) e postulam que sem proteção ao filhote ou reprodução nada faria sentido do ponto de vista conceitual da espécie. Além disso consideram tam- bém o amor como o responsável pelo surgimento da empatia. Conforme De Waal (2010), a empatia surge na natureza no momento que uma fêmea se importou com o bem-estar de seu filhote. Derivado desta capacidade empática, há o enorme desenvol- vimento das configurações sociais, sobretudo nos humanos. Por isso o amor é considerado neste mo- delo como uma emoção básica, juntamente com a alegria, a raiva, a tristeza, o nojo e a raiva. 3. MAS AFINAL, O QUE SÃO EMOÇÕES? “As emoções são fenômenos expres- sivos e de propósitos, filogeneticamente transmitidas com propósitos adaptati- vos, de curta duração, que envolvem es- tados de sentimentos e ativação, e nos auxiliam na adaptação às oportunidades e aos desafios que enfrenta- mos durante eventos importantes de vida. É, também, um constructo psicológico que une e co- ordena esses quatro aspectos da expe- riência em um padrão sincronizado.” (Reeve, 2006, p.191) 8 Além disso emoções são descargas fisiológicas, sentidas no corpo, o que nos sugere a relação en- tre saúde mental e saúde física. E cada uma destas emoções possui um “respectivo padrão de mani- festação fisiológica e comportamental (...) que variam de acordo com cada emoção evocada, en- volvendo diversos sistemas orgânicos em seu pro- cessamento. As manifestações comportamentais resultam em respostas motoras podendo ser de natureza voluntária ou involuntária.” (Carvalho, 2010, citado em Caminha e Caminha, 2016, p. 40). Ou seja, cada emoção, quando ativada, apresen- ta respostas fisiológicas, expressões faciais e vo- calização, respostas comportamentais, de postu- ra corporal e impulsos de ação específicos. Além disso estes processos corporificados utilizam pro- cessos cognitivos refinados e secundários que os interpretam e significam, que são as atribuições semânticas conhecidas como sentimentos (Cami- nha e Caminha, 2016). Outro significado importante atribuído às emo- ções é o de experiências com fins adaptativos, sendo necessárias como estratégia de sobrevivên- cia. Isto nos remete novamente ao contexto da- rwiniano de evolucionismo. Contudo, atualmen- te podemos compreender estes fins adaptativos de forma flexibilizada, a partir da ideia de que emoções cumprem funções e propósitos, muitas vezes sociais, principalmente relacionados à co- municação, e que também nos remetem aos nos- sos valores, metas, nos conectando com os outros e com nós mesmos. O medo, por exemplo, possui a função de preservação de nossa vida, alertan- do-nos para possíveis perigos, e também nos de- monstrando que aquilo que está em risco, possui importante valor para nós. A raiva possui o obje- tivo de proteção, e é ativada em situações em que nos sentimos atacados, desrespeitados, e que pre- cisamos impor limites. É uma emoção que pode auxiliar em nossos processos de autonomia e au- toeficácia (Caminha e Caminha, 2016). Já a tris- teza possui a função de manifestar necessidade de cuidado, zelo. Quando produzida por nós ela comunica àqueles ao redor nossas necessidades, além de propiciar reflexão. Quando identificada nos outros ela nos gera comportamentos ativos de auxílio. (Reeve, 2006; Caminha e Caminha, 2016). • 9 4.1 As emoções básicas (medo; raiva; tristeza; alegria; amor; nojo) Importante grifarmos que todas elas possuem uma capacidade adaptativa no sentido darwi- niano, na dose certa são altamente saudáveis, na dose excessiva ou na ausência de expressão (ale- xitimia), juntamente com a baixa ou ausente ca- pacidade de voltar ao bem-estar, estão altamente correlacionadas com psicopatologias. Medo Função básica: preservação da vida. Objetiva antecipar o dano físico ou psicológico. Gera o ato reflexo de luta-fuga ou freezing. Am- bas respostas devem trazer vantagens adapta- tivas, inclusiveo freezing que possui o propó- sito biológico de tornar-se desinteressante ao predador. Há