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Sofistas, Sócrates e Platão Marilena Chauí Os Sofistas: Discurso e Relativismo da Justiça (sec V a.C.) Contexto Histórico cultural Rompem com a tradição pré-socrática Tradição pré-socrática: preocupação do filosofo com: cosmologia, religiosidade, natureza Não se pode afirmar que existe uma escola de sofistas. "os sofistas não chegaram a formar uma escola, pois não adotaram uma linha única de pensamento, sendo-lhes comum a divergência ou contradição de ideias, embora dirigissem seus estudos para idêntico alvo: o homem e seus problemas psicológicos." Os sofistas constituíam, no máximo, um conjunto de pensadores relativamente contemporâneos, que possuíam afinidade de ideias, conceitos e modos de vida. O que de fato ocorre é que desde Platão e Aristóteles, passou-se a tratar a diversidade dos sofistas como um grande conjunto indiferenciado de pensadores e técnicos da palavra. A palavra "sofistas" tem cunho pejorativo, designa aquele que não é sábio, mas que pretende ser, ou versado em uma técnica. Principal mérito dos sofistas: principiar a fase na qual o homem é colocado no centro das atenções. "O homem é a medida de todas as coisas" (Protágoras) Eram especialistas na arte do discurso. Sócrates: declarado antagonista dos sofistas, defende que eles nada sabem, apesar de se apresentarem como detentores de todos os conhecimentos. Platão: incorpora esse antagonismo e o transforma em compromisso filosófico - visão dicotômica que opõe diretamente as pretensões da filosofia (essência, conhecimento e sabedoria) às pretensões da sofística (aparência, opinião, retórica). Concebe os sofistas como pseudo-sábios. Não há muitos textos sofistas (exceto alguns escritos de Antifonte), então são principalmente os diálogos e Platão que fornecem os elementos para a recomposição da doutrina de muitos sofistas. Assim sendo, essa fonte é parcial e valorativa, considerando o confronto de pensamentos de Platão e sofistas. Importância do Discurso Motivos que levaram ao novo pensamento na Grécia (antropocentrismo): Estruturação da democracia ateniense Participação popular nos instrumentos de poder Reorganização social e politica ateniense expansão das fronteiras gregas Acúmulo de riquezas Intensificação do comercio Abertura das fronteiras para contato (pacifico ou bélico) Necessidade de domínio de conhecimentos gerais e da técnica da fala para uso retórico e se assemblear. Os sofistas, seguidos de Platão e Aristóteles, por seu turno, produzem aquela grande virada filosófica que põe no centro do debate a filosofia prática, a política e as leis. Respondendo a uma necessidade da democracia grega é que os sofistas tiveram seu aparecimento. Os sofistas são importantes, sobretudo por ter revelado a técnica para a dominação do discurso assemblear e pela rediscussão da dimensão do homem como ponto de partida para as especulações humanas. Dado comum a todos os sofistas: são homens dotados de domínio da palavra, e que ensinam a arte da retórica (arte dos logos), com vista no incremento da arte persuasiva. Retórica e pratica Judiciária As palavras se tornaram o elemento primordial para a definição do justo e do injusto. A técnica (techné) argumentativa faculta ao orador suplantar as barreiras dos preconceitos sobre justo e injusto. As experiências jurídicas nesse contexto aproximam- se do casuísmo relativista que só pode definir justiça ou injustiça diante do caso concreto. Isso favorece o desenvolvimento do discurso judiciário. Justiça a serviço dos interesses O resultado da mudança de eixo da cultura grega com relação à tradição anterior foi a relativização da justiça. Os sofistas se colocaram contra definições absolutas, conceitos fixos e eternos e tradições inabaláveis. No lugar deles, surgia o relativo, o provável, o possível, o instável, o convencional. Assim, com os sofistas surgiu o movimento de grande relativização da justiça. Entre o prevalecimento da natureza das leis (physis) e da arbitrariedade das leis (nómos), os sofistas optam pela segunda. O homem é o principio e a causa de si mesmo, e não a natureza, e é o homem que cria as leis. Assim, a noção de justiça é relativizada, na medida que seu conceito é igualado ao conceito de lei; o que é justo senão o que está na lei? Se a lei é relativa, se esvai com o tempo e muda, então assim também ocorre com a justiça. Conclusão A sofística