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O Princípio da Insignificância E sua Aplicação no Direito Penal Brasileiro Autor: Roberta Gomes da Silva Orientador: Heli Gonçalves Nunes DIREITO ROBERTA GOMES DA SILVA O Princípio da Insignificância E Sua Aplicação no Direito Penal Brasileiro Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Heli Gonçalves Nunes. Taguatinga 2008 2 ROBERTA GOMES DA SILVA O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Heli Gonçalves Nunes. Aprovada pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com menção_____ (__________________________________________). Banca Examinadora: ______________________________ Presidente: Prof. Dr. Instituição a que pertence ______________________________ ______________________________ Integrante: Prof. Dr. Integrante: Prof. Dr. Instituição a que pertence Instituição a que pertence 3 Agradeço ao dr. Haroldo Nóbrega, pelas valorosas considerações e por deixar a minha disposição a sua biblioteca pessoal, à Fernanda, pela revisão gramatical e ao pessoal da biblioteca da PGR, pelo suporte inestimável e pela paciência. A Deus, por Sua magnitude. A minha mãe querida, que sempre está disposta a fazer sacrifícios pelos meus estudos e sonhos. Ao Prof. Álcio Sinott Lopes, modelo de advogado e ser humano consciente, o primeiro a reconhecer a minha paixão pelo direito penal. Ao Prof. Heli Gonçalves Nunes, orientador deste trabalho, pelos conhecimentos transmitidos e orientação paciente. 4 “A verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade”. Cesare Beccaria 5 RESUMO O caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal demanda que sua atuação se restrinja a casos onde haja ofensa relevante a bens jurídicos fundamentais. Nesse contexto, surge o princípio da insignificância como causa excludente de tipicidade e instrumento de restrição do tipo penal, de forma que condutas que acarretem lesões desprovidas de reprovabilidade não mereçam ser valoradas pela norma incriminadora. Uma vez que inexiste previsão legal acerca dos crimes bagatelares, ainda há muitas dúvidas quanto aos limites e requisitos para sua aplicação, o que não impede, todavia, seu reconhecimento pelos Tribunais pátrios. Palavras-chave: Princípio da Insignificância (direito penal), Crime de bagatela, Intervenção do Estado. 6 ABSTRACT The fragmentary nature of criminal law and alternative demand that its role is confined to cases where there is significant harm to fundamental legal goods. In this context, it is the principle of insignificance as the cause of tradition and exclusive means of restricting the criminal type, so that conduct that would cause injuries devoid of merit disapproved not be valued by the standard prosecuted. Since absent forecast legal nonsense about the crimes, there are still many doubts about the limits and requirements for its application, which does not, however, their recognition by the Courts homeland. Keywords: Principle of insignificance (criminal law), Crime of trifle, intervention of the state. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABREVIATURAS Id por idem Ibid por ibidem SIGLAS AP Crim – Apelação Criminal HC – Habeas Corpus RE – Recurso Extraordinário RESP – Recurso Especial STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal TRF1 – Tribunal Regional Federal da 1ª Região CF – Constituição Federal CP – Código Penal CPP - Código de Processo Penal 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................10 Capítulo 1...................................................................................................................13 Teoria Geral do Delito ...............................................................................................13 1.1 Evolução da Teoria Geral do Delito........................................................................ 13 1.2 Conceito de Crime ....................................................................................................... 14 1.3 Elementos do Crime.................................................................................................... 16 1.4 Das Concepções de Tipicidade Penal: Formal, Conglobante e Material .................. 17 Capítulo 2...................................................................................................................20 Os Princípios Constitucionais Penais .......................................................................20 2.1 Os Princípios Penais....................................................................................................... 21 2.1.1 Os Princípios Constitucionais Explícitos .................................................................. 22 2.1.1 Princípio da Legalidade ........................................................................................................ 23 2.1.2 Princípio da Humanidade ..................................................................................................... 26 2.1.3 Princípio da Individualização da Pena ................................................................................. 27 2.1.4 Princípio da Irrelevância Penal do Fato................................................................................ 28 2.1.2 Os Princípios Constitucionais Implícitos...................................................................30 2.1.2.1 Princípio da Adequação Social .......................................................................................... 30 2.1.2.2 Princípio da Intervenção Mínima....................................................................................... 32 2.1.2.3 Princípio da Proporcionalidade......................................................................................... 34 2.1.2.4 Princípio da Ofensividade ou Lesividade ........................................................................... 35 2.1.2.5 Princípio Insignificância .................................................................................................... 35 Capítulo 3................................................................................................................... 36 O Principio da Insignificância..................................................................................36 3.1 Histórico .......................................................................................................................... 36 3.2 Natureza Jurídica........................................................................................................... 38 3.3 A Necessidade de Aplicação do Princípio.................................................................... .41 3.4 Os aplicadores do Princípio da Insignificância........................................................... .42 3.5 Fundamentos Autorizadores do seu uso no Direito Penal Brasileiro ........................ 44 3.6 Principais Críticas ao Princípio da Insignificância .....................................................47 3.5.1 Segurança Jurídica.................................................................................................................... 47 3.5.2 Imprecisão terminológica ........................................................................................................ 47 3.5.3 A previsão legal de tipos privilegiados.................................................................................. 48 3.5.4 Sensação de ausência de direito e de tutela jurídica ............................................................ 50 Capítulo 4...................................................................................................................52 Tipicidade Penal ........................................................................................................52 4.1 Conceito de Tipo Penal .................................................................................................. 52 4.2 Funções do Tipo.............................................................................................................. 53 4.3. Elementos do Tipo......................................................................................................... 54 4.4 Evolução do Pensamento sobre a Tipicidade............................................................... 58 4.5 Conceito de Tipicidade................................................................................................... 62 4.6. Tipicidade Material....................................................................................................... 63 4.7 Excludente de Tipicidade e o Princípio da Insignificância......................................... 64 9 Capítulo 5...................................................................................................................68 Da aplicação do Principio da Insignificância pelo Judiciário .......................................... 