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APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE A RADIAÇÃO IONIZANTE E O GERENCIAMENTO DE ACIDENTES COM RESÍDUOS RADIOATIVOS Gabrielle Menezes dos Santos 1 Josiclay dos Santos Nogueira Silva 1 Rebheka Caroline Oliveira Corrêa dos Santos 1 Izabel Cristina Rodrigues da Silva 2 Geísa Izetti Luna 3 ¹ Acadêmico do curso de Tecnólogo em Radiologia da Faculdade LS 2 Especialista em Vigilância Sanitária elo IFAR/PUC-GO 3 Bióloga e Nutricionista pela Universidade de Brasília. Pós-Graduada em Gestão de Segurança de Alimentos pelo SENAC-Rio. Orientadora do IFAR/PUC-GO Resumo O uso da radioatividade tem sido cada vez mais corriqueiro em diversas áreas do conhecimento humano. A utilização da energia nuclear pode ser de grande proveito, principalmente na área da saúde. É possível estabelecer uma política de uso da radioatividade em benefício de toda a população, porém a utilização dessas tecnologias envolve um risco considerável. Os acidentes envolvendo a radiação são de grandes conseqüências e impactos para a coletividade. Este trabalho, de maneira didática e simplificada, procura enfocar a importância da radioatividade e os cuidados necessários à sua aplicação, pretendendo, assim, focar a relevância do uso de equipamentos de proteção e do respeito às normas estabelecidas. Palavras-chave: Radiação ionizante. Proteção Radiológica. Rejeitos Radioativos. Abstract The use of radioactivity has been increasingly commonplace in many areas of human knowledge. The use of nuclear energy can be of great benefit, especially in healthcare. You can establish a policy for the use of radioactivity for the benefit of the entire population, but the use of these technologies involves considerable risk. Accidents involving radiation are major consequences and impacts for the community. This work, in a didactic and simplified, focuses specifically on the importance of radioactivity and the care needed for their application, intending thus focus on the relevance of the use of protective equipment and compliance with the standards set. Keywords: ionizing radiation. Radiological Protection. Radioactive Waste. 1 INTRODUÇÃO De uma maneira simplificada podemos dizer que a radiação ionizante é aquela com energia suficiente para arrancar um elétron de seu orbital, a qual podemos destacar o Raio-X (fonte artificial), e os raios gama (fonte natural). A radioatividade emitida por uma fonte natural ocorre quando há a desintegração de um elemento (OKUNO; YOSHIMURA, 2010). Muitos dos radionuclídeos gerados artificialmente podem entrar em contato com os seres humanos através de acidentes nucleares, que contaminam os indivíduos que entrarem em contato com objetos ou alimentos contagiados, como foi o caso dos moradores de Goiânia, após o acidente nuclear causado pelo Césio-137, que expôs diversas pessoas que tiveram contato com a fonte radioativa (OKUNO, 2013). Esse acidente foi classificado como um acidente de nível 5, pois trouxe diversas mortes como conseqüência. Não podemos esquecer ainda os vários rejeitos radioativos que hoje estão no depósito radioativo localizado em Abadia de Goiás. Esses rejeitos estão acondicionados em tambores, caixas metálicas, container e embalagens de concreto e chumbo para minimizar os riscos de contaminação (COSTA et al, 2003). Os efeitos biológicos causados pela radiação são originados quando células do corpo humano são submetidas a um nível elevado de radiação, a qual pode originar efeitos biológicos tais como: estocásticos, determinísticos e agudos (NAVARRO et al., 2008). E para que eles se manifestem o nível de radiação deverá atingir ou até mesmo ultrapassar o limite de dose das células do corpo humano. Podemos citar como efeitos biológicos a mutação, a carcinogênese, e sintomas como eritema, náuseas, catarata e síndromes gastrointestinais, hematopoiéticas, cerebrais e pulmonares . Para que esses efeitos sejam evitados devem-se observar algumas normas de proteção radiológica de otimização, limitação de dose e prevenção de acidentes. Além disso, a utilização dos protetores radiológicos é de fundamental importância (SOUZA; SOARES, 2008). Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é descrever os efeitos das radiações nos seres vivos, discutir medidas de proteção à radiação, sobretudo entre tecnólogos, e manipulação de rejeitos radiativos. 2 METODOLOGIA Para a elaboração deste trabalho de revisão, foram utilizados artigos e livros publicados entre 2000 e 2013. Foram selecionadas legislações, teses e publicações relacionadas à : radiação ionizante, proteção radiológica, resíduos radiotativos. O termo anteriormente destacado foi utilizado como o principal descritor de busca. Os instrumentos de pesquisa utilizados foram: Scielo Brasil, Periódicos Capes, Visa Legis (disponível no portal da ANVISA) e o Google Scholar (Google Acadêmico). 3 EFEITOS DA RADIAÇÃO IONIZANTE, MEDIDAS DE PROTEÇÃO, ACIDENTE E REJEITOS GERADOS 3.1 Efeitos da radiação nos seres vivos Os efeitos ocorrem quando um número de células é submetido a um nível elevado de radiação, onde seu efeito biológico vai depender do tipo de radiação e o tipo de tecido irradiado. A quantidade de células alteradas pode variar, além da sintomatologia, sendo que um número grande de células atingidas podem causar o mal funcionamento do órgão atingido, mas se abranger um número pequeno de células os efeitos poderão ser imperceptíveis (OKUNO, 2013). Quando a radiação interage com a matéria ocorre transferência de energia, o que pode provocar ionização e excitação de átomos e moléculas associadas, ocasionando alterações que podem ser temporárias ou permanentes nestas células levando consequentemente aos efeitos biológicos (VELUDO, 2011). Os efeitos biológicos são respostas naturais do organismo a um agente agressor, ou seja, é o resultado da interação da radiação com a matéria e pode ser reversível ou não dependendo basicamente do tempo de exposição (imediato ou tardio), do nível de dano (somático ou genético) e da dose absorvida (estocástico ou determinístico) (VELUDO, 2011). 3.1.1 Efeitos estocásticos Nos efeitos estocásticos ocorre uma transformação celular, ou seja, ocorre uma alteração aleatória no DNA de uma única célula que, no entanto, continua a reproduzir-se, não necessitando que um limiar de dose seja alcançado para que isto ocorra, pois uma dose mínima de radiação pode causar este dano. Estes efeitos são cumulativos e podem aparecer manifestações em meses ou anos após a exposição à radiação. Caso ocorram em células germinativas, podem ocasionar os efeitos hereditários. As consequências mais comuns deste efeito é a mutação e a carcinogênese (VELUDO, 2011). 3.1.2 Efeitos determinísticos Os efeitos determinísticos se manifestam quando um limiar de dose é alcançado, ocasionando morte celular, sendo importante mencionar que indivíduos possuem limiares diferentes. Portanto para que ele ocorra é necessário que haja uma exposição a altas doses de radiação. As alterações que ocorrem são somáticas e quando a morte celular não for compensada podem ocorrer alguns efeitos clínicos ou patológicos, como esterilidade, eritema, necrose celular, leucopenia, anemia, hemorragia, cataratas, náuseas e alterações fibróticas em órgãos internos (VELUDO, 2011). 3.2 Efeitos agudos da radiação Os efeitos agudos da radiação são resultado de uma irradiação extremamente alta ao corpo inteiro, que podem provocar modificações nas células mais sensíveis do organismo e podem se manifestar em horas, dias ou semanas após a exposição. Estes efeitos se dividem em síndrome hematopoiética, síndrome gastrointestinal,síndrome pulmonar e síndrome cerebral. (VELUDO, 2011). O quadro 1 a seguir exemplifica os efeitos da radiação de acordo com as doses de absorvidas. Quadro 1– Efeitos agudos da radiação em adultos. FORMA DOSE ABSORVIDA SINTOMATOLOGIA Hematopoiética 2-6 Gy Função medular atingida: linfopenia, leucopenia, trombocitopenia, anemia Gastrointestinal 4-7 Gy Diarréia, vômitos, hemorragias (morte em 5-6 dias) Pulmonar 8-9 Gy Insuficiência respiratória aguda, coma e morte entre 14 e 36 horas Cerebral Superior a 10 Gy Morte em poucas horas por colapso Fonte: (Nouailhetas, 2003) 3.3 Principais medidas que o tecnólogo em radiologia deve fazer para evitar os efeitos da radiação