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RESUMO Luiz Felipe de Alencastro

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Luiz Felipe de Alencastro - em uma ótima edição da Companhia das Letras - entrega uma análise da formação do Brasil em uma chave diferente da que nos acostumamos nos estudos de história. 
O sentido da formação do Brasil voltado para fora, como em Caio Prado Jr., não é, de todo, abandonado, porém, Alencastro vê que o Brasil voltado para fora não se orienta apenas na relação Brasil-Portugal. O livro gira em torno da relação Brasil-África Central ou Brasil-Angola, e, portanto, na relação luso-africana.
Alencastro - professor com uma vasta, e respeitada, carreira acadêmica -, aqui, demonstra a importância dos estudos do comércio bilateral entre Brasil e Angola (em termos que vão além do econômico) para análise da formação do Brasil através de um extenso levantamento de fontes, a maioria delas referentes ao período entre o séc.XV e XIII.
De tempos em tempos, a historiografia brasileira produz sínteses, estudos destinados a ordenar o emaranhado de fatos e comportamentos do passado e, sobretudo, lançar luzes sob os conturbados homens da contemporaneidade. A primeira grande síntese surgiu com Caio Prado Junior. Nela a nossa história possuía um sentido, uma estrutura mestra capaz de dar-lhe inteligibilidade. O "sentido mercantil" impulsionava as lavouras de cana-de-açúcar, a sociedade escravista e a colonização do Brasil. O escravismo e as brutais diferenças sociais forjaram-se a partir da perversa lógica mercantil. Com Fernando Novais, a acumulação primitiva de capital e a emergência do capitalismo incentivaram o pacto colonial e a economia agroexportadora. Açúcar, ouro e escravos rendiam lucros fabulosos que logo escapavam das fronteiras coloniais. De Portugal, esse capital se estabilizou na Inglaterra, contribuindo com a Revolução Industrial. Esta vertente historiográfica ainda destacou a inexistência de um mercado interno e a incapacidade de gerar acumulações endógenas. A América portuguesa estava, portanto, atrelada aos destinos metropolitanos e mundiais, ou melhor, obedecia a ritmos econômicos externos. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul de Luiz Felipe Alencastro vincula-se a essa vertente historiográfica. A perspectiva externalista torna-se evidente desde o subtítulo.
"Nossa história", como destaca Alencastro, "não se confunde com a continuidade do nosso território colonial. Sempre se pensou o Brasil fora do Brasil, mas de maneira incompleta..." (p. 9). O Brasil não era apenas um prolongamento da Europa, se construiu também a partir de um estreito vínculo com a África.
A colonização portuguesa não se sustentava sem o braço escravo. Para viabilizá-la, recorreu-se aos escravos africanos, unindo os enclaves da América portuguesa às feitorias de Angola. No final dos quinhentos, surgiu então um espaço sem limites territoriais contínuos, um arquipélago lusófono, forjado pelo tráfico negreiro. A Coroa portuguesa, paulatinamente, inibiu o emprego de mão-de-obra indígena e estimulou o tráfico e a escravidão de africanos. Como resultado, as bordas atlânticas se especializaram: a agricultura se desenvolveu em Pernambuco, Bahia e, mais tarde, no Rio de Janeiro; enquanto Angola fornecia braços para as lavouras brasílicas, aniquilando aí as atividades agrícolas. A colonização portuguesa produziu, então, economias complementares e não concorrenciais.
A metrópole controlava o tráfico negreiro e a estrutura econômica de ambos lados do Atlântico, consolidando a dependência dos colonos, mesmo os mais abastados, pois consumiam boa parte de seus lucros na compra de escravos. Esse capital retornava à metrópole, sobretudo com os mercadores de escravos, dirigindo-se, em parte, para os cofres régios. Assim, os colonos se vinculavam ao mercado metropolitano, produzindo açúcar, fumo e algodão, enquanto os colonos em Angola capturavam escravos para labutar em solos americanos.
