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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO: O DEVER DE URBANIDADE EM JUÍZO RESUMO Este trabalho aborda o dever de urbanidade do advogado quando da sua atuação em juízo. É ressaltado o fato de que, conforme o código de ética da profissão, em sua atuação profissional, e em sua vida, o advogado deve adotar uma conduta que o torne merecedor do prestígio a ele conferido pela sociedade em função da sua profissão. Vários julgados por tribunais de justiça estaduais, pelo superior tribunal de justiça e pelo supremo tribunal federal são apresentados e discutidos no presente trabalho. Uma das questões centrais apresentadas diz respeito à imunidade judicial do causídico a qual foi pacificada como uma imunidade relativa e não absoluta. Nesse contexto, foi abordada a Ação Direta de Inconstitucionalidade no 1.127-8 movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, a qual ratificou o caráter relativo da referida imunidade e alterou alguns dispositivos importantes do Estatuto da Advocacia da OAB. PALAVRAS CHAVE: Ética da Advocacia; Imunidade do Advogado; Calúnia; Desacato. ABSTRACT This paper deals with the civil liability of the lawyer when acting in court. It is emphasized that, according to the code of ethics of the profession, in his professional performance, and in his life, the lawyer must adopt a conduct that makes him worthy of the prestige conferred by society on the basis of his profession. Several judged by state courts of justice, the superior court of justice and the supreme federal court are presented and discussed in this paper. One of the central issues raised concerns the judicial immunity of the lawyer, which has been pacified as a relative rather than an absolute immunity. In this context, the Direct Action of Unconstitutionality was addressed in 1.127-8 filed by the Association of Brazilian Magistrates, which ratified the relative character of said immunity and amended some important provisions of the OAB Law Statute. KEY-WORDS: Ethics of Law; Immunity of the Lawyer; Slander; Contempt. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................6 2 ADVOCACIA E A ÉTICA PROFISSIONAL............................................................11 2.1 A importância da Advocacia para a sociedade...........................................11 2.1.1 A garantia dos direitos individuais......................................................................12 2.2 O papel do advogado na defesa do Estado Democrático.........................12 2.2.1 A defesa da constituição........................................................................................13 3 O NOVO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB.........................................17 3.1 A ética e a valorização da profissão.............................................................17 3.1.1 Algumas condutas vedadas..................................................................................18 3.2 Das inovações incorporadas ao código.......................................................19 3.2.1 Alguns aspectos práticos trazidos pelas inovações.............................................21 4 DO DEVER DE URBANIDADE..............................................................................24 4.1 Conceito de responsabilidade civil.............................................................24 4.1.1 Responsabilidade civil contratual e extracontratual.......................................24 4.1.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva......................................................25 4.1.3 Reparação pelo dano moral...............................................................................27 4.2 Sobre a importância da boa conduta em juízo............................................29 4.2.1 A ação direta de inconstitucionalidade no 1.127-8..............................................36 4.3 Da importância do bom uso da linguagem..................................................39 5 CONCLUSÕES.......................................................................................................42 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................47 4 1 INTRODUÇÃO Aprovado pelo conselho pleno da OAB em outubro de 2015, o novo código de ética e disciplina daquela entidade entrou em vigor em 1o de setembro de 2016. O tempo transcorrido entre sua aprovação e posterior entrada em vigor foi utilizado para que as sucursais da OAB pudessem proceder a uma adequação às práticas determinadas pelo novo código. É bem sabido que após a entrada em vigor de um novo dispositivo legal, várias providências se fazem necessárias para que a nova lei passe a ser respeitada de forma efetiva. No caso de determinadas leis, para que sua entrada em vigor seja feita de forma efetiva, são necessárias obras públicas e a criação de novos serviços a fim de viabilizar as determinações contidas no dispositivo recém-criado. O novo código de ética da OAB traz em seu texto algumas inovações importantes cuja efetivação depende, senão de obras públicas, ao menos de ampla discussão sobre sua extensão e impacto sobre as práticas seguidas pelos advogados brasileiros. O presente trabalho está centrado no problema da responsabilização civil do advogado que venha a violar o código de ética da sua classe. Sem dúvida a violação a algum preceito contido no código de ética e disciplina da OAB é uma infração disciplinar prevista no art. 36, II, da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia. De acordo com aquele dispositivo, a sanção disciplinar aplicável ao caso de violação a algum preceito do código de ética é a censura. A partir do momento em que a conduta do infrator implicar dano a outrem, entra-se no campo da responsabilidade civil. Com efeito, as sanções disciplinares previstas na supracitada lei não levam em consideração, e nem deveriam levar, o caso em que uma outra pessoa venha a sofrer prejuízo em razão da conduta irregular cometida pelo infrator ao código de ética. A partir desse ponto, ou seja, havendo dano a outrem, a questão passa a ser regida pelo Código Civil. Em especial o art. 927, caput, da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, institui o dever de reparar o dano causado a outrem pela prática de ato ilícito. O que se pretende neste trabalho é analisar a relevância do código de ética do advogado na questão da responsabilidade civil. Tal relevância advém do fato de que, para a configuração da responsabilidade civil subjetiva, o código civil exige a ocorrência concomitante dos seguintes fatos: dano causado a outrem pela 5 ocorrência de ato ou fato; o caráter antijurídico ou ilícito do ato ou fato causador do dano; a existência de nexo causal entre o dano e o ato ou fato antijurídico; a ocorrência de culpa ou dolo na realização do ato. Assim sendo, o código de ética contribui no sentido de elencar alguns dos fatos antijurídicos que poderiam contribuir para configurar a responsabilidade civil subjetiva do advogado por condutas que violem o referido código de ética e resultem em dano a outrem. Com o intuito de estudar as possíveis situações resultantes na responsabilidade civil, para o presente projeto faz-se necessária uma análise das inovações trazidas pelo novo código de ética e disciplina da OAB. Pelo mesmo motivo, é indispensável uma discussão a respeito da responsabilidade civil, suas especificidades e tipificações. Após discorrer sobre os avanços alcançados pelo novo código de ética da OAB e haver procedido uma análise sobre as diferentes situações que podem implicar a caracterizaçãoda responsabilidade civil, o presente projeto propõe seja detalhadamente discutida a questão do dever de urbanidade por parte do advogado, principalmente no que se refere à boa conduta diante de um juízo ou perante um tribunal. Como já foi exposto anteriormente, as infrações ao código de ética são puníveis, de acordo com estatuto do advogado, através da censura, mas o ato praticado ganha contornos mais graves quando resulta em lesão ao direito, à moral, ou ao patrimônio de outrem, passando a ser abordado como questão de responsabilidade civil. Dentro do tema da responsabilidade civil do advogado, este trabalho estará primordialmente centrado na questão do dever de urbanidade a ser observado principalmente quando os causídicos estiverem atuando em juízo. O exame desta questão do dever de urbanidade será conduzido no presente trabalho tendo como pontos de referência alguns julgados de tribunais pátrios. Inclusive será abordado o caso de um advogado condenado ao pagamento de indenização a um magistrado em função de ofensas que o referido advogado incluiu em uma petição inicial. Como será demonstrado, nesse julgado teve bastante peso o fato de que o advogado desferiu ataques pessoais contra o magistrado utilizando-se de argumentos relacionados a fatos estranhos à lide que estava sendo tratada no processo onde ocorreram as ofensas. 