68 CONCLUSÃO............................................................................................................76 REFERÊNCIAS ........................................................................................................80 10 INTRODUÇÃO Em razão da dinâmica, bem como a complexidade da vida em sociedade, o homem é regido por uma série de normas de condutas, criadas por ele mesmo, por meio do Estado (direito positivo), que visam a assegurar uma convivência harmônica. Assim, as normas jurídicas são comandos que devem ser obedecidos por todos os homens, vez que eles demarcam o que é lícito ou ilícito, permitido ou proibido, certo ou errado. A vista disso, pode-se afirmar que todos os valores importantes para a sociedade (bem jurídicos) estão sob a tutela do direito, por meio das regras jurídicas. Pode-se citar, a título de exemplificação, a vida, a liberdade, o patrimônio, dentre outros. Desse modo, ao afirmar que os bens jurídicos adquirem a função de garantia, tem-se como conseqüência que tais bens encontram-se tutelados (assegurados) pelo Estado, atuando, este, em sua atividade punitiva (ius puniendi), ao sancionar quaisquer condutas que lesionem ou ponham em risco os referidos bens. Tais condutas encontram-se devidamente tipificadas no ordenamento jurídico brasileiro, por meio do Código Penal Brasileiro. Contudo, salienta-se que há condutas que podem ser passivas de exclusão da tipicidade (ainda que tais fatos sejam formalmente típicos), por aplicação do princípio da insignificância. O princípio da insignificância, postulado que, apesar de ainda não previsto expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, vem sendo constantemente aplicado pela jurisprudência, considera materialmente atípica a conduta que, apesar de formalmente prevista no tipo penal, não possui lesividade suficiente para atingir o bem jurídico tutelado pela norma. Isso porque como o conceito dos tipos penais é abstrato, não se pode evitar que tenham alcance maior que o previsto, de forma que até mesmo condutas adequadas socialmente podem ser enquadradas no conceito formal do crime. 11 Assim, se uma conduta, a princípio criminosa, não tem o condão de ofender significativamente o bem jurídico tutelado, estaremos em face de um crime bagatelar, que enseja o reconhecimento da atipicidade do fato e a aplicação do princípio da insignificância. O problema é que embora aceito, até o presente momento não foram definidos seus limites de aplicação, de forma que a jurisprudência, não raro, decide casos análogos de maneira extremamente conflitante, sobretudo em razão da existência de figuras privilegiadas e previsão legal de sanções penais para crimes de menor potencial ofensivo. Por isso, apesar de os ensinamentos doutrinários caminharem na mesma direção, o vazio legislativo acerca de sua regulamentação possibilitou o surgimento de diversos posicionamentos jurisprudenciais para seu reconhecimento no caso concreto. Alguns defendem que poderia ser reconhecida a insignificância de lesões patrimoniais no valor de até um salário mínimo, enquanto outros preferem analisar a situação econômica da vítima. Criado por Claus Roxin, o princípio da insignificância veio como uma forma de conter a aplicação de sanções exacerbadas a crime insignificantes. Assim, a partir dele se permite que uma conduta descrita no tipo penal seja excluída do rol da tipicidade por causar danos de pequena importância. Para se chegar a essa conclusão, antes faz-se necessário tecer alguns comentários sobre a teoria geral do delito, a sua evolução, o conceito de crime e, por fim, os elementos do delito. A evolução do Direito Penal não se limita mais a analise da tipicidade puramente descritiva. Hoje, é necessário que além dela seja levado em conta o conteúdo valorativo da conduta, ou seja, se realmente o bem jurídico tutelado pelo Estado sofreu alguma lesão significativa, caso contrário não será necessário a movimentação do poder judiciário, pois seria desproporcional a sanção a ela aplicada. A essa analise valorativa dá-se o nome da tipicidade material. E por isso a importância do seu estudo, pois é a partir dela que se verifica se o princípio ora em comento é aplicável ou não. Por essas razões enfrentaremos os seguintes problemas: 12 - O princípio da insignificância exclui a tipicidade da conduta? - Quais são os limites para que se reconheça, no caso concreto, a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância? Para obtermos tais respostas, utilizaremos o método indutivo/dedutivo, com suporte na pesquisa de obras dos principais autores que se posicionam sobre o tema dentre eles: Maurício Antônio Ribeiro Lopes, Ivan Luiz da Silva, Carlos Vico Mañas, Luiz Luisi, Francisco de Assis Toledo, Ney Mouro Teles, Cezar Roberto Bittencourt, José Henrique Guaracy Rebelo, Júlio Fabrini Mirabete, Damásio de Jesus, dentre outros. Como fonte complementar, utilizaremos julgados de alguns tribunais, artigos jurídicos extraídos da internet, periódicos, com destaque para o autor Luiz Flávio Gomes, bem como, consulta a legislação, principalmente o Código Penal e a Constituição Federal. Por meio da comparação entre o que é dito pela doutrina com o que é aplicado pela jurisprudência, buscou-se abstrair a finalidade para se destina o princípio da insignificância, demonstrando que seu reconhecimento deve ser precedido de uma analise criteriosa em cada caso, de modo que a conduta criminosa não seja banalizada e que a prática de ilícitos não seja estimulada. 13 Capítulo 1 TEORIA GERAL DO DELITO 1.1 Evolução da Teoria Geral do Delito Teoria geral do delito ou teria do crime tem como objetivo estudar os elementos do delito. Para Zaffaroni, a teoria do delito é a parte da ciência do direitopenal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, isto é, quais são as características que devem ter qualquer delito. Esta explicação não é um mero discorrer sobre o delito com o interesse de pura especulação; contrariamente atende ao cumprimento de um propósito essencialmente prático, consistente em tornar mais fácil a averiguação da presença, ou a ausência, do delito em cada caso concreto.1 Insta salientar que, ao longo dos anos, a teoria do crime foi evoluindo, passando por três fases (conceito clássico de delito, conceito neoclássico de delito e conceito finalista do delito). De acordo com Bitencourt2, tais fases “apresentam uma certa integração, na medida em que nenhuma delas estabeleceu um marco de interrupção completo, afastando as demais concepções”. Em relação ao conceito clássico de delito, Von Liszt e Beling foram os seus autores. Para essa concepção, o delito se caracteriza por meio de uma modificação do mundo exterior em função de ação natural, além disso, o crime dividia-se em elementos objetivos (que eram a tipicidade e a antijuricidade) e subjetivos (representados pela culpabilidade). Segundo Bitencourt, o conceito clássico de delito deu um tratamento exageradamente formal ao comportamento humano que seria definido como delituoso. Assim, a ação, concebida de forma puramente naturalística, estruturava-se com o tipo objetivo-descritivo, a antijuridicidade era puramente objetivo-normativa e a culpabilidade, por sua vez, apresentava-se subjetivo-descritiva.3 1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 3° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 383 2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 138. 3 Idem, p. 139. 14 Percebe-se, então, que o conceito clássico analisou o crime somente sob o aspecto naturalístico. Quanto ao conceito neoclássico de delito, o referido conceito acabou modificando o clássico. Ao contrário que ocorreu com este, que se baseou apenas no direito positivo, aquele teve influência da filosofia neokatiana. Nesse sentido, Bitencourt afirma que “que foi substituída a coerência formal de um pensamento jurídico circunscrito em sim mesmo por um conceito de delito voltado para os fins pretendidos pelo Direito Penal e pelas respectivas valorativas que o embasam (teoria telelógica do delito)”.4 Cumpre ressaltar que essa nova concepção modificou o conceito de ação e de culpabilidade e estabeleceu uma nova atribuição ao tipo penal. No entanto, o crime continuou sendo uma ação típica, antijurídica e culpável. Com essa modificação, o tipo, que era antes um mero processo de exteriorização da conduta, passou a ter, em algumas situações, elementos subjetivos e/ou elementos normativos (tipo injusto). A antijuridicidade, que no conceito clássico era apenas um juízo valorativo puramente formal, começa a trabalhar um conceito material de antijuridicidade, representado pela danosidade social5. A terceira fase representada pelo conceito finalista de delito, que teve Welzel6 como representante, marcou pela retirada dos elementos subjetivos, dolo e culpa, da culpabilidade, integrando-os na conduta e no injusto pessoal. Verifica-se que o crime permanece sendo uma ação típica, antijurídica e culpável.7 1.2 Conceito de Crime Para que possa falar em princípio da insignificância, é preciso definir o que seja crime ou delito. Insta salientar que o Código Penal Brasileiro em vigência não define o que 4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 140. 