predadores que não comem pre- sas mortas, por exemplo. O medo gera os 5Fs do medo: Freezing (congelar); Flight (fugir); Fi- ght (lutar); Fright (assustar-se) e por último o Faint (desmaiar), este último especificamente para humanos e em casos de violência intra- grupal. Na mesma lógica darwiniana, as res- postas fisiológicas geradas pelo medo como: sudorese, taquicardia, visão turva, etc., pos- suem iguais funções adaptativas predispondo o organismo a adaptar-se conforme o estímulo desencadeante (Caminha, 2005). Patologias do medo: medo em excesso, fobias e preocupações ao nível da ansiedade genera- lizada; ausência de medo, impulsividade e ris- co. Raiva Função básica: proteção ao ninho, filhote e território Despertada a partir de situações nas quais o organismo se sente “atacado”. Socialmente ad- quire a função de preservar o self. As espécies sociais evitam sobremodo o embate em fun- ção do risco promovido. Numa situação social quando nos posicionamos de modo a colocar limite no outro, em alguém que está abusando de nós ou prestes a se tornar inconveniente ou invasivo, empostamos o nosso self e o preser- vamos. Ajuda a autonomia e a autoeficácia do sujeito, em suma, objetiva colocar o limite no outro. Patologias da raiva: transtorno explosivo in- termitente no excesso; na ausência, um self de- pendente sem capacidade de limitar o outro, comprometendo autonomia e autoeficácia. Tristeza Função básica: manifestações da necessidade de cuidado e de atenção lançada ao meio am- biente em direção às pessoas que nos cercam. A tristeza, na medida saudável, permite a re- flexão e ativa o processamento metacognitivo. 4. PARA QUE SERVEM AS EMOÇÕES 10 Ela nos permite refletir e modificar nossas con- dutas, objetivos e direcionamentos às metas. Patologias da tristeza: depressão, podendo, em doses elevadas, estagnar o sujeito ao nível social e à dependência de outrem. Em estados agudos, promove alterações drásticas da rea- lidade e pode levar o indivíduo a um enorme paradoxo gerado pela desregulação emocional intensa: o suicídio. To- dos os organismos vi- vos nascem com a prerrogativa biológica de autopreservação; no caso do suicídio, a triste- za patológica levaria o sujeito a subverter um princípio biológico básico dos organismos vi- vos. A ausência de tristeza, por sua vez, pode estar associada ao estado de mania ou de bai- xa ativação metacognitiva. Alegria Função básica: expressar acontecimentos de- sejáveis para o sujeito tanto ao nível pessoal quanto coletivo. Serve como uma forma de equilíbrio contra as emoções desagradáveis. Reforça fortemen- te vínculos sociais fomentando, desse modo, a socialização. O principal ganho da expressão da alegria é a promoção e o reforçamento bila- teral de interações sociais positivas. Patologias da alegria: em doses excessivas está relacionada aos casos de mania e, na au- sência, em casos de humor distímico e depres- sivo maior. Amor Função básica: reproduzirmos e cuidarmos adequadamente de filhotes frágeis e depen- dentes, manutenção de vínculos afetivos (la- ços de amizade e familiaridade) e expressão da plasticidade social. Ligada ao apego (attachment) com funções importantes adaptativas (vínculos entre fi- lhotes e cuidadores). Posteriormente, o apego transforma-se em vínculo. É o momento da difusão da emoção amor no qual passamos a ter várias possibilidades de expressão amo- rosa com diferentes valências e com a possi- bilidade ainda de termos amor sexual e não sexual. É também um importante redutor de estresse. Falhas no apego inicial remontam a importantes transtornos da personalidade do Cluster B, principalmente o Transtorno Bor- derline de Personalidade e o Transtorno de Personalidade Antissocial, na idade adulta. É importante que as crianças entendam que da emoção amor derivam também todas as for- mas de gostar. Tudo aquilo que gostamos en- volve algum tipo de apego afetivo em maior ou menor valência. Patologias do amor: em doses elevadas, pode ser invalidante por não promover o treino de tolerância à frustração e por não instigar a au- tonomia e autoeficácia. Na ausência ou em do- ses muito baixas, não promove o desenvolvi- mento da empatia e da socialização em razão da falta do senso de proteção e acolhimento. Nojo (ou repugnânica) Função básica: proteção de contaminação Deriva da necessidade de evitarmos nos conta- minar com coisas deterioradas ou estragadas a fim de não vulnerabilizarmos nossa saúde. 