6 A presente monografia tem a modesta pretensão de contribuir para o debate acerca da atuação da atuação do advogado em juízo e suas limitações legais. Alguns paradoxos bastante acentuados da profissão podem ser sentidos quando se percebe o seguinte fato. Ao mesmo tempo em que se exige do causídico a cordialidade, o respeito e a urbanidade, dele também é exigido o sucesso na defesa de sua causa. Ora, frequentemente para obter-se tal sucesso faz necessário defender a causa em questão com ardor, veemência e paixão. Assim sendo, torna- se claro que os advogados são extremamente exigidos em termos de equilíbrio emocional e retidão profissional. A advocacia é uma profissão para pessoas corajosas. Com efeito, a presente monografia não deixará de abordar o fato de que um advogado deve atuar com destemor diante de quem quer que seja: magistrado, autoridade ou representante da parte adversa. Tal destemor, no entanto, deve ser praticado com respeito e urbanidade. Sabe-se que o equilíbrio preconizado nas sentenças acima não se obtém facilmente. Assim sendo, este trabalho tem a intenção de contribuir com o debate a respeito das formas como o advogado poderia proceder para alcançar a moderação e o discernimento necessários para que possa exercer seu múnus público de forma compatível com os princípios éticos elaborados e defendidos pela Ordem dos Advogados do Brasil. Com tais objetivos em mente, esta monografia se inicia examinando as questões relativas à importância desta profissão para a sociedade. Sem dúvida, os princípios éticos exarados pela OAB tem como seu fundamento primordial a importância social do advogado. Tal importância consiste no fato de que as pessoas confiam nessa classe de profissionais para verem suas reclamações jurídicas serem ouvidas e atendidas se forem procedentes. Em suma, as pessoas confiam nos advogados como profissionais que protegem seus direitos. Os princípios acima mencionados estão sintetizados no artigo 133 da Constituição Federal, o qual reconhece os advogados, assim como os magistrados e promotores públicos, como fundamentais para a administração da justiça. As prerrogativas e imunidades que protegem os causídicos, são todas consequências dos princípios acima descritos, ou seja, o fato de que os advogados 7 têm uma enorme importância social pois são eles que, basicamente, defendem os direitos das pessoas. Conforme será demonstrado neste trabalho, a imunidade judicial do advogado tem um alcance limitado. O Estatuto do Advogado, Lei no 8.906/94, pretendeu conferir ao advogado, no exercício da sua profissão, uma imunidade judicial de amplo alcance, praticamente absoluta. A partir de vários julgados do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, pacificou-se o entendimento de que a imunidade judicial do advogado é relativa. Tal entendimento foi ainda corroborado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIn 1.127-8 a qual, dentre outras medidas, retirou do art. 7o, § 2º, que trata da referida imunidade judicial, o termo desacato. Ou seja, a partir daquela ADIn, foi determinado que o desacato não é alcançado pela imunidade judicial do advogado. Em vista do alcance limitado da imunidade, torna-se ainda mais relevante o exame do dever de urbanidade em juízo. Com efeito, o advogado que não observar as boas regras de conduta em juízo, acaba por sujeitar-se a uma possível ação indenizatória por danos morais. Nesse sentido, a discussão acerca da responsabilidade civil ganha contornos interessantes e importantes no que se refere ao dever de urbanidade. Sem dúvida a discussão de todas essas questões levantadas não será possível sem que preliminarmente sejam examinados os aspectos mais fundamentais da importância profissão para a sociedade e os princípios éticos que devem nortear a atuação de todo causídico. É assim que o capítulo 2 desta monografia aborda a ética profissional da advocacia ao passo que o capítulo 3 trata do código de ética da OAB sem deixar de abordar, com algum detalhe, as inovações significativas que forma incorporadas a este diploma legal que entrou em vigor há menos de dois anos atrás. Com intuito de contribuir com as discussões e oferecer resposta às indagações que podem surgir a partir do fato de se exigir do advogado, de um lado, a defesa enérgica dos direitos de seus constituintes e, de outro lado, o respeito às regras éticas e observância do princípio de urbanidade, este trabalho propõe um binômio conceitual que poderia talvez servir de orientação para que se evitem futuros problemas judiciais com a atuação do causídico em juízo. 8 O binômio conceitual ao qual se faz referência acima é composto pelos princípios de impessoalidade e circunscrição aos temas da lide. A partir do exame dos julgados onde alguns advogados foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais, o que se percebeu é que o causídico havia cometidos duas faltas. Primeiramente ele atacou as pessoas envolvidas e não as ideias por elas defendidas. Em segundo lugar, os termos ofensivos foram elaborados usando fatos estranhos ao tema da lide. Ou seja, se o advogado fizer ataques pessoais baseando-se em fatos estranhos ao que se está tratando no processo, ele corre o risco de que sua atitude seja interpretada como uma tentativa de atingir a honra da outra parte, além de tentar alterar a convicção do julgador trazendo à baila fatos que não fazem parte do processo de que se está tratando. Assim sendo, o presente projeto pretende discutir a problemática do dever de urbanidade em juízo, fundamentando os argumentos com os princípios éticos e sociais que são basilares para a profissão bem como nas decisões proferidas pelos tribunais pátrios em processos relacionados ao dever de urbanidade do advogado quando da sua atuação em juízo. 9 2 ADVOCACIA E A ÉTICA PROFISSIONAL A observância de uma conduta ética é fundamental ao exercício de qualquer profissão. Considerando-se a importância que a profissão de advogado para a sociedade através da proteção ao Estado Democrático de Direito, conclui-se que o dever de atuar dentro dos parâmetros éticos, torna-seainda mais relevante. […] a importância da atuação do advogado para a manutenção de um Estado Democrático de Direito, fundado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como no pluralismo político, foi formalmente reconhecida pelo Direito brasileiro. (MAMED, 2003, p. 45) Considerando-se que o advogado é um profissional cujo dever é defender os direitos daquelas pessoas que o escolheram para constituir-se em seus defensores, sem dúvida a advocacia é uma profissão onde os aspectos éticos na conduta profissional tem um caráter inteiramente determinante da qualidade do serviço prestado à sociedade por esta classe de profissionais. O estudo que se pretende realizar no presente trabalho não pode perder de vista as prerrogativas e garantias concedidas, na forma da lei, para que os advogados possam exercer sua profissão, a qual envolve a justa observância dos princípios constituintes do Estado Democrático de Direito e as garantias de que todas as pessoas terão seus direitos individuais garantidos. Uma vez estando bem assentada a importância fundamental do advogado para a sociedade, e estabelecido o fato de que sua profissão necessita certas prerrogativas e garantias, será abordada a questão dos limites à sua atuação. Com efeito, os causídicos são invioláveis no exercício de seu trabalho, mas a postura ética e a conduta adequada, especialmente quando em juízo, são aspectos profissionais que não podem jamais serem colocados de lado em nome da defesa da já mencionada inviolabilidade da profissão. 2.1 A importância da Advocacia para a sociedade No que se refere às justificativas do presente projeto, cumpre lembrar que o advogado, através do seu trabalho, cumpre um papel social e público que importa na defesa do caráter universal da justiça. A esse respeito, o texto constitucional 10 federativo brasileiro (Brasil, 1988) é bastante incisivo ao afirmar, em seu artigo 133, que: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Não restam, portanto, dúvidas quanto ao caráter fundamental da profissão de advogado para a garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos. A defesa da dignidade da profissão implica a defesa do próprio estado democrático de direito garantidor, dentre outros, do direto à dignidade na vida humana. Segue-se como consequência que não há exageros quando se afirma desempenhar, a profissão de advogado, papel fundamental na proteção aos direitos dos cidadãos. O presente trabalho justifica-se também por contribuir com as discussões a respeito do combate à desvalorização da profissão coibindo as práticas que implicam o desprestígio da classe. Um debate dessa natureza tem especial relevância em função do caráter fundamental que a profissão possui junto à sociedade. Socialmente, ao advogado, no exercício de sua função profissional, incumbe o mister de ser o atuante sujeito de postulação dos interesses individuais e/ou coletivos consagrados pelos diplomas normativos do país. É certo que todo advogado atua como um agente parcial, mas não se deve considerar o fato de que, quando exercente de uma pretensão legítima, é também uma garantia da efetividade do sistema jurídico e de seus mandamentos nucleares. (SACRAMENTO SILVA, 2009, p.17) 2.1.1 A garantia dos direitos individuais O texto constitucional prevê uma série de dispositivos voltados para a proteção dos direitos individuais das pessoas. Um dos papéis mais fundamentais da profissão de advogado consiste precisamente na proteção de tais direitos: “[…] foi afirmado, normativamente, o seu papel indispensável para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que objetiva desenvolver-se, erradicando a pobreza e a marginalização […]” (MAMED, 2003, p. 44) 2.2 O papel do advogado na defesa do Estado Democrático A importância do advogado perante a sociedade não se limita à defesa de interesses particulares. Embora tais defesas não devam ser menosprezadas, a importância da profissão chega ao ponto de envolver a própria defesa do Estado Democrático de Direito. 