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CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM - ATUALIDADE DE PAULO FREIRE

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Conhecimento e aprendizagem Atualidade de Paulo Freire Titulo
 Demo, Pedro - Autor/a Autor(es)
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI En:
Buenos Aires Lugar
CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales Editorial/Editor
2001 Fecha
Colección
Sociedad; Universidad; Mercado; Politica; Educacion; Pedagogia; Temas
Capítulo de Libro Tipo de documento
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/gt/20101010034147/12demo.pdf URL
Reconocimiento-No comercial-Sin obras derivadas 2.0 Genérica
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/deed.es
Licencia
Segui buscando en la Red de Bibliotecas Virtuales de CLACSO
http://biblioteca.clacso.edu.ar
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO)
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO)
Latin American Council of Social Sciences (CLACSO)
www.clacso.edu.ar
Conhecimento e aprendizagem
Atualidade de Paulo Freire
Pedro Demo*
295
B uscamos neste texto preliminar desenhar alguns traços da polêmica emtorno do conhecimento e da aprendizagem, com o objetivo de ressaltarseu sentido reconstrutivo político e com isto recuperar a tradição mais
consolidada de Paulo Freire, em termos do sentido emancipatório de sua
proposta. Quando hoje se fala, cada vez mais, de que o centro da pobreza é menos
carência material do que exclusão de cariz político, colocando na berlinda o que
estamos chamando de “pobreza política”, esquecemos facilmente que esta
sempre foi a tese central da “pedagogia do oprimido” e da “pedagogia da
esperança”. Apesar de apostar na potencialidade emancipatória da educação,
nunca relegou o lado crítico, pois na contraluz do conhecimento sempre se arrasta
a ignorância. Pobreza política é sobretudo o cultivo da ignorância, feito não pelos
assim ditos analfabetos, mas pelos que tiveram a chance de freqüentar espaços
mais privilegiados da educação formal. 
Para realizar esta caminhada breve, vamos, primeiro analisar o
reconhecimento confluente da marca reconstrutiva do conhecimento e da
aprendizagem, para em seguida caracterizar a educação como estratégia central
do combate à pobreza política. Afinal, ler a realidade não inclui apenas a
capacidade formal do manejo do conhecimento, mas sobretudo a habilidade de
nela intervir como sujeito capaz de história própria.
* Sociólogo, PhD em Saarbrücken, Alemanha, 1971. Professor Titular da UnB, Departamento de
Serviço Social. Mais de 30 livros publicados nas áreas de política social e metodologia científica.
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
Cariz reconstrutivo do conhecimento e da aprendizagem
Piaget tinha muita razão
Apesar de todas as críticas que Piaget possa merecer, sobretudo a de excessivo
estruturalismo, certo positivismo, exagerada confiança construtiva e cognitivismo
extremado, não se pode retirar o mérito de que sua tese construtivista está cada vez
mais vitoriosa (Freitag, 1997). Com o tempo mudam as teorias, também as
piagetianas, porque a pesquisa continua e o questionamento se encarrega de torná-
las todas provisórias. Sua ânsia de descobrir leis universais, válidas para qualquer
circunstância, como a da equilibração construtiva, lhe valeu sempre a suspeita de
estruturalismo, sobretudo após a crítica pós-moderna do conhecimento que
abomina, entre outras coisas, tiradas transcendentais. Por sua origem biológica,
cultivou fortemente os ideais da pesquisa estritamente controlada, buscando
colocar à luz somente o que teria base suficiente. Embora nisto não haja qualquer
defeito para pesquisador talentoso e honesto, surge naturalmente a suspeita de
desprestígio das ciências sociais, mais afeitas a métodos qualitativos. Talvez seja
o caso apontar que as idéias construtivistas tendem a obscurecer o pano de fundo
hermenêutico da aprendizagem, à medida que descortina poder excessivo de
criação. Na prática, aprendemos do que já tínhamos aprendido e conhecemos a
partir do que já conhecíamos. Por isso mesmo, não usamos a terminologia
construtivista e ficamos apenas com a idéia reconstrutiva. Por fim, em sua época
não se dava importância maior à emoção, o que pode transmitir a idéia encurtada
de que aprendizagem se reduz à cognição. Na prática, porém, é pouco útil inventar
dicotomias piagetianas, em particular contra Vy g o t s k y, porque certamente Piaget
foi autor suficientemente inteligente para reconhecer, entre outras coisas e na
própria lei da equilibração, que o novo não sai do nada, mas de condições
anteriores culturalmente plantadas (Castorina, 1997).
Certamente, hoje vemos um pouco mais longe, sobretudo reconhecemos que
esta marca reconstrutiva, além de sua base biológica cada vez mais ressaltada, é
sobretudo política, porque se trata da formação do sujeito autônomo. A
aprendizagem é jogo de sujeitos, troca bilateral de teor dialético, contraponto
entre conhecimento e ignorância, autonomia e coerção. Oferece campo de
potencialidades, oportunidades, que se abrem se o sujeito souber conquistar e a
história lhe for complacente em termos de condicionamentos positivos.
Oportunidades dependem das circunstâncias e sobretudo da iniciativa do sujeito.
Podem também ser obstaculizadas, até mesmo destruídas. Paulo Freire não foi
um pesquisador como Piaget, mas viu esta parte melhor, porque, como diria
Harding sobre a localização cultural do conhecimento (Harding, 1998), postou-se
no ponto de vista do marginalizado, donde se pode descortinar o cenário com
amplidão maior e possivelmente mais correta (Becker, 1997).
Todavia, apesar de todos estes resultados, continuamos profundamente
instrucionistas em nossa educação formal, como podemos observar nas escolas e
296
universidades, que continuam reproduzindo conhecimento com a maior
tranqüilidade. Ainda acreditamos que o fator mais central da aprendizagem é a
freqüência às aulas, tanto que na LDB se tornou ordem expressa os 200 dias de
aula por ano (Demo, 1999[a]). Não se preocupou propriamente com a
reconstrução do conhecimento e com a aprendizagem de teor político, mas com
a absorção reprodutiva, permanecendo, na prática, uma lei do ensino, não da
aprendizagem. Este debate, porém, é candente em outros países mais avançados,
onde se toma a sério, em particular na escola pública, que é mister refazer a
educação a partir da sala de aulas, sobretudo da aprendizagem do aluno. Kerchner
et alii., reportando-se à sociedade do conhecimento nos Estados Unidos, falam
enfaticamente deste repto, em particular para os sindicatos. Referindo-se ao papel
dos sindicatos dos professores públicos, aventam que “... a barganha coletiva
legitimou os interesses econômicos dos professores, mas nunca os reconheceu
como peritos em aprendizagem; a idéia de trabalhadores do conhecimento, que
criam, sintetizam e interpretam informação, domina a literatura em postos
modernos de trabalho, mas o ensino ainda está organizado em torno dos
pressupostos da era industrial, que via os professores essencialmente como
trabalhadores manuais, derramando currículo em mentes passivas...” (Kerchner,
1997: 7). Parece claro que os professores não estão sabendo acompanhar as
mudanças centrais da sociedade intensiva de conhecimento, que dirá postar-se à
frente dela. Falam, por isso, de “trabalhadores unidos da mente” (united mind
workers), para indicar a importância deste segmento social dos trabalhadores que
lidam com o conhecimento.
Torna-se relevante organizar a educação a partir da sala de aula, ou da
necessidade de aprendizagem dos alunos, colocando padrões diferentes da
hierarquia industrial. O projeto pedagógico encontra aí seu ponto de partida e
chegada, sua real razão de ser. Se o fenômeno da aprendizagem dos alunos, que
depende em grande parte da aprendizagem dos professores, não ocorrer na
qualidade esperada e pleiteada, nada ocorreu de importante na escola, mesmo que
funcione gerencialmente bem, tenha todos os instrumentos didáticos, inclusive
computadorese parabólica. A medida principal da aprendizagem não poderia ser
a freqüência às aulas, como ainda imaginam sistemas eivadamente
instrucionistas, mas o saber pensar e o aprender a aprender, que processos
avaliativos severos e criticamente profundos deveriam saber resguardar. O
sindicato precisa mudar de desafio: passar da mentalidade de ocupação, para a
visão de transformação. Ocupar a escola pública já não basta, mesmo que seja em
nome do projeto essencial de preservar o espaço público gratuito. Nos
encontramos hoje perplexos com a dificuldade extrema de mudar a escola
pública. “... Estamos argumentando que a tarefa do sindicato está não
simplesmente em sustentar a instituição existente através de políticas de proteção
ou de relações públicas destinadas a criar confiança, mas em construir sucessora
para a educação da era industrial...” (Kerchner,1997: 15). Será mister construir
297
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
instituição a partir da sala de aula, tendo em vista a sociedade do conhecimento,
para fazer da escola centro da mudança. Sua função principal será reorganizar a
aprendizagem: o que é aprender, quem é capaz de aprender, e qual a
responsabilidade dos professores em criar aprendizagem.