Para evitar ou reduzir os efeitos da radiação é necessário que o tecnólogo em radiologia siga um conjunto de regras baseadas nos princípios da radioproteção. Um dos princípios é o da Justificação, ou seja, só se justifica o uso da radiação se o benefício for maior que o detrimento e se não houver alternativa diagnóstica ou terapêutica que substitua a mesma. A portaria 453 dividiu o principio da justificação em dois. O primeiro é genérico e diz que qualquer prática de exposição médica que utilize radiação ionizante deve ser previamente justificada e ainda devem ser sempre revista e atualizada caso ocorra o aparecimento de novos dados sobre essas determinadas práticas. (BRASIL, 1998) Já o segundo é a justificativa da exposição individual que ressalta que para cada individuo deve se fazer uma justificativa, especificando portanto cada medida adotada no perfil de cada indivíduo. (BRASIL, 1998) Determina ainda que fica proibida a exposição à radiação para fins não justificáveis tais como: demonstração, treinamentos, exames radiológicos para fins empregatícios ou para rastreamento em massa, exceto se houver ressalvas. (BRASIL, 1998) Outro princípio é o da Otimização; diz que à exposição às radiações deve ser tão baixa quanto razoavelmente exequível. Esse princípio deve ser compatível com os padrões de qualidade de imagem e isso será possível se houver uma seleção adequada de acessórios, equipamentos, garantia de qualidade, procedimentos de trabalho, nível de radiodiagnóstico para cada paciente e restrições de dose para cada indivíduo colaborador. (BRASIL, 1998) Já o princípio da Limitação afirma que deve existir um limite de dose para indivíduos ocupacionalmente expostos e indivíduos ocasionalmente expostos. O valor para limite de dose para indivíduos ocupacionalmente exposto deverá ser: 1. Dose efetiva média anual: 20 mSV em qualquer período de 5 anos consecutivos, não ultrapassando 50mSV em nenhum ano. 2. Dose equivalente anual: 500 mSV para extremidades e 150 mSV para o cristalino não excedendo esses valores. 3. Para gestantes a dose no abdome não deverá exceder 2 mSV durante o período da gestação, e no embrião a dose não poderá exceder o valor de 1 mSV durante este período. 4. Para estudantes em treinamento com idade entre 16 e 18 anos serão: dose efetiva anual de 6 mSV; dose equivalente anual 150 mSV para extremidades e 50 mSV para o cristalino. Sendo que é expressamente proibida exposição ocupacional para menores de 16 anos. 5. Para os indivíduos do público submetidos às praticas radiológicas a dose efetiva anual será restrita a 1mSV não podendo exceder. (BRASIL, 1998) É importante adotar práticas que minimizem os riscos de acidentes. Deve-se levar em consideração que nenhuma instalação de radiodiagnóstico poderá ser construída, modificada, operada ou desativada e também nenhum equipamento de radiodiagnóstico poderá ser transferido, vendido, modificado, operado ou executado sem que seus requisitos estejam de acordo com a portaria 453. (BRASIL, 1998) E para complementar estas regras o tecnólogo deve adotar métodos que visem à redução da radiação como: tempo, blindagem, distância, hábitos de trabalho, sinalização e monitoração. É recomendável o menor tempo possível para a realização dos exames, o uso adequado dos EPIs, uso de técnicas adequadas para cada tipo de exame, posicionamento atrás do biombo, utilização da proteção plumbífera no paciente, além da constante atualização do profissional sobre novos meios de radioproteção (SEARE E FERREIRA, 2002). 3.4 Radiação ionizante É aquela que possui energia suficiente para arrancar um elétron de seu orbital, sendo que esta energia deve ser superior à energia de ligação dos elétrons em relação ao núcleo. Neste processo de ionização formam-se íons ou partículas ionizadas (OKUNO, 2013). De acordo com o espectro eletromagnético, considera-se radiação ionizante os raios x e os raios gama e as radiações não ionizantes são a radiação ultravioleta (UV), luz visível, infravermelho, ondas de rádio frequência e frequência extremamente baixa (VELUDO, 2011). A figura a seguir representa essas radiações. Espectro eletromagnético Fonte: VELUDO, 2011 Estágios da ação Estágio físico : ionização de um átomo com cerca de 10-15 s; Estágio físico – químico : ocorre com as quebras das ligações químicas das moléculas em cerca de 10-6 s de ionização; Estágio químico : ocorre quando em poucos segundos os fragmentos das moléculas se ligam as outras moléculas. Estágio biológico : ocorre quando há efeitos fisiológicos e bioquímicos com alterações funcionais e morfológicas dos órgãos que podem durar dias, semanas ou anos (OKUNO, 2013). 