A escravidão africana viabilizava, em parte, a evangelização dos ameríndios, pois pretensamente amenizava os embates entre jesuítas e colonos. Para tanto, em diversos momentos a metrópole editou leis destinadas a conter a escravidão indígena. Com a importação de braços, os índios se tornariam dispensáveis à colonização e poderiam abraçar a fé cristã, sob a tutela dos inacianos. Defensores da liberdade, os jesuítas lutavam para tornar efetiva essas prerrogativas, mesmo com forte resistência por parte dos colonos. Os últimos pretendiam escapar dos altos preços dos escravos africanos, recorrendo aos descimentos e escravização dos ameríndios. Para Luiz Felipe Alencastro, a escravidão indígena tornava os colonos independentes do controle metropolitano e anestesiava as trocas entre as bandas atlânticas.
Apesar de inaugurar um rico veio historiográfico quando analisou os vínculos entre tráfico negreiro e escravidão indígena, o historiador pecou ao desconsiderar que, nas áreas açucareiras, os ameríndios estavam praticamente extintos desde o início do século XVII. Assim, as disputas entre jesuítas e colonos não se arrefeceram devido à introdução de escravos africanos. O extermínio dos tupis esvaziou as querelas em torno do controle dos aldeamentos. A partir dos seiscentos, os jesuítas passaram a atuar na Amazônia, onde a colonização baseava-se no trabalho indígena. Dependentes do contingente nativo, os colonos investiam contra os missionários, pois as lavouras eram incapazes de sustentar a compra de escravos provenientes da África. No planalto paulista, a situação ainda era mais grave. O cultivo de trigo era tocado com o contingente indígena, renovado constantemente pelas entradas e bandeiras que assaltavam o interior e as reduções jesuíticos. Lá a escravidão ameríndia perdurou até meados do século XVIII.
Nas áreas não vinculadas à economia mercantil, enfim, o modelo explicativo defendido por Alencastro não se aplica. No entanto, o historiador afirmou: "... a escravidão africana é o modo dominante, enquanto o cativeiro e o trabalho compulsório índio aparecem como um modo secundário de exploração colonial" (p. 242). A premissa é válida para Bahia e Pernambuco, porém inadequada para São Paulo e Amazônia seiscentistas. Para construir o modelo explicativo, o historiador considerou que os enclaves americanos baseados no trabalho compulsório indígena eram inviáveis politicamente, pois estavam conturbados por conflitos e situados fora do controle metropolitano. Desse modo, Alencastro pretendeu contornar o problema e reduziu à tabula rasa as economias independentes ao mercado atlântico. A história de áreas periféricas se diluiu nas poeiras dos embates.
Crítica semelhante provém de um especialista em África. O estudo de Luiz Felipe Alencastro construiu uma argumentação valendo-se apenas do tráfico negreiro angolano, desconsiderando a complexidade das trocas. Alberto da Costa e Silva (Folha de S. Paulo, 09.09.00) destacou que, ao findar dos seiscentos, havia um intenso comércio entre o Brasil e a Costa do Ouro, onde escravos eram trocados por tabaco baiano. O tráfico negreiro ainda se ampliava para o Senegal, Guiné e aos reinos vilis, ao norte do rio Zaire. Essas áreas, por certo, não se adequavam ao modelo proposto por Alencastro, construído como um monotrilho, incapaz de abarcar a complexidade da História do Brasil.