“Anova economia do tardio século XX é mais exigente e menos complacente
que a anterior. Não cria bons empregos para os desqualificados -na prática há
árduo debate sobre se está criando empregos suficientes para os qualificados e
educados- mas está claro que o prêmio posto sobre o desempenho educativo está
crescendo. Mais que isso, a dependência da economia sobre recursos humanos
educados está também crescendo” (Kerchner, 1997: 27). Os autores destacam o
lado dúbio desta revolução: para inserir-se nesta economia, educar-se melhor é
termo chave, talvez o termo mais chave; entretanto, a melhoria da educação eleva
constantemente os padrões de exigência, dentro da lógica da mais-valia relativa;
o que poderia ser nova chance para o ser humano, reverte-se no capitalismo em
fator a mais de exclusão, que passa a abarcar não apenas os desqualificados, mas
igualmente aos qualificados. Urgem mudanças profundas: “Para criar as reformas
que necessitamos na virada do século XXI, o trabalho dos professores mudará de
modo significativo. A fim de saltar das atuais aulas para a aprendizagem
processualmente diagnosticada, os professores precisam de muito mais
informação sobre a aprendizagem do aluno e sobre caminhos que gestam
respostas úteis. Como as escolas que tentaram mudar seu ensino bem sabem, as
práticas de alocação convencional de recursos rapidamente se tornam
insatisfatórias diante de novas expectativas. Professores precisam de tempo.
Precisam de flexibilidade para ensinar a alguns estudantes por período mais longo
e outros talvez em período nenhum. A lógica do período de seis ou sete dias, com
aulas de 50 minutos e trinta alunos por classe, desaparece. Do mesmo modo
ocorre com a autoridade existente e as estruturas de responsabilidade. Quando as
estruturas básicas da escola não garantem os padrões de que precisamos, tudo o
mais não interessa, inclusive as regras do sindicato” (Kerchner, 1997: 31). A
escola que tem como didática central a aula expositiva de teor reprodutivo está
condenada a desaparecer como resquício de era que já passou. A nova sociedade
precisa aprender, não copiar, como diria enfaticamente Tapscott, referindo-se à
geração digital. Ofertas de estilo instrucional nada lhe acrescentam. E se a escola
falhar, esta nova geração digital tomará a dianteira e decretará o sepultamento
deste tipo de escola. 
Embora os AUTORES, por vezes, deixem a impressão de certo cognitivismo,
acentuam sempre o compromisso com a aprendizagem e reconhecem que
repensar o trabalho de ensinar é a mudança mais dura de todas, pois ensinar se
torna mais complexo (menos rotina; confronto com comportamentos novos; mais
personalizado; mais papéis interdisciplinares); ensinar se torna menos isolado;
ensinar se torna explicitamente conectado com a geração de conhecimento:
“ Trabalho pós-industrial é vastamente definido ‘em termos de coletar
298
informação, resolver problemas e de produzir idéias criativas’. Para ensinar, o
trabalho pós-industrial significa fazer relação explícita entre o que os professores
fazem e a criação de conhecimento. O papel aumentado da pesquisa e
desenvolvimento e das instituições universitárias é explicitamente reconhecido
como parte da revolução da era do conhecimento, mas o papel da escola
elementar e secundária é menos reconhecido. Todavia, se ensinar é a criação de
construções cognitivas nos estudantes -trabalho mental- é explicitamente criação
de conhecimento, tanto quanto o trabalho de um físico teórico... (...)
...Reconhecer que ensinar cria conhecimento tem três importantes implicações
para o professor sindicalizado. Primeiro, requer que os professores
conscientemente se tornem parte da organização de aprendizagem. Segundo,
requer que estejam às voltas com questões de produtividade. Terceiro, requer que
recriem o ensino como trabalho de conhecimento” (Kerchner, 1997: 69). 
O realce dado à face da produtividade refere-se ao ambiente tipicamente
norte-americano dos AUTORES, sem falar que a crise da economia intensiva de
conhecimento é ainda pouco visualizada. Para eles, na sociedade do
conhecimento, a produtividade avançou em três caminhos: invenção
(desenvolvimento de idéias e processos criativos), exploração (adaptação de
conhecimento gerado em outro lugar), aperfeiçoamento contínuo, criando
mudança a partir de dentro. Segue que é mister “recriar ensino como trabalho que
cria conhecimento” (Kerchner, 1997: 73). Torna-se briga inútil postar-se sempre
contra avaliação: “Enquanto existe muito de errado com os atuais testes, e os
sindicatos precisam postar-se como vanguarda para os corrigir, uma política rasa
de oposição coloca os professores organizados no lado errado da história”
(Kerchner, 1997: 76). O adequado desenvolvimento profissional supõe processos
honestos de avaliação e recapacitação, bem como aprimoramento do desempenho
profissional. Ao final das contas, precisamos nos organizar para a era do
conhecimento, e isto significa concretamente organizar a educação para a era do
conhecimento.
Debate sobre a mente incorporada
Parte do debate se prende a polêmica própria da Inteligência Artificial e do
cognitivismo da primeira geração, que propugnam ser conhecimento nada mais
que a representação da realidade através de símbolos heurísticos. A mente espelha
a realidade assim como ela é, supondo-se coincidência não problemática. De
certa maneira, continua a visão aristotélica da realidade externa que se impõe,
permanecendo a mente como espécie de receptor mais ou menos passivo. Rorty
contraditou fortemente esta tese, ao tentar mostrar que, tendo em vista sermos
seres interpretativos, a realidade não entra simplesmente na mente, mas é
interpretada, ou seja, entra de acordo com os parâmetros da mente. Alguns
autores são mais deterministas, como Maturana que, assumindo a epistemologia
299
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
do ponto de vista do observador e a condição do ser vivo de máquina já
formatada, assinalam que a mente “constrói” a realidade externa, partindo de
dentro para fora, mas sempre de maneira determinada. 
A tese da construção da realidade foi muito ressaltada por Searle, que
manteve forte polêmica com os representacionistas, bem analisada por Sfez, em
sua obra de crítica da comunicação (Sfez, 1994; Demo, 1999[a]). Searle tem
consciência clara de que esta tese pode ser exagerada, como assevera Harding que
evita deliberadamente o uso do termo construtivismo (Searle, 1998). Uma
proposta equilibrada, ainda que surpreendente por outros motivos, é a de Varela
(1997), com sua teoria da enação, na qual defende um interacionismo mútuo entre
mentee realidade, com base também em epistemologias orientais budistas
(Varela 1999[a]; 1999[b]). Referindo-se às novas ciências da mente, adverte que
precisam incorporar “a experiência humana vivida e as possibilidades de
transformação que são inerentes à experiência humana”; por outra, a experiência
do dia-a-dia também precisa alargar seu horizonte tomando em conta as ciências
da mente; trata-se de analisar esta “circulação entre as ciências da mente (ciência
cognitiva) e a experiência humana” (Varela, 1997: XV). O ponto de partida é a
circularidade fundamental: estamos num mundo que parece estar lá antes que a
reflexão começa, mas o mundo não é separado de nós. Não existe o observador
dotado de olho descorporificado olhando objetivamente para o jogo dos
fenômenos, como queria a física do século XIX.
À idéia errada de cognição como “representação mental” apresentam-se
alternativas como a emergência (Holland, 1998; Casti, 1998), que aposta no
conexionismo: “muitas tarefas cognitivas parecem poder ser manejadas melhor
por sistemas feitos de muitos componentes simples, que, quando conectados por
regras apropriadas, geram comportamento global correspondendo à tarefa
desejada” (Varela, 1997: 9). O processamento simbólico de estilo representativo
é localizado, usando apenas a forma física dos símbolos, não seu significado.
Rebate três suposições do representacionismo: a) habitamos o mundo com
propriedades particulares, tais como comprimento, cor, movimento, são, etc.; b)
apanhamos ou recuperamos tais propriedades representando-as internamente; c)
existe um “nós” separado que faz essas coisas. Oferece a proposta da posição
enativa: “cognição não é a representação de mundo pré-dado por mente pré-dada,
mas antes é o enativamento de um mundo e de uma mente na base de uma história
da variedade de ações que o ser humano exerce no mundo” (Varela, 1997: 9). Esta
circularidade é necessidade epistemológica para a visão enativa, pois somos
animais auto-interpretativos. Nosso auto-entendimento pressupõe noções como
crença, desejo, conhecimento, mas que não as pode explicar, advindo a tensão
entre ciência e experiência.
Afasta o realismo ingênuo, segundo o qual as coisas são como aparecem. Na
proposta budista da “m i n d f u l n e s s / a w a re n e s s” (consciência plena), os
300
meditadores descobrem que mente e corpo não estão coordenados, como sucede
quando estamos corporalmente presentes em algum lugar (num anfiteatro
escutando um conferencista) mas com a mente longe daí (pensando, por exemplo,
em algo que nos preocupa). “Estamos sugerindo mudança na natureza da reflexão
de uma atividade abstrata, descorporificada para outra reflexão corporificada
(consciente), aberta (o p e n - e n d e d)... (...)... Por ‘corporificado’, significamos
reflexão na qual corpo e mente são trazidos juntos. O que esta formulação
pretende expressar é que a reflexão não se dá sobre a experiência, mas que a
reflexão é uma forma de experiência -e que a forma reflexiva de experiência pode
ser feita com presença consciente (mindfulness/awareness)” (Varela, 1997: 27);
podemos coordenar mente e corpo, dentro da idéia do esforço sem esforço,
deixando as coisas acontecerem. Na hipótese cognitivista clássica, mente aparece
tendencialmente como cálculo lógico: “ a intuição central por trás do
cognitivismo é que inteligência -incluída também a humana- assemelha-se de tal
modo à computação que cognição pode atualmente ser definida como
computações de representações simbólicas”. Mas “ é controversa a pretensão
cognitivista de que o único modo para chegar à inteligência e à intencionalidade
é manejar a hipótese de que cognição consiste em agir na base de representações
que são fisicamente realizadas na forma de um código simbólico no cérebro ou
na máquina ” (Varela, 1997: 40); entretanto, “ embora o nível simbólico seja
fisicamente realizado, não pode ser reduzido ao nível físico” (Varela, 1997: 41).