5 Idem, p. 140. 6 COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1998, v. 1, t. 1, p. 548. 7 BITENCOURT, op. cit., p. 143. 15 venha a ser crime, verifica-se, todavia, que a Lei de Introdução ao Código Penal, em seu artigo 1°, conceitua-o de forma expressa, in verbis: Art. 1° Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativamente ou cumulativamente. Lendo o artigo supracitado, observa-se que a Lei de Introdução ao Código Penal não definiu o crime, apenas o distinguiu da contravenção. Nesse sentido, Greco preleciona que “o artigo 1° da Lei de Introdução ao Código Penal somente nos trouxe um critério para que, analisando o tipo penal incriminador, pudéssemos distinguir o crime de uma contravenção”.8 Tendo em vista a omissão dos nossos legisladores no que se refere à positivação do conceito de delito, nota-se que esta tarefa de definir tal instituto passou a ser executada pelos doutrinadores. Cumpre ressaltar que estes expõem o crime sob o aspecto material, formal e o analítico. O aspecto material define crime, segundo Bitencourt, como “ação ou omissa que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição como a de pena”9. Já o aspecto formal conceitua o delito como toda conduta que contraria a lei.10 Quanto ao conceito analítico, aspecto este que analisa os elementos do crime, nota-se uma divergência doutrinária. Damásio11, Delmanto12 e Mirabite13 – seguidores da teoria bipartide, consideram que o delito é um fato típico e antijurídico (ilícito). Insta salientar que, para esses doutrinadores, a culpabilidade seria apenas um pressuposto da pena. Enquanto Greco, Assis Toledo, Luiz Regis Prado14, Bitencourt15 e Zaffaroni16, adeptos da corrente tripartide, entendem que o crime é composto pelo fato típico, pela 8 GRECO, Rogério. Direito penal – Lições. 2ª ed. Belo Horizonte: Praetorium, 2000, p. 125. 9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 143. 10 GRECO, Rogério, op. cit., p. 122. 11 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 12 DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 13 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral – arts. 1° a 120 do cp. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. 14 GRECO, Rogério. Direito penal – Lições. 2ª ed. Belo Horizonte: Praetorium, 2000, p. 123. 15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 238 e 278. 16 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 3° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 390. 16 ilicitude (antijuridicidade) e pela culpabilidade. Observa-se que o Welzel, conforme já foi dito, adotou esse posicionamento ao elaborar o conceito finalista. Insta ressaltar que a doutrina majoritária entende que o crime seja fato típico, ilícito ou antijurídico e culpável.17 1.3 Elementos do Crime Adotando a teoria tripartide, conforme mencionados anteriormente, os elementos do crime são: fato típico, antijuridicidade e culpabilidade. Cumpre esclarecer que essa divisão é apenas um meio de utilizado pela doutrina para analisar o delito, já que este possui caráter unitário. Nesse sentido, Bitencourt expõe que: A divisão do delito em três aspectos, para fins de avaliação e valoração – tipicidade, antijuricidade e culpabilidade -, facilita e racionaliza a aplicação do direito, garantindo a segurança contra as arbitrariedades e as contradições que freqüentemente poderiam ocorrer. Essa divisão tripartide da valoração permite umresultado final adequado e justo.18 Para a concepção finalista, o fato típico é composto pelos seguintes elementos: conduta (comissiva e omissiva, dolosa e culposa); resultado (somente nos crimes materiais); nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado); tipicidade (que engloba o elemento objetivo – adequação da conduta humana ao tipo penal; os elementos subjetivos – intenção especial do agente; o elemento normativo – juízo de valor; e por fim o dolo ou a culpa). 19 Em relação à ilicitude ou a antijuridicidade, Assis Toledo conceitua-a como “a relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o 17 GRECO, op. cit., p. 124. 18 BITENCOURT, op. cit., p. 238. 19 Este elemento será analisado com maiores detalhes no próximo capítulo. 17 ordenamento jurídico, de modo a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico”.20 Percebe-se, então, que a ilicitude é tudo aquilo que contraria o direito. Também compartilha desse entendimento Greco, in verbis: (...) a ilicitude ou juricidade da conduta praticada é encontrada por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas excludentes de ilicitude previsto no art. 23 do Código Penal. Além das causas legais de exclusão da antijuridicidade, a doutrina ainda faz menção a uma outra, de natureza supralegal, qual seja, consentimento do ofendido (...)21 No entanto, além da conduta ser típica e ilícita, ela também deve ser culpável. De acordo com o Greco, a culpabilidade é “o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre conduta típica e ilícita praticada pelo agente”.22 Em ouras palavras, Zaffaroni afirma que o conceito de culpabilidade “é um conceito de caráter normativo, que se funda em que o sujeito podia fazer algo distinto do que fez, e que, nas circunstâncias, lhe era exigível que o fizesse”.23 São elementos da culpabilidade, segundo a concepção finalista:24 imputabilidade; potencial consciência sobre a ilicitude do fato; exigibilidade de conduta adversa. 1.4 Das Concepções de Tipicidade Penal: Formal, Conglobante e Material Sabendo-se que a tipicidade constitui um dos elementos do crime, para que uma conduta seja taxada de criminosa, ela deve se ajustar a um tipo penal, nos termos do princípio 20 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 163. 21 GRECO, Rogério. Direito penal – Lições. 2ª ed. Belo Horizonte: Praetorium, 2000, p. 125. 22 Idem, p. 349. 23 ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 3° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 602. 24 GRECO, op. cit., 360. 18 da legalidade: nullum crimen nulla poena sine praevia lege25, que se traduz na correspondência entre a conduta do agente e um fato descrito na lei como crime. Ocorre, no entanto, que a mera correspondência entre a conduta do agente e tipo legal, não basta, por si só, para que se configure a tipicidade penal. A definição do tipo penal é matéria altamente complexa, uma vez que é impossível que o legislador preveja todas as formas de condutas lesivas aos bens jurídicos protegidos pela norma. Por outro lado, seu caráter abstrato dá margem a que condutas sem significação jurídica sejam alcançadas pela descrição típica. Conforme preleciona Assis Toledo: [...] Como os tipos são conceitos abstratos, é impossível evitar que sua previsão legal tenha um alcance legal maior que aquele que deveria ter. [...] Condutas socialmente adequadas e até socialmente necessárias podem, pelo seu aspecto externo, ser atraídas para o campo de força do tipo legal de crime.26 Por isso, a tipicidade penal não se reduz à tipicidade formal, ensinando parte da doutrina ser necessário, ainda, que se comprove que a conduta legalmente típica também seja proibida pela norma globalmente considerada. Assim, para a configuração da tipicidade penal, devem estar presentes, de um lado, a tipicidade formal e, de outro, a tipicidade conglobante27. A primeira é verificada quando um fato apresenta características essenciais coincidentes com as de algum tipo legal. Segundo Greco: Figurativamente, poderíamos exemplificar a tipicidade formal valendo-nos daqueles brinquedos educativos que têm por finalidade ativa a coordenação motora das crianças. Para essas crianças, haveria “tipicidade” quando conseguissem colocar a figura de um retângulo no lugar que lhe fora reservado no tabuleiro, da mesma forma sucedendo com a esfera, a estrela e o triângulo. Somente quando a figura móvel se adaptar ao local a ela destinado no tabuleiro é que se pode falar em tipicidade formal; caso contrário, não.28 A tipicidade conglobante pressupõe que o fato típico seja proibido no ordenamento jurídico globalmente considerado, não se possibilitando que seja admitido em alguma esfera 25 BITENCOURT, op. cit., p. 21. 26 Apud SILVA, Ivan Luiz. Principio da Insignificância no Direito Penal. Curitiba: Jaruá, 2004, p. 79. 27 Zaffaroni e Rogério Greco abordam o conceito de tipicidade conglobante em suas obras. 28 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, 5° Ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2006, p. 176. 