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145 EDUCAÇÃO NUTRICIONAL: CAMINHOS POSSÍVEIS * Departamento de Alimentos e Nutrição – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – UNESP - 14800-901 – Araraquara, SP - Brasil. ** Departamento de Didática - Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – 14800-901 - Araraquara – SP – Brasil. Angélica de Moraes MANÇO* Fátima Neves do Amaral COSTA* * RESUMO: O trabalho tem como objetivo apresentar teoricamente as principais concepções envolvidas na Educação Nutricional e sinalizar possíveis rumos. Realiza para tanto, a partir de uma análise documental, uma retrospectiva histórica do campo da Educação Nutricional e aponta caminhos a serem trilhados. Proporciona, com base nas análises realizadas, a possibilidade da Educação Nutricional enriquecer-se do campo das ciências humanas, de princípios filosóficos da Educação em geral, tendo como referenciais teóricos, Freire e Morin. As considerações finais indicam a necessidade do profissional nutricionista buscar complementar sua formação inicial, predominantemente biologicista, aprofundando-se na área da Educação para desenvolver qualitativamente o processo da Educação Nutricional a ele atribuído. PALAVRAS-CHAVE: Educação nutricional; educação; educação problematizadora; nutricionista-educador. Introdução A Educação Nutricional configura-se em um campo de atuação educativa do nutricionista (Lei Federal 8.234/ 91).6 Nesse campo é possível, de acordo com a postura do profissional nutricionista adotada, construir conhecimentos significativos com o paciente, uma vez que o mesmo poderá ser considerado sujeito ativo do processo, sempre aberto e flexível às suas necessidades. Buscando aprofundar as principais concepções teóricas envolvidas na Educação Nutricional e articular tais concepções ao campo do conhecimento da Educação, o presente trabalho encontra-se estruturado em três momentos. A princípio realiza um resgate retrospectivo do tema fundamentado em Boog.3 A seguir, para visualização de possíveis caminhos, são apresentados teoricamente alguns pressupostos culturais, sociais e da Educação em Saúde que poderiam ser incorporados à Educação Nutricional, distinguindo as diferenças entre Educação Nutricional e Orientação Nutricional. Como rumo à Educação Nutricional, enraizada em princípios educativos, são articuladas relações teóricas entre Educação Nutricional e Educação Problematizadora de Paulo Freire, acrescidas das contribuições de Edgar Morin. Um olhar retrospectivo à educação nutricional O conhecimento da história da Educação Nutricional é de fundamental importância para nos espelharmos nos erros cometidos no passado, resgatarmos as contribuições dos autores e evoluirmos na busca permanente de uma Educação Nutricional mais eficaz aos problemas nutricionais brasileiros. Ao realizarmos uma análise de todo o material de Educação Nutricional apresentado por Boog, em sua tese de doutorado, no ano de 1996, temos uma abordagem da Educação Nutricional, em ordem cronológica e de forma crítica, possibilitando embasamento teórico para avaliarmos as mudanças ocorridas na Educação Nutricional nos tempos atuais e traçarmos ainda, possíveis novos caminhos. Assim, vamos encontrar nas publicações escritas por Ritchie, a valorização do significado dos alimentos, dos aspetos religiosos e culturais, dos hábitos por grupos étnicos dentro de uma visão sociológica, contudo, não era preconizada a participação ativa dos educandos nos processos decisórios. Burges e Dean avançaram um pouco mais ao afirmarem que a Educação Nutricional não era um simples repassar de informações, todavia, o nutricionista era visto somente como multiplicador das informações. Mesmo assim, as autoras ampliaram o respaldo técnico do profissional para a execução dos programas direcionados a um planejamento de ensino fundamentado no pensamento behaviorista, que valorizava a necessidade de um diagnóstico educativo bem elaborado e formulação precisa de objetivos educativos. Jelliffe, como médico, pensava a Educação Nutricional de forma a distancia-la de um ideal de ensino e sua função foi reduzida apenas a de instrução, frente aos problemas nutricionais, com base nos dados epidemiológicos. Bosley resgatou a valorização dos costumes, valores, preferências, tabus dos indivíduos e pela primeira vez, o profissional nutricionista foi reconhecido como responsável técnico pela Educação Nutricional, mas não como seu executor. Ela ressaltou ainda, o papel importante do educador, entretanto, como um “dom” dos indivíduos e não como uma habilidade a ser desenvolvida. Mushkin direcionou a Educação Nutricional ao crescimento econômico, deixando de lado as discussões envolvendo os valores dos indivíduos. A esposa de Jelliffe direcionou a Educação Nutricional à redução dos riscos de morbidade e mortalidade, além disso, resgatou novamente o papel do Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 146 educador ainda como um “dom” e não como uma habilidade a ser adquirida.3 Os manuais de treinamento, de maneira geral, pouco contribuíram com aspectos positivos na história da Educação Nutricional. Seria ilusório acreditar que eles poderiam estar oferecendo soluções às questões nutricionais, uma vez que não valorizavam aspectos nutricionais como os hábitos alimentares, descartavam as questões sociais que permeavam as situações apresentadas e tratavam de questões como aleitamento materno, com técnicas de higiene e improvisação de um “excelente refrigerador” confeccionado com uma cesta de bambu.3 No Brasil, a Educação Nutricional ficou sempre mais associada à introdução de alimentos vinculados ao interesse econômico. As publicações existentes se restringiam a folhetos ou livretos destinados à população. Nos anos setenta, a Educação Nutricional foi muito criticada por ser estratégia para ensinar os pobres a se