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945946 tribo de indios que nao gaguejava

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Índios não gaguejam
 
Nathan Lavid, M.D.* 
 
 
 
gagueira sempre foi uma desordem 
sobre a qual recaíram muitos mitos. 
Essa força para atrair mitos prova-
velmente se deve à importância que a hu-
manidade atribui ao ato de se comunicar. 
Um dos mitos bastante difundidos sobre a 
gagueira é o de que ela seria uma desordem 
confinada apenas ao mundo ocidental, em 
razão da elevada importância da fala em 
nossa cultura, sendo quase inexistente em 
outras sociedades. Hoje se sabe que a verda-
de é outra. 
Um por cento da população mundial ga-
gueja e a condição afeta todas as etnias e 
culturas igualmente. Podemos verificar isso 
através do variado conjunto de palavras que 
as diferentes culturas usam para descrever a 
gagueira. Na Etiópia, a palavra do idioma 
amárico (língua oficial da Etiópia) que signi-
fica gagueira é mentebateb. No Japão, usa-se 
a palavra domori. Os turcos dizem kekele-
mek. Todas as culturas orientais e ocidentais 
reconhecem a desordem e têm palavras para 
descrever a gagueira. 
 
 
 
É didaticamente interessante mostrar o 
quanto é recente o entendimento da gaguei-
ra como uma desordem que afeta indiscri-
minadamente todas as culturas. De 1937 a 
1939, John C. Snidecor, chefe do departa-
mento de fonoaudiologia da Universidade da 
Califórnia, em Santa Barbara, entrevistou 
mais de 800 membros da tribo indígena 
Bannock-Shoshoni, situada na reserva de 
Fort Hall, em Pocatello, Idaho (EUA). Snide-
cor também obteve dados de mais de 1.000 
outros índios Bannock-Shoshoni e sua pes-
quisa "não conseguiu encontrar um só índio 
'puro-sangue' que gaguejasse" (Snidecor, 
1947, p.493). Além disso, ele relatou que a 
língua da tribo não possuía nenhuma pala-
vra para gagueira. Sua conclusão foi que os 
Bannock-Shoshoni não gaguejavam. 
A conclusão de Snidecor foi publicada no 
jornal Quarterly Journal of Speech, em 1947. 
Esta data é quase tão importante quanto sua 
conclusão, porque na década de 1940 havia 
uma teoria popular sobre as causas da ga-
gueira do desenvolvimento, e os dados de 
Snidecor — dando conta de que os Bannock-
Shoshoni não gaguejavam — ofereciam su-
porte a essa teoria. 
A causa proposta para a gagueira do de-
senvolvimento que estava em voga em 1940 
era a “teoria diagnosogênica” da gagueira. 
Os defensores dessa teoria acreditavam que 
a gagueira começava quando os pais erra-
damente “diagnosticavam” seus filhos como 
crianças gagas. Por esta teoria, os pais erra-
vam não apenas uma, mas duas vezes. Pri-
meiro, ao diagnosticar erradamente como 
gagueira disfluências normais que as crian-
ças tinham enquanto estavam aprendendo a 
falar. E depois, ao reforçar o erro inicial com 
outro, advertindo seus filhos para controlar 
a gagueira. Essas advertências — não impor-
ta quais fossem — seriam vistas pela criança 
A 
A ORIGEM DO MITO 
G
A
G
U
E
I
R
A
.
O
R
G
.
B
R
 
ndios não gaguejam? Verdade ou m
como uma prova de rejeição. A criança então 
tentaria reconquistar a aprovação de seus 
pais tentando falar fluentemente. Isso causa-
ria tensão na criança e a tensão levaria ao 
desenvolvimento da gagueira patológica. 
Há dois elementos na pesquisa de Snide-
cor sobre os Bannock-Shoshoni que dão su-
porte à teoria diagnosogênica: 
1) Como os Bannock-Shoshoni não tinham 
uma palavra para gagueira, eles não poderi-
am diagnosticar e repreender as crianças 
que exibiam a condição. Não ter uma palavra 
para gagueira evitaria, portanto, o diagnósti-
co e impediria que os pais rotulassem seus 
filhos com a condição. 
2) Os Bannock-Shoshoni “exerciam muito 
pouca pressão sobre as crianças para falar” 
(Ibidem, p.494). Esta ausência de pressão 
era vista como uma menor tensão sobre a 
criança para falar fluentemente. Dessa for-
ma, os pais não tentariam apressar prema-
turamente o desenvolvimento normal da 
fala e assim a gagueira do desenvolvimento 
não ocorreria. 
 
