Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA ÁREA DE CIÊNCIAS NATURAIS E TECNOLÓGICAS Curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática KARLA JAQUELINE SOUZA TATSCH A APRENDIZAGEM DE CONTEÚDOS DE FUNÇÕES E ESTATÍSTICA POR MEIO DA MODELAGEM MATEMÁTICA: “ALIMENTAÇÃO, QUESTÕES SOBRE OBESIDADE E DESNUTRIÇÃO” Santa Maria, RS 2006 1 KARLA JAQUELINE SOUZA TATSCH A APRENDIZAGEM DE CONTEÚDOS DE FUNÇÕES E ESTATÍSTICA POR MEIO DA MODELAGEM MATEMÁTICA: “ALIMENTAÇÃO, QUESTÕES SOBRE OBESIDADE E DESNUTRIÇÃO” Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática do Centro Universitário Franciscano como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino de Matemática. Orientadora: Profª. Drª. VANILDE BISOGNIN Co-orientador: Prof. Dr. OSWALDO ALONSO RAYS Santa Maria, RS 2006 2 CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CURSO DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE FÍSICA E DE MATEMÁTICA A COMISSÃO EXAMINADORA, ABAIXO-ASSINADA, APROVA A DISSERTAÇÃO: A APRENDIZAGEM DE CONTEÚDOS DE FUNÇÕES E ESTATÍSTICA POR MEIO DA MODELAGEM MATEMÁTICA: “ALIMENTAÇÃO, QUESTÕES SOBRE OBESIDADE E DESNUTRIÇÃO” Elaborada por: KARLA JAQUELINE SOUZA TATSCH COMISSÃO EXAMINADORA ______________________________________________ Profª. Dr.ª Vanilde Bisognin Presidente ________________________________________________ Prof. Dr. Oswaldo Alonso Rays ________________________________________________ Profª. Drª. Cátia Maria Nehring Santa Maria, 27 de setembro de 2006. 3 Dedico esta conquista a minha mãe, Suely Martins e Souza, como gratidão pelo amor, carinho e estímulo constantes. 4 AGRADECIMENTOS Na certeza de que não se conquista nada sozinho, ao final de uma caminhada, percebe-se que são muitas as pessoas que, direta ou indiretamente, colaboraram conosco. Em particular, quero manifestar meu agradecimento: A Deus que permitiu que eu tivesse saúde e estrutura para superar os obstáculos. A minha mãe, Suely Martins e Souza, que nunca mediu esforços para colaborar na realização de meus ideais, e ao meu pai, Evaldo de Azevedo e Souza (in memorian) pelo empenho durante sua vida para minha formação. Ao meu marido, Célio Tatsch, pela ajuda, carinho e apoio constantes e decisivos nas minhas conquistas. A minha irmã, Rozemari Souza Scalabrin que, além da ajuda como professora de Língua Portuguesa, vibrava a cada conquista. À coordenadora do Curso de Mestrado, Profª.Drª. Eleni Bisognin, pelo acolhimento, carinho e incentivo durante todo o período de realização do curso. A minha orientadora, Profª.Drª. Vanilde Bisognin, pela receptividade, pela confiança depositada e pelas palavras de orientação e incentivo. Ao co-orientador, Prof.Dr. Oswaldo Alonso Rays, pelas valiosas sugestões que enriqueceram o trabalho. Aos colegas do curso que me ajudaram em diferentes situações: Ana Marli, Fernando, Angélica, Cristina, Josiane, Karla, Ronize, Aline, Tânia, Harnye e, carinhosamente, as amigas Maria do Carmo e Daniela. Um agradecimento especial a minha colega e amiga Lozicler Maria Moro dos Santos e a sua família, que me acolheram com carinho. À Juliane Simonetto, secretária do curso de Mestrado Pofissionalizante, pela dedicação e presteza manifestadas. Aos professores do curso: Maria Arleth Pereira, Márcio Ferreira, Ana Cristina Garcia Dias, Carmen Vieira Mathias, Gilse Morgental Falkembach, Oswaldo Alonso Rays, Rosane Carneiro Sarturi, Vanilde Bisognin e Eleni Bisognin, que oportunizaram situações de crescimento em suas aulas. Aos participantes da pesquisa, meus alunos da turma 101 de 2005 da Escola Estadual de Ensino Médio Afonso Maurer: Maciel, Luís Fernando, Fabiano, Franciele, Fernanda, Luciane, Daniela, Inês, Eliane, Analice, Lucimara, Janaíne, Lilhan, Juliana, Gabriela, Aline, Eglisiane e Raquel, pela disponibilidade e pelas discussões que enriqueceram o trabalho. A minha colega de trabalho, professora Angela Claudete Scholz Kurz, pela amizade e atenção, decisivas na superação das dificuldades enfrentadas. Aos familiares e amigos pela torcida e pela comemoração a cada etapa vencida e que souberam compreender minha ausência durante a realização do curso. À Profª. Drª. Rosane Carneiro Sarturi, responsável pelo incentivo inicial para eu retornar à vida acadêmica. 5 RESUMO A presente dissertação apresenta uma pesquisa realizada através da adoção da Modelagem Matemática como estratégia de ensino e aprendizagem, numa primeira série do Ensino Médio, discutindo o tema “Alimentação, Questões sobre Obesidade e Desnutrição”. Propôs verificar as possibilidades metodológicas oferecidas pela Modelagem Matemática para a melhoria da aprendizagem dos conteúdos de Funções e Estatística. A pesquisa foi do tipo pesquisa-ação e teve uma abordagem qualitativa, baseada em questionários e observações das atividades desenvolvidas pelos alunos. Os questionários, inicial e final, aplicados aos alunos, foram analisados e comparados, e as observações realizadas pela autora foram devidamente registradas em pautas de observações. Os alunos foram capazes de propor e resolver situações-problema a partir do tema proposto e assumiram um papel ativo no processo de ensino e aprendizagem. Como resultado da pesquisa pode-se afirmar que a Modelagem Matemática, como estratégia de ensino, possibilitou a construção de conceitos matemáticos relacionados com Funções e Estatística e contribuiu para a melhoria da aprendizagem. As experiências de ensino com Modelagem Matemática oportunizaram ao aluno o papel de pesquisador e ao professor, elemento indispensável do processo, o papel de orientador. Palavras-chave: Modelagem Matemática. Ensino Médio. Ensino e aprendizagem. ABSTRACT This dissertation presents a research realized through the process of Mathematical Modeling as strategy of teaching and learning in the first ages of Medium School, discussing the theme “Feeding, Questions about Overweight and Malnutrition”. It was proposed to verify the methodological possibilities offered by the Mathematical Modeling for the improvement of the learning process of the contents of Mathematical Functions and Statistics. This research was based on research and action and had a qualitative approach, based on questionnaires and lookouts of the activities developed by the pupils. The initial and final questionnaires answered by the students were analyzed and compared, as well as the researsher’s lookouts, duly registered in guidelines of comments. The students were able to propose and solve problematic situations based on the proposed theme and assumed an active position on the process of teaching and learning. As a result of the research it could be said that the Mathematical Modeling, as a teaching strategy, made possible the construction of mathematical concepts related with the mathematical functions and statistics and it contributed for the improvement of the learning. The experience of education with Mathematical Modeling enable the students to have the duty of a researcher and to the teacher, indispensable element of the process, the function of a guide. Keywords: Mathematical Modeling.Medium School. Teaching and learning. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 1 AS EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DA PROFESSORA- PESQUISADORA, A REALIDADE DO ENSINO DA MATEMÁTICA, O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA...................................................... 11 1.1 Histórico Profissional................................................................................................ 12 1.2 O Ambiente da Pesquisa........................................................................................... 14 1.3 O Ensino da Matemática no Brasil.......................................................................... 17 1.4 A Formação do Professor de Matemática............................................................... 20 1.5 Parâmetros Curriculares Nacionais e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN/1996................................................................................................ 23 1.6 Perspectivas para o Ensino da Matemática........................................................... 27 1.7 Problema da Pesquisa.............................................................................................. 36 1.8 Objetivos de Pesquisa............................................................................................... 36 1.8.1 Objetivo Geral......................................................................................................... 37 1.8.2 Objetivos Específicos.............................................................................................. 37 2 METODOLOGIA DA PESQUISA........................................................................... 38 2.1 Abordagem Metodológica da Pesquisa.................................................................. 38 3 MODELAGEM MATEMÁTICA E O TEMA DE PESQUISA............................. 44 3.1 Modelagem Matemática como Estratégia de Ensino............................................ 44 3.2 Experiências com Modelagem Matemática no Brasil........................................... 54 3.3 Alimentação: Questões sobre Obesidade e Desnutrição....................................... 57 3.3.1 O Metabolismo da Absorção de Calorias............................................................... 