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Capítulo 18 A Revolução Comercial e a Nova Sociedade (1400-1700) OS TRÊS últimos capítulos descreveram com bastante minúcia a transição intelectual e religiosa do mundo medieval para o moderno. Observamos que a Renascença, apesar dos seus muitos laços de parentesco com a Idade Média, proferiu sentença de morte contra a filosofia escolástica, solapou à supremacia da arquitetura gótica e destruiu as concepções medievais da política e do universo. Ficou também claro que, antes de haver a Renascença completado a sua obra, uma poderosa torrente de revolução religiosa arrancou o cristianismo dos seus alicerces medievais e preparou o caminho para atitudes espirituais e morais de acordo com as tendências da nova época. É escusado dizer que tanto a Renascença como a Reforma foram acompanhadas de transformações econômicas fundamentais. Na verdade, as sublevações de ordem intelectual e religiosa dificilmente teriam sido possíveis se não ocorressem alterações drásticas no padrão econômico medieval. Essa série de mudanças que assinala a transição da economia estática e contrária ao lucro, dos fins da Idade Média, para o dinâmico regime capitalista do século XV e seguintes, é conhecida como Revolução Comercial. 1. CAUSAS E INCIDENTES DA REVOLUÇÃO COMERCIAL Não são muito claras as causas que deram início à Revolução Comercial por volta de 1.400. Isso se deve a ter sido a primeira fase do movimento mais vagarosa do que comumente se supõe. Na medida em que é possível isolar causas particulares, as seguintes podem ser apontadas como básicas: 1) a conquista do monopólio comercial do Mediterrâneo pelas cidades italianas; 2) o desenvolvimento de um lucrativo comércio entre as cidades italianas e os mercadores da Liga Hanseática, no norte da Europa; 3) a introdução de moedas de circulação geral, como o ducado veneziano e o florim toscano; 4) a acumulação de capitais excedentes, fruto das especulações comerciais, marítimas ou de mineração; 5) a procura de materiais bélicos e o estímulo dado pelos novos monarcas ao desenvolvimento do comércio, a fim de criar mais riquezas tributáveis; e 6) a procura de produtos oriundos do Extremo Oriente, estimulada pelas narrativas de viajantes, em especial pela fascinante descrição das riquezas da China, publicada por Marco Polo depois de voltar de uma viagem a esse país, nos fins do século XIII. Essa combinação de fatores deu aos homens do começo da Renascença novos horizontes de opulência e poder e dotou-os com parte do equipamento necessário à expansão dos negócios. Daí por diante, era inevitável que se sentissem insatisfeitos com o acanhado ideal das corporações medievais, que proibia o comércio lucrativo. A Revolução Comercial, no entanto, não teria atingido tamanha amplitude se não fossem as viagens ultramarinas de descobrimento, As viagens iniciadas no século XV. Não é difícil perceber as razões que determinaram a realização dessas viagens. Consistiram elas principalmente na ambição espanhola e portuguesa de tomar parte nos proventos do comércio com o Oriente. Desde algum tempo esse comércio vinha sendo monopolizado pelas cidades italianas, donde resultava que a Península Ibérica se via obrigada a pagar altos preços pelas sedas, perfumes, especiarias e tapeçarias importadas da Ásia. Era, portanto, muito natural que os mercadores espanhóis e portugueses tentassem descobrir uma nova rota para o Oriente, livre do controle italiano. Uma segunda causa das viagens de descobrimento foi o fervoroso proselitismo dos espanhóis. Sua bem sucedida cruzada contra os mouros gerara um excedente de zelo religioso que se traduzia no desejo de converter os pagãos. A tais causas deve-se ajuntar o fato de terem os marinheiros cobrado mais coragem para se aventurarem no mar alto, graças aos progressos do conhecimento geográfico e à introdução da bússola e do astrolábio. Os efeitos de tais ocorrências não devem, no entanto, ser exagerados. É positivamente errônea a vulgarizada idéia de que todos os europeus, antes de Colombo, acreditavam ser chata a terra. A partir do século XII, seria quase impossível encontrar um homem instruído que não aceitasse o fato da esfericidade do nosso planeta. Além disso, a bússola e o astrolábio eram conhecidos na Europa muito antes de qualquer marinheiro sonhar com, uma travessia do Atlântico, salvo os nórdicos. A bússola fora trazida pelos muçulmanos no século XII, provavelmente da China. Quanto ao astrolábio, sua introdução é de data ainda mais antiga. Se excetuarmos os nórdicos, que descobriram a América por volta do ano 1.000 d.C., os pioneiros da navegação oceânica foram os portugueses. Pelos meados do século XV haviam descoberto e colonizado as ilhas da Madeira e dos Açores e explorado a costa africana para o sul, até a Guiné. Em 1.497, Vasco da Gama, o seu mais bem sucedido navegador, contornou a extremidade meridional da África e, no ano seguinte, chegou à Índia. Entrementes, o marinheiro genovês Cristóvão Colombo tinha-se convencido da possibilidade de atingir a Índia pelo Ocidente. Repelido pelos portugueses, dirigiu-se aos soberanos espanhóis, Fernando e Isabel, e obteve o apoio deles para o seu plano. Sua histórica viagem e os respectivos resultados são conhecidos por todos, de forma que não precisamos repeti-Ios aqui. Ainda que tenha morrido na ignorância do verdadeiro feito que realizara, os seus descobrimentos constituíram a base das pretensões espanholas à posse de quase todo o Novo Mundo. Seguiram-se a Colombo outros descobridores, representando a coroa espanhola, e, a pouco trecho, os conquistadores Cortés e Pizarro. Daí resultou a fundação de um vasto império colonial que incluía a atual porção sudoeste dos Estados Unidos, a Flórida, o México, as Antilhas, a América Central e toda a América do Sul, com exceção do Brasil. Os ingleses e os franceses não tardaram a seguir o exemplo espanhol. As viagens de João Cabot e de seu filho Sebastião, em 1.497-98, forneceram uma base às pretensões inglesas na América do Norte, embora nada tenha havido que merecesse o nome de império britânico no Novo Mundo antes da colonização da Virgínia, em 1.607. No começo do século XVII o explorador francês Cartier remontou o S. Lourenço, dando assim à sua pátria um semblante de direito ao Canadá oriental. Mais de cem anos depois, as expIorações de Joliet, La Salle e do Padre Marquette permitiram que os franceses se estabelecessem no vale do Mississipi e na região dos Grandes Lagos. Após a sua vitória na guerra pela independência, os holandeses também participaram da luta peta obtenção de um império colonial. A viagem de Henrique Hudson, subindo o rio que tem o seu nome, conduziu à fundação da Nova Holanda em 1623, mas cerca de quarenta anos depois foram forçados a entregá-Ia aos ingleses. As possessões mais valiosas dos holandeses, no entanto, eram Malaca, as Molucas e os portos da Índia e da África tomados aos portugueses no começo do século XVII. Foram quase