19 do direito e não o seja em outra, haja vista ser o direito um só. Dessa forma, as condutas que constituírem direitos ou deveres serão atípicas, mesmo se se adequarem a um tipo formal. Capez complementa a definição, asseverando que “[...] tal teoria da correta premissa de que todo fato típico é antinormativo, uma vez que embora o agente atue de acordo com o que está escrito no tipo (quem mata alguém realiza exatamente a descrição típica de ‘matar alguém’)”. Dessa forma, verificam-se na tipicidade conglobante conduta antinormativa e tipicidade material29, sendo esta última a exigência de a conduta típica ser relevantemente lesiva ao bem jurídico tutelado. Avalia-se, portanto. A proibição, através da indagação do alcance proibitivo da norma não considerada isoladamente, mas conglobada na ordem normativa.30 Embora reconheça ser insuficiente a tipicidade formal, Capez entende que a tipicidade conglobante cria conclusão, deslocando para o tipo condutas permitidas pelo ordenamento jurídico, tais como exercício regular do direito e estrito cumprimento de dever legal: Deste modo, se a lesão for insignificante, se não houver lesão ao bem jurídico, se não existir alteridade na ofensa, se não for traída a confiança social depositada no agente, se ação punitiva do Estado não for desproporcional ou excessivamente interventiva, dentre outros, o fato será materialmente atípico, sem precisar recorrer à tipicidade conglobante. Propõe assim, que se substitua a tipicidade conglobante pela exigência de que o fato típico seja assim definido não somente pela descrição legal, mas também pelo conteúdo de crime, analisando-se igualmente a conduta no contexto dos princípios constitucionais do Direito Penal. 29 Nesse sentido, GRECO, op. cit., p. 176/177 30 ZAFFARONI e PIERANGELLI, op. cit., p. 461. 20 Capítulo 2 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS Na Definição de Celso Bandeira de Mello31 princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônicae lhe dá sentido harmônico. Violar um princípio é muito mais gravoso do que agredir uma norma ou comando determinado, porquanto implica repúdio a todo sistema. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais. Os princípios demonstram a sua utilidade quando da “capacidade conformadora do raciocínio interpretativo da lei como forma de se manter a coerência e unidade das interações normativas fundamentais, quer no âmbito interno, quer no aspecto externo a própria legislação.”32 Maurício Ribeiro Lopes33 se posiciona acerca dos princípios da seguinte forma: o que define algo como princípio é precisamente sua capacidade de superar os limites de sua força interna para irradiar comandos operadores do funcionamento de estruturas alheias ao próprio ser. O princípio projeta sua relevância sobre a existência de outros seres, por isso seu caráter transcendental, superior e vinculante. O autor ressalta ainda que “os princípios são mandados de otimização, quer dizer que o seu comando deve ser realizado da melhor maneira possível. A otimização repercute em diferentes graus de cumprimento do mandado, pois depende das possibilidades fáticas e jurídicas do problema”34. Os princípios constitucionais representam a estrutura ideológica de uma dada sociedade refletindo ainda todos os seus valores. “São, portanto, mandamentos jurídicos 31 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1998. p. 230. 32 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95. São Paulo: RT, 1997, p. 30. 33 Idem, p. 31. 34 Idem, p. 31. 21 primaciais e fundamentais, compostos de valores da cultura sociojurídica da sociedade, que servem de substrato às outras normas jurídicas quando aplicadas na solução de casos concretos”35 Não são simples instruções, os princípios constitucionais são premissas básicas que devem refletir sobre todo o sistema, indicando critérios de direção e aplicação das outras normas jurídicas. 2.1 Os princípios penais Um pouco menos abrangente que os constitucionais, os princípios penais são mandamentos fundamentais que irradiam um comando superior e vinculante sobre o processo de construção e aplicação das normas penais, exercendo a função de modelo constitucional do sistema penal. 36 A Constituição Brasileira possui inúmeros princípios concernentes ao Direito Penal, tais postulados vêm em defesa das garantias individuais na medida que condicionam e restringem a atuação penal do Estado. Luiz Luisi37, afirma que os princípios além de fixar os limites punitivos do Estado, também são um instrumento de tutela dos bens que são importantes para atingir os fins sociais do Estado, ou seja, “um novo direito criminal onde os princípios inarredáveis da herança iluminista se mesclam em convívio, às vezes tenso, mas plenamente possível, com as exigências de proteção dos valores transindividuais e os imperativos de justiça material.” Segundo Ivan Luiz38 os princípios constitucionais penal, “visam garantir os direitos fundamentais dos cidadãos em face do poder punitivo do Estado, propondo, ainda, a adoção de um Direito Penal mínimo, ou seja, dirigindo exclusivamente a necessidade de uma repressão penal”. 35 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2044. p. 24. 36 Idem, p. 74. 37 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 2003. p.12. 38 SILVA, op, cit., p. 73. 22 São, portanto, todos aqueles princípios que expressam os objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, bem como os seus valores supremos como a dignidade da pessoa humana e a idéia de justiça social, a serem necessariamente observados pelo Direito Penal, sob peba de carecer de fundamentação constitucional. Luiz Luisi39 identifica duas formas de presença da matéria penal na Constituição Federal. A primeira, por meio de princípios especificamente penais, princípios de direito penal constitucional, que podem se apresentar explicitamente ou implicitamente. A segunda, por princípios constitucionais influentes em matéria penal, que não são criminais referindo-se prevalentemente ao aspecto de conteúdo das incriminações no sentido de fazer com que o direito penal se constitua em um poderoso instrumento de tutela de bens de relevância social. Todos esses princípios, hoje incertos implícita ou explicitamente, em nosso ordenamento jurídico tem a função de orientar o legislador ordinário para adoção de um sistema de controle voltado para os direitos humanos. Os princípios básicos segundo Mauricio Ribeiro Lopes40 são reconhecidos e absolvidos pelo direito penal, pela norma expressa ou pelo conteúdo de muitas normas que sejam adequadas a ele. Afirma, ainda, que eles têm um sentido programático, e almejam ser uma base mínima sobre a qual possa-se construir um Direito Penal de um Estado Democrático de Direito. 2.1.1 Princípios Constitucionais Explícitos São princípios, expressos no texto constitucional, por isso a nomenclatura explícitos. Dentre eles, serão estudados, o princípio da legalidade, da humanidade, da individualização da pena e o da irrelevância penal do fato por serem importantes para análise do tema proposto. 39 LUISI, op. cit., p. 13. 40 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95. São Paulo: RT, 1997. p. 32. 23 2.1.1.1 Princípio da Legalidade O artigo 5°, II, da Constituição Federal, define: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. No mesmo sentido, o inciso XXXIX do mesmo artigo estabelece: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pensa sem prévia cominação legal.” São estes, exemplos de aplicação do princípio da legalidade dentro do nosso ordenamento jurídico. Para José Afonso da Silva41 o texto constitucional não deve ser “compreendido isoladamente, mais dentro de um sistema constitucional vigente”. É talvez, o mais importante dos princípios do Direito penal. Seu significados é bem claro, alguém só poderá ser punido, se antes disso existir uma lei que defina uma sanção por aquela conduta. Ney Moura Teles enfatiza: “O Homem só pode sofrer pena criminal – ser privado da sua liberdade, em regra – se tiver realizado um comportamento previamente definido como crime, por uma lei em vigor.”42 Ele é indispensável, à conservação do Estado Democrático de Direito, pois atua como um limitador do poder estatal, para este não intervir na esfera das liberdades individuais.43 Maurício Lopes44 acrescenta que o principio da legalidade “atingiu foros de unanimidade constitucional e também na legislação penal ordinária, indistinta em relação ao homem, não limitada no tempo e no espaço e de conteúdo garantidor inequivocamente primordial em relação às colocações mais subjetivas sobre sua incidência”. É, ainda, fonte das doutrinas mais modernas sobre a análise do crime, agindo diretamente como premissa da teoria da tipicidade, pois para ser punível a ação deve antes de tudo ser típica. O princípio da legalidade ou nullum crimem, nulla poena sine lege, como também é conhecido, atualmente, se desdobra em quatro outros princípios a saber: proibição de edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade (nullum crimem,nulla poena sine lege praevia); proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário (nullum crimem, nulla poena sine lege scripta); proibição da 41 SILVA, op. cit., p. 400. 42 TELES, Ney Moura. Direito Penal. 3. ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2001. v. 2, p. 58. 43 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo. 1994. p. 21. 44 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal. São Paulo: RT, 2000. p. 253. 24 fundamentação ou agravamento pela analogia (nullum crimem, nulla poena sine lege stricta) e a proibição de leis penais indeterminadas (nullum crimem, nulla poena sine lege certa).45 O primeiro princípio está inscrito no inciso XL do artigo 5 da Constituição Federal que preceitua: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. A regra geral, portanto, é a irretroatividade da lei penal. Com essa vertente do princípio da legalidade, ninguém poderá ser punido se no momento da ação ou omissão, o fato não era considerado crime, por ausência de previsão da norma incriminadora. A irretroatividade da lei penal impõe que a norma atinja apenas os fatos cometidos depois de sua vigência. Esse postulado segundo Luiz Luisi46 garante ao indivíduo a certeza e segurança do direito, isso porque o cidadão não ficará vulnerável as mudanças de valorações do legislador. Assim, como ocorre com o princípio da reserva legal, só poderá ocorrer a retroatividade quando for em favo do réu, mesmo quando já houver a sentença com trânsito em julgado. A reserva está prescrita no já citado artigo 5°, XXXIX, da Constituição Federal. Damásio47 entende que o princípio da reserva legal tem um significado político, pois se mostra como uma garantia constitucional dos direitos do homem e da liberdade civil, que não consiste no indivíduo fazer tudo o que se quer, mais sim numa liberdade limitada pela lei. E é esta lei que irá fixar o que é ou não é ação criminosa. Seria então essa a condição de segurança e liberdade individual. Diferentemente da posição de Assis Toledo, Luiz Luisi48 considera que a partir da reserva legal decorre a “proibição do direito costumeiro e da analogia como fonte do direito penal”, só permitindo o seu uso quando for em benefício do réu. Realmente, estes princípios devem ser utilizados para beneficiar o réu, entretanto, são considerados autônomos e por isso serão estudados separadamente. 45 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95. São Paulo: RT, 1997. p. 73. 46 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris. 2003. p; 26. 47 JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p.61/62. 48 LUISI, op. cit., p. 22. 25 O segundo desdobramento se desenvolve a partir da idéia de que só a lei pode criar crimes e penas, não podendo invocar o direito consuetudinário para fundamentação ou agravação da pena. Essa posição, entretanto, não afasta os costumes, como fonte de direito penal, como bem esclarece Assis Toledo49: não se deve, cometer o equívoco de supor que o direito costumeiro esteja totalmente abolido do âmbito penal. Tem ele grande importância para elucidação do conteúdo dos tipos. Além disso, quando opera como causa de exclusão da ilicitude (causa supralegal), de atenuação da pena ou da culpa, constitui verdadeira fonte do direito penal. Portanto, a vedação do direito consuetudinário se limita a vedação de sua aplicação como fundamentação ou agravação da pena, mais não como fonte de direito penal. Atualmente, a doutrina reconhece o costume como tal, sempre que este beneficie o cidadão. Assim como no direito consuetudinário é vedada a utilização da analogia para fundamentar ou mesmo agravar a pena, seja criando crimes, seja incluindo novas causas de aumento de pena, de circunstâncias agravantes, enfim, tudo aquilo que de certa forma prejudicar o agente. Esse terceiro princípio limita “o interprete de socorrer-se da analogia afim de tentar abranger fatos similares aos legisladores em prejuízo do agente (nullum crimem, nulla poena sine lege stricta)”50 O quarto e último princípio é o postulado da determinação taxativa. Ele exige que as leis penais sejam claras e precisas, isso para que seja diminuído o grau de variabilidade subjetiva na aplicação da lei. A principal função da taxatividade é fazer com que qualquer um possa entender o conteúdo das normas. Paulo Queiroz ensina que: o princípio da reserva legal implica a máxima determinação e taxatividade dos tipos penais, impondo-se ao Poder Legislativo, na elaboração das leis, que redija tipos penais como a máxima precisão de seus elementos, bem como ao Judiciário que as interprete restritivamente, de modo a preservar a efetividade do princípio.51 Em estudos mais modernos realizados por Claus Roxin o princípio da legalidade tomou novos rumos, isso porque para que um crime e a pena a ele ser cominada não basta que a lei seja anterior ao fato. “É mister que a lei defina o fato criminoso, ou melhor, enuncie com 49 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5° ed. São Paulo. 1994. p.25 50 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 5ª ed. Niterói: Impetus, 2005, v. 1. p. 106. 51 Apud GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 5ª ed. Niterói: Impetus, 2005, v. 1. p. 106. 26 clareza os atributos essenciais da conduta humana de forma torná-la inconfundível com outra, e lhe comine pena banalizada dentro de limites não exagerados”.52 O princípio da legalidade é sem dúvida, o princípio de maior interligação com o princípio da insignificância. Acerca, dessa importância e a idéia de correlação. Os traços conjuntivos entre o princípio da insignificância e a idéia de tipicidade que deriva do princípio da legalidade; os traços relativos a insignificância e nullum criminem e seus reflexos; e o elemento crítico que dá a insignificância uma extralegalidade sistêmica.” 53 Continua ainda o autor: “Todo o desenvolvimento da teoria da tipacidade através de ricas construções que procuram relacioná-la com a estrutura orgânica e o funcionamento do Direito Penal teve por nascedouro e fonte de constante alimento a noção do nullum crimem, nulla poena sine lege.”54 Resta, portanto, inegável a importância da análise deste princípio, uma vez que além de traçar alguns aspectos da insignificância, é a base da teoria da tipicidade, objeto de estudo do nosso último capítulo. 2.1.1.2 Princípio da Humanidade A humanidade decorre de estudos muitos antigos, entretanto teve sua consagração com o iluminismo. Para Luz Luisi55 o pensamento iluminista permitiu a transformação do Estado, que a ratificou a existência de direitos inerentes ao homem, através de um contrato social. “Daí um direito penal vinculado a leis prévias e certas, limitadas ao mínimo estritamente necessário, e sem penas degradantes”. O postulado na humanidade institui que a pena não pode ofender a dignidade, não pode ser usada como vingança pela sociedade. Não admitido, portanto, a pena de morte, nem a prisão perpétua, porquanto o Estado não pode usar seu poder punitivo para outra finalidade que não seja a reeducação e reinserção daquele que cometeu um delito. 52 LOPES, op. cit., p. 258. 53 Idem, p.70. 54 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95. São Paulo:RT, 1997. p. 71. 55 LUISI, op. cit., p. 47. 27 A pena é o meio pelo qual a sociedade responde ao cometimento de delito e o princípio da humanidade não deve ser usado para afastar a sanção de suas funções. Na precisa lição de H. H. Jescheck: ‘O direito penal não pode se identificar com o direito relativo a assistência social. Serve em primeiro lugar a justiça distributiva [...] não podendo ser atingido sem dano e sem dor [...]’”.56 2.1.1.3 Princípio da Individualização da Pena Previsto no artigo 5°, XLVI, 1ª parte, da Constituição Federal, dispõe que a pena deve ser individualizada, deve variar de acordo com o agente, e de acordo aos casos concretos, não podendo ocorrer a padronização da sanção penal. Para Rogério Greco57 a individualização da pena começa quando o legislador faz a seleção de algumas condutas para perpetrarem no âmbito do Direito Penal. Uma vez terminada a seleção é feita a valoração da conduta e as respectivas cominação de penas, que variam de acordo com o bem tutelado e a sua importância. Afirma ainda58 que o segundo momento da aplicação da individualização da pena cabe ao julgador, que tendo confirmado que o fato é típico, ilícito e culpável, dirá qual a infração praticada pelo agente. A partir de então, começará a individualizar a pena observando os artigos 59 e 68 do Código Penal e também a presença de atenuantes, agravantes, causas de aumento ou diminuição de pena. A última etapa da individualização da pena ocorre na fase da execução em que os condenados serão classificados, segundo seus antecedentes e personalidade. Fica evidente que neste princípio o juiz aplica a sua discricionariedade que deverá ter os limites fixados pela lei, ou seja, uma discricionariedade juridicamente vinculada na qual o juiz está preso aos parâmetros que a lei estabelece. Luiz Luisi59, assevera que o “componente emocional e imponderável pode atuar na opção do juiz, determinando-lhe apenas uma escolha dentre as alternativas explícitas e implícitas contidas na lei”. 