3.5 Fontes de radiação Existem vários tipos de fontes emissoras de radiação ionizante, sendo que estas se dividem em fontes artificiais e naturais. As fontes artificiais são os tubos de raios-x, aceleradores de partículas e reatores nucleares. Já as fontes naturais destacam-se a radiação cósmica e os radionuclídeos (OKUNO, 2013). 3.5.1 Tubo de raios-X O tubo de raios-x consiste em um pólo negativo chamado de anodo (alvo) e um pólo positivo chamado de cátodo. Quando uma diferença de potencial (ddp) é aplicada ao filamento de tungstênio do cátodo, os elétrons formam uma nuvem e são acelerados em direção ao anodo. Quando isso ocorre há o choque dos elétrons no alvo e em sua eletrosfera, ocasionando os processos que irão formar a radiação, sendo o freamento (bremsstrahlung) e o raio-x característico (ROS, 2000). No processo de freamento (bremsstrahlung), o fóton de raio x é formado pelo choque do elétron no anodo, que desacelera o elétron incidente, devido a sua mudança de trajetória. Já na formação dos raios-x característicos os elétrons irão se chocar na eletrosfera do anodo, expulsando um elétron de seu orbital, criando assim uma vacância, e para preencher este vazio um elétron de uma camada mais externa pula para uma mais interna, emitindo um fóton de raio-x (ROS, 2000). Esses processos ocorrem dentro de um tubo de raios-X enquanto uma ddp está sendo aplicada. Então, 99% da energia cinética produzida é transformada em calor e 1% em fótons de raios-x (OKUNO, 2013) 3.5.2 Radionuclídeos Radioisótopos ou radionuclídeos são núcleos radioativos instáveis, devido ao seu número de prótons e nêutrons diferenciados, que buscam sempre a estabilidade. E para alcançar esta estabilização o elemento expulsa o que está em excesso, emitindo partículas radioativas espontaneamente através das desintegrações ou decaimento nuclear (OKUNO, 2013). Os radionuclídeos podem emitir partículas beta menos (négatron), beta mais (pósitron), partícula alfa e radiação gama. Esse processo de emissão de partículas tem como objetivo a estabilização do núcleo de um elemento. Após essas sequências de desintegrações de um elemento, como a perda de partículaalfa os elementos se transformam em outro elemento podendo ser ou não estáveis (OKUNO, 2013). Hoje existem diversos radionuclídeos, sendo de formação natural ou artificial alguns deles são Helio-3; Carbono-14; Fosforo – 32 e 33; Selenio-35; Cloro-36; Calcio-45; Nitrogenio-63; Estroncio-90; Tecnesio-99; Promecio-147; Talio-204; Gadolinio-148; Torio- 230 e 232; Uranio-238 e 235; Plutonio-239; Americio-241; Polonio-210; Curio-242; Berilio- 7; Sodio-22 e 24; Potasio-40; Escandio-46; Cromo-51; Manganes-54; Ferro-59; Cobalto- 56,57 e 60; Zinco-65, Itrio-88; Zirconio-95; Iodo-123,125 e 131; Cerio-144; Europio-152; e Cesio-134 e137 (TAUHATA, 2003). 3.5.3 Tempo de meia vida É o tempo necessário para que metade da atividade radioativa de um elemento decaia a metade de sua atividade inicial, sendo que esse decaimento (desintegração) irá ocorrer até que a atividade radioativa de um elemento seja quase nula. Como exemplo podemos citar o Césio-137, que tem tempo de meia-vida de 30 anos, quando o tempo desse elemento atingir sua primeira meia-vida (30 anos), sua atividade decairá a metade (OKUNO, 2013). 3.5.4 Radioatividade É um fenômeno que ocorre quando um elemento durante a sua desintegração emite uma radiação e durante esse processo o elemento pode dar origem a outro (MARTINS, 1990). 