58 3.3.2 Os Nutrientes Necessários para uma boa Saúde..................................................... 66 3.3.3 Desnutrição............................................................................................................. 70 3.3.4 Obesidade................................................................................................................ 72 4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS.................. 76 4.1 Apresentação do tema “Alimentação: Questões sobre Obesidade e Desnutrição..................................................................................................................... 76 4.1.1 Filme: Obesidade Infantil - Globo Repórter........................................................... 78 4.1.2 Filme: “Ilha das Flores”.......................................................................................... 81 4.1.3 Discussões sobre os Filmes..................................................................................... 81 4.2 Análise das Respostas dos Alunos ao Questionário 1........................................... 83 4.2.1 Considerações sobre as Respostas à Questão 01.................................................... 84 4.2.2 Considerações sobre as Respostas à Questão 02.................................................... 84 4.2.3 Considerações sobre as Respostas à Questão 03.................................................... 86 4.2.4 Considerações sobre as Respostas à Questão 04.................................................... 86 4.2.5 Considerações sobre as Respostas à Questão 05.................................................... 87 4.2.6 Considerações sobre as Respostas à Questão 06.................................................... 88 4.3 Atividades de Modelagem Matemática.................................................................. 88 4.3.1 Atividade 1: Leitura e Discussão do Texto “Retrato do Brasil: 40,6% dos brasileiros estão acima do peso”...................................................................................... 89 4.3.1.1 Situação-Problema 1............................................................................................ 94 7 4.3.1.2 Situação-Problema 2............................................................................................ 98 4.3.2 Atividade 2: Trabalhos em Grupos......................................................................... 103 4.3.2.1 Análises e Discussões dos Painéis....................................................................... 107 4.3.2.2 Apresentações Orais e Entrega do Trabalho Final............................................... 108 4.3.2.3 Considerações sobre o Desenvolvimento dos Trabalhos..................................... 118 4.3.3 Atividade 3: A Alimentação e o Crescimento da População Mundial................... 120 4.3.3.1 Situação-Problema............................................................................................... 121 4.3.4 Atividade 4: A Obesidade Pode Causar Depressão................................................ 130 4.3.4.1 Situação-Problema................................................................................................ 131 4.3.5 Atividade 5: A Cirurgia da Obesidade.................................................................... 133 4.3.5.1 Situação-Problema............................................................................................... 134 4.4 Considerações sobre as Atividades de Modelagem Matemática......................... 138 4.5 Aplicação do Questionário 2 .................................................................................. 140 4.5.1 Considerações sobre as Respostas à Questão 01.................................................... 140 4.5.2 Considerações sobre as Respostas à Questão 02.................................................... 141 4.5.3 Considerações sobre as Respostas à Questão 03.................................................... 142 4.5.4 Considerações sobre as Respostas à Questão 04.................................................... 142 4.5.5 Considerações sobre as Respostas à Questão 05.................................................... 143 4.5.6 Considerações sobre as Respostas à Questão 06.................................................... 143 4.5.7 Considerações sobre as Respostas à Questão 07.................................................... 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 145 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 152 ANEXOS......................................................................................................................... 158 APÊNDICES.................................................................................................................. 165 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Esquema de aprendizagem significativa segundo Almeida (2005)................ 34 Figura 2: Casos de Modelagem Matemática, segundo Barbosa..................................... 45 Figura 3: Esquema de Modelagem Matemática, segundo Bassanezi (2002)................. 51 Figura 4: Dinâmica de Modelagem Matemática, segundo Biembengut & Hein (2000)............................................................................................................................... 51 Figura 5: Conceito de quilocaloria.................................................................................59 Figura 6: Como as calorias são absorvidas pelo organismo humano............................. 60 Figura 7: Exemplos de atividades ocupacionais............................................................. 61 Figura 8: Necessidades energéticas para adultos que desempenham atividade média.. 62 Figura 9: Necessidades energéticas para meninos e meninas que desempenham atividade média................................................................................................................ 63 Figura 10: Necessidades energéticas para adolescentes que desempenham atividade média................................................................................................................................ 63 Figura 11: Quilocalorias consumidas por hora de atividade.......................................... 64 Figura 12: Índice de Massa Corpórea ............................................................................ 65 Figura 13: Índice de Massa Corporal adequado conforme a idade................................ 65 Figura 14: Índice de massa corporal adequado e médio para o adulto........................... 65 Figura 15 Pirâmide alimentar......................................................................................... 68 Figura 16: Pirâmide alimentar divulgada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em abril de 2005.................................................................................... 69 Figura 17: Classificação da desnutrição protéico-energética para adultos..................... 71 Figura 18: Valores do IMC elevado para pessoa adulta................................................. 72 Figura 19: Pequenas mudanças que fazem diferença..................................................... 73 Figura 20: A fome e a obesidade segundo o IBGE........................................................ 90 Figura 21: A brasileira Kátia, com altura menor que 1,60m e peso de 87kg................. 92 Figura 22: A brasileira Martilene, com altura menor que 1,50m e peso de 34kg.......... 92 Figura 23: O Prato do Brasileiro: Em quilograma per capita por ano por alimento (média Brasil).................................................................................................................. 93 Figura 24: O prato do brasileiro em quilogramas e por calorias por faixas de renda familiar............................................................................................................................. 94 Figura 25: IMC - o que é e como calcular...................................................................... 95 Figura 26: Gráfico da variação do IMC em função do aumento do peso...................... 100 Figura 27: Painel construído pelo Grupo A: O Prato do Brasileiro............................... 105 Figura 28: Painel construído pelo Grupo B: Tem gente morrendo pela boca................ 106 Figura 29: Painel construído pelo Grupo C: O peso dos brasileiros.............................. 106 Figura 30: Painel construído pelo Grupo D: IMC.......................................................... 107 Figura 31: Gráfico de colunas construído pelo Grupo A: O prato do brasileiro............ 109 Figura 32: Gráfico de colunas representado pelo Grupo B: Homens com excesso de peso................................................................................................................................. 114 Figura 33: Gráfico de colunas representado pelo Grupo B: Mulheres com excesso de peso.................................................................................................................................. 114 Figura 34: Gráfico de colunas construído pelo Grupo C: Déficit de peso dos homens brasileiros......................................................................................................................... 115 Figura 35: Gráfico de colunas construído pelo Grupo C: Déficit de peso das mulheres brasileiras......................................................................................................... 