56 Idem, p. 50. 57 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 5ª ed. Niterói: Impetus, 2005, v. 1. p. 76. 58 Idem, p. 76. 59 LUISI, op. cit., p. 54. 28 Outra relevância na individualização da pena é o objeto que se quer alcançar com a aplicação da sanção. De acordo com ele é que se dará um ou outro tratamento penitenciário, observando então os aspectos retributivos, aflitivos ou intimidatórios da pena. Para Luiz Luisi60 a nossa orientação constitucional e ordinária admite que a sanção penal é polifuncional, tem uma função eclética em que se integram retribuição e reinserção social. Diante do princípio da individualização da pena observa-se instâncias objetivas e subjetivas. O objetivismo vem da Escola Clássica que acreditava que a resposta penal devia ser proporcional ao bem jurídico ofendido e a intensidade desta ofensa. Com relação ao subjetivismo, ele está presente na individualização da pena nas fases judiciária e executória, observando o indivíduo que cometeu o delito como um todo. 2.1.1.4 Principio da Irrelevância Penal do Fato O princípio da irrelevância penal do fato está previsto no artigo 59 do Código Penal, que preceitua: O juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.61 Este princípio tem ganhado grande destaque por uma corrente jurisprudencial, que considera que um delito de pequena lesividade não se baseia apenas no desvalor do resultado, mais também no desvalor da ação e no desvalor da culpabilidade, isto é, quando todas as circunstâncias judiciais (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, conseqüências, circunstancias, etc.) estejam favoráveis. Portanto, o princípio da irrelevância penal do fato se atém a não aplicação da sanção penal.62 Quando o fato é irrelevante, em virtude da presença de todos os requisitos bagatelares, ou seja, quando o resultado, a conduta e a culpabilidade são bagatelares, a pena torna-se desnecessária. Nestes casos, a aplicação do princípio da irrelevância será incontroversa. 60 Idem, p. 55. 61 BRASIL. Código Penal. Vade Mecum xxxx . p. . 62 GOMES, Luis Flávio. Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato. Boletim IBCCRIM. Ano 9. n. 102. Maio/2001. p. 1. 29 A grande discussão que se faz hoje sobre o assunto é justamente sua distinção com o princípio da insignificância. Ambos vem sendo aplicados cumulativamente, entretanto não se confundem. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes: “não ocupam, os dois princípios, a mesma posição topográfica dentro do fato punível. O princípio da insignificância é causa de exclusão de tipicidade do fato; o princípio da irrelevância penal do fato é causa de dispensa da pena (em razão da sua desnecessidade no caso concreto).”63 Outra distinção, nitidamente perceptível, diz respeito a ausência de previsão legislativa do primeiro princípio, que por usa vez se enquadra no rol dos princípios constitucionais implícitos, objeto de análise do nosso próximo tópico. 2.1.1.5 Principio da Irrelevância Penal do Fato O princípio da irrelevância penal do fato está previsto no artigo 59 do Código Penal, que preceitua: O juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.64 Este princípio tem ganhado grande destaque por uma corrente jurisprudencial, que considera que um delito de pequena lesividade não se baseia apenas no desvalor do resultado, mais também no desvalor da ação e no desvalor da culpabilidade, isto é, quando todas as circunstâncias judiciais (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, conseqüências, circunstancias, etc.) estejam favoráveis. Portanto, o princípio da irrelevância penal do fato se atém a não aplicação da sanção penal.65 Quando o fato é irrelevante, em virtude da presença de todos os requisitos bagatelares, ou seja, quando o resultado, a conduta e a culpabilidade são bagatelares, a pena torna-se desnecessária. Nestes casos, a aplicação do princípio da irrelevância será incontroversa. A grande discussão que se faz hoje sobre o assunto é justamente sua distinção com o princípio da insignificância. Ambos vem sendo aplicados cumulativamente, entretanto não se 63 Idem, p. 1. 64 BRASIL. Código Penal. Vade Mecum xxxx . p. . 65 GOMES, Luis Flávio. Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato. Boletim IBCCRIM. Ano 9. n. 102. Maio/2001. p. 1. 30 confundem. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes: “não ocupam, os dois princípios, a mesma posição topográfica dentro do fato punível. O princípio da insignificância é causa de exclusão de tipicidade do fato; o princípio da irrelevância penal do fato é causa de dispensa da pena (em razão da sua desnecessidade no caso concreto).”66 Outra distinção, nitidamente perceptível, diz respeito a ausência de previsão legislativa do primeiro princípio, que por usa vez se enquadra no rol dos princípios constitucionais implícitos, objeto de análise do nosso próximo tópico. 2.2.2 Princípios Constitucionais Implícitos Como dito anteriormente,em nosso ordenamento jurídico, há princípios explícitos e implícitos. Ele não é composto apenas de disposições expressas, mas também, de normas não expressas, que defluem do sentido de suas outras regras e princípios. Os princípios implícitos são tão importantes quanto os explícitos e constituem, como estes, as disposições fundamentais do sistema jurídico penal. Segundo Cardozo, estes princípios são normas decisórias diretamente aplicáveis, mas que só têm essa característica quando a ciência ou a jurisprudência os concretiza. 67 Para Maurício Lopes68 “sem uma prévia afinação de critérios e paradigmas para o Poder Judiciário na interpretação desses princípios”, não haveria como manter as teses apresentadas pela doutrina sobre a validade dos princípios não expressos. Não há uma hierarquia entre princípios implícitos ou explícitos e, ainda, a aplicação de um não exclui a aplicação de outro. Dentre todos os princípios implícitos, veremos cinco que darão base ao presente estudo. São eles o princípio da adequação social, princípio da intervenção mínima, princípio da ofensividade ou lesividade, o princípio da proporcionalidade e o da insignificância, que é o principal objeto de discussão deste trabalho. 2.1.2.1 Princípio da Adequação Social 66 Idem, p. 1. 67 Apud. LOPES, op. cit., p. 392/393. 68 LOPES, op. cit., p. 411. 31 Não podemos falar do princípio da adequação social sem antes citar o precursor de sua teoria. Wezel foi o responsável por sua introdução no Direito Penal, surgindo como um princípio geral de interpretação, ou nas palavras de Assis Toledo, como um princípio geral de hermenêutica. Na precisa lição de Luiz Regis Prado: A teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que apesar de uma conduta ser subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. 69 Portanto, “se o tipo delitivo é um modelo de conduta proibida, não é possível interpretá-lo, em certas situações aparentes, como se estivesse também alcançando condutas lícitas, isto é, socialmente aceitas e adequadas.”70 De acordo com essa teoria, a medida que uma conduta praticada é socialmente adequada, não poderá ela constituir um delito e portanto, não se revestirá de tipicidade. É certo que muitas vezes condutas consideradas típicas são toleradas pela sociedade. Nas lições de Bitencourt, se verifica que: [...] certos comportamentos em si mesmos típicos carecem de relevância por serem correntes no meio social, pois muitas vezes há um descompasso entre as normas penais incriminadoras e o socialmente permitido ou tolerado.71 A ação socialmente adequada exclui desde logo o tipo, pois se realiza dentro do campo de aceitação da sociedade, ou seja, no âmbito da normalidade social. Do exposto podemos concluir que o princípio da adequação social é aplicável a comportamentos que mesmo sendo compatíveis com a descrição típica formal, por serem materialmente irrelevantes, são socialmente permitidos ou tolerados, e portanto considerados atípicos. Mesmo hoje, existem muitas discussões acerca da imprecisão na aplicação do referido princípio. O próprio Welzel vacilou sobre seus efeitos. Primeiramente considerou-o como excludente de tipicidade, depois como uma causa de justificação, para posteriormente 69 GRECO, op. cit., p. 58. 70 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo. 1994. p. 131. 71 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 9ª ed. São Paulo. Saraiva: 2004, v. 1, p.17. 32 retomar seu primeiro posicionamento. Finalmente, acabou reconhecendo que a adequação social era um princípio geral de interpretação, posicionamento sustentado até hoje por renomados penalistas. O princípio da adequação social e da insignificância possuem muitas semelhanças, chegando mesmo a serem confundidos. Entretanto, Maurício Ribeiro Lopes foi feliz em traçar-lhe suas diferenças, senão vejamos: A adequação social supõe a aprovação social da conduta enquanto o princípio da insignificância somente uma relativa tolerância por sua escassa gravidade (...) a teoria da adequação social está prevalentemente regulada sobre o desvalor da ação, e o princípio da insignificância sobre o desvalor do resultado.72 Estas distinções facilitam a visualização do campo de incidência de cada um deles. 