11 Em face dos objetivos estabelecidos para essa monografia, quais sejam, os limites éticos de atuação de um advogado, faz-se absolutamente necessário um exame preliminar de alguns aspectos centrais da advocacia. O supracitado Art. 133 da Constituição Federal é bastante claro e incisivo ao dispor sobre a inviolabilidade dos atos de qualquer advogado. Com efeito, levando- se em consideração que os profissionais de advocacia tem o dever de defender os direitos de seus clientes, fica difícil conceber que esta defesa poderia ser realizada de forma eficaz sem que os atos praticados pelos causídicos no exercício da sua profissão não estivessem protegidos pela inviolabilidade por seus atos e manifestações. 2.2.1 A defesa da constituição É fato bem conhecido que o dever fundamental de proteção da constituição é uma competência da suprema corte do país, o Supremo Tribunal Federal. Sem de forma alguma tentar diminuir a importância daquela suprema corte, percebe-se no texto constitucional que o legislador optou por distribuir o dever de proteção da constituição para além das instituições estatais que reconhecidamente possuem esse dever. Assim sendo os advogados, isoladamente ou em classe são também responsáveis pela proteção da constituição. O caráter fundamental que a profissão de advogado exerce na proteção da justiça e do Estado Democrático de Direito está expressamente enunciada no Estatuto da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil. Com efeito, no art. 2o daquele diploma legal, Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, no qual lê-se que: Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça. § 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. § 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público. § 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei. (BRASIL, 1994, p.1) O dispositivo legal acima reproduzido sustenta em três princípios fundamentais o papel desempenhado pelo advogado no funcionamento da justiça e na manutenção da boa ordem jurídica nacional. 12 Tratam-se de três princípios elencados nos parágrafos 1o a 3o do Estatuto da Advocacia da OAB. Em primeiro lugar encontra-se a função social e o serviço público prestado pelo advogado, ou seja, o exercício da advocacia implica o bem- estar da população, o equilíbrio e a harmonia do convívio em sociedade. Em seguida, o parágrafo 2o, dispõe sobre o dever do advogado em agir de forma favorável à quele o constituiu como tal, buscando demonstrar ao juiz a pertinência do direito que se busca estabelecer através da ação proposta, tal é o múnus público de que está imbuído o causídico. Finalmente, o último parágrafo do Art. 2o, acima reproduzido, dispõe acerca do caráter inviolável da atuação dos advogados. Com efeito, aquele profissional que recebe a designação de defender os direitos das pessoas, precisa estar protegido, no exercício da sua profissão, contra as possíveis violações oriundas de possíveis conflitos de interesse de outras pessoas. A Constituição brasileira capta a realidade histórica, reconhecendo na advocacia – na pluralidade dos advogados, à qualcorresponde uma pluralidade de posições, mas uma unicidade na disposição de defendê-las – uma forma de limitar a compreensão do Estado como poder que se almeja, motor da atuação de muitos políticos, forçando o respeito ao Estado como instituição constituída pela sociedade e que deve funcionar a partir da sociedade e no benefício desta sociedade. (MAMED, 2003, p. 46) Sendo o presente trabalho focado na conduta do advogado, sem dúvida a fundamentação de tudo o que se pretende desenvolver nesta monografia passa pela compreensão do papel do advogado na sociedade, suas obrigações, bem como as prerrogativas associadas ao seu trabalho, seja pela remuneração correspondente à importância da sua profissão, ou pela proteção ao princípio de inviolabilidade das suas atividades profissionais em defesa de seus clientes. Tal dispositivo constitucional [o Art. 133] elevou a atividade do advogado a uma função pública, tornando-a essencial para a administração da justiça. Tanto isso é verdade que a própria localização normativa na organização do texto constitucional, imediatamente após o Ministério Público (art. 127 a 130) e a Advocacia Pública (art. 131 e 132), configura a sua valoração como indispensável à conservação e garantia do Estado democrático de direito. (FERREIRA SOBRINHO, 2011, p.11) Para abordar a temática da conduta ética do advogado e de seu dever de portar-se de forma adequada à profissão necessita, com efeito, ser precedida de 13 uma análise acerca da importância da profissão para a sociedade de forma geral e especialmente na defesa da justiça e da constituição. Esse desenvolvimento prévio é absolutamente essencial para que a observância das normas éticas de conduta não sejam confundidas com qualquer tipo de cerceamento da atividade advocatícia. Sem dúvida, tais cerceamentos são completamente inaceitáveis pois contrariam princípios constitucionais que conferem ao causídico as possibilidades de atuar na defesa dos direitos individuais daqueles que o elegeram para representantes diante do poder jurisdicional. É assim que o Estatuto da Advocacia, Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, determina que um advogado deve sempre manter independência, sem receios em desagradar magistrados ou outras autoridades, agindo de forma que o torne merecedor de respeito. Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. § 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância. § 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão. (BRASIL, 1994, p. 10) A menção ao supracitado artigo 31 do estatuto do advogado faz-se necessária no sentido de ratificar o fato de que a observância ao código de ética não pode jamais ser confundida com subserviência a qualquer autoridade. Da mesma forma que o devido respeito ao magistrado e à parde adversa não será, de forma alguma, confundida com acovardamento diante dos necessários confrontos que fazem parte dos processos judiciais. Sem dúvida, o trabalho de advogado exige coragem e energia. Essas qualidades fundamentais devem ser exercidas observando-se os limites impostos pela lei, em especial no âmbito do uso apropriado da linguagem e da urbanidade no trato com o magistrado e a parte adversa. São os limites éticos impostos pela lei à conduta dos que serão abordados nos capítulos que se seguem. Tal estudo não poderia ser feito antes de se abordar algumas questões preliminares ao desenvolvimento de um trabalho crítico acerca da conduta ética no âmbito dessa profissão. 14 As questões preliminares que não poderiam serem deixadas de lado, dizem respeito à importância do trabalho advocatício para a sociedade e na defesa do Estado Democrático de Direito, inclusive na defesa da constituição. Embora a defesa da constituição seja a atribuição por excelência do Supremo Tribunal Federal, deve- se salientar que os Ministros que compõem aquela casa não agem sem serem provados por inciativa dos cidadãos que buscam verem respeitados seus direitos demandando à corte o respeito à Carta Magna. Ora, o pedido que qualquer pessoa queira fazer a algum órgão do poder judiciário deve ser postulado através de um advogado. Daí segue-se a importância que esta classe profissional tem em relação à defesa da Constituição. Além do papel desempenhado para o equilíbrio jurídico do país e defesa da constituição, o trabalho do advogado deve transcorrer de forma independente e respeitar o prestígio da profissão. Este é outro aspecto fundamental que precisa ser colocado em relevo antes de se iniciar o estudo de seus limites éticos de atuação. 15 3 O NOVO CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB O novo código de ética da OAB, aprovado em 19 de outubro de 2015, entrou em vigo no Brasil em 1o de setembro de 2016 com a principal função de responder a algumas da necessidade surgidas a partir da evolução da sociedade. De acordo com Paulo Roberto de Gouvêa Medina (2016), duas necessidade principais impulsionaram a criação do novo código: controle da publicidade profissional e regulamentação do processo ético-disciplinar. A partir da leitura do novo código de ética e das análises publicadas por juristas importantes, salta aos olhos uma preocupação com a valorização da profissão de advogado e o cuidado para se evitar que essa profissão fundamental para a sociedade acabe por perder o seu prestígio. Sem dúvida, para se preservar a profissão no patamar que lhe é devidamente cabível, faz-se necessário uma vigilância incessante sobre a preservação dos princípios fundamentais que conferem ao advogado o seu importante papel na defesa dos direitos individuais e coletivos bem como na defesa dos conceitos fundamentais que dão sustentação ao próprio Estado Democrático de Direito. 