As duas deficiências principais do cognitivismo seriam: assumir que o
processamento da informação simbólica esteja baseado em regras seqüenciais; e
não perceber que este procedimento é localizado. Nas abordagens mais novas, “as
teorias e modelos já não começam com descrições simbólicas abstratas, mas com
exército inteiro de componentes semelhantes aos neurônios, simples, não
inteligentes, que, se conectados apropriadamente, detêm propriedades globais
interessantes. Tais propriedades globais incorporam e expressam as capacidades
cognitivas que estão sendo procuradas... (..) ... A passagem de regras locais para
coerência global é o cerne do que costumou se chamar auto-organização durante
os anos cibernéticos” (Varela, 1997: 88). “Uma rede dá origem a novas
propriedades” (Varela, 1997: 87). 
As vantagens das “teorias conexionistas” podem ser vistas em explicar
melhor certas capacidades cognitivas: reconhecimento rápido, memória
associativa e generalização categorial. O entusiasmo por elas se explica: a) a
Inteligência Artificial e neurociência não alcançaram grandes resultados; b) estão
mais próximas da biologia; c) retornam a certas marcas behavioristas que driblam
o excesso de teorização, ainda que o behaviorismo não seja proposta científica em
si sustentável; d) os modelos são suficientemente gerais para serem aplicados,
com pequenas modificações, a vários âmbitos. Nesta visão poderíamos nos dar
conta da emergência de estados globais numa rede de componentes simples;
funciona através de regras para operação individual e regras para mudança no
301
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
emaranhado conectivo dos elementos; símbolo não é mais central, pois “os itens
significativos não são símbolos, mas os padrões complexos de atividade entre as
numerosas unidades que perfazem a rede” (Varela, 1997: 99); símbolos são
físicos e significativos, não podem ser reduzidos ao físico como faz o
computador. À pergunta como é que os símbolos adquirem significado, tenta
responder: “Na abordagem conexionista, o significado não está localizado em
símbolos particulares; é função do estado global do sistema e está ligado ao
desempenho generalizado em certo domínio, como reconhecimento e
aprendizagem. Tendo em vista que este estado global emerge da rede de unidades
que são arquitetadas com maior fineza que os símbolos, alguns pesquisadores se
referem ao conexionismo como o ‘paradigma subsimbólico’. Argumentam que os
princípios formais do conhecimento jazem neste terreno subsimbólico, um nível
acima e mais próximo do biológico do que do nível simbólico do cognitivismo.
No nível subsimbólico, as descrições cognitivas são construídas de constituintes
que em nível mais elevado seriam os símbolos discretos. O significado, porém,
não está nesses constituintes em si; está nos padrões complexos de atividade que
emergem das interações de muitos desses constituintes” (Varela, 1997: 100). 
O sistema se assemelharia a colcha de retalhos de sub-redes armadas por
processo complexo de arranjos, mais do que o sistema que resulta de desenho
limpo e unificado; a mente surge de uma espécie de sociedade e não é entidade
unificada, homogênea, nem mesmo coleção de unidades; antes, é coleção
desunificada, heterogênea de redes de processos. Se não temos self, como é que
existe coerência em nossas vidas? Recorre, então, à “emergência codependente”,
ou seja, à idéia, familiar no contexto das sociedades da mente, de propriedades
transitórias, embora recorrentes, de elementos agregados, como seria a
“samsara”: roda perpetuamente girando, tocada por causação implacável e
pervadida pela insatisfação; estamos familiarizados com a idéia de que coerência
e desenvolvimento no tempo não precisam envolver qualquer substância
subjacente -formas transitórias que nelas mesmas não possuem substância.
Quando fazemos análise básica de elementos, não supomos que exista substância
ontológica neles. Assim, uma coisa é a falta de ego-self,outra é a ânsia por um
ego-self. De certa forma, retoma Nietszche: estamos condenados a crer numa
coisa que não pode ser verdadeira.
No fundo, é problema da ansiedade cartesiana, que não reconhece serem as
representações também construídas. A percepção precisa ser entendida como
processo ativo de formação de hipótese, não como simples espelhamento de
ambiente pré-dado. Porquanto, as atividades principais do cérebro são de fazer
mudanças em si mesmos -é mister “deixar a idéia de que o mundo é independente
e extrínseco e assumir que é inseparável da estrutura dos processos de
automodificação” (Varela, 1997: 139), dentro do que chama de “fechamento
operacional”. “Um sistema que tem fechamento operacional é aquele no qual os
resultados de seus processos são estes processos mesmos. A noção de fechamento
302
operacional é, assim, modo de especificar classes de processos que, em sua
própria operação, voltam sobre si mesmos para formar redes autônomas. Tais
redes não caem na classe de sistemas definidos por mecanismos externos de
controle (heteronomia), mas antes na classe de sistemas definidos por
mecanismos internos de auto-organização (autonomia). O ponto chave é que tais
sistemas não operam por representação. Em vez de representar mundo
independente, eles enativam mundo como campo de distinções que é inseparável
da estrutura incorporificada pelo sistema cognitivo” (Varela, 1997: 140). Será
fundamental superar a ansiedade cartesiana da certeza final -“ este sentimento de
ansiedade emerge da ânsia por um fundamento absoluto” (Varela, 1997: 141).
Todos os fenômenos são livres de fundamento absoluto -“groundlessness”; esta
falta de fundamento é a própria condição para o mundo ricamente tecido e
independente da experiência humana.
Parte, então, para definir o que seria e n a ç ã ocomo conhecimento
incorporado. Designa suposições errôneas as que tomam o conhecimento como
tática linear de resolver problemas, e que deve, para ser exitoso, respeitar os
elementos, propriedades e relações entre regiões pré-dadas. Esta visão é pouco
produtiva para níveis menos circunscritos e menos bem definidos, onde seja
mister dar conta da ambigüidade imanejável do senso comum por trás. “Para
recuperar o senso comum, é mister inverter a atitude representacionista tratando
o saber comum não como artefato residual que pode progressivamente ser
eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas, mas, ao contrário, como a
verdadeira essência da cognição criativa” (Varela, 1997: 148). Daí a importância
da hermenêutica, capaz de dar conta do fenômeno da interpretação, entendido
como a enativação ou gestação de significado a partir de um backgroundda
compreensão -conhecimento depende de estar no mundo que é inseparável de
nossos corpos, nossa linguagem e de nossa história social- em poucas palavras,
de nossa incorporação. “Apercepção central desta orientação não-objetivista é a
visão de que conhecimento é o resultado da interpretação em andamento que
emerge de nossas capacidades de compreender.Tais capacidades estão enraizadas
nas estruturas de nossa incorporação biológica, mas são vividas e experimentadas
dentro do terreno da ação consensual e da história cultural. Nos capacitam a dar
sentido a nosso mundo, ou, em linguagem mais fenomenológica, são estruturas
pelas quais existimos na maneira de ‘ter um mundo’” (Varela, 1997: 150). 
Por “acoplamento estrutural” entende a capacidade de um sistema complexo
enativar um mundo, percebendo significação e relevância, interpretando, no
sentido de que seleciona ou gesta domínio de significação a partir do background
de seu meio. A rede neuronal não funciona como caminho de mão única da
percepção para a ação; percepção e ação, sensório e “motório”, estão ligados
juntos como padrões sucessivamente emergentes e mutuamente seletivos. Assim,
fica a meio caminho entre posição da galinha ou do ovo (galinha -de fora para
dentro, objetivismo; ovo- de dentro para fora, subjetivismo). Existe, na verdade,
303
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
especificação mútua. Segue que ação incorporada (embodied action) implica: a)
cognição depende das espécies de experiência que provêm de termos um corpo
dotado de várias capacidades sensoriomotoras; b) tais capacidades individuais
sensoriomotoras estão encaixadas em contexto mais abrangente biológico,
psicológico e cultural; trata-se de ação -percepção e ação são inseparáveis.
Enação significa, pois: a) percepção consiste em ação perceptualmente guiada e
b) estruturas cognitivas emergem de padrões sensoriomotores recorrentes que
possibilitam que a ação possa ser guiada perceptualmente. Reaparece a
capacidade auto-organizativa circular da ação perceptualmente guiada: “Esta
estrutura -a maneira na qual o percebedor é incorporado- mais do que algum
mundo pré-dado determina como o percebedor pode agir e ser modulado pelos
eventos ambientais” (Varela, 1997: 173). O comportamento é resultado e
causador de estímulos; o organismo ao mesmo tempo inicia e é formatado pelo
ambiente.
Com esta visão, Varela tenta oferecer à teoria evolucionista moldura mais
flexível, usando o conceito de “moção natural” (natural drift). Seria o caso mudar
o contexto prescritivo da evolução, para o proscritivo: o que não é proibido, é
permitido. A seleção descarta o que não é compatível com a sobrevivência e a
reprodução, e busca solução satisfatória (não a do mais forte). Em vez do ótimo,
o viável, por conta da especificação mútua e codeterminação e da construção de
ambientes. Seria este o caminho do meio, marcado pela falta de fundamento
último (groundlessness). “Começamos com nosso senso comum como cientistas
cognitivos e descobrimos que nossa cognição emerge do pano de fundo de mundo
que se estende atrás de nós, mas que não pode ser encontrado separado de nossa
incorporação. Quando voltamos nossa atenção para além desta circularidade
fundamental, com vistas a seguir o movimento da cognição apenas, descobrimos
que não podemos discernir chão subjetivo, um ego-selfpermanente e persistente.