2.1.2.2 Princípio da Intervenção Mínima Assim como o princípio da legalidade, a intervenção mínima surge num momento em que o movimento social liderado pela burguesia não aceitava mais o sistema penal do absolutismo. O Direito Penal nasce em meio ao iluminismo. Suas idéias trazem o homem como centro de tudo. Daí a tomada de consciência do “problema penal como problema filosófico e jurídico”.73 Beccaria74 em uma de suas obras discorre sobre a legitimidade das penas, como elas refletem e afetam a sociedade e ainda o direito de punir. Afirma que as penas só devem ser usadas quando estritamente necessárias e na proporção dos delitos cometidos, as penas não podem ser segundo ele, bárbaras nem o Estado pode exagerar no direito que tem de punir. Essas idéias de Beccaria revolucionaram o pensamento jurídico fazendo surgir um novo Direito Penal, que busca a defesa social, com o foco voltado para os direitos humanos. O princípio da intervenção mínima vem justamente para impedir o abuso dos legisladores nas reprimendas. O direito penal deve ser composto de poucas, claras e determinadas leis que tenham o objetivo de prevenir e proteger os bens jurídicos mais importantes. Qualquer coisa, além disso, revestiria o direito penal de ilegitimidade. 72 LOPES, op. cit., p. 122. 73 Idem, p. 411. 74 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de OLIVEIRA, Paulo M. de. São Paulo: EDIPRO, 2003, p. 33 Luiz Luisi75 chama atenção para o que Carnelutti nomeou de inflação legislativa, que é a criação em excesso e sem critérios de inúmeros delitos. Essa inflação está enfraquecendo a força intimidadora da pena, pois desvalorizam as leis penais na medida em que elas saem da esfera do extraordinário e entram na esfera do ordinário. Mirabete76 assevera que o princípio da intervenção mínima dá base para o legislador, que deve buscar na “realidade fática o substancial dever-ser” tornando efetiva a proteção dos bens e interesses relevantes a sociedade “quando dos movimentos de criminalização, neocriminalização, descriminalização e despenalização”. Segundo Maura Roberti77 o princípio da intervenção mínima apresenta três funções principais: a de estabelecer as hipóteses de incidência das leis penais; a de indicar os limites de restrição da liberdade de ação humana, para que seja alcançada pela norma penal e por último estabelecer a necessidade da incidência da conseqüência jurídica do delito. Na primeira função são observados os critérios do processo legislativo de elaboração das leis penais, buscando determinar qualitativamente a tipificação das condutas e proporcionalmente a cominação da sanção adequada. A segunda função é referente aos casos em que apesar da conduta estar tipificada por uma norma, a circunstância do caso em concreto desaconselha a aplicação da mesma por ser prejuízo ao bem, mínimo. A terceira função concerne na necessidade da aplicação da pena, que deverá orientar a política criminal do julgador evitando penas privativas de liberdade sem que esta se faça necessária. Freqüentemente, a doutrina temconfundido este princípio com o princípio da insignificância. Mesmo sendo institutos correlatos, guardam os dois uma independência claramente visível. Enquanto o primeiro se define como uma regra de determinação 75 LUISI, op. cit., p. 42. 76 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral – arts. 1° a 120 do cp. 17. ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 120. 77 ROBERTI, Maura. A intervenção mínima como princípio no direito penal brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2001, p. 73. 34 qualitativa abstrata para o processo de tipificação das condutas. O segundo se atém ao processo de interpretação da lei penal, para confirmação do preenchimento integral do tipo.78 2.1.2.3 Princípio da Proporcionalidade Busca este princípio proibir intervenções desnecessárias e principalmente excessivas. Ele exige que se faça uma ponderação entre a lesão, ou perigo de lesão, que o bem sofreu e a lesão que o indivíduo que cometeu o delito sofrerá diante da sanção. “Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em conseqüência, uma inaceitável desproporção”.79 Uma pena desproporcional representaria uma clara violação a dignidade do homem e uma ofensa a vigência formal e material do Estado de Direito. O princípio da proporcionalidade visa atingir tanto o poder legislativo, no momento que este estiver estabelecendo as penas em abstrato, quanto o juiz, quando estiver impondo ao autor do delito a sua sanção. “Assim, nos casos de mínima afetação ao bem jurídico, o conteúdo de injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o phatos ético da pena”.80 Outra função desse princípio é prover de equilíbrio a relação entre os direitos individuais e coletivos, pois, segundo, Maurício Ribeiro Lopes seria “inviável proteger ilimitadamente a liberdade individual em detrimento dos direitos da coletividade”. 81 A aplicação do princípio da proporcionalidade ainda que “implique mergulho em universo bastante indeterminado de conceitos e até valores, não pode traduzir arbítrio judicial”,82 isso significa que o subjetivismo e o relativismo não tem espaço quando da aplicação da proporcionalidade, pois essa deve ser feita sem afetar os valores constitucionais. Para Zaffaroni, “o fundamento do princípio da insignificância está na idéia de proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime”. Assim, nos casos de pequena lesividade ao bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão ínfimo que não subsiste razão para aplicação da pena. 78 LOPES, op. cit., p. 82. 79 LOPES, op. cit., p. 421. 80 Idem, p. 65. 81 Ibidem, p. 423. 82 Idem, Ibidem, p. 506. 35 2.1.2.4 Princípio da Ofensividade ou Lesividade Este princípio defende a tese de que o direito penal só deve intervir quando ocorrer um perigo de lesão real ou efetiva lesão do bem tutelado. Isso significa que o tipo penal é composto não apenas por aspectos formais mais também “por elementos subjetivos que levem à percepção da utilidade e da justiça de imposição de pena criminal ao agente”. 83 Em seu livro Luiz Flávio Gomes84 coloca duas funções para o princípio da ofensividade, a função político-criminal, que se refere pela escolha de considerar ou não uma conduta criminosa e a função interpretativa ou dogmática, que será observada no momento da interpretação e conseqüente aplicação do direito penal ao caso concreto. Não se pode deixar de notar que o princípio da lesividade está diretamente ligado ao princípio da insignificância, posto que é a partir dela que se avalia a insignificância da conduta, ou seja, é a partir do grau de lesividade do bem jurídico que se analisa o limite da aplicação do princípio da insignificância. 2.1.2.5 Princípio da Insignificância Ligado aos chamados “crimes de bagatela”, este princípio determina que o direito penal somente intervenha nos caos de lesão ao bem jurídico de certa gravidade, caso contrário a tipicidade da conduta estará afastada. Apesar de muitas vezes confundidos, Maurício Ribeiro Lopes85 enfatiza com grande propriedade a distinção do princípio da insignificância e dos delitos da bagatela, ressaltando que no primeiro, o fato por ser ínfimo não chega a expressar valoração da tutela da normal. Já o segundo, pertence a outros casos de mínima importância, que embora formalmente típicas têm a sua antijuridicidade esvaziada. Mesmo que essas diferenças possuam um fundamento, a doutrina majoritária ainda tem considerado os dois princípios conexos, e por isso não nos preocuparemos com essas peculiaridades. 83 LOPES, op. cit., 506. 84 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: RT, 2002. p. 28. 85 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95. São Paulo: RT, 1997. p. 39. 36 Capítulo 3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Neste capítulo, discutiremos alguns pontos relevantes sobre o princípio em comento. Dentre eles daremos destaque ao histórico, a necessidade de sua aplicação e algumas críticas abordadas pela doutrina. 