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O que Explica a Ascensão dos Humanos - Yuval Harari

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O QUE EXPLICA A ASCENSÃO DOS HUMANOS? 
Yuval Noah Harari | TED Global London | June 2015 
Transcrição 
 
Há 70 mil anos, nossos ancestrais eram animais insignificantes. A coisa mais importante a saber sobre os 
humanos pré-históricos é que eles não tinham importância. O impacto deles no mundo não foi muito maior do 
que o das águas-vivas, dos vaga-lumes ou pica-paus. Hoje, em contraste, nós controlamos esse planeta. E a 
questão é: como viemos de lá até aqui? Como nos transformamos de primatas insignificantes, que cuidavam 
das suas vidinhas em algum canto na África, em soberanos do planeta Terra? 
 
Normalmente, procuramos a diferença entre nós e todos os outros animais em um âmbito individual. Nós 
queremos acreditar, eu quero acreditar, que há algo de especial a meu respeito, sobre meu corpo e meu 
cérebro, que faz de mim superior a um cão, um porco ou um chimpanzé. Mas a verdade é que, no âmbito 
individual, sou vergonhosamente semelhante a um chimpanzé. E se eu e um chimpanzé fôssemos colocados 
juntos em alguma ilha deserta, e tivéssemos que lutar pela sobrevivência para ver quem se sairia melhor, eu 
definitivamente apostaria no chimpanzé, não em mim. Não que haja algo de errado comigo em particular. 
Acho que se quase qualquer um de vocês fosse deixado sozinho com um chimpanzé em alguma ilha, o 
chimpanzé se sairia muito melhor. 
 
A verdadeira diferença entre seres humanos e outros animais não está no âmbito individual, e sim no âmbito 
coletivo. Seres humanos controlam o planeta porque são os únicos animais que podem cooperar com 
flexibilidade e em grandes grupos. Existem outros animais, como os insetos sociais: as abelhas, as 
formigas... Que podem cooperar em grandes grupos, mas não o fazem com flexibilidade. A cooperação entre 
eles é muito rígida. Basicamente, existe apenas um modo no qual uma colméia pode funcionar. E se existe 
uma nova oportunidade ou um novo perigo, as abelhas não podem reinventar um sistema social da noite 
para o dia. Elas não podem, por exemplo, executar a rainha e estabelecer uma república de abelhas, ou uma 
ditadura comunista de abelhas operárias. 
 
Outros animais, como os mamíferos sociais: os lobos, os elefantes, os golfinhos, os chimpanzés... Podem 
cooperar de modo bem mais flexível, mas o fazem apenas em pequenos grupos, porque a cooperação entre 
chimpanzés é baseada no conhecimento íntimo mútuo. Se eu sou um chimpanzé e você é um chimpanzé, eu 
quero cooperar com você. Eu preciso conhecer você pessoalmente. Que tipo de chimpanzé você é? Você é 
um chimpanzé amigável? É um chimpanzé diabólico? É confiável? Se não conheço você, como posso 
cooperar contigo? 
 
O único animal que pode combinar as duas habilidades e cooperar com flexibilidade e ainda fazê-lo em 
grandes grupos somos nós, Homo sapiens. Um contra um, ou mesmo dez contra dez, os chimpanzés podem 
se sair melhor do que nós. Mas, se confrontarmos mil seres humanos com mil chimpanzés, os humanos 
ganharão facilmente pela simples razão de que mil chimpanzés não conseguem cooperar de modo algum. E 
se tentarmos abarrotar 100 mil chimpanzés na Rua Oxford ou no Estádio Wembley, ou na Praça da Paz 
Celestial ou no Vaticano, teremos um caos total. Imaginem o Estádio Wembley com 100 mil chimpanzés. 
(Risos) Loucura total. 
 
Em contraste, os humanos normalmente se reúnem lá aos milhares, e o que temos não é o caos, 
normalmente. O que temos são redes de cooperação extremamente sofisticadas e eficientes. Todas as 
enormes conquistas da humanidade por toda a história, seja a construção das pirâmides ou a viagem até a 
Lua, foram baseadas não em habilidades individuais, mas na habilidade de cooperar maleavelmente em 
grandes grupos. 
 
Pensem até nessa palestra que estou dando: estou em frente a uma platéia de cerca de 300 a 400 pessoas, 
a maioria de vocês, totalmente estranhos para mim. Do mesmo modo, não conheço todas as pessoas que 
organizaram e trabalharam nesse evento. Não conheço o piloto e a tripulação do vôo que me trouxe aqui 
ontem, até Londres. Não conheço as pessoas que inventaram e fabricaram esse microfone e essas câmeras, 
que estão gravando o que estou dizendo. Não conheço as pessoas que escreveram todos os livros e artigos 
que li ao me preparar para esta palestra. E certamente não conheço todas as pessoas que podem estar 
assistindo a essa palestra pela Internet, em algum lugar de Buenos Aires ou Nova Déli. 
 