incalculáveis os resultados dessas viagens de descobrimento e da fundação dos impérios coloniais. Para começar, expandiram o comércio, que até então se limitara ao tráfico do Mediterrâneo, e deram-lhe as proporções de um empreendimento mundial. Pela primeira vez na história os navios das grandes potências marítimas singravam os sete mares. O pequeno, mas sólido monopólio do tráfico oriental, mantido pelas cidades italianas, foram completamente destruídos. Gênova, Pisa e Veneza mergulharam daí por diante em relativa obscuridade, ao passo que nos portos de Lisboa, Bordéus, Liverpool, Bristol e Amsterdã se acotovelavam os navios e os armazéns dos seus comerciantes não tinham espaço suficiente para conter as mercadorias. Um segundo resultado foi o tremendo aumento no volume do comércio e na variedade dos artigos de consumo. Às especiarias e tecidos do Oriente haviam-se ajuntado as batatas, o tabaco e o milho da América do Norte; o melaço e o rum das Antilhas; o cacau,o chocolate, a quina e a cochonilha da América do Sul; e ainda o marfim, os escravos e as penas de avestruz da África. Além desses artigos, até então desconhecidos ou obtidos apenas em quantidade ínfima, o suprimento de outros produtos já conhecidos aumentou enormemente. Tal foi em especial o caso do café, do açúcar, do arroz e do algodão, os quais passaram a ser importados em tais quantidades do Hemisfério Ocidental que deixaram de ser mercadorias de luxo. O mais importante resultado do descobrimento e conquista das terras de além-mar foi, provavelmente, a expansão do suprimento de metais preciosos. Calcula-se que quando Colombo descobriu a América a quantidade de ouro e prata em circulação na Europa não ultrapassava duzentos milhões de dólares. Por volta de 1.600, o volume dos metais preciosos naquele continente atingira o pasmoso total de um bilhão de dólares. Parte dele era fruto das pilhagens feitas pelos espanhóis nos tesouros dos incas e astecas, mas o grosso provinha das minas do México, da Bolívia e do Peru. Os efeitos desse fenomenal aumento das reservas de metal precioso só podem ser qualificados de momentosos. Nenhuma outra causa influiu de maneira tão decisiva no desenvolvimento da economia capitalista. Os homens possuíam, agora, a riqueza sob uma forma que podia ser convenientemente armazenada para uso subseqüente, e é desnecessário lembrar que a acumulação de riqueza para investimento futuro constitui um característico essencial do capitalismo. Além disso, como o ouro e a prata vieram a ser empregados principalmente como símbolos de utilidades e não como utilidades em si mesmas, o ideal medieval do comércio como uma troca de coisas equivalentes perdeu a sua razão de ser e foi substituído, pela concepção moderna do negócio com mira no lucro. Por fim, o rápido afluxo de metais preciosos estimulou a especulação. O valor do ouro e da prata passava por largas flutuações à medida que se descobriam novas jazidas ou se perdiam as esperanças de um farto rendimento. Essas flutuações influíam nos preços das mercadorias, resultando daí que os mercadores e os banqueiros eram tentados a jogar nas possibilidades futuras. Os incidentes ou característicos da Revolução Comercial já foram parcialmente indicados pelo anterior exame das causas. O mais importante dentre eles foi a ascensão do capitalismo. Reduzido à expressão mais simples, o capitalismo pode ser definido como um sistema de produção, distribuição e troca em que a riqueza acumulada é empregada pelos seus possuidores individuais com fins lucrativos. Os traços distintivos do sistema são o empreendimento privado, a concorrência e o negócio com fito no lucro. Geralmente, compreende também o sistema de salários como forma de pagamento dos trabalhadores, isto é, uma forma de pagamento baseada, não na quantidade de riqueza que estes criam, mas na sua capacidade de competir uns com os outros para conseguir empregos. Além disso, é um sistema dinâmico, fundado na premissa de que todo produtor ou comerciante tem o direito de incrementar os seus negócios pelo estímulo à procura dos artigos que tem a vender. Como já foi salientado, o capitalismo é a antítese direta da economia semi-estática das corporações medievais, na qual se concebiam a produção e o comércio como orientados no sentido de beneficiar a sociedade, com uma remuneração apenas razoável dos serviços prestados, ao invés de lucros ilimitados. Ainda que o capitalismo não tenha alcançado a completa maturidade senão no século XIX, quase todos os seus característicos essenciais se desenvolveram durante a Revolução Comercial. Outro fato importante dessa revolução foi o desenvolvimento do sistema bancário. Devido à vigorosa condenação da usura, os negócios bancários mal eram considerados respeitáveis durante a Idade Média. Durante muitos séculos, o pouco que se realizou nesse sentido foi virtualmente monopolizado pelos muçulmanos e judeus. No tempo das Cruzadas, os mosteiros e os templários emprestavam dinheiro para financiar as expedições ou atender às necessidades dos soldados depois que chegavam ao Oriente, mas nenhum desses casos pode ser considerado como exemplo de uma operação bancária no sentido moderno do termo. A justificação dos empréstimos não era econômica, mas religiosa, e mesmo assim considerava-se necessário evitar o anátema lançado sobre a usura, aceitando presentes ao invés de cobrar juros. Só no século XIV foi que o empréstimo de dinheiro se estabeleceu solidamente como empresa comercial. As verdadeiras fundadoras desse gênero de negócios com mira no lucro foram algumas das grandes casas comerciais das cidades italianas. Salientou-se entre elas a firma dos Médicis, em Florença, com um capital de 7.500.000 dólares para financiar as suas atividades. O emblema comercial dessa firma - o cacho de três bolas de ouro - continua a ser ainda hoje, no mundo ocidental, a conhecida insígnia das casas de penhor. No século XV, os negócios bancários tinham atingido a Alemanha meridional, a França e os Países-Baixos. A principal firma do norte era a dos Fuggers, de Augsburgo, com um capital de vinte milhões de dólares. Os Fuggers emprestaram dinheiro a reis e bispos, serviram como corretores do papa na venda de indulgências e adiantaram os fundos graças aos quais Carlos V pode comprar a sua eleição ao trono do Santo Império Romano. Dirigiam os seus negócios com tanta astúcia e tão implacavelmente perseguiam os seus devedores - chegando a ameaçar o próprio imperador como se fosse um traficantezinho qualquer - que a firma auferiu um lucro anual de 54% durante década e meia, no século XVI. O aparecimento dessas casas bancárias particulares foi seguido pela fundação de bancos públicos ou, pelo menos, parcialmente controlados pelo governo, os quais se destinavam a atender às necessidades monetárias dos estados nacionais. O primeiro em ordem cronológica foi o Banco da Suécia (1.656), mas era ao Banco da Inglaterra, fundado em 1.694, que estava reservado o papel de maior importância da