3.1A ética e a valorização da profissão Levando-se em conta a importância da valorização da profissão de advogado e a necessidade evitar a perda de prestígio dessa classe fundamental de profissionais, o código de ética da OAB proíbe certos tipos de conduta que poderiam levar a consequências indesejáveis para a profissão como um todo. O Art. 2 do novo código de ética da OAB faz eco ao Art. 133 da Constituição Federal ao ratificar e reafirmar que “o advogado é indispensável à administração da justiça”(OAB, 2015, p.2). O parágrafo único do art. 2 passa então a elencar uma série de deveres do advogado. Em face do tema de valorização da profissão, torna-se bastante pertinente fazer menção aos incisos I, II e III, parágrafo único, do referido Art. 2. Com efeito, tais incisos dispõem sobre alguns deveres do advogado e estão em consonância com os princípios de preservação do prestígio da profissão, pois tem como objeto evitar condutas que possam levar à perda de prestígio ou à desvalorização da profissão. 16 Parágrafo único. São deveres do advogado: I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia; II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; III – velar por sua reputação pessoal e profissional; (OAB, 2015, p.3) Além dos deveres acima listado, com especial ênfase à preservação da honra, da dignidade e à atuação destemida e independente, estão presentes no código de ética da OAB alguns dispositivos que buscam proibir certas condutas bastante específicas com o objetivo de proteger os valores listadosno supracitado Art. 2. 3.1.1 Algumas condutas vedadas Merece destaque primeiramente o fato de que, segundo o Art. 5 do código de ética da OAB: “O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização” (OAB, 2015, p. 4). Na mesma direção aponta o Art. 7 ao vedar o oferecimento de serviços advocatícios com a intenção de angariar clientela: “Art. 7º É vedado o oferecimento de serviços profissionais que implique, direta ou indiretamente, angariar ou captar clientela.” (OAB, 2015, p. 4). Na seção seguinte será demonstrado como o novo código de ética buscou inovar nas questões relativas à vedação da mercantilização da advocacia ao criar dispositivos que limitam as formas que um advogado pode utilizar-se dos meios de comunicação e propagando dos seus serviços. Antes de adentrar no tópico das inovações trazidas pelo novo código de ética da OAB, é pertinente fazer referência a mais um dispositivo voltado para a valorização da profissão e preservação do seu prestígio. Trata-se do Art. 4 do novo código de ética o qual enfatiza a importância do respeito à independência e liberdade do advogado no exercício da sua profissão. Art. 4º O advogado, ainda que vinculado ao cliente ou constituinte, mediante relação empregatícia ou por contrato de prestação permanente de serviços, ou como integrante de departamento jurídico, ou de órgão de assessoria jurídica, público ou privado, deve zelar pela sua liberdade e independência. Parágrafo único. É legítima a recusa, pelo advogado, do patrocínio de causa e de manifestação, no âmbito consultivo, de pretensão concernente a direito que também lhe seja aplicável ou contrarie orientação que tenha manifestado anteriormente. (OAB, 2015, p.3) 17 O tema da independência e liberdade de atuação do advogado já foi abordado anteriormente neste trabalho. De fato, uma vez que o ponto central da presente monografia é a conduta do advogado em juízo, antes de se entrar nesse tem é importante ressaltar que as regras de conduta a serem observadas por um advogado quando estiver atuando diante de um magistrado não podem ser confundida, sob pena de configurar-se em uma ofensa ao código de ética da OAB, com uma atitude de subserviência ou temor diante do juízo. O mesmo princípio de destemor, liberdade e independência que se aplicam à atitude, seguramente respeitosa, que o causídico deve observar em relação ao magistrado, aplicam-se da mesma forma aos seus clientes ou constituintes, sejam eles pessoa física ou jurídica, inclusive escritórios de advocacia. Este é princípio sob o qual está redigido o artigo 4o reproduzido acima. 3.2Das inovações incorporadas ao código Dentre as principais inovações trazidas pelo novo código de ética e disciplina da OAB estão: a instituição da advocacia pro bono; a regulamentação da publicidade profissional; o dever de encorajar a busca pela solução extrajudicial de conflitos e a instituição da tabela de honorários advocatícios como forma de combate contra o aviltamento da profissão. Sobre tais inovações, o artigo de Marcus Vinícius Furtado Coêlho (2016) é bastante esclarecedor. A respeito da instituição da advocacia pro bono, Furtado Coêlho ressalta que ela rendeu ao Brasil o recebimento de uma honraria internacional: A aprovação da advocacia pro bono foi inclusive motivo para que o Brasil recebesse prêmio internacional da advocacia pro bono, homenagem da Internacional Bar Association (IBA), instituição composta por 195 entidades da advocacia de todo o mundo. Recebeu a honraria o Instituto Pro Bono, através de seu presidente Marcos Fuchs. (COÊLHO, 2016) O mesmo autor ainda fornece uma detalhada explicação acerca do significado de tal instituto formalizado no Brasil pelo novo código de ética da OAB, verbis: Cumpre destacar que a expressão latina não indica, simplesmente, um serviço gratuito, ou “para o bem”. A palavra bonum, em seu sentido clássico, possui carga semântica relacionada ao interesse público, coletivo, como em commune bonum, ou bem comum. É essa a abrangência que deve ser tomada pelo termo. O advogado, ao atuar pro bono, está não só fornecendo 18 um serviço gratuito, mas também agindo em prol do interesse público, de objetivos sociais e constitucionais, como a igualdade entre os sujeitos, a paridade de armas no processo judicial e o acesso à Justiça. O instituto da advocacia pro bono, ressalte-se, não se confunde com a previsão do art. 5º, inciso LXXIV, de que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Esse múnus estabelecido no rol dos direitos fundamentais é exclusivo do Estado, e não se estende aos particulares no exercício de sua profissão. (COÊLHO, 2016) Outra inovação trazida pelo novo código é o controle da publicidade profissional realizada pelo advogado. De acordo com o novo código, a publicidade dos serviços advocatícios deve ser realizada de forma discreta e moderada, tendo apenas caráter informativo. A esse respeito, Furtado Coelho leciona que: O novo Código também estabeleceu parâmetros para a manifestação pública do advogado, sobretudo nos meios de comunicação, especialmente no rádio e na televisão, a evitar a captação de clientela. Diante disso, não se permite publicidade pautada pela promoção pessoal e profissional, tampouco que faça incitação ao litígio. A aparição do advogado nos meios de comunicação deve ser moderada, apenas com caráter informativo e educativo. (COÊLHO, 2016) Quanto ao fato de ser, tal dispositivo, inspirado pelo direito francês, o mesmo autor continua sua análise e afirma que: “(…) mantém-se a tradição francesa em oposição à americana. Isso porque esta atribui ampla liberdade de propaganda aos advogados, permitindo até mesmo a publicidade em rádio e televisão. Nos Estados Unidos, a publicidade profissional dos advogados aproxima-se da atividade empresarial, ao contrário da tradição francesa, que inspirou e continua a orientar este aspecto da cultura jurídica de nosso país enquanto atividade intelectual. Na França, de modo diverso, a publicidade só é permitida se as informações respeitarem os princípios essenciais da profissão. São proibidas, por exemplo, mensagens laudatórias ou comparativas, bem como aquelas que sejam contrárias à lei (…)” (COÊLHO, 2016) Outro avanço importante trazido pelo novo código diz respeito ao dever de encorajar a solução extrajudicial de conflitos. Com base nesse dispositivo do novo código, o advogado tem o dever de estimular seus clientes na busca pela solução conflitos através de métodos extrajudiciais, tais como a mediação, a conciliação ou a arbitragem. A esse respeito, o mesmo autor já supracitado ensina: Os modelos tradicionalmente traçados pelo processo judicial e pela atuação do Poder Judiciário para a solução de controvérsias muitas vezes são insuficientes para, de fato, solucioná-las, seja pela cultura do litígio ainda 19 forte no país – que acredita que a judicialização dos conflitos é a única via para sua solução –, seja pela ausência de meios mais equilibrados, que fujam da lógica de rivalidade entre as partes. Dessa forma, a conciliação, a mediação e a arbitragem permitem soluções mais céleres, participativas, duradouras, que contribuam para a cultura do consensualismo. Por isso, o novo CED da OAB, ao reconhecer a importância das soluções consensuais para o alcance da justiça material, conferiu especial atenção ao uso de métodos extrajudiciais na resolução consensual de conflitos.(COÊLHO, 2016) Resta ainda a discussão de mais uma grande inovação trazida pelo novo código e que representa, para o presente trabalho, uma importância fundamental.Trata-se precisamente da instituição da Tabela de Honorários Advocatícios. Dado seu caráter central para o presente trabalho, este assunto será tratado em uma nova seção. 