alimentarem de cascas, por exemplo, e também, não fazia mais parte da veemência política. Investimento nas publicações na área da Educação Nutricional não ocorreu em nosso país e o único livro existente foi o escrito por Boog e Motta, em 1984.5 Novos caminhos da educação nutricional A Educação Nutricional não deveria mais ser concebida apenas como a mudança de hábitos alimentares inadequados à saúde, uma vez que trabalhos mais recentes vêm incorporando outras características às práticas de Educação Nutricional, tornando-a mais eficiente e adequada às necessidades do ser humano, como poderá ser confirmado no decorrer do texto que segue. Abordaremos de início os aspectos nutricionais articulados intrinsecamente aos culturais. Educação nutricional e aspectos culturais O alimento não pode mais ser visto somente como uma fonte de nutrição, pois possuindo a capacidade de desempenhar várias funções na sociedade humana, pode estar relacionado aos aspectos sociais, culturais, religiosos, econômicos, psicológicos, antropológicos, que influenciam nos hábitos alimentares dos indivíduos e grupos9 e que não deveriam ser desconsiderados em um processo de Educação Nutricional mais efetivo. A antropologia médica, ao conhecer as características dos grupos culturais diferentes, explica a causa das doenças, os tipos de tratamento que acreditam e a quem recorrem se ficam doentes, contribuindo então, para a recuperação da saúde dos indivíduos.9 Neste contexto, o nutricionista compreendendo como cada cultura compõe o seu conjunto de regras voltadas à alimentação, modo de preparação dos alimentos, ocasiões em que o grupo estará reunido para se alimentar, ordem dos pratos servidos durante uma refeição e maneira como os indivíduos comem, poderá incorporar essas informações às práticas de Educação Nutricional e considerar os hábitos alimentares, que demonstrem risco à saúde desses indivíduos.9 A alimentação representa a manifestação da organização social, a chave simbólica dos costumes, o registro do modo de pensar a corporalidade do mundo emqualquer sociedade. O Brasil, marcado pelas desigualdades sociais, atribui valores diferentes ao alimento, conforme as classes sociais. As pessoas com nível sócio-cultural mais elevado, nos dias de hoje, apresentam em sua alimentação uma nova característica, a de acrescentarem em suas refeições, alimentos mais leves, “lights”, diferente dos gostos bárbaros, da mesa “farta” que nos deparávamos no passado. Para as classes populares, o alimento já apresenta outro significado, temos uma mescla de valores simbólicos do passado e do presente, manutenção das características regionais e padrões sócio-culturais nas diversas instâncias do conhecimento tradicional. Os alimentos, para estas classes populares, são classificados em “fortes ou fracos” – conforme sua “sustança”; “pesados ou leves” – de acordo com o estado de saúde do indivíduo; “ricos ou pobres em vitaminas” – referentes à sua fortificação do organismo e benefícios à saúde. As observações do nutricionista sobre os diversos elementos simbólicos dos alimentos facilitam a interpretação de conceitos construídos por diferentes sujeitos sociais, justificando seus hábitos alimentares e suas articulações concretas do cotidiano, enquanto estratégias de vida.8,16 Os tabus alimentares também devem ser considerados no processo de Educação Nutricional, porque simbolizam algo proibido e intocável e, estão ainda presentes nos costumes brasileiros, em decorrência de nossa organização cultural, permeada pela influência dos negros, índios e portugueses.16 Os alimentos apresentam significados diferentes a cada cultura e foram classificados por Helman dentro de cinco categorias: alimento versus não-alimento; alimento sagrado versus alimento profano; alimento quente versus alimento frio; alimento como remédio versus remédio como alimento; alimentos sociais, que merecem ser destacadas para percebermos, posteriormente, as conseqüências que podem trazer à saúde dos grupos culturais, além de muitas vezes poderem ser também classificados como tabus alimentares.9 Alimento versus não-alimento – cada cultura define quais as substâncias que serão comestíveis ou não, dentro do seu contexto, mesmo que os alimentos considerados como não-alimentos apresentem um ótimo valor nutricional. Alimento sagrado versus alimento profano – os alimentos que serão permitidos e proibidos, com base nas crenças religiosas dos diferentes grupos sociais. Alimento quente versus alimento frio – característica de muitos grupos culturais e sociais e com o significado de remédio para as doenças também classificadas como quentes ou frias. Alimento como remédio versus remédio como alimento – alguns alimentos podem ser utilizados como uma forma de medicação para determinadas doenças ou Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 147 estados psicológicos, de acordo com crenças e valores de cada grupo social. Atualmente, já conhecemos vários alimentos com essa função, denominados como alimentos funcionais. Por outro lado, existem remédios, que podem ser considerados uma forma de alimento ou nutriente, quando ingeridos juntamente com as principais refeições, cujo efeito simbólico é de alimento. Alimentos sociais – alimentos que consumidos por um grupo de pessoas, dotados de valor simbólico representam status social, na medida em que a qualidade e quantidade da comida possam refletir o poder aquisitivo dos indivíduos.9 Portanto, o alimento possui duas conotações diferentes, em relação ao seu valor nutricional e cultural, podendo afetar a nutrição dos indivíduos de duas maneiras: excluindo nutrientes essenciais da alimentação, ou estimulando o consumo de determinados alimentos ou bebidas. Assim a partir dessas considerações, associamos a má nutrição de indivíduos aos fatores culturais, podendo manifestar-se através da subnutrição ou da supernutrição. Não