O trato dos viventes, porém, promoveu um avanço magnífico das pesquisas em torno da escravidão africana, destacando os interesses e vínculos das elites brasílicas com os enclaves escravistas em Angola. Os estudos recentes, porém, reforçam que a colonização do Brasil não se restringiu ao tráfico e ao comércio atlântico. A inteligibilidade da História do Brasil também deve valer-se das economias periféricas: as coletas de drogas do sertão, a criação de gado e as atividades ligadas ao abastecimento interno. Iniciada nos seiscentos, a conquista portuguesa e brasílica do interior ainda não mereceu um estudo alentado para servir de contraponto à colonização realizada nas bordas atlânticas. Enfim, a formação do Brasil somente será decifrada depois de percorrer os fios de uma trama que nos liga à Europa, África eao interior americano
Mais do que escrever um livro sobre a história do período colonial vivido pelo Brasil, Luiz Felipe de Alencastro mostra a importância de não analisá-lo como uma época reclusa ou apenas ligando-o às rédeas metropolitanas: é preciso enxergar além. É preciso enxergar um mundo ultramarino no qual a América portuguesa se incluía. A formação do Brasil e o sentido da colonização, vertentes delicadas dos estudos históricos brasileiros e, às vezes, evitada pelos historiadores, são lidadas pelo autor, atual professor titular da cátedra de História do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne e organizador do volume 2, Império – A corte e a modernidade nacional, de 1997, da História da vida privada no Brasil, que procura mostrar como o “Brasil se formou fora do Brasil”.
De início, o autor aponta como formou-se a colonização: ela não era um processo já pronto, mas sim um resultado de aprendizado dos colonos. Em seguida, mudando de margem atlântica, a análise vai à África, focando nas rotas comerciais das caravanas, e como elas foram vencidas pelas caravelas, a partir de análises materialistas e de ideologias cristãs. A "transmigração" negreira do atlântico-sul novamente endossa o coro da impossibilidade de separação das costas atlânticas. Este "miolo negreiro" tinha como centro a capital lusa e Alencastro parte a mostrar como se articulava essa Lisboa com o tráfico de escravos, passando por banqueiros, asientistas e perseguições a cristãos-novos, e apresenta mais uma face ao processo, quando cogita o "comércio triangular negreiro".
A sociedade escravista brasileira não se ocupava somente do trato negreiro. Para não negligenciar esse aspecto importante, o autor apresenta a escravidão indígena na América portuguesa. O interesse na preservação das sociedades indígenas passava por vários aspectos, desde um aliado em potencial aos assédios estrangeiros ao novo mundo, potencializados pela fraca presença militar, até a opção ideológica de evangelização. Em seguida, a evangelização negra é tratada por Luiz Felipe de Alencastro, que traz à tona a teoria fundamentadora de Padre Antônio Vieira: só os negros cristãos conheceriam o resgate eterno do Paraíso. Os outros, vivendo no paganismo na África, estavam condenados ao Inferno.
As invasões holandesas e seus conflitos, que dominam a próxima parte da análise, são um ponto alto na análise de Alencastro: a presença holandesa no nordeste da América Portuguesa e em Angola, acionou os colonos de modo que ficou provado que sem um lado não existia o outro. Protagonizado pelos fluminenses – surgindo a figura do paulista como "anti-metropolitano" e "anti-jesuíta", um quase vilão na construção deste mundo Atlântico –, o movimento brasílico inicia a retomada de Angola assim como a expulsão holandesa do nordeste. Fechando o desenvolvimento, o último capítulo tem como foco a "Angola Brasílica", fruto do universo do Atlântico-Sul, e a maneira com que foram impostos os interesses luso-brasílicos na África.
Ao finalizar, a pergunta é retomada: o que Luiz Felipe de Alencastro quer dizer com a “Formação do Brasil no Atlântico Sul”? Talvez queria compartilhar da idéia de Charles R. Boxer, que alega a existência de um imperium português. Talvez queira também mostrar que é preciso abrir os olhos para entender o Brasil como parte integrante de um processo e não como uma vítima da vontade lusitana. É claro que a metrópole teve a chance de exercer seu papel, e assim o fez, mas, assim como Portugal, Angola e Brasil também foram agentes históricos. E de tal maneira, formou-se um mundo entre essas partes. Simbiose, desenvolvimento mútuo que, inegavelmente, foi possível pela mentalidade lusa de governo e todos os entremeios sucedidos nos três séculos de colonização. Desta maneira, fica ainda mais inteligível o processo de formação do Brasil como "de um império a outro", conforme as idéias da Wilma Peres Costa. Por tudo isso, a obra de Luis Filipe de Alencastro é indispensável para, além do entendimento da formação brasileira, perceber e entender as relações humanas no tempo e espaço, de forma

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