115 9 LISTA DE FIGURAS - Continuação Figura 36: Gráfico de colunas construído pelo Grupo D: Mulheres e homens obesos no Brasil........................................................................................................................... 117 Figura 37: Gráfico representativo do Crescimento Populacional Mundial de 1960 a 1990................................................................................................................................. 122 Figura 38: Crescimento da População Mundial de 1960 a 2080................................... 125 Figura 39: Análise Exponencial e Logarítmica do Crescimento da População Mundial de 1960 a 2110.................................................................................................. 129 Figura 40: Presença do Prozac no organismo durante uma semana após sua ingestão.. 132 Figura 41: Variação do peso da pessoa após cirurgia de estômago............................... 137 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1_ Valores do IMC considerados de risco.......................................................... 96 Tabela 2_ Grau de desnutrição de acordo com o valor do IMC..................................... 97 Tabela 3_ Aumento do peso e dos valores do IMC em função do tempo...................... 99 Tabela 4_ Crescimento da População Mundial de 1960 a 1990..................................... 122 Tabela 5_ O Crescimento da População Mundial de 1960 a 2080................................. 124 Tabela 6_ Crescimento da População Mundial de 1960 a 2110..................................... 127 Tabela 7_ Valores neperianos do Crescimento da População Mundial de 1960 a 2110................................................................................................................................. 128 Tabela 8_ Crescimento da População Mundial e dos valores Neperianos, de 1960 a 2110.................................................................................................................................. 129 Tabela 9_ Miligramas de Prozac presentes no organismo no tempo t, em dias.............. 131 Tabela 10_ Variação do peso em quilogramas de uma pessoa que realizou cirurgia de estômago........................................................................................................................... 135 Tabela 11_ Variação do peso da pessoa após a cirurgia................................................. 137 11 INTRODUÇÃO A presente dissertação relata experiências de ensino numa primeira série do Ensino Médio de uma escola pública da região central do estado do Rio Grande do Sul, utilizando a Modelagem Matemática como estratégia de ensino e aprendizagem, discutindo o tema “Alimentação, Questões sobre Obesidade e Desnutrição”. A pesquisa propôs verificar as possibilidades metodológicas oferecidas pela Modelagem Matemática para a melhoria da aprendizagem, dos conteúdos de Funções e Estatística. O texto apresenta-se fragmentado em diferentes seções, onde a primeira apresenta o histórico profissional da autora, como professora na Educação Básica, um quadro teórico sobre o ensino da Matemática e a formação do professor, com abordagem da legislação vigente no Brasil, e, posteriormente, encontram-se o problema e os objetivos da pesquisa. A segunda apresenta a metodologia da pesquisa que foi do tipo pesquisa-ação e teve umaabordagem qualitativa, baseada em questionários e observações das atividades desenvolvidas pelos alunos. Na terceira seção são apresentados conceitos e reflexões relativas à Modelagem Matemática, algumas experiências desenvolvidas utilizando-a como estratégia de ensino em diferentes níveis e, apresentadas considerações sobre o tema escolhido para as atividades de Modelagem desenvolvidas nesta pesquisa, “Alimentação: Questões sobre obesidade e desnutrição”. Na quarta seção são descritas e analisadas as atividades desenvolvidas com os alunos, que propuseram e resolveram situações-problema a partir do tema proposto e assumiram um papel ativo no processo de ensino e aprendizagem. Os conteúdos de Funções e Estatística foram estudados através da construção de modelos matemáticos, discutindo diferentes assuntos relacionados ao tema geral. Para finalizar, são apresentadas as considerações finais sobre a pesquisa, abordando as dificuldades enfrentadas durante a realização das experiências com Modelagem Matemática, bem como as possibilidades oferecidas para a melhoria da aprendizagem dos alunos. 1 AS EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS DA PROFESSORA-PESQUISADORA, A REALIDADE DO ENSINO DA MATEMÁTICA, O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA 12 Este item inclui, primeiramente, um breve histórico da vida profissional da professora-pesquisadora que realizou esta pesquisa. Posteriormente, é apresentado um relato sobre o ambiente em que a pesquisa foi desenvolvida, especificando a localização e algumas características da escola e da turma de alunos. Para finalizar, é apresentado um suporte teórico sobre o ensino de Matemática na atualidade e as perspectivas frente às constatações da prática pedagógica da autora, fontes incentivadoras para o problema e objetivos da pesquisa. 1.1 Histórico Profissional A professora-pesquisadora, autora da presente pesquisa, iniciou sua carreira como regente de classe em séries iniciais do Ensino Fundamental, na rede municipal de ensino do município de São Pedro do Sul, RS, no mesmo período em que iniciou a graduação em Licenciatura Plena em Matemática. Essa primeira experiência profissional, na área pedagógica, deu-se porque possuía o curso de Magistério como formação em nível médio de escolaridade. Também como professora municipal desempenhou a profissão de professora no Ensino Fundamental, na disciplina de Matemática, paralelamente à realização da graduação. Durante esse período, trabalhou com alunos da periferia da cidade de São Pedro do Sul, RS. Na maioria, crianças e adolescentes que residiam em lares, nos quais, muitas vezes, não existia apoio para suas vidas escolares. Nessa fase da carreira, a professora-pesquisadora deparou-se com a falta de envolvimento da família na educação dos filhos. Percebeu a falta de participação dos alunos nas aulas de Matemática, vivenciou a angústia e a preocupação causadas pelas dificuldades de aprendizagem apresentadas, refletidas em elevados índices de reprovações e, ainda, a falta de recursos, tanto familiares, quanto na própria escola, para modificar esta realidade. Ainda como professora da rede municipal de ensino, trabalhou junto à equipe da supervisão da Secretaria Municipal da Educação e da Cultura da mesma cidade, quando buscou auxiliar o trabalho de professores de Séries Iniciais do Ensino Fundamental, com orientações e materiais didáticos. Posteriormente, desempenhou o cargo de Secretária Municipal de Educação do referido município, quando deu continuidade ao trabalho de apoio aos docentes nas diferentes áreas do ensino fundamental e passou a envolver-se, também, com a área cultural da cidade. 13 Após a experiência na rede municipal, como regente de classe no Ensino Fundamental, como supervisora e como Secretária Municipal da Educação, assumiu o cargo de professora de Matemática junto à rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, para o Ensino Médio, o qual desempenha até a presente data. Assumiu a responsabilidade de vice-diretora de escola, trabalhou junto à coordenação pedagógica e como regente de classe nos níveis fundamental e médio e na Educação de Jovens e Adultos, na Escola Estadual de Ensino Médio Afonso Maurer, localizada no município de Toropi, onde trabalha até a atualidade. A professora-pesquisadora realizou o curso de Especialização em Gestão Educacional com ênfases em Administração, Supervisão e Orientação Educacional e está finalizando o curso de Mestrado Profissionalizante. A maioria dos alunos da escola, onde trabalha atualmente, reside na zona rural do município de Toropi e, diferente dos alunos da periferia do município de São Pedro do Sul (embora muitos também enfrentem a problemática da desestrutura familiar), contam com maior envolvimento dos familiares em sua vida escolar. As famílias, de maneira geral, valorizam a vida escolar de filhos e netos, e isso faz com que os alunos se envolvam e assumam suas responsabilidades com a vida escolar. Essa realidade contribui de forma positiva para o envolvimento dos alunos nas atividades. Mas, mesmo assim, há casos de desinteresse e de dificuldades de aprendizagem em Matemática. As experiências, como professora de Matemática, embasam a convicção de que não basta oferecer escolarização, é preciso ofertar uma educação que atenda às necessidades de formação do aluno como ser social crítico e apto a agir em sociedade. No entanto, diferentes realidades no ensino da Matemática, mostram que os conteúdos trabalhados na escola têm pouco contribuído para essa formação. Percebe-se que a necessidade de uma participação efetiva da família na educação escolar colabora para a melhoria do desempenho dos alunos em sala de aula, bem como um envolvimento maior das políticas públicas de investimentos em Educação. Aliada a essas importantes necessidades está o envolvimento do professor, principalmente quanto às metodologias de ensino utilizadas, que precisam ser repensadas. Dada a forma como as aulas de Matemática, muitas