3.2.1 Alguns aspectos práticos trazidos pelas inovações O novo código de ética e disciplina da OAB, instituiu dispositivos voltados para o combate ao aviltamento da profissão. Nesse sentido, o artigo 48, parágrafo 6 o, do novo código de ética (OAB, 2015) afirma que: Deverá o advogado observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional onde for realizado o serviço, inclusive aquele referente às diligências, sob pena de caracterizar-se aviltamento de honorários. (OAB, 2015) O combate ao aviltamento dos honorários é uma questão que diz respeito à valorização da profissão de advogado. Tendo em conta o papel fundamental desempenhado pelo causídico perante a sociedade, a proteção desta profissão implica na proteção aos direitos de todos os cidadãos. A respeito do caráter fundamental desempenhado pelo advogado perante a sociedade, Claudio Pacheco Prates Lamachia (2016), ensina que: A advocacia é elemento fundamental para a consolidação de um Brasil justo e democrático. Para o fortalecimento da sociedade, a valorização da advocacia é fundamental. Essa valorização abrange uma remuneração justa e equânime, sendo condizente com a relevância social dos serviços prestados. A luta por uma remuneração digna nada mais é que a luta por respeito ao trabalho do advogado. (LAMACHIA, 2016) 20 A esse respeito cabe menção ao artigo 133 da Constituição Federal de 88 (Brasil, 1988), o qual afirma que: “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Conclui-se que o caráter fundamental da profissão do advogado está previsto na própria carta magna brasileira. Ainda a respeito do papel do causídico como defensor de direitos individuais e coletivos e como defensor do direito junto à sociedade, Lamachia diz: De tal modo, o Estado Democrático de Direito, o acesso à Justiça e o devido processo legal apenas são possíveis com a indispensável atuação e trabalho do advogado. É dele a prerrogativa de postular junto às instâncias judiciais, tanto para apresentar uma pretensão resistida à Justiça, solicitando a sua intervenção, quanto para defender um cidadão de um pedido ou acusação perpetrada contra ele. O advogado é responsável por ser a voz do cidadão, defendendo a dignidade, o patrimônio, a honra, a liberdade, e até mesmo a vida das pessoas. Portanto, atribuir-lhe prerrogativas profissionais não caracteriza uma concessão de privilégios, mas um reforço para a consolidação do regime republicano e democrático. (LAMACHIA, 2016) Conforme exposto anteriormente, o Art. 48o, § 6o, versa sobre o dever do advogado em observar a Tabela de Honorários. Tal dispositivo visa coibir o aviltamento dos honorários advocatícios. Sobre os efeitos positivos para todos os cidadãos pelo recebimento digno e em valores condizentes com sua importância para a sociedade, Lamachia afirma que: A valorização da advocacia importa no respeito dos próprios direitos do cidadão, ao certificar que a justiça e os processos judiciais tramitem de maneira incólume, observando o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, proporcionando um acesso à Justiça não apenas formal, representado pelo ingresso no Poder Judiciário, mas um acesso à Justiça material, consolidado na resolução dos conflitos no seio social e na efetivação dos direitos dos cidadãos. O combate ao aviltamento dos honorários do advogado é uma questão de justiça. A advocacia faz jus ao reconhecimento de sua indispensável função social, como forma de realizar os preceitos constitucionais e fortalecer o Estado Democrático de Direito. (LAMACHIA, 2016) Falando especificamente da regulamentação pertinente à fixação das tabelas de honorários, o mesmo autor relembra que tal regulamentação é dada pelo artigo 58, inciso V, do Estatuto do Advogado (Brasil, 1994), verbis: Conforme preceituam o art. 58, inciso V, da Lei nº 8.906/1994 (EAOAB) e o art. 111 do seu Regulamento Geral, é de competência privativa do Conselho Seccional da OAB a fixação de tabela de honorários dispondo sobre suas referências 21 mínimas na respectiva Unidade da Federação, as quais devem ser observadas por todos os advogados nele atuantes, como forma de orientar na contratação de seus serviços profissionais, para evitar o aviltamento de sua remuneração e conservar a dignidade da advocacia. (LAMACHIA, 2016) O autor prossegue o exame do assunto e faz um interessante comparativo entre o antigo código de ética da OAB e o novo texto aprovado em outubro de 2015, o qual enfatiza de forma mais categórica o dever do advogado em observar a Tabela de Honorários fixada pelo respectivo Conselho Seccional da OAB. Sobre tal comparativo Lamachia (2016) nos ensina que: A nova redação é mais rígida que a prevista pelo Código anterior, a qual estipulava que o advogado deveria “evitar o aviltamento de valores e serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela, salvo motivo plenamente justificável”. O antigo diploma era mais ameno quando recomendava “evitar” e, ainda, permitia exceção na hipótese de “motivo plenamente justificável”. Agora o atual CED é enfático em obrigar o advogado a observar os valores determinados na tabela de honorários: “Art. 48 - […] § 6º - Deverá o advogado observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional onde for realizado o serviço, inclusive aquele referente às diligências, sob pena de caracterizar-se aviltamento de honorários”. Sem dúvida, os novos dispositivos criados no sentido de afastar o aviltamento de honorários terão impactos significativos do ponto de vista das aplicações práticas do código de ética da OAB pois envolvem a criação de uma tabela de honorários que deve ser observada pelos advogados e organizada pelas seccionais da OAB em cada estado da federação. 22 4 DO DEVER DE URBANIDADE 4.1 Conceito de responsabilidade civil Sendo o foco do presente projeto a responsabilidade civil do advogado, neste capítulo será demonstrado que, em se tratando de danos cometidos no exercícion da profissão de advogado, a responsabilidade civil será sempre subjetiva. Sua fundamentação teórica passa necessariamente pelo estudo do conceito de responsabilidade civil e suas diversas nuances e diferenças de tipificação legal. Assim sendo, o presente trabalho não pode prosseguir sem antes examinar as diferenças conceituais existentes entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, bem como as distinções entre seu enquadramento subjetivo ou objetivo. A responsabilidade civil é o dever de reparar o dano causado a outrem pela prática de algum ato ilícito, sendo importante caracterizar o fato de que o dano foi realmente consequência do ilícito. A esse respeito, o Código Civil brasileiro (Brasil, 2002), Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em seu Art. 927 afirma que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. A tipificação legal da responsabilidade civil divide-se em contratual ou extracontratual e em subjetiva ou objetiva. As distinções e possíveis enquadramentos para cada tipo de responsabilidade serão analisados nas próximas subseções. 4.1.1 Responsabilidade civil contratual e extracontratual Analisando-se a responsabilidade civil a partir do seu fato gerador para fins de classificação, tem-se a divisãoentre responsabilidade civil contratual e extracontratual, essas duas tipificações do fato gerador serão analisadas a seguir pois são elas ingredientes fundamentais a serem levados em consideração nas ocorrências de responsabilidade civil. 23 A responsabilidade civil contratual é aquela que fica estabelecida a partir da vontade de duas partes que firmaram contrato. A responsabilidade contratual tem, portanto, caráter bilateral. Por outro lado, a responsabilidade civil extracontratual, está centrada no aspecto institucional e não depende da vontade bilateral de duas pessoas mas sim de toda a coletividade. A esse respeito, no trabalho de Wanessa Fortes (2010), pode-se ler a seguinte diferenciação entre responsabilidade civil contratual e extracontratual: A responsabilidade contratual é aquela derivada de um contrato, que pode ser celebrado tacitamente e, o seu inadimplemento acarretaria a responsabilidade de indenizar possíveis perdas e danos. A responsabilidade extracontratual ou aquiliana é aquela em que o agente infringe um dever legal. Nenhum vínculo jurídico existe entre as partes quando da prática do ato danoso. (FORTES, 2010) Outra diferenciação importante no âmbito da responsabilidade civil diz respeito ao seu caráter subjetivo ou objetivo, ou seja, trata-se da classificação da responsabilidade civil em relação ao seu fundamento. 