Quando tentamos descobrir o chão objetivo que pensávamos deveria estar
presente, descobrimos mundo enativado por nossa história de acoplamento
estrutural. Finalmente, vimos que estas várias formas de falta de chão
(groundlessness) são realmente uma só: organismo e ambiente envolvem-se um
no outro e desdobram-se de um para o outro na circularidade fundamental que é
a própria vida” (Varela, 1997: 217). Os mundos enativados podem ser estudados
cientificamente, mas não têm substrato fixo, permanente ou fundamentação, e
são, ao final das contas, destituídos de chão (groundless); mesmo assim, a
experiência se sente dada, inabalável e imutável “Afilosofia ocidental esteve
sempre mais preocupada com o entendimento racional da vida e da mente, mais
do que com a relevância de um método pragmático para transformar a
experiência humana” (Varela, 1997: 218). Eis o desafio da aprendizagem:
aprender a viver num mundo sem chão; ciência sozinha não sabe fazer isso;
ciência é apta para destruir respostas metafísicas, mas não coloca nada no lugar -
a própria ciência nos leva a viver sem fundamento. “Vamos tentar o argumento
304
de que o vidente e a visão surgem simultaneamente. Neste caso, são tanto uma
quanto a mesma coisa, ou são coisas diferentes” (Varela, 1997: 222). Não há
vidente, visão ou vista independentes; as coisas são originadas de modo
codependente e são completamente sem chão; nada é encontrado que não tenha
surgido de modo dependente -por isso, nada é encontrado que não seja vazio;
todas as coisas são vazias de qualquer natureza intrínseca independente. Por isso,
cabe fazer o caminho ao caminhar, sem cair no niilismo por si. A fonte atual do
niilismo é o objetivismo, porque este é que acentua a ânsia por fundamentos
inabaláveis e que não existem. 
Outra obra importante nesta rota é a de Lakoff y Johnson, do pontode vista
da filosofia, enquanto Varela privilegia o olhar da biologia. Também para eles a
mente é inerentemente incorporada. O pensamento predominantemente
inconsciente. Conceitos abstratos largamente metafóricos. Rejeitam a visão da
razão como “característica definidora dos seres humanos” (Lakoff y Johnson,
1999: 3), porquanto a “razão inclui não só nossa capacidade de inferência lógica,
mas igualmente nossa habilidade de conduzir a investigação, resolver problemas,
avaliar, criticar, deliberar sobre como deveríamos agir, e atingir compreensão de
nós mesmos, outras pessoas e do mundo. Mudança radical em nossa
compreensão da razão é, pois, mudança radical no entendimento de nós mesmos.
É surpreendente descobrir, na base de pesquisa empírica, que a racionalidade
humana não é, de modo algum, o que a filosofia ocidental assumiu ser. Mas é
chocante descobrir que somos muito diferentes do que nossa tradição filosófica
assumiu que éramos” (Lakoff y Johnson, 1999: 4). Tais mudanças apontam para:
a) a razão não é desincorporada; b) a própria estrutura da razão provém dos
detalhes de nossa incorporação; c) a razão é evolucionária: mesmo em suas
formas mais abstratas, usa, mais do que transcende, nossa natureza animal; d) a
razão não é universal no sentido transcendente; e) é predominantemente
inconsciente; f) não é puramente literal, mas vastamente metafórica e
imaginativa; g) não é desapaixonada.
Ponto forte de seu argumento está no apelo ao estudo empírico, para além da
mera auto-reflexão, estando aí sua contribuição mais original. Possivelmente
confia-se demais em evidências empíricas, que, ao final, só dizem o que os
pressupostos teóricos e ideológicos permitem. De todos os modos, afirmam que
“a mente é inerentemente incorporada, a razão é modelada pelo corpo, e já que a
maior parte do pensamento é inconsciente, a mente não pode ser conhecida
simplesmente por auto-reflexão. Estudo empírico é necessário” (Lakoff y
Johnson, 1999: 5). Em vista disso, não há pessoa kantiana radicalmente
autônoma; “a razão, surgindo do corpo, não transcende o corpo”; não é
radicalmente livre, porque a razão é limitada, não pensa qualquer coisa; não
existe a racionalidade econômica -“ as pessoas raramente se engajam sob a forma
da razão econômica que poderia maximizar as vantagens”(id., ib.). Esta última
afirmação parece apressada, seja porque pode esconder visão empirista (nega-se
305
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
o que não aparece empiricamente), ou liberal, supondo o mercado como campo
natural de interação social. Ademais, seria ficção a pessoa fenomenológica, que
poderia, através da introspeção fenomenológica, descobrir qualquer coisa que se
poderia conhecer; não existe a pessoa pós-estruturalista -completamente
descentrada e arbitrária. Também não há a pessoa fregeana-o pensamento teria
sido expulso do corpo, e a clássica teoria da correspondência da verdade é falsa.
Não há a pessoa computacional -que deriva significado de símbolos sem
significado. Por fim, não há a pessoa chomskyana -dotada de linguagem como
pura sintaxe. Por conta do inconsciente cognitivo, andamos por aí armados com
multidão de pressuposições acerca do que é real, do que conta como
conhecimento, de como funciona a mente, quem somos e como deveríamos agir.
Admite a mão escondida que modela o pensamento consciente; não há como
devassar o inconsciente -talvez 95% de nossa vida seja inconsciente.
Revelam certo determinismo, que relembra Maturana com sua tese das
máquinas e seres vivos e do ponto de vista do observador (Magro, 1997;
Maturana y Varela, 1994) a arquitetura dada do cérebro determina os conceitos.
Achados da ciência cognitiva são intrigantes em dois sentidos: “primeiro, nos
dizem que a razão humana é forma de razão animal, razão inseparavelmente atada
a nossos corpos e peculiaridades de nossos cérebros; segundo, tais resultados nos
dizem que nossos corpos, cérebros e interações com o ambiente provê mais que
tudo a base inconsciente de nossa metafísica diária, ou seja, nosso senso pelo que
é real” (Lakoff y Johnson, 1999: 17). Todo ser vivo categoriza, como necessidade
vital de estruturar sua forma de vida no contexto da realidade, mas não apenas
como movimento racionalista. Antes, a atividade categorizante é sempre
incorporada. Daí o reconhecimento da inseparabilidade das categorias, conceitos
e experiência (Lakoff y Johnson, 1999: 19). Sistemas viventes precisam
categorizar -categorias são parte de nossa experiência; conceitos são estruturas
neuroniais que nos permitem mentalmente caracterizar nossas categorias e a
razão acerca delas. “Um conceito incorporado é estrutura neuronal que é
atualmente parte de, ou faz uso do sistema sensoriomotor de nossos cérebros.
Muito da inferência conceitual é, pois, inferência sensoriomotora” (Lakoff y
Johnson, 1999: 20). Por isso as cores são criadas -“dados o mundo, nossos corpos
e nossos cérebros evoluímos para criar cor” (Lakoff y Johnson, 1999: 23).
Ao lado da apelação empírica, os autores ressaltam o argumento da metáfora,
pretendendo mostrar que, mesmo no pensamento mais abstrato, aparece sempre
sua relação com a incorporação concreta. Adquirimos vasto sistema de metáforas
primárias automaticamente e inconscientemente simplesmente funcionando nos
modos mais ordinários no mundo do dia-a-dia desde os primeiros anos; não
temos escapatória nisso. Embora seja visível o reconhecimentno do pano de
fundo hermenêutico do conhecimento, pode aparecer aí alguma contradição, já
que seria incongruente imaginar que “adquirimos” as metáforas (latente
tendência instrucionista), vindo logo a seguir que “metáforas conceituais
306
universais são aprendidas; são universais que não são inatos” (Lakoff y Johnson,
1999: 57). Afastam-se da ciência cognitiva e filosofia a prioritradicionais,
embora combatam também o relativismo pós-moderno. Apesar de não ser
possível chegar a fundamento último, defendem a ciência cognitiva de segunda
geração (a primeira era a clássica desincorporada), que busca superar
pressuposições determinantes sem o devido teste empírico. Acabam aceitando
“pressuposições que não determinam resultados” (Lakoff y Johnson, 1999: 80),
apostando na evidência convergente e aceitando a discussão de Kuhn -não há
observação sem supostos teóricos.
Trata-se, assim, de realismo incorporado, não metafísico, valorizando a
metáfora e rebatendo a crítica formalista da metáfora. Pois “somos animais
filosóficos. Somos os únicos animais conhecidos que podem perguntar, e por
vezes até explicar, por que as coisas acontecem do modo como acontecem.
Somos os únicos animais que ponderam sobre o significado da existência e se
preocupam com amor, sexo, trabalho, morte e moralidade. E parecemos ser os
únicos animais que podem refletir criticamente sobre suas vidas de modo a fazer
mudanças sobre como elas se comportam” (Lakoff y Johnson, 1999: 551). A
concepção tradicional ocidental da pessoa está equivocada, porque supõe razão
desincorporada, razão literal, liberdade radical, moral objetiva. Já a concepção da
pessoa incorporada sinaliza outros pressupostos que receberiam ademais apoio de
testes empíricos e se coadunam com a análise da metáfora: razão incorporada;
razão metafórica; liberdade limitada; moralidade incorporada; natureza humana
para além do essencialismo.