vezes, são conduzidas, desvinculadas da realidade, os alunos não reconhecem a relevância e a aplicabilidade dos diferentes conteúdos matemáticos. Assim, na maioria das vezes, os alunos apresentam-se desinteressados para a realização das atividades propostas em sala de aula. 14 Diversas são as literaturas que clamam por novas posturas dos professores de Matemática e para a conquista de melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem dessa disciplina. Vive-se um momento de transição na sociedade, de maneira geral, onde os avanços tecnológicos são constantes e ocorrem de forma acelerada. A escola também vivencia diferentes transformações, mas não acompanha esses avanços. Os professores, principais responsáveis pelos resultados da educação escolar, buscam a melhoria da sua atuação pedagógica. Na busca pela prática de um ensino que oportunize a percepção dos conhecimentos matemáticos como ferramentas para diferentes situações do cotidiano e, conseqüentemente, para a contemplação do interesse e da participação dos alunos, surgem diferentes metodologias de ensino. Dessa forma, de anseios e inquietações provocados pela própria prática docente da autora, como professora no ensino de Matemática na Educação Básica, surgiu a presente pesquisa, que apresenta experiências de ensino utilizando uma metodologia que possibilita a abordagem de assuntos reais em sala de aula. 1.2 O Ambiente da Pesquisa A pesquisa de campo foi realizada no segundo semestre do ano de 2005, com alunos de uma turma de primeira série do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Médio Afonso Maurer, localizada no município de Toropi, no estado do Rio Grande do Sul. Essa turma foi escolhida pela professora-pesquisadora entre as turmas com as quais trabalhou nesse ano.A justificativa da escolha de uma turma em específico residiu no fato de que esta possuía diferentes aspectos em sua composição: alunos com facilidade de aprendizagem, outros com dificuldades de aprendizagem e alunos repetentes. Dadas essas características, a regente julgou a classe como uma turma rica em diversidade para a realização da pesquisa, acreditando que poderia contribuir para a riqueza das considerações relativas às atividades. A seguir, é apresentada uma pequena contextualização da realidade em que se desenvolveram as atividades propostas para a presente pesquisa. O município de Toropi, emancipado em 22 de outubro de 1996, e formado basicamente por pequenas propriedades rurais e algumas formas de comércio, possui 3.175 habitantes e uma área de 203,5 km². A população rural é maioria, composta de 2.876 15 habitantes, enquanto que apenas 299 pessoas residem na zona urbana. Esse município localiza-se na região central do estado do Rio Grande do Sul, e dista 57km de Santa Maria. As pequenas propriedades, de maneira geral, praticam a agricultura de subsistência, onde os membros da família trabalham na lavoura e com o gado, incluindo os filhos desde a pouca idade. A agricultura é diversificada com lavouras de milho, mandioca, feijão, arroz e fumo, sendo este em grande quantidade. A pecuária apresenta criação de ovinos, suínos, gado de corte e gado leiteiro em grande proporção. A piscicultura e a criação de avestruzes há pouco tempo foram introduzidas no meio produtivo. Os produtores rurais do município contam com uma forte cooperativa, que armazena e comercializa os grãos e o leite produzidos em Toropi e na região. Todas as localidades do interior do município são servidas pelo transporte escolar, que é mantido pela prefeitura municipal e atende a maioria dos alunos da escola, em todos os turnos. A rede de ensino do município possui cinco escolas municipais e três escolas estaduais, entre as quais a Escola Estadual de Ensino Médio Afonso Maurer, que possui 444 alunos, 40 professores e 5 funcionários. Fundada em 13 de março de 1941, teve a implantação do Ensino Fundamental completo no ano de 1994, a implantação do Ensino Médio em 1999 e da Educação de Jovens e Adultos em 2002. Atualmente a escola possui alunos em turmas do Ensino Fundamental e Médio nas modalidades Regular e Educação de Jovens e Adultos, tendo seu funcionamento nos três turnos: manhã, tarde e noite. A escola possui 12 salas de aula, uma biblioteca, um laboratório de ciências, um ginásio de esportes e um galpão crioulo. A escola possui a Banda Marcial Toropi, que é mantida pela prefeitura municipal e composta por alunos da Escola Afonso Maurer, motivo de muito orgulho a todos que participam e acompanham suas apresentações. É uma banda composta por uma variedade de instrumentos de sopro e percussão, e os ensaios são realizados na própria escola. A escola possui três coordenadores pedagógicos, três vice-diretores, um diretor e uma agente educacional. O Ensino Fundamental Regular é composto pela 1ª, 2ª, 3ª e 4ª série com ensino globalizado e 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries por disciplina. O Ensino Médio, também organizado por disciplinas, é formado por três séries: 1ª, 2ª e 3ª. Na Educação de Jovens e Adultos, o Ensino Fundamental é organizado por etapas, sendo distribuído como totalidades 1, 2 e 3, com ensino globalizado; totalidades 4, 5 e 6, por disciplinas e o Ensino Médio é formado pelas totalidades 7, 8 e 9, também por disciplinas. O 16 regime adotado para o Ensino Regular é anual e para a Educação de Jovens e Adultos – EJA é semestral. Quanto aos recursos pedagógico-tecnológicos, a escola dispõe de um vídeo cassete, dois aparelhos de DVD e dois televisores. Na escola existem três computadores, sendo um de uso exclusivo da secretaria e os outros estão disponíveis para uso de todos os professores, em seus planejamentos, para a Coordenação Pedagógica, vice-direção e digitação das notas fiscais, pois a escola participa de um Programa Fiscal do governo do estado, que possibilita uma arrecadação financeira extra de recursos. No ambiente escolar não há disponibilidade de computadores para os alunos. A escola participa do Programa Especial de Ingresso ao Ensino Superior – PEIES, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, o qual consiste na oferta de vagas para os diferentes cursos de ensino superior daquela universidade. O Programa aplica provas escritas ao final de cada série aos alunos inscritos, envolvendo todas as disciplinas estudadas. Os planos de estudo são elaborados pelos professores, em reuniões por disciplinas afins e os planos de trabalho são realizados anualmente por cada professor, por turma e por disciplina, atendendo ao tema gerador e aos eixos temáticos escolhidos em reuniões com os professores e coordenação pedagógica. O tema gerador do ano letivo de 2005, escolhido pelos professores e alunos, denominado “Educação e Cidadania”, possibilitou que fossem desenvolvidos diferentes trabalhos com os alunos, visando influir, de alguma forma, na qualidade de vida de cada um deles, como cidadãos. Os planos de Matemática são elaborados pelos professores de cada série que têm buscado atender aos programas fornecidos pela UFSM, com os conteúdos mínimos para as provas do PEIES. Esses programas são elaborados por Comitês compostos por professores de escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul, indicados pelas entidades relacionadas a elas. A autora desta pesquisa é integrante do Comitê de Engenharia e Programas da Universidade Federal de Santa Maria. A escola dispõe de duas professoras de Matemática, cujos horários não são suficientes para atender todas as turmas e, por esse motivo, algumas turmas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio são atendidas por uma professora formada em Pedagogia e por um professor formado em Química, que se disponibilizam em atuar com essa disciplina. Dada a falta de professores titulados em Matemática para trabalhar na escola, além da atuação de professores de outras áreas no ensino dessa disciplina, registra-se a necessidade 17 das duas professoras tituladas em Matemática trabalharem com carga horária excedente, para atender à demanda. A avaliação dos alunos é determinada pelo regimento escolar, elaborado pelos professores, em conjunto com os pais e alunos. Esta é realizada bimestralmente, sendo quatro avaliações por ano, cada uma com a pontuação máxima de 100 (cem) e a nota anual é calculada fazendo-se a média aritmética simples entre elas. Ao aluno que não obtém o valor mínimo de 50 (cinqüenta) para a nota anual, é oferecido um período, paralelo e ao final do ano letivo para estudos de recuperação, sendo realizadas novas avaliações para verificar a melhoria da aprendizagem. A turma de alunos escolhida para a realização das atividades de Modelagem Matemática, planejadas para a presente pesquisa, era composta de dezoito (18) alunos, sendo três (3) rapazes e quinze (15) moças, dos quais quatro (4) residiam na zona urbana do município e quatorze (14) da zona rural. A presente pesquisa consistiu em uma experiência de ensino utilizando a Modelagem Matemática como estratégia pedagógica, com abordagem de um tema social em sala de aula. Para a realização das atividades com os alunos, delimitaram-se os conteúdos de Função Exponencial, de Função Logarítmica e de Estatística, para atender à seqüência do programa anual constante nos planos de estudo da professora e para dar credibilidade às possibilidades de concretização das etapas de Modelagem Matemática propostas na metodologia de pesquisa. 