4.1.2 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva No que diz respeito à especificação da responsabilidade civil em relação ao seu fundamento, entra em jogo outro conceito fundamental, precisamente o conceito de culpa. A especificação da responsabilidade civil em relação à culpa engendra sua divisão em responsabilidade civil subjetiva ou objetiva. Esta divisão em duas espécies será examinada detalhadamente a seguir. A principal característica diferenciadora que possibilita a distinção entre o caráter subjetivo ou objetivo da responsabilidade civil está na necessidade ou não, de comprovação de culpa ou dolo para o enquadramento no respectivo tipo de responsabilidade. Com efeito, para a ocorrência da responsabilidade subjetiva é necessária a comprovação da culpa ou dolo pelo agente causador do dano. Já no caso da responsabilidade objetiva, não existe a necessidade de se comprovar culpa ou dolo. 24 No trabalho já citado acima, Fortes (2010), assim distingue entre o caráter subjetivo ou objetivo da responsabilidade civil: A responsabilidade objetiva requer apenas o nexo causal e o efetivo dano. É adotada somente em circunstâncias expressas em lei, sendo exceção à regra da Teoria da Culpa. Advém da chamada Teoria do Risco. A responsabilidade subjetiva, no entanto, deriva da culpa, para daí analisar se os demais elementos estão presentes; se, todos os elementos estiverem reunidos darão ensejo à reparação. Esse tipo de responsabilidade é a regra inferida para os profissionais liberais. (FORTES, 2010) Uma vez estando claro que a responsabilidade objetiva tem caráter excepcional sendo utilizada apenas em situações onde a Teoria do Risco poderia ser aplicada, pode-se concluir que no caso de profissionais liberais em geral, e de advogados em particular, o tipo de responsabilidade civil que importa em tais casos é a responsabilidade civil subjetiva, cujo enquadramento requer necessariamente a comprovação de culpa ou dolo pelo agente causador do dano. O conceito de culpa, com efeito, é fundamental em todo a teoria acerca da responsabilidade civil. A culpa, como um conceito amplo, envolve tanto o Dolo quanto a culpa propriamente dita. A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido, realmente, querido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não se ter apercebido do seu ato nem medido as suas consequências. (DINIZ, 2015, p.42) Em vista do que foi exposto, no caso de advogados a responsabilidade civil sempre é subjetiva e os elementos necessários para a sua configuração legal podem ser resumidos em quatro elementos: 1. O ato ou fato ilícito. 2. O dano causado a outrem a partir do ato ou fato ilícito. 3. A comprovação de nexo causal entre o dano e o ilícito. 4. A verificação da culpa ou dolo do agente causador do dano. 25 Tal lista de elementos é a que se deduz de forma natural quando se aplica o artigo 186 do já citado Código Civil (Brasil, 2002), em cujo Art. 186 lê-se que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” O respeito contínuo aos direitos e deveres por parte dos profissionais do Direito são premissas básicas para uma boa atuação, seguindo a moral e a ética. É conditio sine qua non para que seja respeitado dentro da comunidade. Suas causas cotidianas lhe garantirão sustento, assim como de sua família. A profissão está repleta de ramificações onde poderão ser exploradas por quem detém conhecimento específico. (XAVIER, 2006, p.9) No capítulo anterior já foram examinados alguns dos deveres do advogados no exercício da sua profissão, ressaltando sua importância para a sociedade e na administração do direito. Assim sendo, ao advogado incumbe o dever de zelar pelo prestígio da sua profissão, adotando uma conduta compatível com os valores que devem ser resguardados por esta classe de profissionais. A importância de se adotar uma conduta compatível com a importância da profissão será abordada na próxima seção. O fato relevante para o presente trabalho consiste na noção de que tal obrigação de comportamento torna-se ainda mais crucial quando o causídico está atuando em juízo, expressando-se de forma oral ou escrita nos autos dos processos. 4.1.3 Reparação pelo dano moral. Cumpre iniciar o debate quanto à devida reparação pelo dano moral com um breve apanhado histórico acerca da evolução deste princípio. A ideia de reparação por dano moral é realmente muito antiga. Segundo Humberto Theodoro Júnior (2010, p. 3) ela já se fazia presente no Código de Hamurabi (2000 a.C.), no Código de Manu, na Lex Aquilia (286 a.C.). Nos dias atuais, o princípio basilar por trás da reparabilidade dos danos imateriais foi a descoberta dos direitos da personalidade. A partir deste momento, a ofensa aos direitos da personalidade passou a ser considerado um fato que deve ser seguido da devida reparação na forma da lei, visando duplamente o respeito à dignidade da pessoa humana e o estabelecimento de princípios de convívio sociais voltados a coibir tais ofensas. 26 Antes de adentrar em uma análise mais aprofundada do assunto aqui proposto, cumpre fazer algumas distinções voltadas a delimitar o campo de aplicação do dano moral. Com efeito, nem toda situação levemente desagradável ou desentendimento de pequena monta deve ser enquadrado como levando a uma ocorrência de dano moral. Este último não deve ser confundido com um mero transtorno, muito comum na nossa vida moderna, em especial na vida em grandes cidades, ou seja, um ato cotidiano da vida de qualquer pessoa, que deve ser suportado pelo seu titular e não deve ser confundido com um ato capaz de dar ensejo a uma situação de dano moral. A questão da caracterização do dano moral é levantada de forma pertinentepor Wladimir Novaes Martinez: Sucedem pequenas ofensas, por vezes, embaraços com significado apenas momentâneo, choques naturais das relações humanas, falta de respeito de pequena monta, cujo dia a dia deve abstrair e não chegam a se constituir em dano moral. O certo é assimilá- las, perdoá-las ou ignorá-las. Não há quem não as sofreu ou as causou. São fatos que não justificam a ação processual, bastando a reclamação verbal. (MARTINEZ, 2009, p. 30) Segundo Martinez (2009, p. 72) o princípio da insignificância é que recomenda a absorção pela vítima dos meros transtornos por ela sofridos. Por sua vez, Humberto Theodoro Júnior também alerta para a não indenizabilidade de aborrecimentos de pequena monta. Fazem parte da vida em sociedade os inevitáveis aborrecimentos e contratempos, cabendo o ônus ou consequências naturais do próprio convívio que é bastante comum na nossa sociedade contemporânea. Nesse sentido, o doutrinador supracitado afirma que: “O dano moral indenizável, por isso mesmo, não pode derivar do simples sentimento individual de insatisfação ou indisposição diante de pequenas decepções e frustrações do quotidiano social.” (Theodoro Júnior, 2010, p. 95-96) Tendo-se examinado com detalhe a questão da responsabilidade civil e consequente indenização do dano moral causado, a seguir será procedido o exame da questão da reparação por dano moral causado por advogados que descumprem o dever de urbanidade e de dispensar tratamento verbal adequado tanto ao magistrado quanto à parte adversa. 27 4.2Sobre a importância da boa conduta em juízo Com efeito, o advogado tem a obrigação ética de proceder de modo que se torne merecedor de respeito. As paixões e o ânimo exaltado devem estar restritos às partes litigantes, e não se podem sobrepor à técnica e ao profissionalismo do advogado. Ao causídico impõe-se o dever de observar a urbanidade, seja em suas palavras, seja em sua conduta processual. Deve, bem por isso, procurar deixar as rivalidades e hostilidades para as partes, e agir com a máxima cordialidade e urbanidade, utilizando-se de linguagem polida e cortês, sobremaneira porque não é desqualificando o labor do advogado adverso e nem atacando a parte contrária que será consagrado como vencedor, mas é fazendo o bom uso da dialética e das palavras para convencer o julgador acerca do direito do seu constituinte. (FERREIRA SOBRINHO, 2011, p. 44) Além da obrigação de preservar o prestígio da profissão e zelar pela importância social da classe, os causídicos devem saber que uma atuação inapropriada em juízo podem dar ensejo à reparação por danos morais. Com efeito, nas seções a seguir serão apresentados alguns julgados onde o advogado foi condenado a pagar indenizações por danos morais à parte adversa pelo uso de termos que atentam contra sua honra. A meu juízo, o Advogado constituído pela Reclamada, ao consignar em contestação aludidas expressões, em processo anterior, ofendeu a honra do Reclamante, extrapolando os limites da normalidade na defesa dos interesses de seu constituinte, devendo suportar responsabilidade civil pelo pagamento de indenização compensatória decorrente do dano moral a que deu causa. Com efeito, o exercício da atividade advocatícia deve estar revestido de limites razoáveis da discussão da causa e da defesa dos direitos de seu cliente. A ofensa pessoal à parte ultrapassa os limites do exercício da atividade profissional. Nesse contexto, não vislumbro na hipótese as indigitadas violações aos arts. 5º, inciso LV, e 133 da Constituição Federal. No tocante à acenada afronta ao art. 160, inciso I, do Código Civil, ao prescrever que não constituem atos ilícitos aqueles praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, verifica-se que a ofensa à honra e à imagem da parte contrária na ação trabalhista não se insere no previsto exercício regular de um direito reconhecido. (BRASIL, 2006, p.11) No julgado acima, tem-se a situação de uma ação trabalhista em que o advogado de uma empresa que havia demitido, sem justa causa, seu gerente regional, escreveu nos autos palavras que ofenderam a honra do funcionário demitido usando argumentos baseado em supostos acontecimentos que eram estranhos ao contexto daquele processo. Diante dessa estranheza, inclusive, a parte 28 estava impossibilitada de contra argumentar pois não caberia àquele juízo apurar a veracidade de fatos que não faziam parte do processo em discussão. Em vista dessas circunstâncias, o Tribunal Superior do Trabalho não conheceu dos recursos que o advogado interpôs contra a decisão que o obrigou a pagar os valores referentes ao dano moral do qual foi considerado culpado. Tal decisão vem corroborar o fato de que a imunidade da qual desfrutam os advogados no exercício da sua profissão é uma imunidade relativa e não absoluta. O Acórdão do recurso de revista julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho no caso acima reproduzido, inicia-se por ressaltar o fato de que a inviolabilidade do advogado é relativa e não absoluta. A C Ó R D Ã O 1ª Turma JOD/lhp/jc DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. OFENSA À HONRA DO RECLAMANTE MEDIANTE PALAVRAS IRROGADAS EM CONTESTAÇÃO. 