história econômica. Embora até 1.946 não se achasse tecnicamente sob o controle do governo, foi o banco de emissão deste e o depositário dos fundos públicos. O desenvolvimento do sistema bancário fez-se acompanhar necessariamente da adoção de vários instrumentos auxiliares das transações financeiras em larga escala. As facilidades de crédito se expandiram de tal forma que um comerciante de Amsterdã podia comprar mercadorias de um outro, em Veneza, mediante uma letra de câmbio emitida por um banco da sua cidade. O comerciante veneziano embolsava o seu dinheiro apresentando a letra de câmbio ao banco local. Os dois bancos, mais tarde, acertavam as suas contas pelo confronto dos respectivos balanços. Com o tempo, chegou-se a estabelecer um sistema bastante perfeito de compensação internacional que possibilitava a liquidação de um grande volume de contas com pequeníssima troca de dinheiro. Entre as outras facilidades para a expansão do crédito figuravam a adoção do sistema de pagamento por cheque nas transações locais e a emissão de notas bancárias como substitutos do ouro e da prata. Ambos esses expedientes foram introduzidos pelos italianos e gradualmente adotados na Europa setentrional. O sistema de pagamento por cheque assumiu especial importância por aumentar o volume do comércio, uma vez que os recursos de crédito dos bancos puderam então expandir-se muito além do montante real dos seus depósitos. A Revolução Comercial não se limitou, é claro, ao desenvolvimento do comércio e do sistema bancário. Incluiu, também, modificações fundamentais nos métodos de produção. O sistema de manufatura desenvolvido pelas corporações de ofício da última fase da Idade Média caminhava a passos rápidos para a extinção. As próprias corporações, dominadas pelos mestres, tinham-se tornado egoístas e exclusivistas. Delas participavam, comumente, tão-só umas poucas famílias privilegiadas.Além disso, estavam tão fossilizadas na tradição que eram incapazes de ajustar-se às novas condições. E mais ainda, haviam surgido novas indústrias que eram completamente alheias ao sistema corporativo. Exemplos característicos foram a mineração, a fundição de minérios e a indústria da lã. O rápido desenvolvimento dessas empresas foi estimulado por progressos técnicos tais como a invenção da roda de fiar e do tear para tecer meias e o descobrimento de um novo método de fundir latão que economizava quase metade do combustível anteriormente empregado. Nas indústrias de mineração e fundição de minérios adotou-se uma forma de organização muito semelhante à que chegou até nós. As ferramentas e instalações pertenciam aos capitalistas, enquanto os operários eram meros percebedores de salários, sujeitos aos azares dos acidentes, do desemprego e das doenças profissionais. A modalidade mais típica de produção industrial era, porém, o sistema doméstico, introduzido originalmente na indústria de tecelagem da lã. Deriva ele o seu nome do fato de ser o trabalho executado em sua própria casa pelos artífices, em lugar de o ser na oficina de um artesão-mestre. Visto como as várias tarefas da manufatura do produto eram distribuídas por empreitada, mais ou menos dentro do moderno regime de exploração máxima do trabalhador, o sistema é também conhecido como sistema de encomenda. Não obstante a escala diminuta da produção, a organização era inteiramente capitalista. A matéria-prima era comprada por um empresário e transferida aos trabalhadores Individuais, cada um dos quais devia perfazer a respectiva tarefa em troca de um pagamento estipulado. No caso da indústria de tecelagem, a lã era distribuída em primeiro lugar aos fiandeiros e depois, sucessivamente, aos tecelões, pisoeiros e tingidores. Uma vez pronto o pano, o industrial o recolhia e vendia no mercado livre pelo melhor preço que pudesse conseguir. O sistema doméstico não se restringia, naturalmente, à manufatura do pano de lã. Com o correr do tempo, estendeu-se a muitos outros campos de produção. Harmonizava-se muito bem com a nova glorificação da riqueza e com a concepção de uma economia dinâmica. O capitalista podia, agora, deitar para um canto as velhas objeções contra o lucro. Não havia associações de rivais para criticar a qualidade dos seus produtos ou os salários que pagava aos seus operários. O melhor de tudo, talvez, é que podia expandir os seus negócios como bem lhe conviesse e introduzir novas técnicas capazes de reduzir os custos ou aumentar o volume da produção. Indubitavelmente o sistema doméstico apresentava vantagens para os próprios trabalhadores, em especial quando comparado com a sua sucessora - a fábrica. Embora os salários fossem baixos, não havia horário de trabalho e, geralmente, cada um podia aumentar os rendimentos da família cultivando um pequeno pedaço de terra e colhendo, pelo menos, algumas hortaliças. Além disso, as condições de trabalho em casa eram mais saudáveis do que nas fábricas e o trabalhador dispunha da família para ajudá-Io nas tarefas mais simples. Também deve ser considerada como uma positiva vantagem a ausência da supervisão de um capataz e do medo de ser despedido por motivos fúteis. Por outro lado, não se pode esquecer que os operários estavam por demais espalhados para se organizarem com eficiência, visando uma ação conjunta. Conseqüentemente, não tinham meios de se protegerem contra os empregadores desonestos que lhes sonegavam parte dos salários ou os forçavam a aceitar o pagamento em gêneros. É também verdade que, nos últimos tempos da Revolução Comercial, os operários se tornaram cada vez mais dependentes dos capitalistas, que haviam passado a fornecer não somente as matérias-primas, mas também as ferramentas e utensílios. Em alguns casos, os operários eram reunidos em grandes oficinas centrais e obrigados a trabalhar dentro de uma rotina fixa. A diferença entre isso e os métodos intensivos do sistema fabril era tão-somente questão de grau. Que a Revolução Comercial acarretaria grandes mudanças na organização dos negócios era coisa que se poderia prever desde os primeiros passos. A unidade dominante de produção e comércio na Idade Média era a oficina ou o armazém de propriedade de um individuo ou de uma família. A sociedade comercial era também bastante comum, a despeito da grave desvantagem que representava a responsabilidade ilimitada de cada um dos sócios pelos débitos da firma. Evidentemente, nenhuma dessas unidades se adaptava bem a negócios que envolvessem grandes riscos e um enorme emprego de capital. O primeiro resultado das tentativas para conseguir uma organização comercial mais adequada foi a formação das companhias regulamentadas. Tratava-se de associações de comerciantes unidos num empreendimento comum. Os associados não operavam uma fusão de capitais; concordavam apenas em cooperar para proveito de todos e em obedecer a certas regras definidas. Em geral, o objetivo da combinação era manter em certa parte do mundo um monopólio comercial. Os sócios freqüentem ente pagavam