Mesmo assim, apesar de não nos conhecermos, podemos trabalhar juntos para criar esta troca de ideias 
global. Isto é algo que chimpanzés não conseguem fazer. Eles se comunicam, é claro, mas jamais veremos 
um chimpanzé viajando para um bando de semelhantes distante para dar uma palestra sobre bananas ou 
elefantes, ou qualquer outra coisa que possa interessar os chimpanzés. Agora, cooperação não é, 
naturalmente, sempre agradável; e as coisas horrorosas que os humanos têm feito ao longo da história, e 
temos feito coisas muito horríveis, todas essas coisas são também baseadas na cooperação em grande 
escala. Prisões são sistemas de cooperação; matadouros são sistemas de cooperação; assim como os 
campos de concentração. Chimpanzés não têm matadouros, nem prisões, nem campos de concentração. 
 
Suponhamos que eu tenha convencido vocês talvez de que sim, controlamos o mundo porque cooperamos 
com flexibilidade em grandes grupos. A próxima questão que vem logo à mente de um ouvinte curioso é: 
"Como, exatamente, fazemos isso?" O que permite apenas a nós, entre todos os animais, cooperar dessa 
maneira? A resposta é a nossa imaginação. Nós podemos cooperar com flexibilidade com inúmeros grupos 
de estranhos, pois apenas nós, entre todos os animais do planeta, podemos criar e acreditar em ficções, 
histórias fictícias. E desde que todos acreditem na mesma ficção, que todos obedeçam e sigam as mesmas 
regras, as mesmas normas e os mesmos valores. 
 
Todos os outros animais usam seu sistema de comunicação apenas para descrever a realidade. Um 
chimpanzé pode dizer: "Olha, lá vem um leão. Vamos fugir! Ou: "Olha, tem uma bananeira ali. Vamos pegar 
bananas!” Humanos, em contraste, usam sua linguagem não apenas para descrever a realidade, mas 
também para criar novas realidades, realidades fictícias. Um humano pode dizer: "Vejam, há um Deus acima 
das nuvens! E se vocês não fizerem o que eu mandar, quando morrerem, Deus vai puni-los e mandá-los para 
o inferno". E se todos acreditarem nessa história que eu inventei, vocês então seguirão as mesmas normas, 
leis e valores, e vocês podem cooperar. Isso é algo que apenas os humanos podem fazer. Não se pode 
convencer um chimpanzé a dar uma banana a você prometendo: "... depois que você morrer, irá para o 
paraíso dos chimpanzés...! (Risos) "... e receberá uma infinidade de bananas pelas suas boas ações. Agora, 
me dê esta banana". Nenhum chimpanzé jamais acreditaria numa história dessas. Só os humanos acreditam 
nessas histórias, e é por isso que controlamos o mundo, enquanto que chimpanzés estão presos em 
zoológicos e laboratórios de pesquisa. 
 
Vocês podem achar aceitável que sim, no âmbito religioso, humanos cooperam acreditando nas mesmas 
ficções. Milhões de pessoas se reúnem para construir uma catedral ou mesquita, ou lutar numa cruzada ou 
jiade, pois todos acreditam nas mesmas histórias sobre Deus, paraíso e inferno. Mas o que quero enfatizar é 
que exatamente o mesmo mecanismo fundamenta todas as outras formas de cooperação humana em 
grande escala, não apenas no âmbito religioso. 
 
Observemos, por exemplo, o âmbito jurídico. Muitos sistemas legais hoje no mundo são baseados numa 
crença dos direitos humanos. Mas o que são os direitos humanos? Direitos humanos, assim como Deus e o 
paraíso, são histórias que inventamos. Eles não são uma realidadeobjetiva; não são um efeito biológico 
sobre o homo sapiens. Pegue um ser humano, corte-o, observe seu interior: você encontrará o coração, os 
rins, neurônios, hormônios, DNA, mas não encontrará direitos. Apenas encontrará direitos nas histórias que 
inventamos e espalhamos ao longo desses últimos séculos. Elas podem ser histórias bem positivas e boas, 
mas serão sempre histórias fictícias que nós inventamos. 
 
O mesmo se aplica ao âmbito político. Os fatores mais importantes na política moderna são estados e 
nações. Mas o que são estados e nações? Eles não são uma realidade objetiva. Uma montanha é uma 
realidade objetiva. Podemos vê-la, tocá-la, até mesmo sentir seu aroma. Mas uma nação ou um Estado, 
como Israel ou Irã, França ou Alemanha, são apenas uma história que inventamos e à qual ficamos 
extremamente apegados. 
 