3.5.5 Desintegração Nuclear Decaimento radioativo ou desintegração nuclear é a propriedade de um elemento radioativo emitir espontaneamente energia ou partículas nucleares de seu núcleo atômico. Essas partículas podem ser Beta e Alfa, ou ainda emitir radiação Gama (OKUNO e YOSHIMURA, 2010). A desintegração nuclear varia de um elemento para outro, como é o caso do Césio-137 que tem meia vida de 30 anos, ou seja, a quantidade de átomos radioativos é muito grande e sua desintegração muito lenta, já o Iodo- 131 tem tempo de meia-vida de 8 dias e sua desintegração é mais rápida (OKUNO, 2013). 3.5.6 Contaminação radioativa A contaminação radioativa ocorre quando os radionuclídeos artificiais estão presentes nos mares, solo terrestre, alimentos, vegetais e no próprio corpo externo ou internamente. Esses radionuclídeos artificiais geralmente são derivados de acidentes ou testes nucleares (OKUNO, 2013). A forma mais comum de contaminação radioativa do ser humano é através dos alimentos derivados da utilização da energia nuclear. As nuvens radioativas entram em contato com o solo, e a partir desse momento há a contaminação terrestre, ou seja, contato com plantas e vegetais que serão ingeridos pelo ser humano direta ou indiretamente (ROQUE; TAGLIAFERRO E FERNADES, 1998). 3.6 Acidente em Goiânia No dia 15 de setembro de 1987, o então diretor do Departamento de Instalações Nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear José de Júlio Rozental recebeu uma ligação de Goiânia onde foi informado que em vários pontos da cidade havia sido detectado grande contaminação radioativa. (OKUNO, 2013). Rozental após verificar diversos arquivos, concluiu que o elemento radioativo era uma cápsula de Césio-137 que foi deixada pelo Instituto Goiano de Radioterapia. Ele e mais dois médicos foram para Goiânia, para criar planos de emergência. E do dia 1° ao 3° dia de outubro foram enviados 10 pessoas para o Hospital Naval Marcílio Dias (OKUNO, 2013). 3.6.1 Histórico No ano de 1985, o Instituto de Radioterapia de Goiânia foi transferido para um outro local, deixando em seu prédio antigo uma fonte de Césio – 137 blindada, que era utilizada para o tratamento de câncer. Com o passar do tempo como o prédio tinha sido abandonado e não tinha nenhum tipo de segurança, o mesmo foi sendo depredado até que no dia 13 de setembro de 1987 dois catadores de metal e papel entraram no prédio e levaram a fonte. (OKUNO, 2013). Como o acesso ao prédio estava livre, pois o prédio já não tinha nem portas nem janelas, era fácil seu acesso ao interior da sala onde se encontrava a fonte radioativa. Nessa ocasião, dois rapazes souberam que no prédio havia uma peça de chumbo, que para eles era valiosa pois o chumbo é um metal caro. Os mesmos retiraram a peça que estava fixada na parede e a colocaram dentro de um carrinho de mão, onde levariam a um lugar para desmantelá-la. (PEREIRA, 2005). Os catadores Roberto Alves (22) e Wagner Pereira (19) levaram a peça para a casa de um deles, e a desmantelaram com marretadas, violando a fonte radioativa. Roberto e Wagner tinham o intuito de vender a peça como sucata. No mesmo dia eles passaram mal e apresentaram sintomas de vômito e diarréia, e no dia 15/09 foram ao hospital com enormes bolhas nos membros superiores. Os médicos por sua vez pensaram que os rapazes estavam com uma doença tropical ou uma reação alérgica. (OKUNO, 2013). Parte da peça blindada que continha o Césio-137 foi vendida para Devair Alves Ferreira (36) que era dono de um ferro-velho. Devair, ao perceber o pó de cloreto de césio que tinha tamanho de um grão de arroz e emitia uma luz azul no escuro, ficou encantado e chamou amigos e familiares para ver aquela maravilha, e o distribuiu entre eles. (OKUNO, 2013). No período de 19/09 a 28/09 partes da fonte foram vendidas para mais dois ferros- velhos, sendo que um deles foi o do Ivo Alves Ferreira (40), pai de Leide das Neves (6) uma das pessoas que mais foi exposta e contaminada à radiação pelo Césio-137, pois a mesma após brincar com o pó de Césio foi comer um pão, ou seja, ela ingeriu Césio-137, assim sofrendo contaminação interna e externa. (OKUNO, 2013). Durante esse tempo a esposa de Devair - Maria Gabriela Ferreira (38) - que vinha apresentando diarréia, vômito e cansaço suspeitou que o causador desse mal-estar era a peça de chumbo que o marido colocou em casa, pois