se pode, contudo, atribuir exclusivamente a estes fatores a total responsabilidade na maior parte desses casos no mundo. Os importantes papéis culturais que os alimentos desempenham nas sociedades fazem parte das tentativas de modificar ou aperfeiçoar os hábitos alimentares dos indivíduos.9 O comportamento alimentar também deve ser relevante no processo da Educação Nutricional, pois quando influenciado pelo aspecto psicológico, pode trazer conseqüências à saúde dos indivíduos.13 Quando a Educação Nutricional é postulada meramente como uma consulta parcial do tratamento, de modo homogêneo, a-histórico, a-temporal, independente de grupos sociais, desconsiderando as questões mencionadas, ela se torna um saber técnico que não valoriza o sujeito. Não se questiona as causas e efeitos deste ou daquele alimento. Por outro lado, pensar a Educação Nutricional como um ato capaz de trabalhar questões intrínsecas aos antigos paladares e hábitos não parece de fato ser uma tarefa simples, mas levando em consideração todos os aspectos abordados anteriormente, tornará o processo de intervenção do nutricionista mais eficiente.8 Educação nutricional e aspectos sociais Valente, buscando estabelecer uma visão mais crítica da Educação Nutricional, condenou todas as iniciativas neste campo até então. A necessidade de uma Educação Nutricional mais crítica faria parte de um compromisso de colocar a produção técnica e científica do profissional a serviço do fortalecimento das classes populares em sua luta na superação dos problemas nutricionais. O autor afirma que a eliminação das diferenças entre as classes sociais não se dará a partir de processos educacionais, porém estas transformações exigem ações políticas das quais o processo educacional pode contribuir como um mediador importante.18 “As políticas sociais são, por definição, compensatórias em relação ao funcionamento normal da sociedade. Elas surgem para compensar as distorções decorrentes do processo do desenvolvimento capitalista, que discrimina e faz com que a distância entre ricos e pobres seja cada vez maior”.1 As famílias na sociedade capitalista não partem de igualdade de condições, em que os mais pobres tendem a reproduzir o ciclo da pobreza: baixo nível educacional, má alimentação e saúde, instabilidade no emprego e baixa renda. Recentemente, em 1993, o direito à alimentação foi equiparado aos demais direitos do homem e estabelecido na Carta dos Direitos Humanos de 1948. Ao Estado compete a função de garantir a segurança alimentar de sua população, como um direito ao cidadão. Nos tempos atuais, não observamos mais a falta de alimentos ou de oferta disponível de alimentos, mas sim a dificuldade quanto ao acesso físico e econômico, continuamente, à alimentação e aos meios para sua obtenção.1 Valente discute ainda em seu trabalho, a ingenuidade de se acreditar que com ação isolada de um processo educacional crítico em nutrição, conseguiríamos eliminar a fome/desnutrição ou qualquer outro distúrbio nutricional. No entanto, o papel de considerar os processos históricos e sociais de determinação desses distúrbios nutricionais e o possível fortalecimento dos movimentos populares assim municiados, poderiam auxiliar em uma ação social mais eficaz sobre a realidade.18 O mesmo autor, em suas afirmações, aponta uma visão mais crítica, quanto à melhoria dos problemas nutricionais articulada aos aspectos sociais e pensando dessa maneira, poderemos citar aqui uma ação social como o Programa Fome Zero, proposto pelo atual governo brasileiro, que faz essa mesma articulação de Valente, ao se ater primeiro as condições sociais do Brasil, para posteriormente, se preocupar com as questões alimentares. O Programa foi elaborado a partir de um estudo que reuniu quase uma centena de técnicos, acadêmicos e operadores de políticos em torno de três objetivos principais: a) avaliar a situação dos programas de combate à fome no Brasil diante dos compromissos firmados pelo país na Cúpula Mundial de Alimentação de 1996; b) retomar a mobilização da sociedadediante do tema da segurança alimentar e; c) envolver os governos federal, estaduais, municipais, ONGs e sociedade civil em uma proposta factível para o combate a fome.1 O Programa, ao apresentar o diagnóstico do mapa da fome, aponta a dificuldade de se calcular a quantidade de pessoas sujeitas à fome no país, não havendo um consenso sobre o tamanho da população atingida. O último levantamento abrangente e de qualidade sobre o acesso da população a alimentos e outros bens de consumo foi o Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef), de 1974/75. A partir de seus dados, foi possível avaliar que 42% das famílias brasileiras (8 milhões de famílias), ou cerca de 50% da população da época, equivalente a 46,5 milhões de pessoas Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 148 estariam em condições de insegurança alimentar. Dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, de 1999, atualizados posteriormente pela edição de 2001, se assemelham aos dados encontrados em 1974/75: a linha de pobreza média ponderada no Brasil, que é de R$ 71,53 mensais por pessoa, indica a existência de 46 milhões de pessoas com uma renda mensal disponível média de R$ 39,11, ou 9,9 milhões de famílias com renda mensal de R$ 183,81, levando-se em conta a média de 4,7 pessoas por família - valor considerado insuficiente para suprir as necessidades básicas de sobrevivência de um ser humano.14 Esses resultados, decorrentes de uma diminuição do poder aquisitivo e um aumento no preço da alimentação saudável, exigem um crescimento econômico com distribuição de renda no Brasil, visando a garantia de segurança alimentar a todos os cidadãos. Contudo, o problema nutricional da população brasileira não se resume na aquisição insuficiente de alimentos, mas também na escolha inadequada dos mesmos, nos