Dialética conhecimento-ignorância
Perspectivas a partirda mente incorporada
A polêmica sobre a mente humana está longe de revelar algum desfecho,
embora ofereça alternativas cuja potencialidade talvez sequer possamos ainda
antever. Estamos imersos na sociedade intensiva de conhecimento, mas o que
menos conhecemos é o que seria, afinal, conhecimento. As premissas modernas
foram abaladas definitivamente, não só pelo fracasso do projeto de emancipação,
vituperado severamente por autores como Harding, mas igualmente por razões
internas da própria razão moderna. Epistemologicamentefalando é impraticável
oferecer fundamento último para qualquer proposta científica. Mais: é próprio do
conhecimento desfazer a idéia de fundamento último, porque sua energia é
retirada do questionamento, ou seja, mais de seu caráter desconstrutivo, do que
reconstrutivo. É inconsistente questionar sem permitir ser questionado. O
conhecimento moderno caiu nesta arapuca, até que a proposta pós-moderna,
apesar de suas diatribes irresponsáveis também, destrinchou as entranhas das
narrativas circulares, incapazes de oferecer razão final para qualquer proposta
307
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
que se imagina científica. Seu caráter científico não está na expectativa de
resultados comprovados, mas na habilidade de argumentar e contra-argumentar,
dentro de aproximações sucessivas e nunca completas. E isto também decretou a
percepção de que conhecimento é, no fundo, processo infindo de aprendizagem,
à medida que expressa dinâmica tipicamente reconstrutiva. 
Pelo menos esta coerência o conhecimento dito pós-moderno mantém: o que
o conhecimento primeiro se põe a questionar é o próprio conhecimento, para não
incidir na contradição performativa à laHabermas/Apel. Interessante é notar que
este abalo ocorreu tanto nas ciências exatas, quanto nas ditas sociais. Naquelas, o
impacto maior veio do teorema de Gödel, que buscou mostrar, para decepção da
maioria dos colegas, que mesmo na matemática, desde que se usem níveis mais
sofisticados de análise, torna-se impossível fazer prova final de seus axiomas.
Este teorema, também chamado de teorema da incompletude, é visto, ademais,
como horizonte próprio da aprendizagem reconstrutiva, já que esta,
intrinsecamente criativa, tem sua dinâmica alimentada pela flexibilidade dialética
de seus processos, não por parâmetros rígidos e definitivos, como aponta
Penrose: o computador ainda não aprende, porque ainda não sabe “errar”
(Penrose, 1994). Para aprender é mister saber sacar significados dos silêncios,
vazios, lacunas, lusco-fuscos, sombras, entrelinhas e contextos, não apenas de
símbolos lineares mecanicamente processados. Nas ciências sociais, a discussão
é bem mais antiga, porque a filosofia, sobretudo aquela ligada às preocupações
epistemológicas, já havia apontado para a circularidade hermenêutica do discurso
científico. Tendo sido desbancada a autoridade externa, resta para a ciência
buscar fundamento interno, o que a leva a argumentar a partir de si mesma. Toda
argumentação contém componentes naturalmente ainda não argumentados, como
toda definição inclui elementos ainda não definidos. Não podemos sair da
linguagem para fundar a linguagem. Estamos cercados de pressupostos teóricos e
ideológicos, que demarcam os dados, os fatos, as teorias e os métodos, porque é
impossível partir de um ponto zero. Partimos do que já conhecemos e a isto
voltamos. Assim, o que a ciência produz de melhor não são “evidências”, mas
argumentações bem tramadas, sobretudo críticas e tanto mais autocríticas. Porque
a coerência da crítica está na autocrítica. 
Habermas pode ser considerado um dos autores mais perspicazes quanto a
esta discussão, também pela polêmica pertinente de negar caráter absoluto ao
fundo hermenêutico do discurso. Se o contexto hermenêutico fosse definitivo,
todo discurso deixaria de ter qualquer pretensão mais universal. É claro que este
intento pode desandar no transcendentalismo kantiano, que Sfez imagina poder
assacar (fala de “mofo kantiano” nas propostas habermasianas), bem como
Bourdieu, porque a validade do discurso seria sobretudo social, nunca a priori
(Bourdieu, 1996[a]; 1996[b]). Seja como for, Habermas também está preocupado
com algum fundamento mais consistente da moral, para poder combinar validade
e facticidade e salvar noções essenciais para a vida em sociedade como os direitos
308
humanos (Habermas, 1997 [a];[b]). Esta briga entre pretensões universalistas e a
localização cultural do discurso mostra a face talvez mais arriscada da polêmica
pós-moderna, porque ainda busca meio termo muito complicado entre
relativismo e transcendentalismo. 
Conhecimento tem base físico-orgânica no cérebro. Como diria Searle, esta
base “causa” o conhecimento, porque sem ela é impossível comparecer este
fenômeno. Entretanto, conhecimento não é “massa cinzenta”, assim como
emoção não é adrenalina. Existe no processo de formação do conhecimento
dinâmica transformativa, que a biologia tende a creditar ao conexionismo, no
sentido de que a complexidade dos neurônios auto-organizados de forma peculiar
produziria este salto da quantidade para a qualidade, que tem sido chamado de
“emergência”, para indicar que na situação B comparecem propriedades que não
eram visíveis na situação A. Por mais que tenha sido relevante este
reconhecimento da pesquisa, de certa forma destruindo a linearidade
computacional de estilo heurístico passo a passo, por processamento cumulativo,
no fundo a questão está mais adiada, do que contornada. Porquanto, termos como
complexidade, emergência, enação, descrevem certo tipo de propriedade dos
fenômenos, mas não sua constituição interna, nem as regras de sua dinâmica. São
ainda termos mais descritivos, que explicativos. Por isso mesmo, a pesquisa da
complexidade de Morin representa sobretudo projeto de busca, não ainda algum
porto seguro, que, em ciência, a rigor não pode existir.
Por outra, a questão da auto-organização, que Maturana chamou de
autopoiese, também possui problemas similares, que aparecem na própria obra
deste autor: ou auto-organização é vista como propriedade determinada da
realidade, ao estilo da máquina que funciona dentro de certa dinâmica fechada,
ou é vista como capacidade criativa que, para produzir o novo, precisa também
se desorganizar. Varela, percebendo esta contradição, buscou outros caminhos,
que encontrou no conceito de enação, que pretende combinar a circularidade com
o salto, sobretudo quando postula a potencialidade contida na idéia de “falta de
fundamento” (groundlessness). Não seria por acaso que na sociologia sistêmica,
em particular de Luhmann, o conceito de a u t o p o i e s ede Maturana foi
recepcionado de modo conservador, como propriedade de autorecuparação dos
sistemas, com veemência criticado por Habermas. Para complicar ainda mais as
coisas, um dos rasgos mais interessantes de Maturana é sua crítica ao
instrucionismo, permitindo que se conceba sua proposta como aprendizagem
reconstrutiva, como quer Capra em sua “teia da vida”. De longe a visão mais
dinâmica é a de Varela atualmente, com todos os riscos, porque acentua a
capacidade do ser vivo ao mesmo circular e reconstrutiva de aprender.
Lakoff/Johnson, por sua vez, tendem a ser mais deterministas, quer pela
valorização excessiva da base empírica, quer pela visão mecanicista do
funcionamento da mente, mesmo incorporada. 