todas as pessoas que entraram em contato com a mesma estavam sentido esse sintomas. Então Gabriela e um funcionário do ferro-velho Geraldo Guilherme da Silva (21), levaram a peça dentro de um saco e foram de ônibus até a Vigilância Sanitária ressaltando que aquilo estava matando seu povo. (OKUNO, 2013). Este saco com a peça radioativa foi deixado na sala de divisão de alimentos em cima de uma mesa, quando no dia seguinte foi levada para o pátio e deixada em uma cadeira, durante o tempo em que a fonte permaneceu por lá, vários funcionários curiosos da Vigilância Sanitária foram expostos ou contaminados pela mesma. Foram cerca de 80 funcionários. (OKUNO, 2013). Maria Gabriela e Geraldo Guilherme foram encaminhados ao Centro de Informações Toxicológicas. Ao chegarem lá um médico ao examinar desconfiou que aqueles sintomas e queimaduras na pele com bolhas, poderiam ter sido causados por alguma radiação. Foi quando um físico foi chamado à cidade de Goiânia e confirmou que tanto na Vigilância Sanitária quanto na cidade havia altos níveis de radiação. (OKUNO, 2013). Na época do acidente as pessoas foram separadas em três grupos: Grupo1- eram as pessoas mais contaminadas; Grupo2- era composto pelos parentes das vítimas; Grupo3- pessoas que teriam apenas acompanhamento de exames laboratoriais periódicos (PEREIRA, 2005). 3.6.2 Consequências do acidente As pessoas que tiveram contato com a fonte radioativa tiveram sintomas tais como diarréia, vômito, manchas escurecidas na pele e outros quadros de radiodermite. Algumas puderam voltar para as suas casas, porém quatro morreram devido ao grau elevado de contaminação interna ou externa. (PEREIRA, 2005). O que foi mais espantoso é que uma fonte tão pequena ocasionou um acidente devastador, pois essa fonte era uma pequena pastilha de sal de cloreto de Césio-137 com 3,0cm de altura e 3,6cm de diâmetro. (OKUNO, 2013). Na época a fonte de Césio-137que foi violada tinha atividade radioativa de 1.375 Curie, a massa que foi liberada pela violação da fonte foi de 91g, mas apenas 19,26g era de cloreto de césio (MIRANDA, 2005). 3.7 Rejeitos gerados Os bairros de Goiânia setor aeroporto, centro e setor ferroviários eram os locais com maior contaminação ambiental e a medida que os focos de contaminação eram identificados, as áreas eram evacuadas e isoladas. Várias residências foram demolidas, houve coleta de materiais contaminados e remoção de solos contaminados (PEREIRA, 2005) Durante a descontaminação foi estabelecido a coleta e a segregação, sendo que a coleta é a colocação dos rejeitos em seus respectivos locais e a segregação é a separação física de cada rejeito. Todos os rejeitos gerados compreendiam 85% em volume de solo e entulho, 11% de papel, plástico e tecido e 4% de animais, frutas e madeira. Sendo que todos estes rejeitos foram armazenados em tambores e containers que geraram aproximadamente 6000 toneladas de rejeitos, equivalente a 3500 m3 (PEREIRA, 2005). Todos os rejeitos gerados foram colocados em um depósito em Abadia de Goiânia, que foi feito para armazenar estes rejeitos por 300 anos. Estes foram cobertos por terra e foi plantado gramas por cima (OKUNO, 2013). 3.8 Manipulações dos rejeitos radioativos Os rejeitos radioativos têm sua forma correta de armazenamento determinada de acordo com a sua estrutura; se é liquido, sólido ou gasoso e também pela radiação emitida. (PEREIRA, 2005) Essa forma de separação é denominada de Gerência de Rejeito Radioativo, onde é feito a coleta, segregação, transporte, tratamento, armazenamento e por fim sua deposição final, para que assim não haja danos ao meio ambiente. E todo esse processo segue as normas de proteção radiológica e os padrões de segurança. (PEREIRA, 2005). Para CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear - há dois tipos de instalações de gerenciamento de rejeito radiativo. A primeira é instalações nucleares, onde ocorre processamento, manuseamento, reprocessamento e produção de matérias nucleares. A segunda instalação é a radiativa onde se dá a produção, utilização, transporte e armazenamento das fontes radiativas. (PEREIRA, 2005). Muito dos rejeitos gerados são