1. A inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, a teor do artigo 133 da Constituição Federal e do art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94, consubstancia-se em relativa imunidade penal nos crimes contra a honra. No plano civil, todavia, não exime o constituinte de responder por indenização em virtude de destemperança verbal do advogado em juízo, sob a forma de grave ofensa moral assacada contra a parte contrária. (BRASIL, 2006, p.11) A leitura do trecho de acórdão acima reproduzido é bastante instrutiva ao ressaltar o caráter relativo da prerrogativa de inviolabilidade do advogado no exercício da sua profissão. De fato, ao proferir palavras que possam ofender a honra parte adversa, o advogado está sujeito às sansões previstas no Direito Civil e aplicáveis a qualquer cidadão, independentemente de sua profissão ou status social. Levando-se em consideração as especificidades da profissão de advogado, incluindo as dificuldades e grandes desafios que lhe são inerentes, inclusive as situações de grande tensão quando se trata de fazer valer o direito de outrem, sem dúvida, várias ponderações são cabíveis. Seguramente o uso de palavras de baixo calão é sempre reprovável e nunca deve ser aconselhada a um advogado no exercício da profissão. No entanto, faz-se necessário ponderar acerca das dificuldades inerentes a essa profissão, admitindo- se que, em determinadas situações, o uso de expressões um pouco mais rudes, desde que circunscritas ao contexto do processo, podem fazer parte do trabalho do advogado sem serem consideradas ofensivas à honra da pessoa. 29 Nos casos em que um advogado chega a proferir ofensas, injúrias ou até calúnias contra a parte adversa e o faz, inclusive, através de argumentos que são estranhos aos fatos do processo para o qual foi constituído, fica o causídico sujeito à responsabilidade civil e consequente pagamento de indenização por danos morais tais como ocorrido no julgado do TST (BRASIL, 2006) já referido anteriormente neste trabalho. Configura-se, por corolário, a responsabilidade civil do advogado, no que tange à ausência de lhaneza em suas palavras, quando as ofensas perpetradas contra o advogado ou parte adversa fogem do cerne da questão dos autos, caracterizando-se o intuito de apenasmacular a imagem de outrem e de obscurecer a questão jurídica em debate. (FERREIRA SOBRINHO, 2011, p. 38) No trecho acima a autora assevera que o uso de palavras irrogadas numa tentativa de articular ideias que “fogem ao cerne” da questão em exame no referido processo, atestam o fato de que a intenção daquele que proferiu tais ofensa era tão somente macular a honra da outra parte tentando desmerecer sua imagem numa tentativa pouco sábia de tentar induzir o julgador a apoiar sua causa. Ora, tal estratégia não afigura-se muito inteligente, pois além de fugir ao assunto central do processo, o causídico que se utiliza desse tipo de procedimento está expondo-se ao risco de uma condenação a indenização por dano moral. Uma decisão, de agosto de 1997, do Tribunal de Justiça do estado Rio de Janeiro vai na mesma direção das considerações já apontadas aqui. Trata-se de uma ação indenizatória onde um magistrado afirma ter sofrido danos morais causados por um advogado que utilizou contra ele palavras irrogadas na petição inicial. ORDINÁRIA - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - OFENSA IRROGADA POR ADVOGADO EM PETIÇÃO INICIAL - OBJETO DA APELAÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 515 DO CPC. A apelação devolverá no Tribunal o conhecimento da matéria impugnada a questão não suscitada e, portanto, não contida nos limites da lide não pode ser objeto de apreciação pelo segundo Grau de Jurisdição. O recurso deve ser examinado nos termos estabelecidos pelo Recorrente quando da Apresentação da contestação pois aí se situam os limites da lide. As Palavras irrogadas em petição, capazes de face ao conceito do homem médio, ofender à parte contrária naquilo que ela tem de mais precioso, que é sua honra, como indivíduo e como profissional, causam dano moral que merece ser reparado. (RIO DE JANEIRO, 1997) 30 A apelação referida acima foi apresentada contra uma sentença proferida pela juíza da 43a vara cível da comarca da capital do estado do Rio de Janeiro. Em sua decisão a referida juíza condenou o advogado, autor das ofensas contra o magistrado, a pagar-lhe o valor correspondente a cinco vezes o seu salário líquido, como indenização por danos morais causados pelas ofensas que proferiu contra o magistrado numa petição inicial que tramitava 6a vara cível. Em sua apelação ao tribunal de justiça do Estado, o advogado afirmou que estava protegido pela inviolabilidade de seus atos praticados no exercício da profissão. O referido tribunal negou provimento àquela apelação. Na decisão do tribunal teve peso o fato de que as palavras irrogadas incluídas na petição inicial não tinham relação com a lide em questão e que, por conta deste fato, visavam tão somente ferir a honra do ofendido. Esse aspecto do conceito de inviolabilidade relativa do advogado no exercício de sua profissão foi abordada pela juíza da 43a vara cível em sua decisão que condenou o advogado a indenizar por danos morais o magistrado por ele ofendido em sua petição inicial. O trecho da sentença onde a juíza aborda as contestações apresentadas pelo advogado condenado a pagar indenização por danos morais será reproduzida a seguir, in verbis: Citado (fls. 32v), o réu contesta (fls. 34/35) alegando que a não procedem as afirmativas do autor porquanto não há dano moral a reparar. Isto porque usou das prerrogativas profissionais contidas na Lei no 8.906/94 que, em seu art. 7o , parágrafo 2o , lhe garante a imunidade. Aduz que os fatos narrados na Ação Ordinária na qual Gabriel Zefiro era réu estão respaldados em provas documentais e testemunhais. Sendo um direito constitucional do cidadão, a postulação em juízo não caracteriza ofensa à parte adversa. No mais, requer a improcedência, eis que ausentes quaisquer atos lesivos ao autor. (RIO DE JANEIRO, 1996, p.77) O trecho acima reproduzido mostra como o réu fez referência às prerrogativas profissionais do advogado contidas no Estatuto da Advocacia, Lei no 8.906/94. Com efeito, o art. 7o , § 2º, do referido estatuto afirma que: Art. 7º São direitos do advogado: § 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. (BRASIL, 1994, p. 3) 31 Conforme será demonstrado na próxima subseção deste presente trabalho, a expressão desacato foi retirada do dispositivo acima após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI no 1.127-8 (BRASIL, 2006) movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB. Assim sendo, analisando esse julgado de 1996 no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, vê-se que o advogado acionou em sua defesa o § 2º do art. 7o do Estatuto da Advocacia da OAB, promulgado em 1994 sob a Lei no 8.906/94. No entanto, ocorre um fato bastante interessante pois este dispositivo legal não foi recepcionado pelos tribunais superiores, tais como STF e STJ, da forma como foi redigido pelo legislador. O dispositivo acima referido, se interpretado literalmente, dá a imunidade profissional do advogado um caráter absoluto, ou seja, afirma que um advogado no exercício da sua profissão pode usar de expressões irrogadas contra a outra parte e não poderá por isso ser julgado por injúria, difamação ou desacato. Existem julgados do STF e STJ, publicados na primeira metade da década de 90, onde a imunidade profissional do advogado é relativizada, ou seja, no exercício da sua profissão o advogado está sujeito, como qualquer cidadão, à constituição federal e ao código civil. Antes de se adentrar ao exame da não receptividade integral do o art. 7o , § 2º , vale fazer uma referência ao julgado do TJ-RJ (RIO DE JANEIRO, 1996). A sentença proferida pela Juiza da 43a vara cível da comarca da capital descreve que, em sua réplica, o magistrado ofendido na petição inicial formulada pelo advogado informa que a eficácia do dispositivo invocado pelo advogado foi parcialmente suspensa por decisão do STF, in verbis: Em réplica […] Alega que o dispositivo invocado pelo réu teve sua eficácia parcialmente suspensa por decisão do