309
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
Apesar da polêmica até ao momento irreconciliável, muitas coisas começam
a tornar-se mais claras, entre elas:
a) aprendizagem não é fenômeno apenas racional, consciente, ou destacado
de nossa corporeidade; ao contrário, envolve a complexidade humana
naturalmente, e seu aprofundamento implica sempre também envolvência
emocional; por mais que possa utilizar esquemas abstratos, é naturalmente
metafórico, quer dizer, plantando na experiência humana histórica e cultural; o
aporte mais incisivo talvez seja o de Varela com sua teoria da enação que
estabelece a percepção como ação conceitualmente guiada, sendo as estruturas
cognitivas gestadas por padrões sensoriomotres recorrentes na vida real; auto-
organizam-se de modo circular e emergente, dentro da influência mútua entre
quem conhece e a realidade conhecida; trata-se sempre de fenômeno
hermeneuticamente plantado, culturalmente inserido, em grande parte
inconsciente, mas sempre de caráter reconstrutivo;
b)um dos achados mais fundamentais, com efeito, é o estabelecimento do
caráter reconstrutivo político da aprendizagem, tornando-se tais teorias e
perspectivas fortes argumentos contra o instrucionismo, ainda dominante na
esfera escolar e também universitária; mesmo quando queremos imitar, copiar,
reproduzir, o fazemos de modo interpretativo inevitavelmente, porque esta
atividade jamais pode ser neutra; embora as explicações sejam ainda toscas,
idéias em torno da emergência sobretudo sinalizam que a auto-organização não
se restringe à circularidade repetida, mas que, através do acoplamento estrutural,
também salta; aprendizagem é sempre salto, porque, em vez de repetir a situação,
a reconstrói; esta atividade de reconstrução não é apenas biologicamente
marcada, mas igualmente politicamente contextuada, porque se trata de sujeitos
históricos capazes de história própria; um dos rasgos mais potentes do
conhecimento é precisamente o desenvolvimento da capacidade de fazer história
própria, de interferir com originalidade, demarcando espaços alternativos;
Prigogine estaria disposto até mesmo a reconhecer esta dinâmica política na
própria natureza, por ser esta dialética também; eis um dos resultados mais
interessantes: não há aprendizagem adequada sem relação autônoma de sujeitos;
c) trava-se, assim, confluência extraordinariamente rica entre bases
biológicas da aprendizagem e sua tessitura política, muito bem captada pela idéia
da mente incorporada; retomando a abordagem de Harding sobre a localização
cultural do conhecimento, torna-se fundamental relacionar conhecimento
também com ignorância, porque, dentro de sua tessitura política, não comparece
como meio neutro de pesquisa, mas como arma dúbia, ambivalente, dialética;
aprender ultrapassa, assim, vastamente a esfera da escolaridade institucional, para
inserir-se na vida como um todo e lhe definir grande parte do que seria seu
sentido histórico; ao mesmo tempo que aprender representa a capacidade de
mudar, sobretudo de se mudar, do ponto de vista da iniciativa do sujeito, assinala
310
igualmente, por outra, o ambiente natural da dinâmica da realidade sempre em
movimento dialético; não pensamos apenas quando “paramos para pensar” ou
quando vamos à escola, mas sempre, como condição natural, porque, como
diriam Lakoff/Johnson, indefinidamente estamos a categorizar dentro do mundo
metaforicamente contextuado de hipóteses dinâmicas e cambiantes; 
d) na prática, significa que todo processo de aprendizagem, também aqueles
instrucionistas à revelia, agem de modo reconstrutivo e político, apenas que em
direção negativa, porque, em vez de abrir potencialidades para o sujeito, as coíbe;
dito de outra maneira, cultivam a ignorância; temos aqui outro conceito de
ignorância, não como situação dada -culturalmente impossível por razões
hermenêuticas e biológicas- mas como fenômeno produzido, imposto; no
instrucionismo, o professor, em vez de fomentar a autonomia criativa, reduz o
aluno a ouvinte passivo, reprodutor de mensagens alheias, subalterno a outros
projetos históricos; mesmo aí, o aluno se reconstrói de alguma maneira, embora
“para trás”, porque também na situação de escravo o ser humano não deixa de ser
sujeito; sob esta ótica, torna-se tanto mais claro como didáticas reprodutivas
instrucionistas obstaculizam a cidadania popular, à medida que preformam as
cabeças para a subalternidade histórica;
e) as idéias da mente incorporada favorecem, ademais, o reconhecimento de que
a aprendizagem pode ser melhor sucedida em ambientes humanos mais flexíveis e
atraentes, emocionalmente mais dinâmicos; daí não segue que aprendemos apenas o
que nos dá prazer, mas segue certamente que aprendemos melhor o que nos dá
prazer; parte importante do processo de aprendizagem pode ser vista como estratégia
motivadora para que coisas difíceis, penosas, cansativas possam ser visualzadas
como algo que vale a pena, cujo sofrimento pode, ao final das contas, reverter-se em
alegria do bom combate; este horizonte valoriza sumamente a percepção comum,
segundo a qual fazemos melhor nosso trabalho quando gostamos dele; triste é todo
dia fazer o que detestamos; talvez já seja verdade que a maioria das crianças detesta
a escola, também e sobretudo quando são bons estudantes;
f) ao mesmo tempo, esta discussão revela o quanto o processo de formação
dos professores, em todos os níveis, é deficiente, ou porque ignora este tipo de
interdisciplinaridade complexa, ou porque se distancia dos padrões reconstrutivos
da aprendizagem; de uma parte, para dar conta da aprendizagem é mister
dedicação muito mais ampla e recorrente, do que os cursos de pedagogia e
similares supõem, e, de outra, é preciso fazer do professor o lídimo profissional
da aprendizagem, para não incidir na contradição performativa; a maior pecha do
professor é não saber aprender, porque, com isso, pode constituir-se no fator mais
comprometedor em termos de coibir a aprendizagem do aluno; por outra, o aluno
terá sua melhor chance, se puder desenvolver-se sob os olhos atentos de um
professor que é a própria imagem de quem sabe pensar e aprende a aprender, em
particular quando se conjuga adequadamente qualidade formal e política;
311
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
g) como todo ser vivo se auto-organiza para aprender, ou seja, desenvolve-se
diante dos desafios que a realidade e sua constituição própria apresentam, o ser
humano tem diante de si mundo aberto de potencialidades, que precisa desbravar;
é ou pode tornar-se oportunidade, historico-politicamente contextuada,
dependendo das portas que se abrem e fecham, e igualmente de como participa
para abrir ou fechar as portas; aprender é esforço, por vezes muito penoso, mas
representa o caminho central do desenvolvimento, tipicamente reconstrutivo,
conquistado de modo sempre ambivalente; no ser humano, este esforço pode ser
indigitado, na educação formal, nas atividades de pesquisa e elaboração própria,
e, na vida em geral, como capacidade de iniciativa e participação, através da qual
reconstrói todo dia suas potencialidades no caminho da autonomia possível.
Conhecimento e ignorância
A controvérsia em torno do conhecimento apresenta hoje inúmeras faces,
mas pode-se dizer que uma das mais ostensivas é aquela levada pela postura
chamada pós-colonialista, muitas vezes também inserida no feminismo. Exemplo
vigoroso é a análise de Sandra Harding sobre o caráter multicultural e a inserção
cultural local do conhecimento. Sua crítica se torna tanto mais aguda, porque
adota também posicionamento epistemológico, mirando o conhecimento
igualmente a partir de suas entranhas metodológicas. Combate a epistemologia
“internalista”, essencialmente positivista e que acredita ser capaz de captar
diretamente a realidade externa e refleti-la como se fosse espelho, repassando a
expectativa fútil de poder dar conta da ordem da natureza, além de postar-se
como conhecimento universal e possivelmente único verdadeiro. Este projeto
moderno teria morrido.
“Os estudos sociais pós-kuhnianos dos projetos sociais desafiam esta
epistemologia internalista que atribui todos os desempenhos das ciências à
ordem da natureza mais aos processos internos das ciências -especialmente
ao método científico, entendido como agudamente demarcado frente a
outros métodos para obter conhecimento. Ainda assim, não aceitam que a
posição ‘externalista’de que a sociedade é inteiramente responsável pelos
resultados e falências da ciência -de que é simplesmente ‘enganação’das
sociedades e suas políticas e de que a natureza não faz qualquer
contribuição para as expectativas científicas. Em vez disso, assumem o que
foi chamado, um pouco mal posto, de abordagem construtivista, mapeando
como as ciências (no plural) e suas culturas co-evoluem, cada uma
desempenhando papel maior na constituição da outra, trazendo-as à
existência em primeiro plano e mantendo-as numabase contínua,
limitando-as sob diversos aspectos pela ordem da natureza. Os modos
distintivos, pelos quais as culturas obtêm conhecimento contribuem para
serem as culturas que são; e o caráter distintivo das culturas contribui para
312
os padrões distintivamente ‘locais’de seu conhecimento sistemático e de
sua ignorância sistemática. ‘Construtivismo’-com sua sugestão mal posta
de que as ‘sociedades’pré-existentes, totalmente formadas montam
(‘constróem’) as representações da natureza que bem entendem, ao arrepio
de como o mundo à volta está ordenado -é como esta tese inovadora dos
estudos da ciência pós-kuhniana foi chamada pelos que a interpretaram
neste modo mal posto, e é este nome que ficou no pensamento popular.
Todavia, esta abordagem poderia ser melhor referenciada como ‘co-
construtivismo’, ‘co-evolucionismo’, ou mesmo ‘co-constitucionismo’,
para enfatizar como a busca de conhecimento sistemático é sempre apenas
um elemento em toda cultura, sociedade, ou formação social em seu
ambiente local, elevando e transformando outros elementos -sistemas
educacionais, sistemas legais, relações econômicas, crenças e práticas
religiosas, projetos estatais (tais como fazer guerra), relações de gênero -
tanto quanto, por sua vez, é transformada por estas” (Harding, 1998: 3-4).
Propõe outro tipo de epistemologia (standpoint epistemology), marcada pela
perspectiva cultural do outro, dando espaço para o olhar do marginalizado, o que,
ademais, a tornaria mais objetiva. A objetividade ligada à neutralidade representa
um dos golpes mais comprometedores da ciência européia, porque possibilita
instalar a ciência com autoridade imbatível e, como conseqüência, sacralizar a
visão européia da vida. Ao mesmo tempo, esta perspectiva inovadora não pode
cair -como diria Habermas- na contradição performativa de sucumbir em seu
próprio discurso. Chama a este desafio de “reflexividade robusta”, através da qual
busca manter-se vigilante contra as arapucas epistemológicas e culturais. Não
reconhece o “milagre europeu”, como se tivesse sido criação absolutamente
pessoal, fora do contexto circundante, e particularmente devido à capacidade de
manejar conhecimento. Leva em conta o colonialismo europeu e chega a aceitar
a idéia de que a América não foi tanto descoberta, quanto infectada (alusão ao
caráter destrutivo da colonização, inclusive dizimação das populações pela
doenças transmitidas). Ao lado da produção do conhecimento, produziu-se
sistematicamente também a ignorância. As culturas tanto podem ser prisões para
a ciência, quanto podem também ser “caixas de ferramenta”. “Sob muitos
aspectos, as ciências modernas obviamente são muito mais poderosas cognitiva e
politicamente do que sistemas mais antigos europeus de conhecimento ou de
sistemas de outras culturas. Todavia, os outros sistemas foram capazes de
aprender muito sobre o mundo natural antes das ciências modernas, e que mesmo
esta ciência moderna ainda não aprendeu; todos os desempenhos imagináveis não
são das ciências modernas exclusivamente” (Harding, 1998: 61). 
Afinal, epistemologia e filosofia da ciência deveriam sempre ser
reconhecidas como tendo dimensões políticas também. “As velhas teorias
insistiram na possibilidade e desejabilidde da ciência culturalmente neutra, que
seria garantida pelo seu método distintivo; que seria exercida no contexto
313
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
unicamente da justificação; que produziria reflexão da ordem da natureza
universalmente única válida e perfeita; que seria descoberta por comunidades de
especialistas que poderiam ser isolados em seu trabalho científico do fluxo social
corrente em sua vida pública (e ‘privada’). Este sonho de um modelo de
conhecimento único e perfeito perdeu-se para sempre sob a mirada rigorosa das
várias escolas da ciência pós-Segunda Guerra Mundial” (Harding, 1998: 124).