1.3 O Ensino da Matemática no Brasil O grau de escolaridade da população brasileira tem causado diferentes ações de políticas públicas para a educação, mas se sabe que os índices são muitobaixos. Analogicamente, os índices de reprovação e evasão são altos, especialmente no Ensino Médio. As precárias infra-estruturas e a falta de professores são problemas que afetam a qualidade do ensino, que não prepara o jovem nem para a vida e nem para o trabalho, objetivos centrais, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN 9394/96. Além disso, o ensino médio não tem aprovado a maioria dos jovens para o ensino superior. 18 Nesse contexto, o Ensino Fundamental tem como objetivos, basicamente, segundo a LDBEN 1996, o desenvolvimento da capacidade de aprender, a compreensão da realidade natural e social, e o fortalecimento dos vínculos familiares e de solidariedade humana. Mas o que se percebe são dificuldades em concretizá-los. Esses fatores transparecem a fragilidade da educação básica no país e se refletem no ensino da Matemática, componente curricular de grande importância para a formação do aluno. O ensino da Matemática no Brasil, de maneira geral, não oportuniza situações para a construção do conhecimento, o que dificulta a conquista de uma aprendizagem significativa. Há uma concordância básica com as teorias da reprodução: a escola, refletindo injustiças sociais, participa para a reprodução de desigualdades e privilégios. Schliemann (1995), relata uma pesquisa realizada junto a crianças e adolescentes sobre a aplicação de dois testes com questões que envolviam cálculos matemáticos, sendo o primeiro teste informal e o segundo, um teste formal. O teste informal consistia em questionamentos que envolviam basicamente atividades de comércio, onde os alunos deveriam realizar cálculos como multiplicações, divisões, adições ou subtrações para responder questões envolvidas em um contexto. O teste formal, por sua vez, apresentava listagens de cálculos, envolvendo as mesmas operações, mas sem envolver qualquer situação cotidiana. Através das respostas ao teste informal, houve a conclusão de que os alunos apresentaram maior facilidade em realizar os cálculos necessários para responder às questões, referentes a um processo de compra de determinado produto. Para Schliemann (1995), os resultados indicaram uma decisiva influência do contexto sobre a solução de problemas de matemática [...], dos 63 problemas apresentados no Teste Informal, 98,2% foram resolvidos corretamente, enquanto que no Teste Formal, apenas 36,8% das operações e 73,7% dos problemas foram resolvidos corretamente (p. 34). Esta experiência reforça que os conhecimentos prévios dos alunos, bem como a vivência, influenciam decisivamente na aprendizagem e, com isso, a escola precisa oferecer situações de resolução de problemas para que o aluno construa modelos lógico-matemáticos adequados à situação em estudo. Atualmente, percebe-se uma grande distância entre as situações cotidianas e as situações escolares, de maneira geral, o que precisa ser superado. O ensino médio, 19 especialmente, é crucial para a formação intelectual e social do jovem, pois é onde precisa aprimorar conhecimentos, descobrir suas vocações e desenvolver competências. Mas a apresentação da Matemática em sala de aula, como algo pronto e acabado, não proporciona situações para isso. Dessa forma, pode conduzir o aluno ao desinteresse e dificuldades de aprendizagem, constatadas nos elevados índices de evasão e de reprovação nas escolas brasileiras. O ensino da Matemática na forma de transmissão de definições extraídas de livros didáticos, muitas vezes de qualidade discutível, onde o professor é o agente do processo e o aluno, passivo, repete o que foi explicado através de exercícios de fixação, na maioria das vezes, desvinculados da realidade, faz com que os conteúdos se apresentem sem sentido para o aluno. Na maioria das escolas, o conteúdo matemático torna-se uma grande rede de informações, onde há a preocupação em “vencer uma listagem de conteúdos”, apresentando- se mais seletivo do que formativo. Essa realidade provoca desconforto em professores que, comprometidos com o seu papel social, buscam alternativas para melhorar a qualidade do ensino, partindo da reflexão sobre o processo metodológico adotado, mas que muitas vezes se sentem inseguros. Para Rays (2000), a educação escolar exige uma opção metodológica, que realize a mediação entre: teoria e prática, pensamento e ação, sujeito e objeto, esferas heterogêneas da vida (vida cotidiana) e esferas homogêneas da vida (vida não-cotidiana), entre o saber que o educando domina e o saber que o educando não domina, e, enfim, entre as relações não-conscientes com o mundo (mecânicas) e as relações conscientes com o mundo (p. 68). O professor tem a consciência de que é preciso relacionar a teoria com a prática, ou seja, os conteúdos matemáticos precisam ser trabalhados em sala de aula como recursos para situações cotidianas. Skovsmose (2004), escreve sobre a importância em intensificar a interação entre Educação Matemática e Educação Crítica, para que seja possível desenvolver nos alunos uma atitude crítica na sociedade tecnológica que nos é imposta. Segundo Skovsmose, existem questões relacionadas com um currículo crítico, que incluem a aplicabilidade do assunto, os interesses e os pressupostos por detrás do assunto, as funções do assunto e as limitações do mesmo. Para ele, “o processo educacional deve ser entendido como um diálogo” (p.18). 20 Diante da necessidade de um ensino que proporcione a percepção das relevâncias dos conteúdos matemáticos, o currículo escolar deve proporcionar situações para que o aluno, deixando de assumir o papel de receptor, interfira no caminho a ser criado para a construção do processo ensino-aprendizagem, abrindo espaço para o contexto de vida do aluno no ambiente escolar. Percebe-se a importância da posição crítica do professor que tem como responsabilidade a elaboração dos planos de estudo. Para isso é preciso que se reflita sobre quais os conceitos fundamentais, para que ensiná-los e quais as metodologias a serem adotadas. O debate sobre o ensino da Matemática cada vez amplia-se mais, e pode-se perceber que os ambientes escolares estão sofrendo mudanças, embora ainda persistam resistências a situações desconhecidas. A formação do aluno precisa voltar-se para o fomento da autonomia, da elaboração e da construção das próprias interpretações, ao invés de ser apenas um receptor de produtos culturais pré-estabelecidos. Tudo isso implica na adoção de um novo fazer pedagógico, de uma nova forma de ensinar e de aprender. Os conteúdos precisam ser concebidos como um meio para o desenvolvimento de capacidades gerais, dando-se sentido aos conteúdos. No entanto, diante da falta de motivação e de interesse dos alunos, muitos professores perguntam-se “o que posso fazer para que meus alunos se interessem pelo que ensino e para motivá-los a se esforçarem para aprender?” (TAPIA, 2003, p. 104). Sabendo-se que essa pergunta é eminentemente prática, para respondê-la é preciso que o professor reflita sobre a forma como cria contextos de aprendizagem e como se dá a participação dos alunos, refletindo sobre o ideal das diretrizes curriculares nacionais, aprovadas na década passada. Essa reflexão sobre a própria atuação, que é decisiva para sua formação continuada, contribui para a profissionalidade do professor. 1.4 A Formação do Professor de Matemática Geraldo Ávila (1995) relata uma situação vivenciada por muitos professores de Matemática sobre os propósitos do ensino: Acho que todo professor de Matemática já teve a experiência de ser questionado por seus alunos sobre a importância da Matemática e sua utilidade. Eles costumam fazer 21 perguntas deste tipo: “Professor, para que serve toda esta Matemáticaque estamos estudando? Por que a gente tem que estudar todas estas coisas sobre triângulos, polinômios, equações, trigonometria? Afinal, de que vai me adiantar tudo isso na vida?” E o professor freqüentemente se vê em dificuldades para dar respostas satisfatórias. Na verdade, essas perguntas não são fáceis nem breves de serem respondidas (p. 1). Para que o professor possa responder a questões deste tipo é preciso que tenha uma formação de qualidade, comprometida com o desejo de mudanças na sua postura no trabalho em sala de aula. Na formação inicial e continuada de professores, o acesso a novas tecnologias e bibliografias atualizadas podem oportunizar o conhecimento e a interpretação de diferentes estratégias de ensino e recursos tecnológicos, saberes e competências fundamentais para a qualidade de seu trabalho. Para Libaneo (2001) os saberes são as qualificações exigidas para o exercício da profissão, comprovadas mediante diplomas, e as competências são os conhecimentos, habilidades e atitudes obtidas na prática do professor. Os saberes e as competências constituem, segundo ele, a identidade do educador. Essa identidade refere-se a sua profissionalidade, ou seja, os conhecimentos matemáticos necessários e, paralelamente, as competências para o desempenho de sua profissão. Para construir sua identidade o professor precisa basicamente constituir-se em pesquisador e, para Pedro Demo (1990), precisa investir na idéia de motivar o aluno a fazer suas próprias elaborações, sendo necessário que, no desempenho de sua profissão, seja um pesquisador