STF, sendo entendimento que é relativa a imunidade gozada pelo advogado, posto que deve ser contida nos limites da lei, não podendo extrapolar o âmbito do litígio processual, sem o que o animus da defesa seria transformado em licença para ataque exacerbado e descomedido. (RIO DE JANEIRO, 1996, p. 73) Embora o material disponível para pequisa na internet exponha apenas a decisão da Juíza sem disponibilizar a íntegra da réplica apresentada pelo autor da 32 ação, pode-se inferir algumas decisões do STF, anteriores ao ano de 1995, e que tenham o teor descrito no trecho reproduzido acima. Na direção apresentada acima, tem-se o RCH 69619 SP (BRASIL, 1993) cujo relator era o ministro Carlos Velloso. Neste julgado do STF está expressamente dito que a inviolabilidade do advogado encontra limites na lei. PENAL. ADVOGADO. INVIOLABILIDADE. CRIME CONTRA A HONRA: DIFAMAÇÃO. Cod. Penal, art. 139. Constituição, art. 133; Cod. Penal, art. 142, I. I. - A inviolabilidade do advogado, referida no art. 133 da Constituição, que o protege, no exercício da profissão, por seus atos e manifestaçãoes, encontra limites na lei. Recepção, pela Constituição vigente, da disposição inscrita no art. 142, I, do Cod. Penal. II – A imunidade prevista no inciso I, do art. 142 do Cod. Penal, não abrange ofensa dirigida ao juiz da causa. Precedentes do STF. III- No caso, a denuncia descreve crime em tese – difamação, art. 139 do Cod. Penal. IV- Recurso improvido (BRASIL, 1993, p.1)A importância da decisão acima reside no fato de limitar a inviolabilidade do advogado aos termos da lei bem como relativizar a sua imunidade judicial. Posteriormente, em 1995, um julgado do STJ menciona explicitamente o art. 7o, § 2º, do Estatuto da Advocacia afirmando de forma muito clara que a imunidade judicial do advogado não é absoluta. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO CONTRA ADVOGADO. TRANCAMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA. INVIOLABILIDADE E IMUNIDADE. I. A INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO, POR SEUS ATOS E MANIFESTAÇÕES NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO, SEGUNDO O ARTIGO 133, DA CONSTITUIÇÃO, SUJEITA-SE AOS LIMITES LEGAIS. PORTANTO, NÃO SE TRATA DE IMUNIDADE JUDICIAL ABSOLUTA. CONSEQUÊNCIA DISSO, O ARTIGO 142 DO CÓDIGO PENAL FOI RECEPCIONADO E O ALCANCE PREVISTO NO PARAGRAFO 2., DO ARTIGO 7., DO ESTATUTO DA OAB NÃO CORRESPONDE AO QUE SE LHE QUER EMPRESTAR. E INTUITIVO QUE A NOBRE CLASSE DOS ADVOGADOS NÃO HA DE QUERER ESTABELECER PRIVILÉGIOS, SE TANTO LUTA PARA EXTINGUI-LOS. A IMUNIDADE, NESSE CASO, DEVE SER COMPREENDIDA IGUALMENTE AQUELA CONFERIDA AO CIDADÃO COMUM. II. AS EXPRESSÕES CONSIDERADAS OFENSIVAS A HONRA DO MAGISTRADO IRROGADAS PELOS ADVOGADOS, EM REPRESENTAÇÃO DIRIGIDA AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL PELAS PECULIARIDADES QUE ENCERRAM, ESPECIALMENTE NO QUE SE REFERE A NECESSIDADE DE SE APROFUNDAR O EXAME DA PROVA, IMPEDEM SE DEFIRA O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. III. PRECEDENTES. (BRASIL, 1995) 33 Com o progresso do debate acerca da imunidade judicial do advogado chegou-se a uma convergência contemplada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que acabou por alterar o dispositivo supracitado suprimindo a palavra desacato do parágrafo. Na próxima subseção será abordada uma ADIn que pacificou de forma definitiva o entendimento acerca da real efetividade do paragrafo 2o , do artigo 7o , do estatuto da advocacia. Antes de se adentrar no exame desta ação direta de inconstitucionalidade, no entanto, cabe encerrar a presente subseção citando as palavras de Maria Beatriz Crespo Ferreira Sobrinho. A imunidade judiciária do advogado, prevista na segunda parte do art. 133 da CF e art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/97, é relativa, a qual deve restringir-se ao debate proposto nos autos, sendo absolutamente ilícito qualquer tipo de afronta a qualquer das partes e advogados envolvidos no processo. Denota- se, assim, que os advogados, naturalmente, exercem o seu munus público com ardor e veemência, porém devem se precaver para não abusarem dos limites outorgados no mandato concedido pelo seu cliente, e cuidar para não travarem uma luta particular e pessoal contra a parte ou advogado adversos, inclusive, por meio da utilização de linguagem excessiva e desnecessária, ofendendo a honra e dignidade da pessoa humana, situações nas quais, por conseguinte, não estão alcançados pela imunidade judiciária. (FERREIRA SOBRINHO, 2011, pp. 35-36) Em conclusão às análises aqui realizadas, pode-se deduzir que no tratamento dado tanto ao magistrado quanto à outra parte e seus representantes, existem dois aspectos aos quais o advogado deve dispensar atenção. Primeiramente é importante cuidar das formas de manifestação oral ou escrita, evitando-se expressões ofensivas ou linguagem excessiva. Em segundo lugar o advogado não pode jamais se esquecer de que seus argumentos devem estar circunscritos aos fato relacionados à lide em questão. Com efeito, caso o advogado extrapole os limites da ação, trazendo argumentos relacionados a fatos que são estranhos ao processo, corre um grande risco de que seus argumentos acabem por serem caracterizados pelo único objetivo de ferir a honra da parte alheia e tentar manipular a convicção do julgador. Sem dúvida, uma tentativa de manipulação dessa natureza seria bastante ignóbil por subestimar a capacidade de discernimento do magistrado, trazendo à baila fatos estranhos ao processo em apreço. Tais tipos de atitude podem dar ensejo a uma ação de reparação por danos morais, tal como apresentada, por exemplo, no julgado do Tribunal de Justiça do Rio 34 de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 1997) já examinado anteriormente na presente seção desta monografia. 4.2.1 A ação direta de inconstitucionalidade no 1.127-8 Consoante às análises aqui conduzidas, merece destaque a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 1.127, da relatoria do Ministro Marco Aurélio. Trata-se de uma ADIn movida pela AMB visando declarar inconstitucionais certos dispositivos presentes no Estatuto da Advocacia da OAB, Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994. Tal ação foi parcialmente conhecida pelo Ministro Relator nos seguintes termos. A seguir serão listados alguns dos itens ressaltados pela ementa, os itens listados a seguir restringem-se àqueles que tem relevância para as discussões e exames cujo desenvolvimento pretende-se realizar na presente monografia. Muitos itens serão omitidos por não guardarem relação com o tema que se pretende desenvolver aqui. Ementa AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. ESTATUTO DA ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. DISPOSITIVOS IMPUGNADOS PELA AMB. PREJUDICADO O PEDIDO QUANTO À EXPRESSÃO “JUIZADOS ESPECIAIS”, EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 9.099/1995. AÇÃO DIRETA CONHECIDA EM PARTE E, NESSA PARTE, JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I – O advogado é indispensável à administração da Justiça. Sua presença, contudo, pode ser dispensada em certos atos jurisdicionais. II – A imunidade profissional é indispensável para que o advogado possa exercer condigna e amplamente seu múnus público. III – A inviolabilidade do escritório ou do local de trabalho é consectário da inviolabilidade assegurada ao advogado no exercício profissional. […] VIII – A imunidade profissional do advogado não compreende o desacato, pois conflita com a autoridade do magistrado na condução da atividade jurisdicional (BRASIL, 2006) Conforme se percebe pela leitura da ementa acima, a mesma confirma o caráter indispensável do advogado para a administração da justiça, mas busca relativizar a eficácia de certos dispositivos do Estatuto da Advocacia da OAB. O primeiro item presente na ementa referida acima, resultou na supressão da expressão “qualquer” do inciso I ao artigo 1o daquele estatuto onde lia-se: “Art. 1º São atividades privativas de advocacia: I – a postulação a qualquer órgão do Poder 35 Judiciário e aos juizados especiais;” (BRASIL, 1994, p.1). Assim sendo, este dispositivo passou a vigorar sem a expressão “qualquer”, condizente ao entendimento de que, em certos atos judiciais, a presença do advogado pode ser dispensada. Em segundo lugar, consoante ao entendimento já estabelecido em outras decisões do STF e STJ, a imunidade profissional do advogado é relativa e não absoluta, não compreendendo o desacato. Assim sendo, o parágrafo 2o ao artigo 7o do estatuto da advocacia da OAB, já referido diversas vezes nesse trabalho, após o julgamento desta ADIn no 1.127, passou a vigorar sem a presença da expressão “desacato”. Vale ressaltar que o atentado contra a honra, ou seja a calúnia, já não estava presente no referido dispositivo. Consequentemente, esta já referida ADIn, em conjunto com as decisões do STF e STJ já referidas nesta monografia, pacificou o caráter relativo da imunidade judicial do advogado no exercício da sua profissão, ao mesmo tempo em que impugnou o termo desacato. Estando o desacato retirado do o parágrafo 2o ao artigo 7o, e considerando-se que a calúnia sequer estava presente na versão
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