11 O nojo ativado implica em reações fisiológicas de rejeição, podendo gerar vômitos como for- ma de expulsão de elementos contaminados. As contaminações podem ser interpessoais, corporais ou morais. O nojo pode gerar o com- portamento de rejeição, de repulsa. Uma das emoções mais influenciadas por questões cul- turais, frequentemente sentimos nojo, repulsa de algumas pessoas por suas condutas. Patologias do nojo: em excesso, pode estar associado ao transtorno obsessivo-compulsivo de contaminação; socialmente, se houver ex- cesso de repulsa pelos outros, há graves pro- blemas de interação social. Na ausência, está associado à impulsividade e à falta de discri- minação do que deve ser repelido. Surpresa Função básica: decodificação e classificação das experiências. Reação correspondente à percepção de novos estímulos que podem estar associados a fato- res positivos ou negativos. Possui uma função de filtro decodificador entre a alegria, a triste- za, o amor, a raiva, o nojo e o medo. Instiga o sujeito a classificar a experiência nova, o fator surpresa, e alocar recursos, estratégias de co- ping para enfrentar o estímulo. Surpresa pode ser causada pela chegada de novos membros num agrupamento social, podendo os mesmos ser amigos ou inimigos, donde deriva o enca- minhamento para a emoção alegria ou medo e raiva. Como apresentado anteriormente, embora o amor não seja considerado por Ekman (2011) como uma emoção básica, no presente modelo ele foi incluído, baseando-se nos argumentos de Damásio (2010) e De Waal (2010). Já a emoção sur- presa, no modelo TRI, não é utilizada como uma emoção básica pois ao longo do trabalho clínico e preventivo demonstrou baixa utilidade e nível de compreensão pelas crianças devido a forte influ- ência cultural. As demais emoções expressas neste e nos demais trabalhos, seja através da prática clínica, dos bara- lhos, ou outros dispositivos utilizados, são consi- deradas emoções secundárias ou ainda terciárias e são fortemente influenciadas por aspectos cog- nitivos e sociais. • 12 5. SEMÂNTICA DAS EMOÇÕES A partir dos estudos iniciados com o Baralho das emoções e Baralho dos Pensamentos (Caminha e Caminha, 2012), concluiu-se que as emoções possuem uma semântica bastante restritiva. En- tretanto o aprofundamento desta temática para o modelo da proficiência e regulação emocional propiciou, a partir de um mapeamento amplo de pensamentos possíveis e relacionados a cada um das emoções básicas, a configuraração de uma ampla variação de sinônimos e denominações ex- pressivas proposicionais capazes de comunicar o sentimento relacionado à ativação emocional. Assim sendo Caminha e Caminha (2012) partiram para uma circunscrição semântica de cada uma das emoções básicas a partir do cerceamento se- mântico de cada emoção e num linguajar compre- ensível para as crianças. Testado o modelo em ambulatório infantil, o re- sultado foi a capacidade plena de entendimento das crianças, conforme as palavras usadas. • 5.1 Qual a semântica de cada emoção? Medo: significa que me sinto desprotegido, frágil, em perigo, ameaçado, sem saída, inseguro e/ou exposto. Raiva: significaque eu me sinto ofendido, violado, injustiçado, desrespeitado, agredido e/ou indignado. Tristeza: significa que eu me sinto perdendo algo, deixado de lado, desprestigiado, desvalorizado, desprezado e/ou não aceito pelas pessoas. Nojo: significa que eu me sinto repugnado, enjoado e/ou recusando algo (antipatia, repulsa). Alegria: significa que eu me sinto satisfeito, prestigiado, valorizado, acolhido, aceito, adequado e/ou adaptado. Amor: significa que eu me sinto protegido, amparado, acolhido, aceito, querido e/ou gostado. 