de sua própria prática. Para Sacristán (1998), “a intencionalidade e o sentido de toda investigação educativa é a transformação e o aperfeiçoamento da prática” (p. 101), considerando que a pesquisa em educação não deve ter caráter puramente teórico, correndo o risco, se assim for, de desvirtuar o caráter educativo da investigação. Existem inúmeras pesquisas educacionais que trazem considerações sobre as mudanças necessárias para alcançar a melhoria da qualidade do ensino da Matemática, mas, como afirma Demo (1990), enquanto alguns professores somente pesquisam, a maioria dá aulas e essa realidade faz com que muitas pesquisas não alcancem as realidades escolares. Com isso, agregar teoria e prática na pesquisa, com maior intensidade, além dos muros das academias e da sofisticação instrumental, pode constituir-se em caminho para solidificar mudanças positivas no ensino de Matemática. Um aspecto a ser consideravelmente reavaliado no fazer pedagógico permeia a figura do professor como detentor do saber e do aluno, como receptor. Demo (1990), considera que 22 “predomina entre nós a atitude do imitador, que copia, reproduz e faz prova. Deveria impor-se a atitude de aprender pela elaboração própria, substituindo a curiosidade de escutar pela de produzir” (p. 10). É preciso incorporar, no fazer didático, a busca pela concretização de novos rumos em diferentes aspectos, tais como, pesquisar a própria prática; criar situações de estudo e pesquisa ao aluno; vivenciar a contextualização e a interdisciplinaridade em sala de aula; oportunizar a construção do conhecimento e, com isso, buscar a formação geral do aluno. A contextualização influencia diretamente na produção de significados aos conhecimentos matemáticos pelo aluno, uma vez que possibilita a relação entre teoria e prática. O ensino da Matemática que viabilize a contextualização pode retirar o aluno da passividade no processo educativo. Através da relação entre teoria e prática, os alunos constroem suas competências. Para os PCN’s (1999), através da contextualização o conteúdo de ensino pode provocar aprendizagens significativas e mobilizar o aluno a estabelecer uma relação de reciprocidade entre ele e o conteúdo em estudo. Para que esse contexto seja colocado em prática, no processo de ensino, a formação profissional do professor é fundamental, pois: Nenhuma intervenção no processo de aprendizagem pode fazer mais diferença do que um professor bem formado, inteligente e hábil. Investir na qualidade de ensino é o que mais importa. A preparação do professor tem um efeito direto na realização dos alunos, pois ninguém despende de tanto tempo ou tanta influência sobre os alunos quanto os próprios professores. (ONUCHIC, 1999, p. 211). Dentro dessa perspectiva, na sociedade da informação, a escola já não é a primeira e, muitas vezes, a principal fonte de conhecimentos para os alunos, pois são variadas as formas de acesso a informações no mundo tecnológico em que se vive. Considerando que “o professor deve tomar consciência de sua profissionalidade e do seu poder e responsabilidade em termos individuais e coletivos, entendendo que sua função ultrapassa a mera dimensão pedagógica” (SOUZA, 2002, p.19), este não pode trabalhar somente para transmitir informações, mas, principalmente, para oferecer ao aluno condições de formação crítica, como pessoa capaz de organizar, interpretar e utilizar, da melhor forma possível, as informações que recebe para a sua vida, como cidadão. Com isso, percebendo a relevância de sua função social, o professor precisa estar em constante formação, aliando teoria e prática, para a conquista de um ensino de Matemática cheio de significados para o aluno, construindo, assim, sua própria identidade. Neste ínterim, 23 evidencia-se a existência de inúmeros obstáculos na formação profissional do professor, de maneira geral. As oportunidades de atualização e especialização são escassas. Registram-se as dificuldades encontradas pelos professores que, ao participarem de diferentes cursos, continuam com elevada carga semanal de trabalho. Essa problemática histórica, enfrentada pelos professores que insistem em buscar atualização, precisa ser superada, devendo ser objeto de lutas e conquistas. A atualização constante do professor da Educação Básica é uma forma de investigação sobre a própria prática e pode ser uma forma de integração entre o sistema de educação superior e da educação básica, aliando teoria e prática, na educação. O acesso a conhecimentos produzidos através de investigações acadêmicas possibilita que o professor desenvolva um conjunto de competências para realizar as escolhas necessárias, inclusive entre conteúdos e metodologias. Pensar e repensar teoria e prática, individual e coletivamente, significa oportunizar ao professor seu aperfeiçoamento profissional, como forma de viabilizar a melhoria da qualidade da educação. Para finalizar, constata-se que o aumento de investimentos na formação do professor é essencial, sendo que as mudanças necessárias, frente aos novos parâmetros, exigem seleção, tratamento de diferentes conteúdos e incorporação de metodologias e instrumentos tecnológicos modernos nos estabelecimentos de ensino. 1.5 Parâmetros Curriculares Nacionais e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN/1996 As considerações apontadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s (1999) têm relevância para o presente estudo, bem como as perspectivas estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9394/96. A Lei estabelece no artigo 1º, que a educação escolar “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. Segundo o Art. 2º, a educação “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. 24 Um período de aproximadamente uma década passou desde a aprovação da referida legislação, que clamava por novas posturas nos ambientes escolares de forma a atender o que era decretado. O Ensino Médio passou a ser definido como parte final da Educação Básica e suas finalidades, segundo o Art. 35, da LDBEN(1996), enquadram-senas idéias já expostas, as quais são: I- a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II- a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. De acordo com o Art. 36, parágrafo 1º, os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação, serão organizados de tal forma que ao final do Ensino Médio o educando demonstre: I- domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II- conhecimento das formas contemporânea de linguagem; III – domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania. Mais do que buscar o atendimento das diretrizes e bases da legislação nacional, é preciso buscar a compreensão de qual formação se deseja ofertar aos alunos como cidadãos. Tendo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional como principal referência, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN’s constituem-se em recursos para leitura e reflexão dos profissionais em educação. Através dos PCN’s – Ensino Médio (1999), é proposto um “currículo baseado no domínio de competências básicas e não no acúmulo de informações” (p. 11), e propõem, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à formação específica; o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício da memorização”(p. 16) 25 Porém, é notório que, nos ambientes escolares, reside certa imobilidade frente a necessidade de novas posturas, persistindo a preocupação em atender propostas estabelecidas. O sistema educacional brasileiro, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1999), possibilita um currículo mais flexível, no qual a determinação dos conteúdos mais concretos das diferentes disciplinas não vem fixada em documento oficial. Visando “a formação geral, em oposição à formação específica” (p. 16), os PCN’s (1999) orientam que as diferentes disciplinas trabalhem em grupos de disciplinas, relacionadas por três áreas de conhecimento: a) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, que engloba Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Educação Física, Artes e Informática; b) Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias: Biologia, Física, Química e Matemática; e c) Ciências Humanas e suas Tecnologias: História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Política e Filosofia. Diante da necessidade da formação geral do aluno para a vida do trabalho e cidadania, a rigidez na demarcação das disciplinas escolares torna-se frágil. A aprendizagem se dá de acordo com as capacidades intelectuais do aluno, o que não é compartimentalizado e, se os professores das diferentes disciplinas trabalham juntos, a aprendizagem pode se dar de forma significativa para o aluno. Os Parâmetros Curriculares Nacionais provocam reflexões sobre a rigidez que existe na compartimentalização das disciplinas escolares, destacando que diferentes disciplinas foram diluídas em outras no currículo, em alguns momentos históricos. Através das novas diretrizes para a educação nacional, os estabelecimentos de ensino têm autonomia para determinar o que, como e por que trabalhar nas diferentes disciplinas. Dada essa flexibilidade, faz-se necessário que a escola reflita sobre as metas e as intenções educativas para que se possam elaborar os programas com maior segurança. Pozo (2003) considera que um estabelecimento de ensino, ao sistematizar os conteúdos, tem como função formativa essencial fazer com que os futuros cidadãos interiorizem, assimilem a cultura em que vivem, em um sentido amplo, compartilhando as produções artísticas, científicas, técnicas, etc., próprias dessa cultura e compreendendo seu sentido histórico, mas também desenvolvendo as capacidades necessárias para ter acesso a esses produtos culturais, desfrutar deles e, se possível, renová-los (p. 45). 