contribuições para a manutenção de docas e trapiches e, em particular, para a proteção contra os "entrelopos", como eram chamados os comerciantes que tentavam quebrar o monopólio. Um dos mais notáveis exemplos dês se tipo de organização foi uma companhia inglesa conhecida como os "Merchant Adventurers", fundada com o objetivo de comerciar com os Países-Baixos e a Alemanha. No século XVI, a companhia regulamentada foi em grande parte suplantada por um novo tipo de organização, ao mesmo tempo mais sólida e de alcance mais amplo. Era a sociedade por ações, formada mediante a subscrição de quotas de capital por um número considerável de inversores. Os que compravam ações podiam ou não tomar parte nas atividades da companhia, mas tanto num caso como no outro eram co-proprietários do negócio e, como tais, tinham direito a participar dos lucros na proporção do dinheiro empregado. A sociedade por ações apresentava numerosas vantagens sobre a sociedade de responsabilidade ilimitada e sobre a companhia regulamentada. Em primeiro lugar, era uma unidade permanente, não estando sujeita à reorganização todas as vezes que um dos membros morria ou se retirava. Em segundo, acabou por estabelecer-se na base de uma responsabilidade limitada, isto é: cada sócio só era responsável pelos débitos da companhia na proporção do seu investimento de capital. E, em terceiro, tornava possível um acúmulo muito maior de capital, graças à ampla distribuição das ações. Em resumo, possuía quase todas as vantagens de uma sociedade anônima moderna, exceto quanto a não ter personalidade jurídica, com os direitos e privilégios garantidos aos indivíduos. Se bem que a maioria das primeiras sociedades por ações tivessem sido fundadas para empreendimentos comerciais, mais tarde algumas se organizaram para fins industriais. Entre as principais organizações de mercadores, umas havia que eram também companhias privilegiadas, isto é, possuíam cartas de privilégio do governo que lhes concediam o monopólio do comércio em certa localidade e lhes conferiam ampla autoridade sobre os habitantes. Graças a um privilégio desse tipo, a Companhia Inglesa das Índias Orientais governou a índia como se fosse um estado particular, até 1.784, e em certo sentido até 1.858. Famosas foram também a Companhia Holandesa das Índias Orientais, a Companhia da Baía de Hudson, a Companhia de Plymouth e a Companhia de Londres. Esta última fundou a colônia da Virgínia e governou-a durante certo tempo como se fora propriedade sua. Resta ainda considerar um característico da Revolução Comercial, que foi o desenvolvimento de uma economia monetária mais eficiente. O dinheiro estivera em uso, é claro, desde a revivescência do comércio no século XI. Não obstante, eram raras as moedas cujo valor fosse reconhecido fora do seu local de origem. Por volta de1.300, o ducado veneziano e o florim florentino, valendo cada um cerca de 2,25 dólares, tinham ganho considerável aceitação dentro da Itália e mesmo nos mercados internacionais do norte da Europa. De nenhum país se pode dizer, entretanto, que possuísse um sistema monetário uniforme. Em quase toda parte reinava grande confusão. Moedas emitidas por reis circulavam lado a lado com o dinheiro dos nobres locais e até com os maravedis muçulmanos. Além disso, os padrões monetários sofriam freqüentes modificações e as próprias moedas eram muitas vezes adulteradas. Um método usado comumente pelos reis para fazer crescer as suas rendas era aumentar a proporção dos metais mais baratos nas moedas que emitiam. O desenvolvimento do comércio e da indústria na Revolução Comercial acentuou, porém, a necessidade de sistemas monetários mais estáveis e uniformes. O problema foi resolvido pela adoção, por todos os estados mais importantes, de um sistema-padrão de dinheiro para ser usado em todas as transações dentro dos seus limites. Muito tempo se passou, entretanto, antes que a reforma se completasse. A Inglaterra iniciou a elaboração de uma cunhagem uniforme no reinado de Elisabet, mas a tarefa não ficou terminada antes do fim do século XVI. A França não conseguiu reduzir o seu dinheiro aos modernos padrões de simplicidade e comodidade senão no tempo de Napoleão. A despeito de tão longas dilações, parece acertado concluir que as moedas nacionais foram realmente uma conquista da Revolução Comercial. 2. O MERCANTILISMO NA TEORIA E NA PRÁTICA A Revolução Comercial foi acompanhada, em suas últimas fases, pela adoção de um novo corpo de doutrinas e de normas práticas conhecido como mercantilismo. No seu sentido mais amplo, o mercantilismo pode ser definido como um sistema de intervenção governamental para promover a prosperidade nacional e aumentar o poder do estado. Se bem que seja muitas vezes considerado como um programa de ordem exclusivamente econômica, os seus objetivos eram em grande parte políticos. A finalidade da intervenção nos assuntos econômicos não era apenas expandir o volume da indústria e do comércio, mas também trazer mais dinheiro para o tesouro do rei, o que lhe permitiria construir armadas, apetrechar exércitos e fazer o seu governo temido e respeitado em todo o mundo. Devido a essa íntima associação com as ambições dos príncipes, empenhados em aumentar o seu próprio poder e o dos estados que dirigiam, o mercantilismo tem sido às vezes chamado estatismo. O sistema, certamente, nunca teria existido se não fora o desenvolvimento de uma monarquia absoluta em lugar da estrutura fraca e descentralizada do feudalismo. Não o criaram, porém, os reis sozinhos. Como era natural, os novos magnatas dos negócios prestaram-Ihes entusiástico apoio, pois o favorecimento ativo do comércio pelo estado lhes traria vantagens evidentes. O apogeu do mercantilismo foi o período entre 1.600 e 1.700, mas muitos de seus característicos sobreviveram até o fim do século XVIII. Se houve um princípio que desempenhasse o papel central na teoria mercantilista, foi a doutrina do metalismo. Essa doutrina O metalismo estabelece que a prosperidade de uma nação é determinada pela quantidade de metais preciosos de comércio existente dentro dos seus limites. Quanto mais favorável ouro e prata um país possui, tanto mais dinheiro o governo poderá recolher em impostos e tanto mais rico e poderoso se tornará o estado. O surto tomado por uma tal idéia era alimentado pelo conhecimento da prosperidade e poder da Espanha, que pareciam resultar diretamente do afluxo de metais preciosos procedentes das colônias americanas. Mas que poderiam fazer os países que não tivessem colônias produtoras de ouro ou prata? Como conseguiriam tornar-se ricos e poderosos? Os mercantilistas tinham uma resposta pronta para essas perguntas. A nação que não tivesse acesso direto ao ouro e à prata devia tentar aumentar o seu comércio com o resto do mundo. Se o governo de uma tal nação tomasse medidas para fazer com que o valor das exportações excedesse constantemente o das importações, a entrada de ouro e prata no país superaria a saída. Chamava-se