13 6. REGULAÇÃO EMOCIONAL Assim, faz parte da natureza que todos os seres humanos sejam capazes de ativar e reconhecer qualquer uma destas emoções básicas. Em vários momentos de nossa vida, teremos tsunamis de emoções ou pequenas marolas de emoções, con- forme as situações desencadeantes; todavia, as emoções por mais altas ou baixas que sejam de- vem voltar ao estado de tranquilidade ou bem-es- tar, tecnicamente considerado uma pré-emoção, ou seja, não há nenhuma emoção disparada quan- do estamos no estado de bem-estar. Regulação emocional se resume ao fato de as emoções se ativarem e se desativarem plenamen- te, ou ainda, da capacidade de entender as emo- ções e reagir emocionalmente de modo adequado à cada situação, não incorporando ao self a identi- dade da emoção. Ninguém é raiva, tristeza ou ale- gria, somos a capacidade de sentirmos cada uma dessas emoções. As emoções não nos representam como identidade; caso contrário, estaremos dis- tantes da regulação emocional. • 14 7. EMPATIA A empatia é uma função derivada da emoção amor e que, segundo De Waal (2010), surge da re- lação estabelecida entre mãe e filhote. Esta pode ser entendida como a capacidade de nos colo- carmos no lugar do outro, de sentirmos o que o outro está sentindo e até de inferirmos o que o outro está pensando. Esta capacidade deriva da condição inata da habilidade de operarmos a Te- oria da Mente (De Waal, 2010). Sabemos que os seres humanos são a mais so- cial das espécies sociais, e que viver em uma so- ciedade organizada traz o benefício da proteção. Todavia, embora nossa condição social seja inata, a natureza nos equipou com ferramentas fomen- tadoras desta socialização como por exemplo a empatia, mas também suas funções correlatas como a colaboração, o altruísmo e a compaixão. A empatia permite que nossa socialização seja harmônica, evitando o individualismo excessivo na sobrevivência humana. A empatia depende, conforme De Waal (2010), da capacidade que um organismo vivo tenha de ter consciência de si mesmo, ou seja, se você não for capaz de viven- ciar emoções em si mesmo jamais será capaz de perceber as emoções na perspectiva de outrem. Empatia é, portanto, uma característica inata do ser humano, assim como de muitos outros ani- mais, que depende de estimulação ambiental. As- sim sendo, a empatia é sensível às intervenções ambientais tanto para aumento como redução da expressão dessa capacidade. A ausência da empatia acaba por corroer a socialização e para- doxalmente acaba por destruir e corromper uma das características mais adaptativas dos seres humanos – o comportamento social. Além disso Ekman postula que a empatia deriva da capaci- dade dos indivíduos de realizar uma leitura fa- cial eficaz dos demais, reforçando a ideia de que tal função é uma forma de comunicação entre as espécies. As funções correlatas citadas anteriormente têm o propósito de incrementar e estabilizar os la- ços sociais, elas são chamadas de conectoras so- ciais, e tem por finalidade o equilíbrio entre as espécies. A cooperação é a ajuda promovida a alguém, algum organismo, que necessita. O que requer que o organismo que coopera seja capaz de perceber a necessidade do outro e se dirigir a ação de ajudar, cooperar. Já o altruísmo é a ca- pacidade que as espécies sociais possuem de se colocar em risco no intuito de ajudar o próximo. A reciprocidade deste comportamento ajuda a estabilizar e a manter a harmonia e o senso de proteção em grupos sociais. Por fim, a compaixão é a capacidade de amenizar o sofrimento físico e ou psicológico de outrem. Todas essas funções são encontradas na natureza em diversas espé- cies, além dos humanos, e em grandes primatas suas expressões são incrivelmente similares aos humanos (De Waal, 2010). • 15 8. MODELO TRI 8.1 Os 15 passos da regulação emocional 1. Psicoeducação