níveis qualitativo e quantitativo, com maior evidência nas famílias de baixa renda. Portanto, a Educação Nutricional mais crítica desempenharia um papel importante também ao bom êxito do Programa.14 E ainda, poderíamos incluir o fato de que políticas de garantia de direitos universais, como direito à alimentação, previsto no Programa Fome Zero, se contrapõem a necessidade de estabelecer ações focadas de atendimento ao público selecionado. O foco de segurança alimentar e nutricional pode ser distinto do foco do combate à pobreza, pois nem todo pobre vive em situação de insegurança alimentar e nem todo cidadão em situação de risco alimentar é necessariamente pobre, embora essas associações serem bastante prováveis.1 Tal afirmação mostra novamente a relevância da presença de ações de Educação Nutricional no Programa Fome Zero. Educação nutricional e educação em saúde Na intenção de continuarmos a aprofundar as novas possíveis maneiras de realizar a Educação Nutricional, apresentamos aqui conceitos da Educação Nutricional e da Educação em Saúde na década de oitenta, citados por Motta e Boog em seu livro e, posteriormente, apontaremos as novas considerações da Educação em Saúde, que deveriam ser incorporadas à prática da Educação Nutricional mais atualizada. “A educação nutricional se insere na educação em saúde, que tem por finalidade a formação de atitudes e práticas conducentes à saúde: não fumar, praticar esportes, apreciar a vida ao ar livre, andar a pé – são comportamentos incentivados pela educação em saúde. Estes exemplos de comportamentos bastam para mostrar que não são as condições econômicas favoráveis que vão, por si sós, determinar comportamentos saudáveis. A educação nutricional, por sua vez, incentiva o consumo de alimentos naturais, frutas, hortaliças e recomenda evitar as guloseimas, as gorduras saturadas e os alimentos artificiais”.12 As autoras fizeram também uma analogia ao conceito exposto por Marcondes sobre a Educação em Saúde, entendida como: “um processo essencialmente ativo que envolve mudanças no pensar, sentir, agir dos indivíduos pelo qual eles adquirem, mudam ou reforçam conhecimentos, atitudes e práticas conducentes à saúde”.12 Embasadas neste conceito, as autoras afirmaram que a Educação Nutricional constitui um processo por meio do qual se obtém mudanças de conhecimentos de Nutrição, atitudes com relação à alimentação e práticas alimentares conducentes à saúde, visando a melhoria da saúde pela promoção de hábitos adequados, eliminação de práticas dietéticas insatisfatórias, introdução de melhores práticas de higiene e uso mais eficiente de recursos alimentares.12 Com as mudanças mais recentes no modo de conceber a Educação em Saúde, esta tem sido considerada como campo de práticas e conhecimentos do setor saúde, ocupando-se mais diretamente da criação de vínculos entre o saber científico e o pensar cotidiano da população e no Brasil. Diferentes concepções e práticas têm marcado sua história. As práticas de Educação em Saúde vêm buscando a superação do fosso cultural presente entre a instituição e a população, em que um lado não compreende a lógica e o outro, as atitudes. Com isso, é assumida uma nova postura para o enfrentamento dos problemas de saúde, marcados pela integração do saber técnico ao saber popular. Dessa forma, a Educação em Saúde deixa de ser uma atividade a mais realizada nos serviços de saúde, passando a ser um instrumento de construção da participação popular nos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, de aprofundamento da intervenção da ciência na vida cotidiana das famílias e da sociedade.19 As novas considerações no campo da Educação em Saúde deveriam ser incorporadas nas práticas de Educação Nutricional, permitindo assim, que as mesmas não se restrinjam a práticas hegemônicas prevalentes, em que imperam prescrições e determinações do profissional de saúde aos sujeitos. A inserção da Educação Nutricional nas ações de Educação em Saúde se torna importante, uma vez que a literatura médica vem reafirmando, frente às doenças crônicas, a urgência de se articular ao tratamento medicamentoso, práticas de saúde que considerem e desenvolvam os aspectos relacionados à qualidade de vida dos indivíduos.10 Para isso, os conceitos sobre as práticas de Educação Nutricional têm que acompanhar a evolução das mudanças nos conceitos da Educação em Saúde. Educação nutricional ou orientação nutricional? A Educação Nutricional é atribuída ao profissional nutricionista. No percurso de sua formação inicial esse profissional é preparado para assumir essa função. O Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 149 exercício da Educação Nutricional é realizado pelos nutricionistas com maior freqüência na área clínica do que na rede básica de saúde, o que interpretamos como um dado desfavorável. Como apenas 3 a 7% dos profissionais formados atuam na área de saúde pública, implica aos médicos e enfermeiros a atribuição dessa atividade. Porém, segundo pesquisa realizada por Boog, as enfermeiras, embora tenham cursado uma disciplina específica de Nutrição na graduação, consideram o ensino insatisfatório e, quanto aos médicos, quase nada comentaram sobre o ensino em Nutrição, pois de fato, este não ocorreu, refletindo a falta de interesse desses profissionais na área da Educação Nutricional.4 Os cursos de graduação se preocupam mais com o ensino voltado às ciências biológicas, desvalorizando a importância das ciências humanas em sua formação, comprometendo o preparo dos alunos para realizar atividades como a Educação Nutricional.5 A incorporação de conceitos educacionais na disciplina de Educação Nutricional tornaria a formação do profissional mais completa e diferenciada desde o período da graduação, contrariando séculos de educação tradicional e padrões estabelecidos.17 Os nutricionistas, neste contexto, deveriam