26 A disciplina de Matemática, detentora de valor formativo, precisa ser uma potente instrumentadora para a vida e para o trabalho. Segundo os PCN’s (1999): todas as áreas requerem alguma competência em Matemática e a possibilidade de compreender conceitos e procedimentos matemáticos é necessário tanto para tirar conclusões e fazer argumentações, quanto para o cidadão agir como consumidor prudente ou tomar decisões em sua vida pessoal e profissional (p. 251). Dessa forma, a Matemática, no Ensino Médio deve ser vista como um conjunto de técnicas e estratégias para serem aplicadas em diferentes áreas do conhecimento e para a atividade profissional. Portanto, não basta apenas rever metodologias de ensino. É preciso oferecer meios para que o aluno estabeleça significados aos conhecimentos matemáticos, construindo saberes e competências necessários para a leitura do mundo. Mas muitos professores, mesmo sabedores das mudanças curriculares que se fazem necessárias, têm dificuldades em realizá-las. Toda atitude que envolve educação deve ser realizada de forma coerente e responsável, pois não se podem realizar mudanças de maneira vaga ou no acaso, já que a escola trabalha com a formação de pessoas e, conseqüentemente, da sociedade. Com destaque, o que se precisa ter como objetivo primordial é a alegria do aprendizado: Quando a escola promove uma condição de aprendizado em que há entusiasmo nos fazeres, paixão nos desafios, cooperação entre os partícipes, ética nos procedimentos, está construindo a cidadania em sua prática, dando as condições para a formação dos valores humanos fundamentais, que são centrais entre os objetivos da educação (PCN’s, 1999, p. 269). As propostas, oficiais ou não, constituem o início de um processo de transformação e é preciso mudar convicções. Isso exige a alteração de hábitos de ensino consolidados há muito tempo, para que se alcance a concretização de um projeto para a juventude e para o país, sendo a profissionalidade do professor um aspecto fundamental para que isso se estabeleça. Logo, a efetivação das mudanças depende de políticas públicas de qualidade, de maiores investimentos em educação no país, do envolvimento da família na vida escolar dos alunos e, principalmente da formação do professor, como o principal responsável pelas novas atitudes que se fazem necessárias para a melhoria do ensino de maneira geral. 27 1.6 Perspectivas para o Ensino da Matemática Da sociedade atual, em que a desigualdade social é alarmante, os ideais que se esperam residem na possibilidade de mudanças para melhorias na qualidade de vida da maioria da população. A sociedade requer pessoas capazes de atuar de forma transformadora e consciente, e que sejam felizes, e a escola desempenha papel decisivo para isso. Assim, evidencia-se a necessidade de uma formação geral do aluno para que possa, em sociedade, construir um mundo melhor, com menos desigualdades sociais, e repleto de solidariedade humana. Para isso, a escola precisa oferecer oportunidades para que o aluno aprenda a pensar, solucionar problemas e desenvolva competências para ser e fazer. Nesse intento, é preciso, ao invés do acúmulo de informações, proporcionar ao aluno um ambiente que provoque o desenvolvimento de competências e habilidadespara enfrentar a realidade, pois, dessa forma, o aprendizado influenciará como meio de tomada de consciência crítica, interferindo em sua formação como cidadão criativo e transformador da realidade. Os conteúdos trabalhados no ambiente escolar precisam relacionar-se entre si, entre as disciplinas e com a realidade sócio-cultural dos alunos, para que sejam percebidos com significado. O ensino da Matemática, que se apresenta, de maneira geral, nos estabelecimentos de ensino brasileiros, alheio ao contexto do aluno, precisa ser repensado. Diante disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) para o Ensino Médio (MEC/SEMT, 1999), propõem que o currículo escolar busque a formação geral do aluno, em oposição à formação específica, apontando para a necessidade do desenvolvimento da sua capacidade “de pesquisar, de buscar informações, bem como de analisá-las e selecioná-las, para que se desenvolva a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização” (p.16), que estão presentes nos princípios gerais expressos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96. No caso específico da Matemática, é necessário que se conquistem estratégias de ensino e aprendizagem que contribuam para sua compreensão e uso. Ela não é simplesmente uma ciência importante porque será útil mais tarde na vida do aluno, mas, como afirma Bassanezi (2002), porque sua disponibilidade pode ser utilizada como ferramenta para a vida e instrumentadora para o trabalho, por ser parte integrante de nossas raízes culturais, por ajudar a pensar com clareza, a raciocinar melhor e, por seu valor estético, cuja apreciação 28 resultará da forma como o jovem terá contato com a Matemática, percebendo suas relações com os fatos reais. Ao privilegiar um ensino voltado para os interesses discentes, deve-se desvincular a prática docente da perspectiva de transmissão de conhecimentos e passar a adotar uma prática onde o aluno é o agente do processo e o professor, como orientador, oportunizar-lhe-á meios para a compreensão do que está sendo estudado. O físico norte-americano, Richard Feynman (1985) apud Bassanezi (2002), descreveu sua perplexidade diante do rumo que estava tomando o sistema educacional brasileiro, quando de sua visita ao Brasil, na década de 50: “[...] assisti a uma aula na Escola de Engenharia – [...] Dois corpos são considerados equivalentes se momentos iguais produzem acelerações iguais. Os alunos estavam todos ali sentados a copiar o ditado e, o professor, repetia a frase [...]. Eu era o único que sabia que o professor estava falando sobre momentos de inércia, o que era difícil de descobrir. Não via como eles poderiam aprender alguma coisa daquela maneira. Ali estava ele falando de momentos de inércia, mas não se discutia a dificuldade em abrir uma porta, empurrando-a, quando pusermos peso na parte de fora, comparada com a dificuldade se os pesos estiverem perto dos gonzos – nada![...] Os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o significado de nada...”(p. 176). A visita aconteceu na década de 50 e o fato descrito pelo físico ainda é realidade no ensino brasileiro, tanto na Educação Básica quanto na Educação Superior. Ao manter um ensino basicamente tradicional, desvinculado da realidade do aluno, a escola acaba por não atender às necessidades deste aluno e, conseqüentemente, da própria sociedade, e, assim, tende a perder o sentido de sua existência. Com isso, os professores vivenciam o desconforto da incerteza se a escola deve proporcionar conhecimentos ou desenvolver competências. Para Barbosa, o grande desafio hoje é transcrever o currículo do “paradigma do exercício” para “cenários para investigação” (informação verbal)1. Esse professor descreve o paradigma do exercício como aquele em que o professor explica o conteúdo, apresenta alguns exemplos da sistematização para resolvê-los e propõe uma lista de exercícios para que o aluno repita o processo mostrado, constituindo-se, assim, uma “zona confortável” para o educador. Os cenários para investigação representam uma “zona de risco”, segundo classifica Barbosa, 1 Informação obtida de Jonei Cerqueira Barbosa, na palestra Modelagem Matemática na Escola: Currículo e Questões Didáticas, proferida no Curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, em Santa Maria, no dia 27 de maio de 2005. 29 onde as atividades que surgem não estão programadas pelo professor. Os alunos pesquisam os dados e surgem discussões que comumente não aconteceriam em aulas de Matemática. Dada a relevância da Matemática e sua aplicabilidade em diversas atividades sociais e profissionais destaca-se o pensamento de Almeida (2003), a qual reforça a idéia de que se deve abrir espaço em sala de aula para atividades de investigação, não apenas porque permitem a abordagem dos conteúdos, mas, sobretudo, porque possibilitam a concretização dos objetivos do ensino da Matemática, que permeiam a busca de uma formação do aluno como cidadão, capaz de produzir conhecimento, ao invés de somente repetir. Nesse sentido, o professor precisa preocupar-se com a necessidade de oportunizar o desenvolvimento de valores e atitudes fundamentais para que o aluno aprenda a aprender, como alerta o texto constante nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (MEC/SEMT,1999), quanto às características que devem ser demonstradas pelo aluno, para que o ensino de Matemática assuma suas responsabilidades frente à formação deste aluno: (...) a iniciativa na busca de informações, demonstrar responsabilidade, ter confiança em suas formas de pensar, fundamentar suas idéias e argumentações, essências para que o aluno possa aprender, se comunicar, perceber o valor da Matemática como bem cultural de leitura e interpretação da realidade e possa estar melhor preparado para sua inserção no mundo do conhecimento e do trabalho (p. 258). Para que o aluno tenha acesso aos conhecimentos mínimos e seja um sujeito atuante na sociedade atual, que é cada vez mais exigente que a escola acompanhe os avanços da sociedade e proporcione ao aluno situações de construção do seu próprio conhecimento, desenvolvendo habilidades e competências para que ele possa lidar com as mais diversas situações. São necessárias mudanças ligadas não somente aos conteúdos a serem ensinados, mas aos métodos a serem utilizados no processo de ensino e aprendizagem. Aurélio (2001) define competência como “capacidade, aptidão” (p.177) e habilidade como “sf.qualidade de hábil. Altas habilidades (grifo do autor). Educ.Notável desempenho e elevada potencialidade de capacidade intelectual, aptidão específica, capacidade de liderança, talento especial para artes, etc.” (p. 387). Perrenoud (1999, p.7) define competência como “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”, considerando, ainda, que as competências são aquisições e aprendizados. 