da biologia e da classifica- ção emocional Para aquisição da proficiência emocional - princi- pal objetivo do modelo TRI - torna-se fundamental o conhecimento acerca das emoções, desde sua biologia, seu funcionamento, características e de- mais aspectos. Para tanto utiliza-se como estratégia a psicoeducação, de forma didática e/ou lúdica. Os elementos psicoeducativos desta temática con- sistem-se na explicação da biologia das emoções, de suas funções e objetivos, seu funcionamento e duração e as consequências derivadas, como os comportamentos, pensamentos, alterações fisioló- gicas, entre outros. Entende-se como fundamental a apresentação das emoções como processos fisio- lógicos involuntários, naturais dos seres humanos, e que tem como objetivo adaptação, socialização e comunicação da espécie. Destes conceitos deriva-se a importância da expressão das emoções e de sua diferenciação entre assertivas, agressivas ou passi- vas. Outro elemento necessário na psicoeducação é a diferenciação entre emoções agradáveis e desa- gradáveis de sentir, suas respectivas semânticas e sua característica passageira. Para tanto sugere-se a utilização do baralho e da metáfora da onda. A metáfora da onda consiste em ensinar para as crianças que emoções são como ondas, elas têm um início, um pico, mas sempre chegam ao seu final, e que sua duração é sempre breve. Além dis- so ensina-se também a sentença “eu sou o barco, não sou a onda”, auxiliando assim a criança a não vestir a roupa da emoção. É importante en- sinar também que quando somos sacudidos pelas ondas das emoções acabamos por fazer e dizer coisas que nos arrependemos depois, e que por 16 isso entender aquilo que sentimos é importante, e que existem maneiras de ajudar as emoções a passarem, e que estas serão ensinadas ao longo do trabalho. Outro ponto importante é o de apresen- tar para as crianças o estado de bem-estar como aquele em que não estamos com nenhuma emo- ção ativada, ou seja, o barco está em águas calmas. Sugere-se que este passo seja introduzido e utili- zados ao longo de todo o processo, quantas vezes for necessário. 2. Ativar / evocar emoções Ativar ou evocar uma emoção é o que produz a habilidade de experienciá-la. Segundo Ekman a fisiologia relacionada é tão significativa que ao imitarmos a expressão de uma determinada emo- ção por aproximadamente 60 segundos, somos capazes de ativá-la. Esta é uma habilidade funda- mental no desenvolvimento da empatia, visto que a autoconsciência e a autopercepção acerca das experiências emocionais é o que permite o reco- nhecimento das emoções nos outros. Além disso os exercícios e atividades que visem a evocação de uma emoção são importantes no trabalho com crianças que possuam alexitimia. 3. Reconhecer / sentir Este passo relaciona-se à decodificação semântica das emoções, ou seja, os sentimentos. Trata-se de reconhecer a ativação emocional em si mesmo, e buscar compreender as consequências derivadas dela, sejam elas alterações comportamentais, cog- nitivas, fisiológicas... 4. Nomear A nomeação das emoções fortalece a proficiência emocional como um todo. Saber o nome daquilo que se sente capacita as crianças a perceberem as diferenças entre as emoções e suas funções. 5. Compreender a semântica Cada emoção, quandoativada, possui um domínio de um campo semântico, ou seja, os pensamentos decorrentes de uma determinada ativação emo- cional estão relacionados à uma mesma temática. Quando a criança é capaz de compreender o que significa aquela emoção ela já antecipa quais pen- samentos e quais semânticas terão esses pensa- mentos derivados da emoção ativada, sendo essa compreensão parte importante do processo que batizamos de proficiência emocional. 6. Quantificar A quantificação consiste na mensuração da inten- sidade da emoção sentida. Utilizando o termôme- tro das emoções auxilia-se a criança a dar uma nota para a intensidade da experiência emocio- nal. Além disso este passo é importante para a ve- rificação da adequação de tal intensidade versus o evento/fato que a desencadeou. 