a isso manter uma "balança de comércio favorável". Para tal, três medidas principais tornavam-se necessárias: primeiro, tarifas elevadas para reduzir o nível geral das importações e impedir completamente a entrada de certos produtos; segundo, prêmios às exportações; e terceiro, um amplo fomento da indústria, para que o país tivesse a maior quantidade possível de mercadorias para vender ao estrangeiro. A teoria mercantilista incluía também certos elementos de nacionalismo econômico, paternalismo e imperialismo. O primeiro significa o ideal de uma nação que se basta a si mesma. A política de favorecer novas indústrias não tinha em vista apenas aumentar as exportações, mas também tornar o país independente dos fornecimentos estrangeiros. Da mesma forma, os mercantilistas argumentavam que o governo devia exercer as funções de um zeloso guardião sobre as vidas dos seus cidadãos. O casamento precisava ser encorajado e regulamentado a fim de aumentar constantemente a população. Cumpria que o governo exercesse um controle cuidadoso sobre os salários, as horas de trabalho, os preços e a qualidade dos produtos. Impunha-se uma assistência generosa à pobreza, inclusive a assistência médica gratuita para os que não pudessem pagá-Ia. Essas coisas não seriam feitas, no entanto, dentro de qualquer espírito de caridade ou justiça, mas principalmente para que o estado pudesse repousar sobre sólidas bases econômicas e para que tivesse, em caso de guerra, o apoio de cidadãos numerosos e sadios. Finalmente, os mercantilistas advogavam a aquisição de colônias. Aqui, também, o objetivo principal não era beneficiar individualmente os cidadãos da metrópole, mas tornar a nação forte e independente. Os tipos de possessões mais ardentemente desejadas eram aquelas que pudessem aumentar os fundos nacionais de metais preciosos. Na falta delas, seriam muito aceitáveis as colônias que fornecessem produtos tropicais, abastecimentos navais ou quaisquer outros artigos que a metrópole não pudesse produzir. Baseava-se esse imperialismo na teoria de que as colônias existiam para benefício dos estados possessores. Por tal razão, não se lhes permitia dedicarem-se à indústria ou à navegação. Sua função era produzir matérias-primas e consumir o máximo possível de produtos manufaturados. Desse modo robusteceriam as indústrias da metrópole, dando-lhe assim uma vantagem na luta pelo mercado mundial. A maioria dos que escreveram sobre a teoria mercantilista não eram economistas profissionais, mas homens de ação pertencentes ao mundo dos negócios. A melhor exposição do assunto parece ter sido a de Thomas Mun, um comerciante de destaque e diretor, por muitos anos, da Companhia Inglesa das Índias Orientais. Sua obra principal foi publicada postumamente, em 1.664, sob o título England's Treasure by Forraign Trade, or The Ballance of Our Forraign Trade Is the Rule Of Our Treasure (isto é, mais ou menos: "A riqueza da Inglaterra pelo comércio estrangeiro, ou A balança do nosso comércio estrangeiro é a reguladora da nossa riqueza.") Além de numerosos outros campeões pertencentes às fileiras do comércio, o mercantilismo também encontrou defensores em alguns filósofos políticos. Entre eles figuram advogados da monarquia absoluta como o francês Jean Bodin (1.530-96) e o inglês Thomas Hobbes (1.588-1679), naturalmente predispostos a apoiar qualquer política que aumentasse a riqueza e o poder do governante. Conquanto a maioria dos apologistas do mercantilismo se interessasse por ele principalmente como um meio de promover uma balança de comércio favorável, outros o concebiam como uma espécie de paternalismo com vistas em aumentar a prosperidade interna do país. O inglês Edward Chamberlayne, por exemplo, defendia umapolítica de certo modo semelhante às idéias atuais sobre os empreendimentos governamentais. Recomendava que o estado destinasse abundantes fundos para o auxílio aos pobres e para a construção de obras públicas como meio de estimular os negócios. As tentativas de pôr em prática a doutrina mercantilista assinalaram a história da maioria das nações da Europa ocidental nos séculos XVI e XVII. Evidentemente a Espanha teve a vantagem inicial, devido ao afluxo de metais preciosos proveniente do seu império americana. E, embora os espanhóis não precisassem de recorrer a meios artificiais a fim de trazer dinheiro para dentro do país, o seu governo manteve assim mesmo um controle rigoroso sobre o comércio e a indústria. A política de quase todas as demais nações orientava-se no sentido de remediar a falta de colônias produtoras de ouro e prata pela conquista de um quinhão maior no comércio de exportação. Isso naturalmente implicava um programa de prêmios, tarifas e extensa regulamentação da indústria e da navegação. A política mercantilista foi resolutamente adotada na Inglaterra durante o reinado de Elisabet e continuada pelos monarcas da casa dos Stuarts e por Oliver Cromwell. A maioria desses governantes se empenharam numa furiosa disputa pela aquisição de colônias, concederam privilégios de monopólio a companhias comerciais e procuraram, por múltiplos meios, controlar as atividades econômicas dos cidadãos. Os exemplos mais interessantes de legislação mercantilista na Inglaterra foram, em primeiro lugar, as leis elisabetanas destinadas a eliminar a ociosidade e estimular a produção, e, em segundo, as Leis de Navegação. Por uma série de leis decretadas no fim do século XVI, Elisabet autorizou os juizes de paz a fixar preços, regulamentar as horas de trabalho e obrigar todo cidadão fisicamente capaz a trabalhar em alguma atividade útil. A primeira das Leis de Navegação foi promulgada em 1651, no governo de Cromwell. Visando anular o predomínio holandês no comércio de transportes, determinava que todos os produtos coloniais exportados para a metrópole fossem embarcados em navios ingleses. Uma segunda Lei de Navegação, aprovada em 1660, confirmava a primeira, proibindo, ademais, o envio direto de certos "artigos enumerados" para os portos do continente europeu - em especial do tabaco e do açúcar. Tais produtos deviam ser enviados primeiro à Inglaterra, de onde, após o pagamento dos direitos alfandegários, poderiam ser reembarcados para outros portos. Ambas essas leis baseavam-se no princípio de que as colônias deviam servir para enriquecer a metrópole. Durante a Revolução Comercial os estados alemães estavam por demais ocupados com problemas internos para tomarem parte ativa na luta pelas colônias e pelo comércio ultramarino. Em conseqüência disso, o mercantilismo alemão interessou-se principalmente em aumentar a força interna do estado. Apresentava o duplo caráter de um nacionalismo econômico e de um programa de sociedade planificada. Mas escusamos de dizer que o planejamento se fazia com a mira principal em beneficiar o governo e só acidentalmente se interessava pelo povo. Devido ao seu objetivo dominante de aumentar as rendas do estado, os mercantilistas alemães são conhecidos como "cameralistas" (de Kammer, nome dado ao tesouro real). A maioria deles eram advogados e professores de finanças. As idéias cameralistas foram postas em prática pelos reis Hohenzollerns da Prússia, notadamente por Frederico Guilherme I (1.713-40) e por Frederico o Grande (1.740-86). A política desses monarcas assumia a forma de um plano múltiplo de intervenção e controle na esfera econômica, visando aumentar a riqueza tributável e fortalecer o poder do estado. Drenaram-se pântanos, abriram-se canais, fundaram-se novas indústrias com o auxílio do governo e os camponeses receberam instruções sobre as culturas que deviam plantar. A fim de que a nação se tornasse auto-suficiente no mais breve tempo possível, foram proibidas as exportações de matérias- primas e as importações de produtos manufaturados. O grosso das rendas advindas dessas medidas era aplicado em objetivos militares. O exército regular da Prússia foi aumentado, por Frederico o Grande, para 160.000 homens. Talvez a aplicação mais completa do mercantilismo, em todos os seus aspectos, tenha sido a que se verificou na França sob Luís XIV (1.643-1.715). Isso se deveu, em parte, a ser o estado francês a encarnação perfeita do absolutismo e também, em parte, à política de Jean-Baptiste Colbert, chefe de ministério do grand monarque entre 1.661 e 1.683. Contrariamente a uma opinião bastante difundida, Colbert não foi um teorizador mais sim um político prático que ambicionava o poder pessoal e procurava por todos os meios multiplicar as oportunidades de enriquecimento da classe média, a que pertencia. Aceitou o mercantilismo, não como um fim em si mesmo, mas como o meio mais conveniente de aumentar a riqueza e o poder do estado, conquistando assim a aprovação do seu soberano. Nem por isso, contudo, a maioria das suas medidas políticas deixou de pautar-se inteiramente pela doutrina mercantilista. Tinha a firme convicção de que a França devia adquirir a maior quantidade possível de metais preciosos. Para isso proibiu a exportação de dinheiro, impôs altas tarifas aos produtos manufaturados estrangeiros e concedeu prêmios liberais para estimular o desenvolvimento da navegação francesa. Foi também, principalmente com esse fim que fomentou o imperialismo, esperando melhorar a balança de comércio favorável mediante a venda de produtos manufaturados às colônias. Comprou, portanto, as ilhas de Martinica e Guadalupe nas Antilhas, favoreceu o estabelecimento de colônias em S. Domingos, no Canadá e na Luisiana e fundou entrepostos comerciais na Índia e na África. Era, além disso, tão devotado ao ideal da auto-suficiência como qualquer cameralista da Prússia. Subsidiou novas empresas instalou certo número de indústrias do estado e até fez com que o governo comprasse mercadorias que não eram realmente necessárias, só para manter em pé certas companhias. Estava, no entanto, resolvido a conservar a indústria manufatureira sob rigoroso controle, a fim de que as companhias comprassem da França ou de suas colônias as matérias-primas e produzissem os artigos necessários à grandeza nacional. Conseqüentemente, impôs à indústria uma regulamentação minuciosa que prescrevia quase todos os detalhes do processo de manufatura. Por fim, deve-se mencionar que Colbert tomou algumas medidas diretas para aumentar o pode político na nação. Proveu a França de uma armada de quase trezentos navios, recrutando cidadãos das províncias marítimas e a criminosos para tripulá-Ios. Procurou estimular o rápido crescimento da população desencorajando os jovens de se tornarem monges ou freiras e isentando de quaisquer impostos as famílias com dez ou mais filhos. Pelo que foi dito, parece ter ficado bastante claro que o mercantilismo foi a expressão econômica lógica do absolutismo político dos séculos XVI e XVII. Por isso, teve ele muito de comum com o fascismo. Tanto os mercantilistas como os fascistas desejavam acorrentar o sistema econômico ao carro da grandeza nacional. Uns e outros acreditavam num rígido controle da produção e da distribuição da riqueza, principalmente como meio de conseguir o poderio militar. Uns e outros abraçaram o imperialismo com o mesmo objetivo fundamental de adquirir fontes de matérias-primas que a metrópole não podia produzir e conseguir uma vazão para os produtos manufaturados. Embora tanto os fascistas como os mercantilistas fizessem um fetiche da auto-suficiência, nem uns nem outros acreditavam numa economia completamente fechada, pois todos eles tentavam vender o máximo possível no exterior, sem comprar, em troca, mais do que o estritamente necessário. Mercantilistas e fascistas baseavam-se também no princípio de que os fundos governamentaisdeviam ser utilizados no estímulo aos negócios e ao emprego e de que era preciso tomar medidas para encorajar um forte crescimento da população. Havia, porém, uma importante diferença econômica entre os dois sistemas. Os mercantilistas interpretavam a riqueza nacional em função da quantidade de metais preciosos existente no país. Não concebiam o uso do crédito governamental como um meio para tirar a "riqueza" do nada, emitindo obrigações aos bancos e depois valendo-se dessas obrigações como lastro para novas emissões de dinheiro, que por sua vez seria pago ao povo em troca de mercadorias e serviços, Os fascistas rejeitavam inteiramente a teoria metalista da riqueza, negando que o ouro ou a prata desempenhassem um papel indispensável na vida econômica da nação. Tendiam a considerar os produtos da terra e do trabalho humano como fontes exclusivas da riqueza nacional. 3. RESULTADOS DA REVOLUÇÃO COMERCIAL É desnecessário dizer que a Revolução Comercial foi um dos desenvolvimentos mais significativos da história do mundo ocidental. Todo o quadro da vida econômica moderna teria sido impossível sem ela que deslocou as bases do comércio do plano local e regional da Idade Média para a escala mundial que desde então o tem caracterizado. Exaltou, além disso, o comércio com finalidade lucrativa, santificou a acumulação de riqueza e estabeleceu a concorrência como base da produção e do comércio. Numa palavra, é à Revolução Comercial que se devem quase todos os elementos que vieram a constituir o regime capitalista. Esses não foram, porém, os seus únicos resultados. A Revolução Comercial também deu surto às primeiras grandes especulação, muito semelhantes àquelas com que se habituou, muito a contragosto, o mundo moderno. O afluxo de metais preciosos, a rápida alta dos preços e o encarecimento da riqueza como finalidade da vida fomentaram um espírito de jogo nos negócios, o qual nunca teria sido possível dentro da economia estática da Idade Média. A rápida expansão dos negócios nos primeiros tempos da Revolução levou os homens a pensar que se poderia fazer fortuna do dia para a noite. Projetaram-se inúmeras empresas para toda espécie de fins absurdos - tornar doce a água salgada ou fabricar máquinas de moto-contínuo - e milhares de compradores de ações morderam a isca. Um grupo de