O mesmo se aplica ao âmbito econômico. Os principais protagonistas na economia global atual são 
companhias e corporações. Muitos de vocês hoje, talvez, trabalham para uma corporação, como Google, 
Toyota ou McDonald's. O que exatamente são essas coisas? São o que advogados chamam de ficções 
jurídicas. Elas são histórias inventadas e mantidas pelos poderosos peritos que chamamos de advogados. 
(Risos) E o que corporações fazem o dia todo? Em geral, elas tentam ganhar dinheiro. E o que é o dinheiro? 
De novo, dinheiro não é uma realidade objetiva; não tem valor objetivo. Observemos o pedaço de papel 
verde, a cédula do dólar. Olhem para ela, não há valor algum. Não se pode comê-la, bebê-la, não se pode 
vesti-la. Mas aí surgiram esses mestres contadores de histórias: os grandes banqueiros, os ministros das 
finanças, os primeiros-ministros, e eles nos contam uma história bem convincente: "Estão vendo esse pedaço 
de papel verde? Ele, na verdade, vale dez bananas". E se eu e vocês acreditarmos nisso, se todo mundo 
acreditar, isso funciona! Posso pegar esse inútil pedaço de papel, ir ao supermercado, entregá-lo a um 
estranho que eu jamais vi antes, e obter, em troca, bananas de verdade que posso comer. Isso é algo 
incrível! Jamais poderia ser feito com chimpanzés. Chimpanzés comercializam, é claro: "Sim, você me dá um 
coco, eu lhe darei uma banana". Isso pode funcionar. Mas, você me dá um pedaço de papel inútil e espera 
que eu lhe dê uma banana? Nem pensar! O que pensa que sou, um humano?" (Risos) 
 
Dinheiro, na verdade, é a história mais bem-sucedida já inventada e contada aos humanos, pois é a única 
história em que todos acreditam. Nem todo mundo acredita em Deus, nem todo mundo acredita em direitos 
humanos, ou no nacionalismo, mas todo mundo acredita no dinheiro, e nas cédulas do dólar. Até mesmo o 
Osama Bin Laden. Ele odiava a política, a religião americana e a cultura americana, mas ele não fazia 
nenhuma objeção aos dólares americanos. Ele gostava muito deles, na verdade. (Risos) 
 
Para concluir, então: nós humanos controlamos o mundo porque vivemos em uma realidade dupla. Todos os 
outros animais vivem em uma realidade objetiva. A realidade deles consiste em entidades objetivas, como 
rios, árvores, leões e elefantes. Nós humanos também vivemos em uma realidade objetiva. No nosso mundo, 
também, existem rios, árvores, leões e elefantes. Mas ao longo dos séculos, construímos em cima dessa 
realidade objetiva uma segunda camada de realidade fictícia, uma realidade feita de entidades fictícias, como 
nações, deuses, dinheiro e corporações. E o incrível é que, enquanto a história se desenvolvia, essa 
realidade fictícia tornou-se cada vez mais poderosa tanto que hoje, as forças mais poderosas do mundo são 
essas entidades fictícias. Hoje, a sobrevivência dos rios, árvores, leões e elefantes depende das decisões e 
desejos de entidades fictícias, como os Estados Unidos, o Google, o Banco Mundial... entidades que existem 
apenas na nossa imaginação. 
 
Obrigado. (Aplausos) Obrigado, Yuval. 
 
Bruno Giussani: Você lançou um livro novo. Depois de "Sapiens", escreveu outro, e foi lançado em 
hebraico, mas não foi traduzido em... 
 
Yuval Noah Harari: Estou trabalhando na tradução no momento. 
 
BG: No livro, se entendi corretamente, você afirma que os incríveis avanços que estamos vivendo agora não 
apenas tornarão as nossas vidas melhores, mas criarão... e cito sua afirmação: "... novas classes e novas 
lutas de classe, como na revolução industrial". Pode explicar melhor isso? 
 
YNH: Na revolução industrial, vimos a criação da nova classe do proletariado urbano. E muito da história 
política e social dos últimos 200 anos implicava no que fazer com essa classe, e os novos problemas e 
oportunidades. Agora, vemos a criação de uma classe compacta de pessoas inúteis. (Risos) Com o 
aprimoramento dos computadores em âmbitos cada vez maiores, existe uma distinta possibilidade de que 
eles irão nos superar em muitas tarefas e tornarão os humanos dispensáveis. E aí a grande questão política 
e econômica do século 21 será: "Para que precisamos de humanos?", ou, pelo menos: "Para que precisamos 
de tantos humanos?" 
 
BG: Você tem uma resposta no livro? 
 
YNH: No momento, o melhor palpite que temos é mantê-los felizes com drogas e videogames... (Risos) mas 
isso não parece ser um futuro muito atraente. 
 
BG: Certo, então está basicamente dizendo no livro e agora, que para toda a discussão sobre a crescente 
evidência da significativa desigualdade econômica, estamos apenas no início do processo? 
 
YNH: De novo, não é uma profecia; é ver todos os tipos de possibilidades diante de nós. Uma possibilidade é 
a criação de uma nova classe compacta de inúteis. Outra possibilidade é a divisão da humanidade em 
diferentes castas biológicas, na qual os ricos se tornarão quase como deuses, e os pobres rebaixados ao 
nível de pessoas inúteis. 
 
BG: Sinto que haverá outra palestra TED em um ano ou dois. BG: Obrigado, Yuval, por ter vindo. YNH: 
Obrigado. 
 
 (Aplausos)

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