7. Discriminar A discriminação é um passo que pode ser enten- dido como uma sofisticação da etapa anterior de quantificação. Ambos os passos se relacionam à adequação correta entre intensidade e evento de- sencadeante. As crianças que “vestem a roupa da emoção” com frequência apresentam uma tendência a quantifi- car todas as situações em que experienciam uma determinada emoção de forma muito intensa, não conseguindo discriminá-las. Este passo auxilia a criança a observar as diferenças entre estas expe- 17 riências, a partir de um parâmetro pessoal. Para isso sugere-se que o terapeuta escolha junto com a criança uma emoção desagradável em que ela apresenta problemas em sua discriminação. Por exemplo, quando a criança está ativando raiva em demasia e com intensidade sempre elevada para qualquer evento, sem discriminação de eventos “mais irritantes ou menos irritantes”. Crie um pa- râmetro pessoal máximo, médio e mínimo para que a criança compare cada novo evento ocorrido com os parâmetros criados por ela. Por exemplo: num caso de raiva questionar com a criança “Na sua vida até hoje o que deixou você com o máximo de raiva?” Fazer o mesmo para o médio e mínimo. 8. Aceitar Aceitar a emoção visa instrumentalizar a criança a lidar de forma saudável e funcional com a ati- vação desta emoção. Busca-se a naturalização da mesma, compreendendo que ninguém é diferen- te de ninguém por estar sentindo algo, visto que emoções são processos incontroláveis da nature- za humana e que, portanto, “lutar” contra uma determinada emoção não nos impede de senti-la. 9. Validar A validação é um processo complementar ao pas- so anterior. Seu objetivo é legitimar a experiência emocional da criança. 10. Manifestar facial, corporal e verbalmente A manifestação facial, corporal e verbal, também conhecida como corporificação, de uma emoção relaciona-se tanto à autopercepção como à capa- cidade empática do indivíduo. Ao sermos profi- cientes na identificação destes elementos em nós mesmos, nos tornamos capazes de ler e entender esta mesma experiência no outro. 11. Expressar assertivamente Exprimir de forma assertiva as emoções significa adequar socialmente à expressão comportamen- tal, verbal e facial derivada dela. A comunicação assertiva tem como característica a efetivida- de, não sendo nem passiva, nem agressiva, mas transmitindo uma mensagem e conteúdo condi- zente com aquilo que sentimos. Para tanto torna- -se importante relembrar que pensamentos são a voz da emoção, e por isso torna-se possível comu- nicar o que sentimos de forma assertiva. 12. Estabelecer conexões: árvores e mapa cor- po, ação e ambiente das emoções A árvore das emoções é mais um passo do que de- nominamos proficiência plena das emoções. Todas as demais emoções derivadas das emoções básicas existem no intuito de criar uma sintonia fina na comunicação para nós humanos. Por exemplo, a emoção apreensão deriva da emoção básica medo, todavia se necessito falar em público para uma au- diência importante seria normal um certo nível de medo. A sentença “estou com medo de falar hoje na minha fala pública” talvez não comunique o estado emocional mais próximo que se encontra o conferencista. A sentença “estou um pouco apre- ensivo de falar hoje na minha fala pública” comu- nica muito mais eficientemente o real estado emo- cional do sujeito do que dizer um simples “estou com medo”. Assim, vale para estar com ódio em vez de dizer estou com raiva. O ódio comunica um estado superior de raiva. Por isso, a conexão entre as emoções estabelecida no trabalho com a árvore das emoções ajuda o sujeito especificar melhor o que sente e ainda conectar o que sente com a emo- ção básica e com outras emoções desencadeadas e indexadas à emoção básica. Por exemplo, a sau- dade deriva da emoção amor, sentimos saudades do que gostamos. A saudade acentuada pode fazer conexão com a tristeza e, se envolver uma situação de abandono, pode ainda conectar-se com a raiva… Utiliza-se a metáfora da árvore de forma a ilustrar as emoções básicas como raízes, e que delas rami- ficam-se outras emoções, originadas a partir do de- senvolvimento social, da ontogênese. Essa amplia- ção proporciona novas formas de comunicação e expressão. 