agentes velhacos chegou até a vender ações de uma companhia cujo objetivo era tentadoramente descrito como "um empreendimento que seria revelado em tempo oportuno". Calculou-se que nada menos de um milhão e meio de dólares foram invertidos nesses projetos insensatos durante os primeiros anos do século XVIII. O auge do frenesi especulativo foi atingido no escândalo dos Mares do Sul e no do Mississipi, por volta de 1.720. O primeiro resultou da inflação do capital da Companhia dos Mares do Sul, na Inglaterra. Os incorporadores dessa companhia concordaram em assumir a responsabilidade de cerca de cinqüenta milhões de dólares da dívida nacional e, em troca, receberam do governo inglês a exclusividade do comércio com a América do Sul e as ilhas do Pacífico. As perspectivas de lucro pareciam quase ilimitadas. As ações da companhia subiram ràpidamente de cotação até serem vendidas por mais de dez vezes o seu valor nominal. Quanto mais subiam, mais crédulo se mostrava o povo. Gradualmente, porém, cresceu a suspeita de que as possibilidades da empresa tinham sido superestimadas. As róseas esperanças cederam o lugar ao temor e os compradores fizeram tentativas frenéticas para desfazerem-se de suas ações por qualquer preço. A falência foi o resultado inevitável. Ao mesmo tempo que se alimentava a quimera dos Mares do Sul na Inglaterra, os franceses eram arrastados por uma onda semelhante de loucura especulativa. Em 1.715, um escocês chamado John Law, que fora obrigado a fugir da Inglaterra por ter matado o seu rival numa disputa amorosa, estabeleceu-se em Paris, depois de ter sido bem sucedido em várias aventuras de jogo em outras cidades. Persuadiu o regente da França a adotar um plano seu de pagar a divida nacional mediante uma emissão de papel-moeda, concedendo-lhe o privilégio de organizar a Companhia do Mississipi para a colonização e a exploração da Luisiana. À medida que os empréstimos governamentais eram remidos, aqueles que recebiam o dinheiro eram levados a comprar ações da companhia. Em breve as ações começaram a subir vertiginosamente, alcançando afinal uma cotação de quarenta vezes o seu valor original. Quase todos aqueles que podiam juntar algumas moedas lançaram-se na porfia pela riqueza. Contavam-se histórias de açougueiros e alfaiates que passavam por ter ficado milionários comprando algumas ações para jogar na alta. Mas, à medida que se tornava evidente que a companhia jamais poderia pagar dividendos capazes de compensar tais preços, os inversores mais prudentes começaram a vender as suas ações. O alarma disseminou-se e em breve estavam todos tão ansiosos por vender como antes tinham estado por comprar. Em 1.720 o escândalo estourou, gerando tremendo pânico. Milhares de pessoas, que haviam vendido as suas propriedades para comprar ações a um preço fantástico, ficaram completamente arruinadas. O colapso das companhias dos Mares do Sul e do Mississipi arrefeceu um pouco a paixão pública pelo jogo. Não tardou muito, porém, que se reavivasse a cobiça dos lucros especulativos e as orgias de agiotagem que acompanharam a Revolução Comercial repetiram- se muitas vezes durante os séculos XIX e XX. Entre outros resultados da Revolução Comercial podem citar-se a ascensão da burguesia ao poder econômico, o início da europeização do mundo e o restabelecimento da escravidão. Cada um deles exige breve comentário. No fim do século XVII a burguesia se tornara a classe econômica dominante em quase todos os países da Europa ocidental. Dela faziam parte os comerciantes, os banqueiros, os proprietários de navios, os principais acionistas e os empresários de indústrias. Essa subida ao poder deveu-se principalmente ao aumento da riqueza e à tendência de se aliarem aos reis contra os remanescentes da aristocracia feudal. Mas o poder da burguesia, por enquanto, era puramente econômico. Foi só no século, XIX que a supremacia política da classe média se tornou realidade. Por europeização do mundo deve entender-se a transplantação dos hábitos e da cultura europeus para outros continentes. Em resultado do trabalho dos comerciantes, missionários e colonos, as Américas do Norte e do Sul assumiram rapidamente a feição de apêndices da Europa. Na Ásia não houve mais do que um início de transformação, mas era o bastante para deixar prever as tendências dos tempos posteriores, quando até o Japão e a China adotariam as locomotivas ocidentais e os óculos de aros de tartaruga. O resultado mais deplorável da Revolução Comercial foi o restabelecimento da escravidão. Como vimos no estudo da Idade Média, por volta do ano 1.000 a escravidão havia praticamente desaparecido da civilização européia. Mas o desenvolvimento da mineração e das fazendas de plantação nas colônias inglesas, espanholas e portuguesas provocou enorme procura de trabalhadores não especializados. A principio tentou-se escravizar os índios americanos, mas estes, em geral, se mostraram demasiado rebeldes à sujeição. O problema foi resolvido no século XVI pela importação de negros africanos. Durante os seguintes duzentos anos ou mais a escravidão negra fez parte integrante do sistema colonial europeu, mormente nas regiões fornecedoras de produtos tropicais. Por fim, a Revolução Comercial teve grande importância em preparar o caminho para a Revolução Industrial. Isso se deu por várias razões. Primeiro, a Revolução Comercial criou uma classe e capitalistas que constantemente procuravam novas oportunidades para empregar os seus lucros excedentes. Segundo, a política mercantilista, com a importância que atribuía à proteção das indústrias incipientes e à produçãode mercadorias para exportação, deu um poderoso estímulo ao desenvolvimento das manufaturas. Terceiro, a fundação dos impérios coloniais inundou a Europa de novas matérias-primas e aumentou muitíssimo o suprimento de certos produtos até então considerados como de luxo. A maior parte deles precisava ser manufaturada antes de passar ao consumidor. Em conseqüência, surgiram novas indústrias completamente livres de qualquer regulamentação corporativa que porventura ainda subsistisse. O exemplo mais frisante foi a manufatura de tecidos de algodão, e é ainda bastante significativo ter sido ela a primeira indústria a se mecanizar. Por último, a Revolução Comercial caracterizou-se pela tendência de adotar os métodos fabris em certos ramos de produção, a par de aperfeiçoamentos técnicos tais como a invenção da roda de fiar, a do tear de fazer meia e o descobrimento de um processo mais eficiente para reduzir minérios. Não é difícil perceber a conexão entre tais fatos e os progressos mecânicos da Revolução Industrial. 