Aproveita, em seguida, para calcar ainda mais a perspectiva também
epistemológica desta argumentação. “Como os estudos de ciência e tecnologia
das últimas cinco décadas clarificaram, as observações estão carregadas de teoria;
nossas crenças formam rede de tal sorte que ninguém está em princípio imune de
revisão; e as teorias permanecem subdeterminadas por toda coleta possível de
evidência para elas. Há sempre muitas outras hipóteses adicionais possivelmente
plausíveis sobre qualquer assunto que ainda não foi proposto, ou que foi
considerado mas talvez prematuramente descartado, e por isso fica não testado
em qualquer momento na história da ciência. Alguma parte menor delas poderia
indubitavelmente compatibilizar-se aos dados existentes tão bem quanto outros
favorecidos no presente. Ao final das contas, as ciências produzem novas teorias
continuamente. (…) Muitas teorias científicas podem ser consistentes com a
ordem da natureza, mas nenhuma delas pode ser unicamente congruente”
(Harding, 1998: 126). 
É ainda interessante sua posição de defesa da “objetividade forte”, embora
nunca neutra, no sentido do compromisso de analisar a realidade da maneira mais
adequada possível, dentro das limitações locais, culturais, pessoais e ideológicas.
Significa procurar com afinco o tipo de ciência que possa merecer a atenção dos
outros, ser refeita por quem duvide, permaneça aberta às críticas e sobretudo
saiba tomar em conta os pontos de vista contrários. Por isso começa “de fora”,
ouvindo os marginalizados, os excluídos, não para os fazer, à revelia, parâmetros
imamovíveis, mas como proposta de visão mais larga e real. Afinal, nenhuma
observação empírica faz uma hipótese tornar-se verdadeira, “já que fatos -
observações empíricas aceitas- são coletados como relevantes pela teoria que eles
supostamente estão testando (incluindo todo pano de fundo de crenças que os
suportam) e pelo métodos que são relativamente inseparáveis das teorias que
levam à sua seleção, e por isso dificilmente poderiam comparecer como testes
independentes, neutros quanto a valor, interesse, discurso e método da adequação
empírica da teoria” (Harding, 1998: 144). 
Harding procede, na prática, na mesma direção de Foucault, ao tentar
desvendar as artimanhas do conhecimento em seus compadrios com o poder
(Foucault, 1971; 1979; Portocarrero, 1994). Enquanto o segundo argumenta pela
via da arqueologia do saber (arqueologia como conceito epistemológico para o
que seria o subsolo do saber), para desvendar que usa a conversa sobre verdade
para escamotear sua submissão ao poder, a primeira lança mão argumentos
culturais e epistemológicos, para decifrar a relação forte que a ciência moderna
314
tem com a produção da ignorância. Trata-se, como se vê, de discussão arriscada,
porque podemos sempre responder a um exagero com outro. Entretanto, é notável
a busca de equilíbrio e elegância na argumentação, reforçada pela vigilância
constante de não recair na mesma crítica. As pretensões universalistas precisam
ser tomadas com alguma parcimônia, porque a realidade está inserida em
contínuo local-global. Para vivermos em sociedade é mister termos coisas em
comum, válidas para todos, mas todas elas são culturalmente marcadas. O manejo
comum das diferenças é o que mais temos de comum.
Dentro desta visão crítica, Harding restabelece a discussão em torno do
desenvolvimento como colonialismo sob outros meios, relembrando a teoria da
dependência, geralmente considerada superada pelos neoliberais adeptos da
globalização sempre olhada apenas em seus ângulos possivelmente positivos.
Fala de “des-desenvolvimento” e “maldesenvolvimento” (Harding, 1998: 108),
como resultado da interferência colonialista européia. Aponta quatro escolas de
pensamento acerca do desenvolvimento sustentável que partilham da crença de
que o crescimento econômico causa destruição do ambiente e das relações sociais
no contexto capitalista: a) os “economistas da vida real” centram-se no ambiente,
mas continuam eurocêntricos, quando,por exemplo, definem a liberdade de
escolha como se fosse algo neutro com respeito a gênero; b) os “economistas
centrados nas pessoas” preocupam-se com a erradição da pobreza, não com o
crescimento em primeiro lugar; ao realçarem o desenvolvimento em pequena
escala, podem contribuir para as oportunidades das mulheres e outras categorias
excluídas; permanecem, porém, ainda eurocêntricos, sobretudo com respeito à
expectativa universal do desenvolvimento; c) as análises do desenvolvimento do
ponto de vista poder/conhecimento conseguem captar o olhar das mulheres, mas
tendem a colocar-se fora dos discursos do desenvolvimento, perdendo, por certo
extremismo, a capacidade de negociação; d) os teóricos da cultura, economia e
modernização parecem melhor postados, porque reavaliam tudo criticamente,
agregando ainda a valorização do conhecimento incorporado, sempre
contextuado em perspectiva também local e cultural. 
Conhecimento não é apenas iluminismo. É também obscurecimento, porque
se move no espaço do poder, não só da verdade. Na sociedade intensiva de
conhecimento, isto se torna tanto mais ostensivo: disputa-se conhecimento como
se disputa poder, porque ambos os termos tendem a coincidir cada vez mais. Os
que produzem informação querem ser donos dela. Os que dominam os meios de
comunicação não aceitam qualquer monitoramento pela sociedade, como se
fossem donos únicos. Grande parte do conhecimento se transforma em tática de
coerção (Rushkoff, 1999). A informação já disponível poderia tornar a sociedade
mais transparente, desde que a informação estivesse nas mãos dos cidadãos.
Como isto é muito difícil, o domínio do conhecimento pode tornar-se ameaça
maior do que oportunidade para todos. Os entusiastas apostam na democratização
do conhecimento, porque também confiam no mercado liberal tendente,
315
Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
esperando dele acesso aberto, o que, no capitalismo, é fenômeno desconhecido.
Mas uma coisa é certa: não há como voltar. Precisamos conviver com a sociedade
do conhecimento e da informação (Brin, 1998). 
Atualidade de Paulo Freire
Parece ser regra em educação que todas as idéias tidas por novas e brilhantes
um dia já foram ditas, por vezes, por pessoas que à época eram ainda mais novas
e brilhantes. É o caso de Paulo Freire, como poderia ser também de Sócrates com
sua maiêutica. Não tinham maiores conhecimentos de biologia, emergência
quântica, enação, mas tinham a “standpoint epistemology”, através da qual
sabiam ver a realidade a partir também do outro lado (Santos, 1995). Sobretudo
não incidiam na contradição performativa: sabiam que sabiam pouco. Vamos aqui
realçar apenas a discussão em torno da pobreza política, para mostrar que os
aportes freireanos representam contribuição das mais notáveis e se encaixam
dentro da expectativa reconstrutiva política do conhecimento e da aprendizagem. 
Ao lado das carências materiais, acentua-se com ímpeto ainda mais forte a
exclusão de cunho político. A carência material, de si, não precisa indicar
exclusão, se for fenômeno natural e comum, como é a falta de chuva, por
exemplo. Quando ocorre a seca, temos carência de chuva, igual para todos. A
“indústria da seca” surge, quando entra em cena a dinâmica política ambivalente,
permitindo que simples carência material se transforme em fonte de privilégios,
ou seja, em motivo de exclusão de cunho tipicamente político. Geralmente,
quando falamos de pobreza, olhamos apenas para a carência material, indicada
pela falta de emprego, renda, moradia, saúde etc. Trata-se da crosta externa do
fenômeno, porque em seu âmago sucede sobretudo processo de exclusão política,
alimentado mormente pela ignorância por parte do excluído. Com efeito,
privilégio é fenômeno sempre consentâneo à ignorância: do ponto de vista do
desprivilegiado, precisa consentir de modo subalterno/imposto ou inconsciente;
do ponto de vista do privilegiado, precisa da subalternidade do desprivilegiado e
da competência de se impor.Aparecem duas formas principais de ignorância no
desprivilegiado: aquela inconsciente -o pobre sequer consegue saber e é coibido
de saber que é pobre; aquela imposta- o pobre é coibido de poder lutar, num
processo de obstaculização sistemática das oportunidades. Não se trata, assim, de
ignorância cultural, que a pedagogia facilmente mostra inexistir, porque todos
somos dotados histórica e culturalmente de saberes localizados, patrimônios
comuns, mundos permutados de vida. Trata-se da ignorância histórica e
culturalmente produzida para fins de submissão de maiorias. O privilegiado
também é ignorante, no sentido de que passa por cima ou destrói a consciência
crítica dos outros, repassando a idéia de que se trata de mérito, não de privilégio.
316
Esta submissão pode ser inconsciente, quando o pobre não chega a tomar
consciência, acreditando que pobreza é fenômeno natural, divino, casual. Caberia
apenas aceitar com resignação os desígnios do destino. Não se consegue
perscrutar as razões históricas e sociais da pobreza, predominando sempre
interesses da elite em manter tal situação. Tais interesses não se incorporam em
projetos explícitos -ostensivamente satânicos- mas nas próprias condições
históricas da dialética do poder. A educação básica universal e obrigatória teria
sido inventada para contrapor-se a tal situação, abrindo para todos um mínimo de
consciência crítica frente à realidade. Analfabeto é tipicamente o ignorante
produzido, não aquele que nada sabe, porque esta condição inexiste histórica e
culturalmente falando. Por outra, esta submissão pode ser relativamente
consciente e mantida através de estratégias de fomento tipicamente clientelistas,
que embotam a capacidade crítica do oprimido ou não permitem reação
adequada. Particularmente efetivas são táticas assistencialistas que induzem o
pobre a esperar a solução de seus algozes. Neste caso, o pobre já tem alguma
noção do fenômeno político da exclusão, mas não consegue organizar-se de modo
suficiente para confrontar-se com o sistema. Percebe com maior ou menor clareza
o processo de produção da exclusão, mas não alcança colocar em marcha nível
satisfatório de cidadania capaz de tomar as rédeas do destino para transformá-lo
em oportunidade (Demo, 1998[b]; 1997). 