13. Ampliar o repertório emocional Este passo é complementar a etapa anterior. Tra- ta-se de ensinar outras maneiras de denominar as emoções experienciadas, partindo das emo- ções/sentimentos derivados delas. Este passo busca ampliar não só o repertório emocional da criança, mas também suas formas de comunica- ção e expressão daquilo que sente. 14. Reparação das emoções Para esta etapa utiliza-se a régua da assertividade como instrumento. Ela busca auxiliar a criança a equilibrar e acalmar a ativação vivida, reparando, acima de tudo, comportamentos inapropriados para 18 sua saúde mental. Sugere-se que, ao elencar uma ativação desagradável, perguntar para a criança o que seria necessário ocorrer para que ela se sentis- se reparada ou confortável após tal situação. Além disso questiona-se também o que seria necessário ocorrer para que ela fosse capaz de ativar e perce- ber emoções agradáveis de sentir, de forma a se sen- tir confortável e agradada. A régua da assertividade serve para avaliar tais soluções junto com a criança. Busca-se, por fim, uma solução possível e adequada com a finalidade de reparação ou satisfação relacio- nada à emoção desagradável de sentir sempre ten- dendo a assertividade, e nunca à agressividade. 15. Relaxamento, respiração e acalmando a mente. O passo final visa à regulação fisiológica da crian- ça. Trata-se de ensinar habilidades e estratégias, por meio de técnicas comportamentais que au- xiliem na desativação dos sintomas físicos rela- cionados à ativação emocional, como sudorese, enjoo, enrijecimento e tensão muscular, entre outros, de forma a diminuir as consequências da passagem da onda. • 19 9. INFÂNCIA E PSICOPATOLOGIAS Todas as psicopatologias apresentam algum nível de alteração no funcionamento emocional. Algu- mas patologias podem ser consideradas inclusive um sinônimo de desregulação emocional. Por isso identificar e abordar disfunções na expressão ou supressão das emoções (alexitimia) pode ser con- siderada parte importante de um processo tera- pêutico. Na infância o trabalho com as emoções pode ser um importante fator relacionado ao desenvolvi- mento de saúde mental, propiciando benefícios também na adolescência e vida adulta, uma vez que as experiências precoces desenvolvem fortes esquemas emocionais, que podem ser saudáveis ou disfuncionais. Além disso podemos compre- ender a infância como uma fase primordialmen- te emocional, onde os processos cognitivos ainda não estão solidificados e por isso atenta-se para a relação entre as emoções e a formação de psicopa- tologias na infância. Podemos compreender melhor este processo. O objetivodo trabalho com emoções na infância é o da proficiência emocional, conhecido também como educação socioemocional, possibilitando a elas a capacidade de regulação emocional plena e consequentemente maior flexibilização cognitiva e psicológica. Entende-se que sistemas capazes de autorregular emocionalmente acabam por gerar mais autorregulação cognitiva, comportamental e fisiológica. Trata-se de psicoeducar as crianças acerca do conhecimento científico sobre as emo- ções, seus níveis de estereótipo e auxiliá-las no de- senvolvimento de estratégias de controle de suas reações emocionais. Na atualidade as emoções são tratadas, e ensinadas, de forma disfuncional ou pejorativa, sendo elas in- validadas e sua supressão encorajada. Estes aspec- tos são prejudiciais para o funcionamento dos indi- víduos, sobretudo relacionado à sua saúde mental. Ao ensinar que uma determinada emoção é ruim, é má, ou que não deve ser sentida, quando a crian- ça experienciá-la seu entendimento sobre si mes- ma ficará distorcido: "se sinto algo