3.1 Histórico A origem do princípio da insignificância, ainda é motivo de travadas discussões. A chamada máxima minima non curat praetor levaram alguns autores, como Diomar Ackel Filho, a defenderem a tese de que o princípio da insignificância já existia no Direito Penal Romano, onde o pretor não se preocupava com os delitos de pequena monta.86 Dessa opinião, já não partilhava Maurício Antônio Ribeiro87, por entender que o Direito Romano baseava-se no Direito Privado e não no Direito Público, portanto, a máxima minima non curat praetor, não levaria ao princípio da insignificância que justificasse a não atuação do Estado na esfera penal, acreditando, ainda que este brocado era um mero aforismo. O princípio da insignificância ou como chamavam os alemães, “criminalidade de bagatela”, surgiu na Europa após as duas grandes guerras. Com a situação sócio-econômica precária, os delitos de caráter patrimonial eclodiram por todo o país muitos deles subtrações de pequena relevância. Para evitar prisões irrelevantes, frente ao alto índice de ocorrência de tais delitos, passou-se a utilizar a idéia de “bagatela”, como forma de evitar penas exacerbadas para delitos insignificantes.88 É daí que advém o caráter de patrimonialidade que é dado ao princípio. Entretanto, foi com a obra “Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal”, que o alemão Claus Roxin, em 1972, introduziu a insignificância como princípio. Para sua 86 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2044. p. 87. 87 LOPES, op. cit., p. 42. 88 Idem, p. 38/43. 37 formulação, Roxin partiu da análise do brocado minima non curat praetor, que serviu como base de apoio para sua criação. Para ele, o princípio da insignificância servia para excluir dos tipos penais os danos de pouca importância. Embora a formulação de tal princípio seja mérito de Claus Roxin, vestígios dele podem ser verificados em 1903, na obra de Franz Von Liszt, anotada por Odone Sanguiné:89 “A nossa legislação faz da pena, como meio de luta, um emprego excissivo. Se deveria refletir se não mereceria ser restaurado o antigo minima non curat praetor [...]” O princípio da insignificância vem intimamente ligado ao princípio da legalidade. A maior expressão da influência deste princípio foi com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 187990,nos artigos 5°, 7° e 8° que sugeriram o princípio da insignificância. Nele verifica-se, que “a lei não proíbe senão as ações nocivas a sociedade, o que cria um caráter seletivo para o Direito Penal e desprezo às ações insignificantes.”91 No Brasil, a inclusão da insignificância como um princípio do Direito Penal foi abordado por Francisco de Assis Toledo, Odone Sanguiné, Diomar Ackel Filho, Luiz Ribeiro Lopes, Luiz Flávio Gomes, dentre outros. Porém, Assis Toledo destaca-se por pioneiro ao analisar o alcance do princípio.92 Para ele, o Direito Penal e seu caráter fragmentário, só deve se ocupar dos delitos que afetem a proteção do bem jurídico, e não com bagatelas. No nosso país, o princípio da insignificância não está previsto em nenhum instrumento legislativo, exceto no Código Penal Militar, sendo uma criação exclusivamente doutrinária e pretoriana.93 Atualmente os tribunais pátrios, já vêm aplicando o princípio em diversos casos: furto, lesão corporal dolosa de pequena gravidade, lesão corporal culposa, lesão corporal no trânsito, entre outros. Mesmo não estando prevista em nenhuma legislação, o princípio da insignificância já conquistou espaço pela doutrina e como forma de limitá-lo vários autores já lançaram o seu conceito. 89 LOPES, op. cit., 86/87. 90 SILVA, op. cit., 89/90. 91 LOPES, op. cit., 42/46. 92 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo, 1994, p. 133. 93 RÊBELO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 33. 38 Dentre eles, o que aparece em maior destaque é aquele trazido por Diomar Ackel Filho94 que define o princípio da insignificância como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, desprovidas de reprovabilidade, de modo a não merecer valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes. Por isso, a importância do seu estudo. Em nosso país, vemos absurdos de cidadãos preso por furto de cinco reais, muitas vezes por necessidade e mesmo assim permanecem por anos no cárcere. Essas aberrações devem ser evitadas e aqueles que se opões ao princípio, de fato não se deram conta de importância de sua aplicação. 3.2 Natureza Jurídica Apresentado os aspectos teóricos do princípio da insignificância, analisaremos agora, sua natureza jurídico-penal que varia de acordo com sua localização na teoria geral do delito penal. São três as correntes formuladas a saber: excludente de tipicidade, de antijuridicidade ou de culpabilidade.95 A primeira corrente e mais aceita, defende a tese de que as condutas que provocam um dano insignificante são atípicas, portanto excluem a tipicidade da conduta que, mesmo causando um dano irrelevante, são abrangidas pela descrição abstrata do tipo penal. Nesse sentido é o entendimento de alguns juristas que abordam a matéria, dentre eles encontram-se: Assis Toledo, Diomar Ackel Filho, Odone Sanguiné, Carlos Vico Mañas e Lycurgo Santos96, que acompanha esse pensamento por entender que o primeiro juízo normativo que deve ser feito é o de verificar a relevância da conduta tudo como típica. A segunda e menos expressiva defende a exclusão da antijuridicidade como natureza jurídica, entretanto não é muito debatida pela doutrina. Alberto Silva Franco é um dos que defende essa corrente, vinculando o princípio da insignificância à antijuridicidade material. 94 ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. Revista de jurisprudência do tribunal de alçada criminal de São Paulo, v. 94, 198, p. 73. 95 SILVA, op. cit,, p. 157. 96 SILVA, apud Lycurgo Santos. op. cit., p. 158. 39 Ele justifica esse caráter material, por vivermos num Estado de Direito. Ressalta ainda, que o dano ao bem jurídico protegido deve ser relevante para justificar a persecução. Nesse mesmo sentido, Carlos Frederico Pereira, citado por Ivan Luiz da Silva, afirma: A insignificância no tipo indiciário se manifesta, como visto de regra na antijuridicidade material, pois é esta que contém o bem jurídico e exige a sua lesão e acima de tudo, que seja significante, sem o que não se poderá conceber a existência de crime.97 Para Damásio98 a antijuridicidade é um dos elementos do crime, isso porque é contrária ao Direito, entende ainda ser a ilicitude da conduta um antecedente da culpabilidade, pois, o ordenamento jurídico produz um preceito externo de comportamento. Portanto, a única atividade importante é aquela que é demonstrada por meio da conduta subjetiva. Não é então suficiente que o fato seja típico, é necessário, também, que ele seja ilícito, e sobre ele incida a reprovação do ordenamento jurídico e, ainda, que existam elementos de culpabilidade. Assim como na tipicidade, a antijuridicidade tem aspectos formais e materiais, formalmente o delito é conceituado apenas sob o ponto de vista da lei e materialmente é uma valoração da natureza lesiva de uma determinada conduta. Alguns doutrinadores que adotam a excludente de antijuridicidade como natureza jurídica argumentam que é na antijuridicidade material que se manifesta a insignificância, pois é nela que existe o bem jurídico e conseqüentemente a exigência de dano. Alegam ainda, que se assim não fosse, ocorreria uma ofensa a natureza descritiva do tipo penal, atribuindo- lhe desnecessariamente uma sujeição a valores.99 Abel Cornejo100 acrescenta que o julgador tem o dever de primeiro tipificar a conduta e só então verificar se a conduta em questão é antijurídica. Para tanto, deve examinar se o fato é relevante, se este foi grave o suficiente para lesionar o bem jurídico. 97 SILVA, apud Carlos Frederico Pereira, op. cit., p. 160. 98 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 351/353. 99 SILVA, op. cit., p. 160/161. 100 Apud SILVA, Ivan Liz da. Princípio da insignificância no direito penal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 160/161. 40 A terceira e última corrente tem a excludente de culpabilidade como natureza jurídica do princípio da insignificância. Damásio101 assevera que a culpabilidade é um pressuposto da pena e não um elemento do crime, como a antijuridicidade. O crime existe por si mesmo, necessitando apenas do fato típico e ilícito como requisito. A culpabilidade teria a função de ligar a pena ao agente do delito. Portanto, o crime só será imputado ao agente se este for culpável, e neste caso irá a culpabilidade agir como limitadora da quantidade de pena, conquanto mais for a culpabilidade maior será a sanção. Para Rogério Greco102 a culpabilidade é o juízo de reprovação que se faz perante um fato típico e ilícito praticado por um indivíduo. Seria um juízo de censura individual, onde cada homem possui sua identidade devendo, assim, todos os fatos externos e internos serem levados em consideração quando se referirem a análise da culpabilidade, apurando se a agente da conduta poderia ter agido de outra forma a não cometer o delito. Além de típica e antijurídica, deve a ação ser culpável. Trata-se do elemento subjetivo do delito. O resultado lesivo ao direito, oriundo da ação do sujeito ativo, há de ser- lhe atribuído a título de culpa, em sentido amplo, isso é, dolo ou culpa. Verifica-se assim que não há como analisar o conteúdo da culpabilidade do agente se a conduta sequer foi considerada típica. Assim, é considerado um erro do agente no momento da valoração do referido principio, pois, para determinar que o fato é típico,
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