evitar recorrer aos mesmos erros citados anteriormente, pois poderiam comprometer o verdadeiro papel da Educação Nutricional na saúde dos indivíduos ou população.Não podemos falar de Educação Nutricional, quando estamos realizando apenas, Orientação Nutricional. Boog colabora conosco, quando nos chama atenção para compreendermos a distinção entre a Educação Nutricional e Orientação Nutricional, ao expor com clareza as diferenças existentes entre as duas atividades. Dessa maneira, nos faz refletir e valorizar ainda mais importância do papel da Educação Nutricional no trabalho do nutricionista, uma vez que o diferencia dos demais profissionais da saúde, que se preocupam apenas em realizar atividades de Orientação Nutricional.5 A Educação Nutricional dá ênfase ao processo de modificar e melhorar o hábito alimentar a médio e longo prazo; preocupa-se com as representações sobre o comer e a comida, com os conhecimentos, as atitudes e valores da alimentação para a saúde, buscando sempre a autonomia do sujeito. O profissional nutricionista é, nesse conjunto, parceiro na resolução dos problemas alimentares; visa uma integração e harmonização nos diversos níveis: físico, emocional e intelectual, quando se trata de mudanças necessárias ao controle de doenças relativas à alimentação; considera a descontinuidade e a transgressão no decorrer das mudanças nos hábitos alimentares, como etapas previsíveis e pertinentes engajadas num processo difícil e lento; além de enfatizar o diálogo.5 A Orientação Nutricional, por outro lado, enfatiza o processo de mudança das práticas alimentares em curto prazo; preocupa-se apenas com a mudança de práticas e o seguimento da dieta; a doença ou sintoma é sempre um fato negativo a ser eliminado ou controlado; o profissional é sempre autoritário; as mudanças relativas à alimentação devem ser obtidas através do seguimento da dieta; não se aceita transgressões e as mesmas, se tornam motivos de censura; e ainda, dá ênfase somente à prescrição dietética.5 Em relação à área de atuação do nutricionista dentro da saúde coletiva, podemos considerar dois campos importantes: as escolas públicas e a área de merenda escolar. Nesses campos, além da escassez desses profissionais, podemos acrescentar, como assegura Vasconcelos, que a prática do profissional em saúde pública carece ser redefinida e normatizada a partir de diretrizes que nos possibilitem uma relativa uniformidade de atuação. Uma prática conservadora, que apenas reproduz as condições que determinam o processo saúde-doença não é o suficiente.20 Muitos profissionais de saúde, no desenvolvimento de suas práticas, realizam a prescrição de “receitas”, que não favorece o diálogo entre profissional e o paciente. O paciente passa a reproduzir o discurso do médico e de outros profissionais ligados à saúde, sem por vezes compreender o seu real significado. Nessa relação, há uma tendência do paciente em buscar uma “proteção mágica”, justificando sua submissão absoluta ao tratamento invasivo e agressivo, tendo como conseqüência, regressão, infantilização, submissão e dependência na tentativa desse paciente de dominar a doença. Em contraponto, a ausência ou insegurança quanto a conhecimentos e cuidados de saúde contribuem para sentimentos de incapacidade, abandono e ansiedade, influência negativa para a autonomia do paciente em relação ao processo saúde-doença.2 Entendemos que os novos rumos da Educação Nutricional exigem mudanças estruturais e aparatos conceituais para organizarem o saber, tais como a incorporação de idéias e conceitos à Educação Nutricional advindos de autores que contribuam com essa ampliação. Nesse sentido, o texto a seguir apresentará caminhos possíveis. Educação nutricional, educação problematizadora e os saberes e valores necessários à educação do futuro Retrocedendo a história da Educação Nutricional podemos observar que a função de educador foi citada em algumas publicações, porém como um “dom” ou “atributo pessoal” e não como habilidade adquirida através da formação profissional específica. Atualmente, com a preocupação de reorientar a trajetória do pensar e fazer em Educação Nutricional, o papel do nutricionista como educador será muito valorizado e dessa forma, precisaremos dos princípios filosóficos da Educação, para que o profissional possa melhor delinear suas ações educativas.3 Paulo Freire com a proposta de Educação Problematizadora será o nosso referencial teórico nesta próxima discussão. As contribuições do autor serão adaptadas ao nutricionista, enquanto educador nutricional. Educação nutricional e educação problematizadora proposta por Paulo Freire Paulo Freire indiretamente revela a importância de tornar os nutricionistas como educadores, pois dessa maneira, este profissional estará inserido em uma realidade Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 150 que não é a realidade do educando, mas uma única realidade entre ambos. A Educação Problematizadora é vista como um caminho para a formação da consciência crítica dos educandos, em oposição à educação tradicional, bancária, aprendida nas escolas, em que os educadores estabelecem com os educandos uma relação de narração de conteúdos, em que o educador é o que educa, os educandos, os que são educados; o educador é o que sabe, os educandos, os que não sabem; o educador é o sujeito do processo e os educados, meros objetos, pacientes-ouvintes.7 Na educação tradicional, as palavras não vão representar uma força transformadora, mas uma memorização mecânica do conteúdo narrado, considerando a educação como um ato de depositar: o educador é o depositário e os educandos, os depositantes, o que deu origem a essa denominação de “educação bancária”, cujo significado é a doação do saber, a alienação da ignorância. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação e não há saber. E é por isso mesmo que as pessoas reagem instintivamente a qualquer tentativa de educação estimulante do pensar autêntico, não se deixando emaranhar pelas visões parciais da realidade, buscando sempre os nexos que prendem um problema ao outro.7 Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo, em que os homens estão simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Tornado-os expectadores e não recriadores do mundo onde vivem, cujas consciências estão condicionadas somente a receber depósitos que o mundo lhe faz, que vão transformando-se em seus conteúdos .7 Ao contrário da educação bancária, a Educação Problematizadora não pode ser um ato de depositar, mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, no lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o medializador de sujeitos cognoscentes, superando a contradição educador-educandos, que se faz através de um processo dialógico e que resulta na prática da liberdade dos educandos envolvidos.7 A Educação Problematizadora pode ser vista também como libertadora, quando o indivíduo encontra condições para descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica e capaz de sozinho, controlar seus problemas relacionados à alimentação, após a ajuda dos profissionais de saúde. A ação libertadora deve transformar a dependência dos sujeitos sobre esses profissionais em independência, com reflexão e ação, através da conscientização dos mesmos. É preciso que os sujeitos tomem consciência de sua realidade para depois transforma- la. A Educação Problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica em um constante desvelamento da realidade, resultando na inserção crítica na realidade dos sujeitos e na negação do homem abstrato, isolado, desligado do mundo.7 A Educação Nutricional voltada à educação dialógica possibilita a superação da contradição educador-educandos, que juntos, educam e são educados, se tornando sujeitos do processo educativo. Desse modo, o educador problematizador refaz seu ato cognoscente, na cognoscitividade dos educandos, que são agora investigadorescríticos em diálogo com o educador e não mais recipientes dóceis de depósitos de informações. Porém, devemos levar em conta a dificuldade da adoção desta prática, já que desde da infância, todos fomos educados por meio da educação bancária.7 A Educação Problematizadora é a futuridade revolucionária e cheia de esperança, que objetiva corresponder à condição dos homens como seres históricos e à sua historicidade e que estes possam conhecer cada vez mais a sua realidade, o mundo ao qual pertencem, construindo um futuro melhor.7 A caminho dessa futuridade revolucionária encontramos autores que contribuem para aprofundar filosoficamente essa discussão, uma vez que seus pressupostos convergem diretamente à Educação Problematizadora. Trata-se de Edgar Morin. Educação nutricional e os sete saberes necessários à educação do futuro Morin11, preocupado com os novos caminhos da educação, contribui com todos os que pensam e fazem educação ao enunciar os sete saberes fundamentais necessários à educação do futuro em toda sociedade e toda cultura, sem exclusividade ou rejeição, segundo modelos e regras de cada sociedade e cultura. Partindo do trabalho do autor, vamos apresentar como estes saberes: As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; Os princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana; Ensinar a identidade terrena; Enfrentar as incertezas; Ensinar a compreensão; e a Ética do gênero humano. Todos esses saberes poderiam ser incorporados à Educação Nutricional e à Educação Problematizadora proposta por Paulo Freire. No primeiro saber, “As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão”, o autor afirma que todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão, uma vez que o conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são traduções e reconstruções cerebrais, baseadas em estímulos captados e codificados pelos sentidos, e resultando em inúmeros erros de percepção, o que já podemos acrescentar o erro intelectual. O conhecimento, sob forma de palavra, idéia, teoria é fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento sujeito ao erro (o grifo é nosso), fator importante à Educação Nutricional, ou seja, a necessidade de uma linguagem adequada ao sujeito. Este conhecimento ainda comporta a interpretação (o grifo é nosso), o que leva ao aumento do risco de erros na subjetividade do conhecedor, de sua visão de mundo e de princípios de conhecimento. Desta última afirmação, entendemos a relevância de constantes esclarecimentos aos participantes do processo educativo na Educação Nutricional para se evitar os possíveis erros na subjetividade. Somente a afetividade é Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 151 que pode eliminar o risco do erro, levando em conta que a paixão e a curiosidade são a mola da pesquisa filosófica ou científica e que o mundo da inteligência e da afetividade são inseparáveis (o grifo é nosso).11 Nesse sentido, a nossa relação com os sujeitos deveria superar as que se caracterizam como professor-aluno ou nutricionista- paciente. Deveríamos ainda, transmitir através de todos os nossos atos, nossa paixão pelo processo educativo suscitando questionamentos e curiosidades. A educação deve-se dedicar à identificação da origem dos erros e ilusões, que podem ser: mentais - considerando que o mundo psíquico é 98% conectado com o funcionamento interno, o que significa ser relativamente independente, em que fermentam necessidades, sonhos, desejos, idéias, imagens, fantasias; intelectuais – está na lógica organizadora de qualquer sistema de idéias resistir à informação (o grifo é nosso) que não lhe convém; racionais – a racionalidade é a melhor proteção contra o erro e a ilusão, pois dialoga com o real que lhe resiste, é fruto do debate argumentado das idéias, deve reconhecer a parte do afeto, do amor e do arrependimento e principalmente, ser autocrítica. 