foi um movimento intelectual coincidente com determinado contexto histórico cultural (sec. V a.C.) que o habilitou a uma serventia social, jurídica e politca muito grande. No campo do direito e da justiça, a sofística mobilizou conceitos no sentido de afastar todo tipo de ontologia ou mesmo todo tipo de metafisica ou mistificação em torno dos valões sociais. As leis são atos humanos e racionais forjados no seio de necessidades sociais, o que só é possível por meio da deliberação consensual e do discurso. Associavam a inconstância da lei à inconstância do justo. Sócrates: Ética, Educação, Virtude e Obediência (sec V a.C.) Filosofia Socrática e testemunho ético Sócrates é um divisor de águas para a filosofia antiga, sobretudo por situar seu campo de especulações na natureza humana e em suas implicações ético-sociais. Assim, ele quebra como a tradição anterior de focar na cosmovisão das coisas e da natureza. Seu método maiêutico, baseado na ironia e no diálogo, possui como finalidade a parturição de idéias (fazer nascer a ideia do próprio interlocutor). Para Sócrates, todo erro é fruto da ignorância, e toda virtude é conhecimento. Efetuar a parturição de ideias é tarefa primordial do filosofo, a fim de despertar nas almas o conhecimento. Daí a importância de se reconhecer que a maior luta humana deve ser pela educação. (paidéia). A maior virtude (arreté) é a de saber que nada se sabe. A obediência a lei, para Sócrates, era o limite entre civilização e barbárie. Se os homens erram ao aplica-la, como fizeram com Sócrates, nem por isso elas devem ser quebradas, dado o poder de obediência que têm e sua validez para todos. Assim, em seu julgamento, ele resignou-se à injustiça de seus acusadores em nome do respeito à lei. Ética Socrática O pensamento Socrático é profundamente ético. Reveste-se, em todas as suas latitudes, de preocupações ético-sociais. O que se conhece de Sócrates é mais fruto da leitura dos diálogos de Platão. Sócrates não deixou obra escrita. Desses diálogos, muitas vezes, extraem-se mais perguntas que respostas. Sócrates pode ser dito o iniciador da filosofia moral. Sua filosofia surge como uma forma de antagonismo: Aos sofistas (chamados de prostituídos por Sócrates, pensadores da retorica que defendiam o relativismo das coisas e cobravam por seu ensinamentos) À cosmologia filosófica dos pré-socráticos (que especulavam a respeito da natureza, dos astros, das estrelas, da origem do universo) O conhecimento, para Sócrates, reside no próprio interior do homem. Conhecendo-se a si mesmo pode-se conhecer melhor o mundo. Para Sócrates, o respeito às normas vigentes, a vinculação do filosofo com a busca da verdade, o engajamento do cidadão nos interesses da sociedade, entre outros ensinamentos, aparecem como postulados perenes de seu pensamento, que golpeavam fatalmente o relativismo sofista. O ensinamento ético de Sócrates reside no conhecimento e na felicidade. Ética é conhecimento: ao praticar o mal, a pessoa pensa que está praticando algo que a trará felicidade, mas esse pensamento é falso, causado por impressões e aparências externas. Conhece-te a ti mesmo. A felicidade tem a ver com a semelhança do que é valorizado pelos deuses (seres perfeitos). “A divindade de nada necessita”. A felicidade não está nos bens materiais. O cultivo da verdadeira virtude (a felicidade) se dá no controle das paixões e na realização do saber Primado da ética do coletivo sobre a ética do individual Sócrates dedicou-se a um valor absoluto e por ele lutou até o ponto de renunciar à sua própria vida. A ética socrática não se resume somente à lei e ao respeito dosdeveres humanos em si e por si. Transcende a isso: inscreve-se como uma ética atrelada ao porvir (post mortem). A filosofia socrática prepara para o bem viver após a morte. A verdade, a virtude e a justiça devem ser buscadas com vista em um fim maior, o bem viver post mortem. A morte para Sócrates representa só uma passagem. A morte não interrompe o fluxo de almas, que preexistem e subsistem ao corpo. (sobrevivência da alma, julgamento final na mão dos deuses). O direito em Sócrates é um instrumento humano de coesão social, que visa à realização do Bem Comum. O Bem Comum é o desenvolvimento integral de todas as potencialidade humanas, alcançável por meio do cultivo de virtudes. As leis da cidade são inderrogáveis pelo arbítrio da vontade humana. Sofistas: efemeridade das leis variáveis no tempo Sócrates: ideal cívico Lei: elemento de ordem do todo. O homem politico (cidadão) deve zelar pelo respeito absoluto às leis comuns à todos (normas politicas – nómos póleos). Principio básico do governo das leis: eficácia. Com base num juízo moral, não se pode derrogar leis positivas. Obedecer aos deuses é obedecer à cidade e vice-versa. Conclusões A filosofia socrática traduz uma ética teleológica e vislumbra na felicidade o fim da ação. Essa ética vida preparar o homem para conhecer-se, uma vez que o conhecimento é a base do agir ético. Só erra quem desconhece – a ignorância é o maior dos males. Erradicar a ignorância por meio da educação (paideia) é a tarefa do filosofo. A ética do coletivo está acima da ética do Indivíduo. Seu testemunho de vida bem provou essa convicção na renuncia de sua vida em prol da pólis. Onde está a virtude está a felicidade. Sócrates via na prudência a virtude fundamental para a harmonia social. Platão: Idealismo, Virtude e Transcendência Ética (sec V a.C.) Virtuosismo Platônico e Socratismo Platão desenvolve os mesmos pressupostos socráticos: a virtude é conhecimento e o vicio existe em função da ignorância. Todo o sistema filosófico platônico é decorrente de pressupostos transcendentes (alma, preexistência da alma, reminiscência das ideias, etc). Diferente de Sócrates, Platão, decepcionado com a politica, se distancia da cidade e do governo e de suas corrupções, e cria a Academia. A prudência socrática, em Platão, se converte em vida teórica, declarada como a melhor forma das vidas, modelo de felicidade humana. Tudo isso com base na tripartição da alma (psyché). Alma logística (cabeça) – racional – filósofo Alma irascível (peito) – coragem – cavaleiro Alma apetitiva (baixo ventre) – desejo – comerciantes A alma logística representa a imortalidade do ser; é o que assemelha o homem aos deuses; é hegemônica diante das outras partes da alma; é capaz de razão, e é essa razão que permite ao homem acessar, por meio da contemplação, as ideias que somente aos deuses são visíveis. A ciência só é possível do que é certo, imutável e eterno, e para Platão, somente as ideias são certas, imutáveis e eternas. Somente a alma logística é capaz de ciência e esta ciência deriva das ideias perfeitas e imutáveis pelo filosofo. Virtude e Vicio: ordem e desordem Cada parte da alma humana exerce uma função e a sincronização dessas funções são a causa da ordem. O virtuosismo platônico tem a ver com o domínio das tendências irascíveis e concupiscíveis humanas, tudo com vistas à supremacia da alma racional. Virtude significa controle, ordem, equilíbrio. Assim, boa será a conduta que for racional. O vicio esta onde reina o caos entre as partes da alma. A ética tem a ver com o aprimoramento da alma e da razão. Idealismo Ético e mito de Er O platonismo, ao contrario do aristotelismo, prima pelo idealismo e não pelo realismo. Às ideias de ética e virtude, liga-se diretamente a ideia de conhecimento como algo necessário. É por reminiscência que se podem recuperar as ideias que estão latentes na alma humana. Ética, Justiça e Metafisica A admissão de uma Realidade para além da realidade humana pressupõe uma Justiça superior à justiça humana. Assim, a justiça não pode ser tratada unicamente do ponto d vista humano, terreno e transitório; a justiça é questão metafisica, universal. Ética, alma e ordem politica A ordem politica platônica estrutura-se como uma necessidade para a realização da justiça. A divisão do Trabalho é regra de justiça no Estado Ideal: a tripartição das almas é modelo para a tripartição da sociedade em classes (politica, defesa e economia), não podendo haver interferência de uma classe na atividade da outra (interferência = injustiça) O Estado Ideal platônico é meio para a realização da justiça A justiça é a saúde do Estado. De fato, porem, esse estado não existe na Terra, e sim no além, como modelo a se inspirar. O Estado Ideal de Platão deve ser liderado por um único (teocracia): o filosofo, o sábio, pois ele contemplou a Verdade e esta apto a realiza-la socialmente. Conclusões A educação da alma (paideia) tem por finalidade destinar a alma ao pedagogo universal, o Bem Absoluto. O Estado deve assumir a tarefa de educação das almas. A educação deve ser publica visando ao melhor aproveitamento do cidadão.
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