 
 
A ausência de gagueira entre os Bannock-
Shoshoni permaneceu incontestada na lite-
ratura médica por um bom tempo. Contudo, 
em 1983, um estudo publicado na revista 
Journal of Speech and Hearing Research des-
fez o equívoco de Snidecor. Gerald Zimmer-
man, professor de fonoaudiologia da Univer-
sidade de Iowa, e seus parceiros de pesquisa 
relataram que os Bannock-Shoshoni tinham 
no mínimo 17 termos para referir-se à ga-
gueira. Entre eles estavam: kyctanni, que 
significa “gaguejar”; pybyady, que significa 
"ele gagueja"; nicannugi/na, que significa 
"ele gagueja cada vez mais" e assim por di-
ante. Snidecor nunca chegou a entrevistar 
nenhum Bannock-Shoshoni que gaguejava, 
porque a gagueira e
tura da tribo e por isso os í
viam aprese
soa que gaguejava. Zimme
relataram que os Ba
tiam constrang
pessoas que gaguej
1983, p. 316). Parte desse con
e estigma resultava de uma le
dos Bannock
da gagueira a uma ge
fruto de um d
casais inexp
tanto, como uma der
rente ocidental (a t
teoria dos Bannock
buía a culpa pela 
com uma inst
e paixão. 
A teoria diagnosogênica finalm
invalidada à medida que foi se tornando ev
dente que a gagueira do desenvolv
não decorria de r
pressionan
mente. Agora, com os índios Ba
shoni oficialmente incluídos na lista, s
que cerca de 1% d
dial gagueja 
de pessoas atingidas pela gagueira em todo 
o mundo. 
 
 
 
Snidecor JC. 
Quarterly Journal of Speech 
 
Zimmerman G
terms for it: stu
Shoshoni. Journal of Speech and Hearing Res
arch (1983); 26:315
 
*Nathan Lavid é 
do livro Understandig Stuttering
Gagueira). 
A aparente ausência de gagueira persistente entre os índios Bannock-Shoshoni permaneceu incontestada na liter
tura médica por mais de 30 anos. Contudo, em 1983, um estudo publicado na revista 
Research desfez o equívoco. 
DESFAZENDO O EQUÍVOCO 
REFERÊNCIAS
Verdade ou mito? 
porque a gagueira era estigmatizada na cul-
tura da tribo e por isso os índios jamais ha-
viam apresentado ao doutor qualquer pes-
soa que gaguejava. Zimmerman e sua equipe 
relataram que os Bannock-Shoshoni “se sen-
am constrangidos por ter em suas famílias 
pessoas que gaguejavam” (Zimmerman, 
316). Parte desse constrangimento 
ma resultava de uma lenda folclórica 
nock-Shoshoni “que atribuía a causa 
gueira a uma gestação mal concebida, 
de um desempenho sexual fraco de 
sais inexperientes” (Ibidem, p. 317). Por-
to, como uma derivação de sua contrapa-
dental (a teoria diagnosogênica), a 
teoria dos Bannock-Shoshoni também atri-
culpa pela gagueira aos pais, só que 
com uma instigante pitada folclórica de sexo 
A teoria diagnosogênica finalmente foi 
dada à medida que foi se tornando evi-
te que a gagueira do desenvolvimento 
corria de recriminações paternas 
ndo a criança para falar fluente-
mente. Agora, com os índios Bannock-Sho-
ni oficialmente incluídos na lista, sabe-se 
que cerca de 1% de toda a população mun-
gueja — o que representa 60 milhões 
de pessoas atingidas pela gagueira em todo 
Snidecor JC. Why the Indian does not stutter. 
Quarterly Journal of Speech (1947); 33:493-95. 
Zimmerman G et al. The Indians have many 
terms for it: stuttering among the Bannock-
Journal of Speech and Hearing Rese-
(1983); 26:315-18. 
Nathan Lavid é médico, estudioso da gagueira e autor 
Understandig Stuttering (Compreendendo a 
Shoshoni permaneceu incontestada na litera-
tura médica por mais de 30 anos. Contudo, em 1983, um estudo publicado na revista Journal of Speech and Hearing 
REFERÊNCIAS

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