que não pode ser sentido porque é ruim/mau logo eu sou ruim/ mau". Além disso o encorajamento da supressão de um processo natural e que possui uma função adaptativa, como as emoções, pode distorcer outros conceitos importantes como seu caráter passageiro e desconexão do self, proporcionando a invalidação emocional como um todo. A educação socioemocio- nal busca, portanto, tornar as crianças proficien- tes sobre as emoções (sua natureza, como elas se manifestam - corpo, rosto, voz, comportamento) e aprender como experienciá-las, de forma a propor- cionar também validação daquilo que sentem. Num aspecto global, as emoções servem à comu- nicação. A espécie humana evolui do gesto à pa- lavra, possuindo o gestual uma ampla gama de comunicação muito superior à palavra. Conforme Carvalho (2010), cada emoção tem seu respectivo padrão de manifestação fisiológica e comportamental. As manifestações fisiológicas variam de acordo com cada emoção evocada, en- volvendo diversos sistemas orgânicos em seu pro- cessamento. As manifestações comportamentais resultam em respostas motoras podendo ser de natureza voluntária ou involuntária. Como as emoções são representadas em cada lín- gua é um produto cultural e não evolutivo. • 20 10. RECAPITULANDO Emoções estão presentes no DNA dos seres huma- nos, sendo filogeneticamente transmitidas, o que nos torna seres emocionais. Trata-se de descargas fisiológicas universais e transculturais, experien- ciadas no corpo, e que possuem um viés adaptati- vo e de comunicação. Este entendimento origina-se nos estudos de Da- rwin, mas consolida-se com o trabalho de Paul Ekman ao apresentar o conceito de emoções bá- sicas (alegria, surpresa, medo, tristeza, raiva e nojo). Compreender a existência de emoções básicas é compreender que todos os seres humanos pos- suem a capacidade de expressar, identificar e reconhecer tais emoções. Isto ocorre a partir da padronização da expressão facial e vocal de cada emoção, além dos pensamentos e impulsos de ação de cada uma delas, ou seja, das manifesta- ções fisiológicas e comportamentais específicas de cada uma. Empatia é a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, sendo capazes, então, de sentir o que o outro está sentindo e até de inferir o que o outro está pensando. Da empatia derivam ou- tras funções correlatas que possuem exatamente o mesmo propósito: incrementar e estabilizar os laços sociais. São elas a cooperação, altruísmo e compaixão. Empatia é uma característica inata dos seres huma- nos, mas que depende da estimulação ambiental. • 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Beck, A.T. (1999) Apresentação. InM. Reinecke, F.M. Dattilio, A. Freeman Terapia cognitiva com crianças e adolescentes (pp. XV-XVI). 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Boston: Harvard University Press. 23 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR Aqui você encontra a sugestão de materiais como artigos, vídeos, sites, entre outros recursos para aprofundar e diversificar seu conhecimento sobre as temáticas trabalhadas. Divirta-se! Ekman, P., Sorenson, E. R., & Friesen, W. V. (1969). Pan-cultural elements in facial displays of emo- tions. Science,164, 86-88 Ekman, Paul. (2009). Darwin’s contributions to our understanding of emotional expressions. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2009 Dec 12; 364(1535): 3449–3451. Disponível em: https://www.ncbi.nlm. nih.gov/pmc/articles/PMC2781895/. doi: 10.1098/ rstb.2009.0189 Frans de Waal - A era da empatia. https://www.you- tube.com/watch?v=BjCt_BEF4dk Frans de Waal - As Raizes da Empatia e da Compai- xão https://www.youtube.com/watch?v=C8r4iwA- gaFs Frans de Wall, Do animals have morals? https:// www.ted.com/talks/frans_de_waal_do_animals_ have_morals?language=pt-br O poder da empatia - https://www.youtube.com/ watch?v=VRXmsVF_QFY Atlas das emoções - Paul Ekman e Dalai Lama - http://atlasofemotions.org/
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