30 Para ele, a escola ainda resiste em trabalhar com uma abordagem por competências por diferentes motivos, dos quais cita a organização curricular e a facilidade da avaliação do aluno quanto ao acúmulo de conhecimentos do que pelas suas competências. Para isso, é preciso dar significado ao conhecimento matemático através de situações que relacionem os conteúdos entre si e com as demais áreas do conhecimento de forma interdisciplinar, evitando a compartimentalização e incentivando a capacidade de aprender do aluno. Para Barbosa (s.d.) apud Silveira (2004): [...] a matemática pode servir como ‘poder para alguém’, agindo como um instrumento de controle social, pois, afinal,os números governam o mundo, decisões são tomadas a partir de fórmulas, de cálculos, de estatísticas, planejamentos de governo são decididos através da matemática, decisões estas que afetam as vidas de todos aqueles que a elas se submetem. (p. 1) Nesta perspectiva, é preciso que o ensino de Matemática se aproxime dos fatos envolvidos no ambiente do aluno, mostrando que essa ciência está presente em sua vida e não apenas no seu caderno de aula ou em livros didáticos, muitas vezes sem sentido para sua realidade. Com isso, o professor precisa incorporar a pesquisa no seu fazer didático e partir para a implantação de novas metodologias, aplicando estratégias de ensino diferenciadas para conquistar o interesse do aluno. Sabe-se que, para melhorar a qualidade do ensino, é preciso contemplar o aluno com uma aprendizagem significativa, o que requer a implantação de novas políticas públicas voltadas para a educação, maiores investimentos em recursos tecnológicos, melhoria e ampliação de infra-estruturas, tanto nas escolas quanto nas instituições formadoras de professores. Para Fiorentini (1995): O aluno aprende significativamente Matemática, quando consegue atribuir sentido e significado às idéias matemáticas – mesmo aquelas mais puras (isto é, abstraídas de uma realidade mais concreta) – sobre elas, é capaz de pensar, estabelecer relações, justificar, analisar, discutir e criar” (p. 32). Se o aluno faz a relação entre o conteúdo estudado e a prática, terá uma aprendizagem significativa. E uma das formas significativas de compreender a Matemática é entendê-la aplicada a questões que envolvem as relações financeiras, políticas ou estatísticas, associadas a significados pessoais, políticos e sociais que diferentes assuntos relacionam. 31 Para Ausubel (1980) citado por Almeida (2005), a aprendizagem significativa pode ser definida como um processo por meio do qual o sujeito que aprende relaciona, de maneira não-arbitrária e substantiva, uma nova informação a um aspecto relevante de sua estrutura cognitiva (informação verbal)2. O conceito central da teoria de Ausubel está voltado para a aprendizagem do aluno em sala de aula, considerando que a influência mais importante está relacionada às estruturas cognitivas que o aluno possui, cabendo ao professor ensinar de acordo com isso. Para Ausubel (apud Moreira, 1983), aprendizagem significativa é um processo pelo qual uma nova informação relaciona-se com um aspecto relevante da estrutura do conhecimento do aluno, contrária a aprendizagem mecânica que Ausubel define como a aprendizagem de novas teorias com pouca ou nenhuma associação a conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva. Considerando que a aprendizagem significativa não deve ser preferida em relação à aprendizagem mecânica, Moreira (1983) considera que “a aprendizagem mecânica é sempre necessária quando um indivíduo adquire informações numa área de conhecimento completamente nova para ele” (p. 64), e refere-se aos conteúdos necessários para que aconteça a aprendizagem significativa. Assim, a aprendizagem mecânica ocorre até que passe a ser significativa, sendo que esta acontece quando o aluno relaciona o conteúdo estudado às estruturas cognitivas que possui, fazendo a relação com seu cotidiano e com seus conhecimentos anteriores. Para que ocorra uma aprendizagem significativa, Moreira (1983) considera que duas condições devem ser manifestadas no processo de aprendizagem: “que o material a ser aprendido seja relacionável (ou incorporável) à estrutura cognitiva do aprendiz” e que haja uma “disposição para relacionar de maneira substantiva e não arbitrária o novo material” (p.65). A atribuição de sentido está intimamente relacionada à aprendizagem significativa e a Modelagem Matemática pois, ao trabalhar assuntos reais, possibilita que os conteúdos matemáticos apareçam dotados de sentido para o cotidiano. Segundo Moreira (1999), a filosofia cognitivista de aprendizagem enfatiza a cognição, o ato de conhecer e como o ser humano conhece o mundo, tratando principalmente 2 Informação obtida de Lourdes Almeida, na palestra Modelagem Matemática na Sala de Aula, realizada no Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, em 19 de agosto de 2005. 32 dos processos mentais e ocupando-se da atribuição de significados, da compreensão, da transformação, do armazenamento e do uso da informática envolvida na cognição. Moreira (1999), ao comentar a teoria da aprendizagem significante de Rogers, esclarece que Rogers, ao invés de apresentar uma teoria de aprendizagem, propõem uma série de princípios de aprendizagem, entre estes, a “aprendizagem significante”. Aprendizagem significante é, para Rogers, mais do que uma acumulação de fatos. É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação da ação futura que escolhe, ou nas suas atitudes e na sua personalidade. É uma aprendizagem penetrante que não se limita a um aumento de conhecimentos (Rogers, 1978). Não é, portanto, a mesma “aprendizagem significativa” de Ausubel (1980), embora não haja inconsistência entre ambas. É que Ausubel focaliza muito mais o aspecto cognitivo da aprendizagem – e a qualificação significativa” vem do significado cognitivo que emerge na interação entre nova informação e o conceito subsunçor especificamente relevante -, enquanto Rogers diz que seu conceito de aprendizagem vai muito além do cognitivo. O “significante” de Rogers se refere muito mais à significação pessoal, i.e., significado para a pessoa (p. 142). Ao admitir que a cognição se dá por meio da construção, chega-se às teorias e metodologias construtivistas, que no ensino, para Moreira (1999) “esta postura implica em deixar de ver o aluno como um receptor de conhecimentos” (p.15). As teorias construtivistas, segundo Moreira, procuram sistematizar o que se sabe sobre a construção cognitiva, já que esta não acontece de forma arbitrária e considera o aluno como agente da construção de sua própria estrutura cognitiva. Segundo a teoria piagetiana, “a teoria do desenvolvimento cognitivo”, comentada por Moreira (1999, p. 95), o indivíduo constrói esquemas de assimilação mentais para abordar a realidade e que o desenvolvimento cognitivo ocorre através de acomodações. Para Vigotsky, segundo Moreira, o desenvolvimento cognitivo não pode ser entendido sem referência ao contexto social e cultural no qual ele ocorre. Com isso, especifica-se a exigência de uma postura de escola que ofereça condições para o aluno aprender a agir no mundo que o cerca. São diferentes experiências de aprendizagem que podem proporcionar a aprendizagem do aluno, vislumbrando-o como centro do processo de ensino e aprendizagem ao invés do professor ou do conteúdo. Para Rogers (apud Moreira,1983), o objetivo do sistema educacional deve ser: facilitação da mudança e da aprendizagem. A sociedade atual se caracteriza pela dinamicidade, pela mudança, não pela tradição, pela rigidez. O homem moderno vive em um ambiente que está continuamente mudando. O que é ensinado torna-se rapidamente obsoleto. Neste contexto, o único homem educado é o que aprendeu a 33 aprender; o homem que aprendeu a adaptar-se e mudar; que percebeu que nenhum conhecimento é seguro e que só o processo de busca do conhecimento dá uma base para segurança (p. 80). A realidade que Rogers se refere em sua teoria, remota os anos 60 e 70, tem relação com a atualidade, onde as mudanças sociais ocorrem ainda com maior rapidez do que aquela percebida pelo enfoque teórico. Moreira (1983), ao comentar a teoria de Rogers sobre aprendizagem significante, considera que uma pessoa aprende significativamente
Compartilhar