11 Dessa forma, torna-se claro a necessidade que os temas abordados no processo educativo devem advir dos sujeitos e por eles considerados relevantes. E ainda, a educação deve considerar que: os indivíduos são marcados desde o nascimento, primeiro com o selo da cultura familiar, escolar, seguido da universitária e profissional, denominado de imprinting cultural, termo proposto por Konrad Lorenz e relativo à marca indelével imposta pelas primeiras experiências do animal recém- nascido. Existem condições bioantropológicas (as aptidões do cérebro e mente humana), condições socioculturais (a cultura aberta voltada a diálogos e troca de idéias) e condições noológicas (as teorias abertas) que permitem interrogações fundamentais sobre o mundo, sobre o homem e sobre o próprio conhecimento. O desafio da educação do século XXI é armar cada um para o combate vital à lucidez, 11 novamente a ênfase em se considerar na abordagem da Educação Nutricional, as questões culturais e sociais. “Os princípios do conhecimento pertinente”, segundo saber enunciado por Morin, volta-se a necessidade de superarmos a inadequação existente entre os saberes, que se encontram desunidos, divididos, compartimentados e os problemas, cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, globais. Pensando assim, aumenta a responsabilidade da Educação Nutricional ser articuladora e promover saberes contextualizados. Com esta finalidade, o autor apresenta algumas considerações que merecem ser elucidadas: as informações ou dados somente terão sentido quando situados em contextos; a sociedade é mais que um contexto, é global, é o todo organizador que fazemos parte; o ser humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e a sociedade comporta as dimensões, histórica, econômica, sociológica e religiosa, portanto multidimensionais. O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade, que existe, quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo – como o econômico, político, sociológico, psicológico, afetivo, mitológico (o grifo é nosso). 11 Elementos fundamentais a serem considerados no processo educativo e que nos confrontam cada vez mais com os desafios da complexidade da Educação Nutricional. Apoiada nas afirmações acima, a educação deve promover a “inteligência geral” apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global. A inteligência geral pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e mais viva durante a infância e adolescência, que com freqüência que a instrução a extingue, ao invés de estimula-la, a idéia do autor assemelha-se às idéias de Paulo Freire, quando se refere à educação “bancária”. A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver os problemas essenciais (o grifo é nosso), um dos objetivos da Educação Nutricional, ou seja, favorecer a autonomia dos sujeitos. Ao separar as dimensões, biológica, psíquica, econômica, religiosa faz com que as mentes percam suas aptidões para contextualizar os saberes, conduzindo ao enfraquecimento da responsabilidade – cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada, bem como ao enfraquecimento da solidariedade – cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos. 11 O terceiro saber, “Ensinar a condição humana”, é de fundamental importância à reflexão do profissional nutricionista interessado em realizar uma Educação Nutricional mais crítica. Nos encontramos na era planetária e os seres humanos devem reconhecer-se em sua humanidade comum, situar-se no universo e ao mesmo tempo reconhecer sua diversidade cultural inerente a tudo que é humano. Sabemos que o ser humano é visto de forma dividida, em pedaços de um quebra-cabeça, ao qual sempre falta uma peça. Morin acrescenta que é necessário à educação do futuro, promover grande remembramento dos conhecimentos naturais, para situar a condição humana no mundo,dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humanas. 11 O ser humano é complexo e não só vive de racionalidade e técnica, ele também se desgasta, se dedica a danças, mitos, magias; é infantil, neurótico, delirante e racional. Sorri, ri, chora, mas sabe conhecer com objetividade; é sério e calculista e ansioso, angustiado, gozador; violento e amoroso; nutre-se de conhecimentos comprovados, mas de ilusões. 11 E assim, conhecer nossos sujeitos na sua complexidade humana faz parte de um dos sete saberes necessários à educação do futuro e também aos novos caminhos da Educação Nutricional. No quarto saber, “Ensinar a identidade terrena”, o autor preocupa-se com a dificuldade dos indivíduos em conhecer o mundo, em desenvolver a aptidão de contextualizar e de globalizar. 11 Para MORIN, é necessário termos uma noção mais rica e complexa do desenvolvimento, que não seja apenas material, mas intelectual, afetiva e moral. Precisamos aprender a “estar aqui” no planeta, vivendo, dividindo, Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 152 comunicando, pertencendo a uma cultura e dispostos a sermos terrenos. O pensamento deve mudar: todas as culturas têm suas virtudes, experiências, sabedorias, mas também ignorâncias e carências e é olhando ao passado que vamos conseguir superar esses obstáculos, encontrando energia para enfrentar o presente e preparar o futuro. Civilizar e solidarizar a Terra (o grifo é nosso), transformar os humanos em uma verdadeira humanidade torna-se o objetivo fundamental e global de toda educação que almeja a sobrevida da humanidade11 e podemos acrescentar ainda aqui, a importância da Educação Nutricional mais preocupada com a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos envolvidos no processo educativo. No quinto saber, “Enfrentar as incertezas”, é discutido que foi no século XX a descoberta de que o futuro é marcado pela imprevisibilidade. Com certeza, existem determinantes econômicos e sociológicos ao longo da história, mas que são também instáveis e incertos, propensos a acidentes e imprevistos. Pensando dessa forma, a grande conquista inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão de prever o destino humano e definir da história da humanidade como uma aventura desconhecida. 