O processo de produção da ignorância pode ser fomentado por inúmeras
iniciativas do sistema, tais como:
a) obstaculização das políticas educacionais, de tal sorte que o acesso
universal e gratuito à educação básica não ocorra, pelo menos com a qualidade
devida; por vezes acontece o acesso quantitativo -quase todas as crianças em
idade escolar chegam à escola- mas tolhe-se o acesso qualitativo -nem todos
concluem o ensino fundamental e com adequada proficiência; admite-se que seja
mister atingir escolaridade média superior aos oitos anos obrigatórios para que a
população possa minimamente “saber pensar”; parte central da obstaculização se
refere a maus tratos impostos aos docentes, tanto no sentido de formação
precária, insuficiente para sustentar níveis mínimos de aprendizagem própria e
dos alunos, quanto no de desvalorização profissional que os reduz a excluídos
também; 
b) manipulação das assistências sociais, particularmente próprias para manter
a atitude de beneficiário, em vez da de cidadão capaz de reivindicar; apaga-se
facilmente a iniciativa crítica do pobre, fazendo-o esperar por benefícios
geralmente mínimos e residuais e que o colocam na mão da elite e dos
governantes; o welfare statepode ter incidido nesta cilada, desarmando a
cidadania em favor de soluções vindas de fora e de cima, mostrando ser fátua a
tese do estado socialmente vocacionado, em particular no capitalismo; assim, a
assistência, de si direito radical da cidadania em termos de sobrevivência, quando
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Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
mal posta e conduzida podeatrelar o pobre a esquemas tipicamente
empobrecedores, marcando ainda mais sua condição de desprivilegiado e
excluído;
c) manipulação dos meios de comunicação, à medida em que são mantidos
como gigantesco advertisingdo sistema, seja na produção insistente de “pão e
circo”, ou no sustento de representações sociais atreladas e subalternas, ou no
controle e filtragem elegante da informação, ou na gestação de formas ostensivas
ou subliminares de adesismo, de tal sorte a provocar o convencimento público de
que os privilégios são mérito natural ou histórico; não deveriam, pois, ser
desfeitos ou atacados, convindo à população permanecer ao lado dos governantes
e detentores da riqueza; embora facilmente se exagere a força preformativa dos
meios de comunicação, como se o público apenas se submetesse a eles, cabe
reconhecer sua capacidade manipulativa, o que já se evidencia no fato de que as
elites sempre buscam dominá-los e de que a propaganda comercial sustenta e
perpassa os programas (Ferrés, 1998);
d) manipulação cultural, em particular de identidades propensas a manter valores
e representações conservadoras, insistindo sempre na docilidade histórica da
população; podem ter papel decisivo fatores como patrimônios históricos marcados
pela subalternidade, apegos a manifestações religiosas que sacralizam a ordem
vigente, cultivo de informalidades produtivas que atrelam a criatividade cultural à
pobreza, ufanismos vazios que apenas olham para trás na história, morais e cívicas
ideologicamente desmobilizadoras; no fundo, consegue-se com isso que a
consciência crítica e a competência humana de confrontar-se com a exclusão sejam
vistas e sentidas como transgressão social, mau comportamento, perda de bom senso;
e) atrelamento das energias associativas, desde sua vinculação jurídica
excessiva a trâmites públicos, até a sua redução a entidades engolidas pelo
sistema, sobretudo pela via dos governos; a competência para se emancipar poder
ser coarctada sobretudo por dois golpes eficientes por parte do sistema: pelo
cultivo da inconsciência história, e pela obstaculização do associativismo
agressivo; população ignorante e desorganizada é o que mais pode convir ao
sistema, pelo que sempre se procura ingerência nas associações sindicais,
partidárias, comunitárias, profissionais, etc.; visa-se sistematicamente a implantar
a idéia de que à população basta confiar no sistema, porquanto a maior ignorância
imaginável é esperar a solução dos outros, ou seja, não chegar a fazer-se sujeito
capaz de história própria (Demo, 1992; Boschi, 1987).
É neste sentido que a política social, cada vez mais, se preocupa com a
pobreza política, sem com isto desmerecer a questão social material. Esta,
entretanto, não se resolve apenas materialmente. Para superar a fome, por
exemplo, não basta ter acesso à comida. É mister, antes de tudo, ter consciência
crítica de que a fome é imposta e inventada, e de que o pobre não pode prescindir
da oportunidade de prover, por ele mesmo, sua comida. Daí já segue que emprego
318
é sempre muito mais relevante que assistência, devendo ser visto, ademais, não
apenas como decorrência livre do mercado, mas como direito humano em
primeiro lugar. É claro que a solução política não dispensa solução material, donde
segue que a acentuação da pobreza política não poderia ser feita desconhecendo as
carências físicas, pois não faria sentido substituir um extremo pelo outro. Diz-se
apenas que pobreza política é mais central que pobreza material, colocando
questão mais profunda e decisiva em termos emancipatórios. Com efeito, o
sistema não teme pobre com fome. Mas teme pobre que sabe pensar. Ap o l í t i c a
social mais decisiva no futuro será “política social do conhecimento”, através da
qual se pretende, principalmente pela via da aprendizagem reconstrutiva
permanente, estabelecer rota contínua de gestação das oportunidades, conjugando
necessariamente educação e conhecimento (Demo, 1999[b]).
Torna-se estratégico que o pobre tenha acesso ao manejo do conhecimento,
principalmente em termos reconstrutivos e políticos. Na prática ocorre o contrário,
porque as escolas reservadas aos excluídos são aquelas que menos oportunidades
garantem, geralmente as públicas. Nelas sucede –tipicamente- mera reprodução do
conhecimento, seja porque os docentes detêm formação extremamente precária e são
desvalorizados sócio-economicamente, seja porque se pratica a pedagogia da
reprodução, seja porque se imagina que aos pobres cabe escola pobre. O que mais se
esperaria desta escola é que fosse capaz de gestar as condições necessárias para o
confronto com a pobreza política. Aprender a “ler, escrever e contar” significa aprender
a “ler” a realidade, como dizia P. Freire, em sentido lidimamente político, para
desvendar a condição de oprimido e fazê-lo capaz de confronto articulado e efetivo. A
escola se liga menos no combate à pobreza material, ainda que possa ser valorizada
também nesta rota, tendo em vista que a sociedade do conhecimento está
intensivamente inserida na economia competitiva globalizada. Aescola é fundamental
também para a competitividade de cada sociedade. Entretanto, os níveis iniciais são, no
fundo, apenas pressuposto. O que de mais importante pode ocorrer aí é a constituição
de cidadãos críticos e criativos, que conjugam da maneira mais eficaz possível educação
e conhecimento para saber pensar e intervir de modo alternativo na realidade. 
Precisam de educação, para poderem realizar sua cidadania dentro da ética
histórica. Necessitam buscar história alternativa, da qual sejam o sujeito central.
Mas precisam igualmente de conhecimento, para dispor dos meios mais efetivos.
Na sociedade do conhecimento, ser excluído é sobretudo estar excluído do
conhecimento. Certamente, o analfabeto atual não é só quem não sabe ler, mas
sobretudo quem não maneja minimamente conhecimento em termos
reconstrutivos. O pobre não pode apenas reproduzir conhecimento. Carece
reconstruí-lo como sujeito capaz. A idéia da “reconstrução de cunho político”,
além de apanhar o que de melhor sucedeu na história da pedagogia em termos
emancipatórios, conjuga com elegância educação e conhecimento no mesmo
todo. Ambos os termos são inerentemente políticos, pois constituem o nódulo
mais central da dinâmica de ocupação de espaço próprio, elaborando o cerne do
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Pedro Demo
Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI
que se poderia chamar de competência humana. Entretanto, conhecimento aponta
para o horizonte do domínio técnico-formal, as habilidades propedêuticas de
estilo instrumental, a capacidade de saber pensar, enquanto educação aponta para
a competência ética, estabelecendo a relação adequada entre meios e fins. 
A sociedade aprendente (Assmann, 1998) se alimenta, por sua vez, de ambos
os lados, revelando nisto, ademais, sua tessitura dialética contraditória: ocupar
espaço próprio significa, em termos realistas, redistribuir poder, ou seja, retirar de
quem tem em excesso, ou frear e fazer recuar a usurpação, o que leva a incluir na
competência humana a capacidade de confronto; eticamente falando, todavia, a
sociedade desejável deve ser aquela solidária, onde todos poderiam ter chances
equalizadas. Usando a metáfora de Boff, ao lado de ocupar espaço, é mister
recuperar os horizontes do “saber cuidar”, que identifica como “ética do humano”
( B o ff, 1999). É bem difícil articular na história concreta a dialética da
solidariedade, seja porque geralmente é discurso dos privilegiados para
desmobilizar os desprivilegiados, seja porque decai rapidamente no
funcionalismo útil que deixa tudo como está. Seria o caso, precisamente, falar de
“dialética da solidariedade” para indicar sua intrínseca ambivalência, como todo
fenômeno histórico, no qual os encontros são constituídos por desencontros,
podendo predominar os encontros somente quando árdua e permanentemente
conquistados e refeitos (Rancière,

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