depositados primeiramente em locais temporários e posteriormente em depósitos definitivos, que serão construídos após a definição do local correto e liberação do seu licenciamento, feito pelos órgãos competentes. (PEREIRA, 2005). Os rejeitos gerados por clínicas, hospitais, indústrias, centro de pesquisas e universidades onde há instalações radioativas, são denominados de rejeitos institucionais. (PEREIRA, 2005). O depósito radioativo final é denominado de Depósito de Rejeitos Radioativos e tem a finalidade de armazenar por um período de tempo o rejeito gerado, até que sua radioatividade chegue a um nível que não cause danos a biosfera tampouco efeitos biológicos ao ser humano. Esse período de tempo é baseado no tempo de meia-vida de cada radionuclídeo. (PEREIRA, 2005). A Lei 10.308 de 20 de dezembro de 2001 - que dispõe sobre a seleção de locais, a construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá outras providências - diz que apenas em casos excepcionais, tais como acidentes radiológicos, pode ser realizada a construção de depósitos provisórios, para o armazenamento dos rejeitos, que posteriormente serão desativados e terão seus rejeitos transferidos para depósitos intermediários ou finais. (PEREIRA, 2005). Os rejeitos gerados no Brasil são gerenciados pela CNEN, sendo que a maioria deles foi gerada pelo Acidente Nuclear de Goiânia, Usina Nuclear de Angra dos Reis, Indústria de beneficiamento de areias monazíticas e o uso de Radioisótopos na medicina e na indústria. (PEREIRA, 2005). Com base nessas informações pode-se observar que para o acondicionamento dos rejeitos radioativos é necessário condições especiais de armazenamento, levando em consideração o nível de radiação emitida pelo radionuclídeo, o local que será construído o depósito radiativo final e também a precaução em relação às normas de radioproteção. 3.9 Classificações dos acidentes De acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica, que deu origem ao INES (International Nuclear Events Scale), a escala logarítmica que vai de 1 a 7 classifica a gravidade de eventos relacionados a radiação. Os valores de 1 a 3 são os incidentes e 4 a 7 são os acidentes. São considerados acidentes quando ocorre pelo menos uma morte. O acidente de Goiânia, por exemplo, foi classificado como de nível 5 (OKUNO, 2013). 3.10 Vítimas do acidente Segundo a associação de vítima de Césio-137, houve 60 mortes 25 anos após o acidente, porém este valor é negado pelo poder público. É importante lembrar que todos os moradores de Goiânia e familiares foram vítimas, não apenas por terem sido expostos e contaminados pela radiação, mas sim pelo impacto que o acidente deixou em suas vidas, pois seus lares foram desfeitos e eles sofreram discriminação durante anos. Tudo isto deixou-os abalados psicologicamente, levando muitos a depressão e a isolação (MIRANDA, PASQUALI, NETO, BARRETO, FILHO, ROSA, 2005). Conclusão A manipulação errada de uma fonte radioativa, sem apropriadas medidas de radioproteção já ocasionou diversos danos a uma população; o maior deles foram os efeitos biológicos do acidente radionuclear de Goiânia, que chegou a causar a morte de pessoas que entraram em contato com a fonte de radiação. Além dos efeitos biológicos, a mobilização do país e de uma cidade inteira em busca de medidas de proteção e manipulação segura dos rejeitos radioativos gerados pelo acidente demonstra a importância do conhecimento sobre os efeitos da radiação, pois uma pequena fonte de Césio-137 deixou um rastro enorme de destruição devido à alta contaminação e exposição que os moradores e o solo de Goiânia sofreram. Referências BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Portaria 453/98 – Diretrizes de proteção radiológica em radiodiagnóstico médico e odontológico. Diário Oficial da União, Brasília, 2 jun. 1998. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/Portaria_453.pdf COSTA, Regina de Faria Bittencourt da et al . Effects of external gamma radiation on femoral artery reimplantation in rats: morphometrical analyzes. Acta Cir. Bras., São Paulo , v. 18, n. 2, mar. 2003 . 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