4. PROGRESSOS REVOLUCIONÁRIOS NA AGRICULTURA Em larga medida, as transformações profundas que se operaram na agricultura durante os séculos XVII e XVIII podem ser consideradas como efeitos da Revolução Comercial. A alta dos preços e o aumento da população urbana, por exemplo, fizeram com que a agricultura se tornasse um negócio rendoso, tendendo assim a promover a sua absorção pelo sistema capitalista. Além disso, o desenvolvimento da indústria da lã na Inglaterra levou muitos proprietários rurais a substituir o cultivo do solo pelo pastoreio como fonte principal de renda. Houve, porém, outras causas que não tinham nenhuma relação direta com a Revolução Comercial. Uma delas foi a falta de braços, devida à Peste Negra e à evasão dos camponeses para as cidades e vilas a fim de aproveitarem as oportunidades de uma vida melhor, nascidas do restabelecimento do comércio com o Oriente Próximo. Uma outra foi o arroteamento de novas fazendas em que vigorava o sistema do trabalho livre e da iniciativa individual. As Cruzadas e a Guerra dos Cem Anos constituíram uma terceira causa, por terem determinado o enfraquecimento do poder dos nobres e solapado a estrutura da antiga sociedade. O efeito conjunto desses fatores foi a destruição do sistema senhorial e o aparecimento de uma agricultura erigida sobre bases de certo modo semelhantes às modernas. A transformação foi mais completa na Inglaterra, mas também em outros países houve progressos no mesmo sentido. O primeiro entre os fatos marcantes da revolução agrícola foi o abandono do antigo sistema senhorial de cultivo. Sob o regime medieval, o solar com as terras circundantes era a parte do feudo reservada ao proveito exclusivo do senhor. O trabalho de cultivo dessas terras devia ser realizado pelos servos, como uma das obrigações devidas àquele. Mas, à medida em que aumentava o número de servos emigrantes ou dizimados pela Peste Negra, tornava-se impossível exigir o cumprimento dessa obrigação, assim como o de muitas outras. Os senhores recorreram então ao expediente de arrendar as terras do solar aos camponeses, recebendo a renda quer em produtos, quer em dinheiro. Aos poucos, o sistema de arrendamento se estendeu às outras porções aráveis do feudo, donde resultou converterem-se os proprietários feudais de outrora em senhorios do tipo moderno. Simultaneamente com esses fatos, ocorria a eliminação gradual do sistema de "campo aberto". Este, como os leitores devem lembrar- se, era o sistema pelo qual as terras dos camponeses se dividiam em faixas disseminadas pelas várias partes do feudo e cultivadas em comum. O objetivo principal parece ter sido uma divisão eqüitativa das áreas melhores e piores de cultivo. O sistema começou a desintegrar-se com a alta dos preços dos produtos agrícolas no fim da Idade Média. Os camponeses mais astutos e ambiciosos desgostavam-se cada vez mais da lavoura cooperativa. Convencidos de que poderiam ganhar mais dinheiro como lavradores individuais, negociavam entre si faixas de terra, arrendavam porções do domínio do senhor feudal e, aos poucos, iam reunindo toda a sua terra em blocos compactos. Quando por fim se completou esse processo, conhecido como a consolidação dos lotes, um grande passo fora dado no sentido de abolir a agricultura senhorial. A terceira ocorrência importante da revolução agrícola foi o movimento das tapagens, que teve considerável repercussão na Inglaterra. Esse movimento assumiu dois aspectos principais: primeiro, o cercamento das terras comuns de mata e pastoreio, abolindo desse modo os direitos comunais que os camponeses tinham gozado, de apascentar os seus rebanhos e colher lenha nas partes não cultivadas da propriedade senhorial; segundo, o fato de grande número de camponeses serem desapossados dos direitos de arrendamento ou de outros direitos de locação sobre as terras aráveis. Ambas essas formas de tapagem representavam sérios reveses para a população rural. Durante séculos os direitos dos camponeses sobre a pastagem comum e as terras de mata haviam constituído um elemento essencial do seu plano de subsistência e era-lhes muito difícil passar sem eles. Mas, a sorte dos que se viam inteiramente esbulhados dos seus direitos de arrendamento ainda era bem pior. Na maioria dos casos eram obrigados a tornar-se jornaleiros sem terras, ou então miseráveis mendigos. A principal razão que determinou o movimento das tapagens foi o desejo, por parte dos antigos proprietários feudais, de converter a maior área possível dos seus domínios em terras de pastio para carneiros, em vista do alto preço que podia conseguir então pela lã. Geralmente começavam por cercar as terras comunais, como propriedade sua. Amiúde seguia-se também a isso a conversão de grande parte das lavouras de trigo em campos de pastio, donde resultava o despejo daqueles camponeses, em especial, cujos direitos de arrendamento não eram muito sólidos. As tapagens começaram no século XIV e prosseguiram até além do período da Revolução. Comercial. Ainda em 1.819 estavam sendo aprovadas pelo parlamento britânico centenas de ordenações autorizando o despejo de rendeiros e a tapagem de grandes propriedades. Nos séculos XVIII e XIX o processo foi acelerado pela ambição dos capitalistas que desejavam alçar-se à aristocracia tornando-se gentlemen-farmers (fazendeiros por esporte). O movimento das tapagens completou a transformação da agricultura inglesa num empreendimento capitalista. A fase final da revolução agrícola que acompanhou ou seguiu a Revolução Comercial foi a introdução de novas culturas e de melhorias no equipamento mecânico. Nenhum desses progressos se tornou manifesto antes do começo do século XVIII. Foi mais ou menos por essa época que Lord Townshend descobriu na Inglaterra o valor do cultivo do trevo como meio de impedir a exaustão do solo. Não só o trevo reduz muito menos a fertilidade do solo do que o fazem os cereais, mas ainda melhora a qualidade da terra pela acumulação de nitrogênio e por torná-Ia mais porosa. A plantação desse vegetal de tempos em tempos tornava desnecessário o antigo sistema de deixar cada ano um terço da terra em pousio. Além disso, o trevo em si mesmo constituía uma ótima forragem de inverno para os animais, contribuindo assim para a criação de um gado mais numeroso e melhor. Muito poucos melhoramentos mecânicos foram introduzidos na agricultura dessa época, mas tiveram importância nada desprezível. Em primeiro lugar, houve a adoção do arado de metal, que permitia abrir sulcos mais largos e profundos do que seria possível obter com os primitivos arados de madeira herdados da Idade Média. Durante certo tempo os lavradores relutaram em adotar essa inovação, na crença de que o ferro envenenaria o solo, mas a superstição acabou por abandonada. O outro aperfeiçoamento mecânico importante desse período foi a semeadeira para grãos. A adoção desse invento eliminouo velho e anti-econômico método de semear à mão, deixando a maior parte das sementes à flor da terra, onde era comida pelas aves. Por significativos que fossem esses melhoramentos, a verdadeira mecanização da agricultura só se deu, no entanto, já em pleno século XIX. 5. A NOVA SOCIEDADE Profundas modificações da estrutura social acompanham inevitavelmente as revoluções econômicas ou intelectuais. A
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