11 O surgimento da nova consciência se inicia, o homem precisa aprender a conviver com as incertezas e mudança dos valores (o grifo é nosso), a serem considerados em todo percurso da Educação Nutricional. Dessa maneira, importa não sermos realistas (adaptar-se ao imediato) e nem irrealistas (substituir-se às limitações da realidade) no sentido trivial e sim, realistas na compreensão das incertezas da realidade, não esquecendo que há algo invisível no real. O conhecimento é uma aventura incerta, que comporta em si mesmo o risco do erro e da ilusão e considerando as incertezas do ato cognitivo, podemos mais nos aproximar do conhecimento pertinente. 11 Incorporando o pensamento do autor aos novos rumos da Educação Nutricional, ele contribui, ao nos mostrar que o nutricionista ao realizar uma ação educativa, deve levar em conta a complexidade que ela supõe, ou seja, o aleatório, acaso, iniciativa, imprevisto, decisão, inesperado. 11 “Ensinar a compreensão” corresponde o sexto saber, que enfatiza o problema de como a falta de compreensão humana tornou-se tão importante aos humanos e sua necessidade de superação como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. A compreensão humana vai além da explicação, o ato de explicar é essencial à compreensão intelectual ou objetiva das coisas anônimas ou materiais, mas insuficiente para a compreensão humana. Esta comporta um conhecimento de sujeito a sujeito e um processo de empatia, identificação e projeção e ainda, de abertura, simpatia e generosidade11. Todos elementos considerados essenciais ao processo de Educação Nutricional. O autor termina este saber afirmando que a única e verdadeira mundialização a serviço do gênero humano é a da compreensão da solidariedade intelectual e moral da humanidade (o grifo é nosso). Compreender é também aprender e reaprender incessantemente. O planeta necessita de compreensões mútuas, em todos os níveis educativos e o desenvolvimento da compreensão necessita de reforma planetária, tarefa da educação do futuro. 11 O parágrafo acima nos faz comparar novamente o modo de pensar do autor com o de Paulo Freire, considerando que ambos os autores são importantes referenciais aos novos fundamentos à reestruturação da Educação Nutricional, em que através da compreensão e da solidariedade intelectual e moral da humanidade nos revelam que vamos conquistando o espaço necessário a este fim. “A ética do gênero humano” é o sétimo e último saber necessário à educação do futuro, proposto por Morin. Neste saber, o autor afirma que os indivíduos são mais do que produtos do processo reprodutor da espécie humana e também que as interações entre os indivíduos resultam na sociedade dotada de cultura e de valores. Ao sucesso do processo da Educação Nutricional é preciso reconhecer o sujeito como gênero humano, porque este significa desenvolvimento do conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana. 11 Trabalhar o desenvolvimento humano e a participação dos sujeitos, visando o nascimento da verdadeira humanidade, deve ser a preocupação inserida nos desafios do processo de Educação Nutricional mais crítico, sem omitir os valores nele impressos. Conclusão Diante do quadro apresentado, cujo foco voltou-se à Educação Nutricional, algumas considerações podem ser aqui apresentadas. Tornou-se visível à importância da área enquanto atribuição explícita do nutricionista. Seu trabalho deve ser realmente voltado à Educação Nutricional, permitindo que o profissional possa fazer o exercício de distinção da prática da Educação Nutricional e da Orientação Nutricional. É possível afirmar também que para além do domínio de conteúdos advindos do campo das ciências biológicas o nutricionista, para o exercício da Educação Nutricional, necessita complementar conhecimentos para realizar o processo com diferencial qualitativo de atuação. Consideramos que o nutricionista, como educador, deve se convencer de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção. A Educação, na sua vertente problematizadora, apresentou-se como caminho possível para o enriquecimento profissional, uma vez que devidamente trabalhado, o processo da Educação Nutricional ampliará também ao paciente a construção de conhecimentos, inserindo-o em bases mais significativas. MANÇO, A.M.; COSTA, F.N.A. Nutritional education: possible directions. Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004. ABSTRACT: The work aims to present theoretically the main conceptions involved in Nutritional Education Alim. Nutr., Araraquara, v. 15, n. 2, p. 145-153, 2004 153 and signal to possible directions. Having a documental analysis as a starting point, it carries out a historical retrospective of the field of Nutritional Education and points the ways to be followed. Based on the accomplished analysis it provides the possibility that the Nutritional Education be enriched by the area of human sciences, philosophical principles of Education in general, considering as theoretical references, Freire and Morin. The final considerations indicate the Nutrition professionals need to complement his/her initial background especially in biology in Education to develop qualitatively the process of Nutritional Education attributed to him/her. KEYWORDS: Nutrition education; education; proble- matical education; nutrition-educator. Referências bibliográficas 1. BELIK, W; GROSSI,M.D. O programa fome zero no contexto das políticas sociais no Brasil. 2003. Disponível em: http://www.fomezero.org.br. 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