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1 Graduanda do Curso de Bacharel em Psicologia na Universidade Presidente Antônio Carlos - Teófilo Otoni/MG Vida e obra de Sigmund Freud e sua relação com o surgimento da Psicanálise Bárbara Kelly de Oliveira Pessoa 1 RESUMO O presente artigo visa apresentar um breve relato sobre a vida de Sigmund Freud e sua relação com a origem da Psicanálise enfatizando alguns pontos importantes na elaboração dessa grande força que se formou baseada no dedicado estudo de sua autoanálise, das observações feitas mediante o atendimento a ocorrências neuróticas de pacientes diagnosticados com histeria e sugestões clínicas de uma paciente que, através do pedido de fala ininterrupta, apresentou um dos métodos mais importantes da teoria, a associação livre. Palavras-Chave: Psicanálise; Freud; Autoanálise; Histeria. ABSTRACT This article aims to present a brief account of the life of Sigmund Freud and its relation to the origin of Psychoanalysis emphasizing some important points in the elaboration of this great force that was formed based on the dedicated study of its self - observations made through the attendance to neurotic occurrences of patients diagnosed with hysteria and clinical suggestions of a patient who, through the request of uninterrupted speech, presented one of the most important methods of the theory, the free association. Keywords: Psychoanalysis; Freud; Self Analysis; Hysteria. Em meio a um período de eventos recorrentes entre os séculos XVIII e XIX, Sigmund Freud, um médico vienense recém-formado, fez uma descoberta que mudou a história da ciência e, radicalmente, a visão sobre a vida psíquica de um indivíduo. Dedicado à investigação sistemática acerca dos relatos expostos por pacientes taxados como histéricos e sua relação com o psiquismo, acabou por concluir que os sintomas apresentados eram, na verdade, sentimentos reprimidos que mantinham uma ligação com o passado e com pessoas influentes a isso. Freud desenvolveu “um conjunto de métodos destinados a investigar experiências emocionais passadas, de maneira que possam determinar seu papel na atual vida mental do paciente e assim dar orientações para medidas psicoterápicas” (AURÉLIO, 2000). A Psicanálise. Tal conjunto foi desenvolvido com base nas observações feitas ao decorrer de alguns atendimentos prestados por Freud a doentes acometidos por “problemas nervosos”, havendo também uma ligação com uma autoanálise das próprias experiências vividas. Foram escritos inúmeros artigos e volumes que descreviam suas ideias e descobertas, enfrentando certas resistências. Segundo Mariguela (2014), “em 1933 a teoria freudiana começou a ser banida do vocabulário da psiquiatria e da psicologia alemã: a psicanalise foi denominada ‘ciência judaica’. [...] Os livros escritos por Freud, por serem considerados heresia e afronta à raça ariana, foram queimados em praça publica por jovens nazistas”. Em 23 de setembro de 1939, Freud veio a falecer aos 83 anos, exilado em Londres, ao que estudiosos acreditam ter sido em decorrência a uma overdose de morfina, já que, ele fora acometido de câncer na boca e mandíbula, sofrendo dores contínuas e terríveis. QUEM FOI SIGMUND FREUD? Nascido aos 6 de maio de 1856, na cidade de Freiberg, Morávia, Sigmund Freud foi um psiquiatra austríaco que fundou a ciência da psicanálise, tendo desenvolvido técnicas psicanalíticas que rompiam as barreiras da resistência e davam acesso ao inconsciente do indivíduo a ser analisado. Filho de Jacob e Amalia Freud, seu nome de nascimento era na verdade, Sigismund Schlomo, contudo, “jamais usou “Schlomo”, nome do seu avô paterno, e, durante os seus estudos na Universidade de Viena, mudou ‘Sigismund’ para ‘Sigmund’” (NICHOLI, 2005). Ao decorrer dos primeiros dois anos e meio de sua vida, Freud esteve aos cuidados de uma ama-seca, católica romana devota, que carregava o menino para a igreja da qual, após retornar, “pregava e contava à família acerca dos feitos do Altíssimo”. Freud via na ama-seca uma mãe substituta, dotando de uma forte afeição à mesma. Em uma carta enviada à Wilhelm Fliess, especialista com quem desenvolveu estreita amizade por anos, ele declarava que seu ‘progenitor primário’ foi uma mulher feia, bastante velha, mas inteligente, que lhe falou sobre o Deus Altíssimo e sobre o inferno e o incutiu uma opinião elevada sobre as suas próprias capacidades. Com menos de dois anos de idade, Freud perdeu seu irmão mais novo, Julius. Poucos meses depois, a “velha mulher” a qual amava, deixou o lar repentinamente após ser acusada de roubo. Ocorrência esta que, segundo estudiosos, explicam o antagonismo de Freud em relação à visão de mundo espiritual. Para eles, o abandono da governanta em um momento de dor traz a ideia de desamparo. O próprio Freud reconhecia que “Se a mulher desapareceu de repente... isso deve ter deixado alguma impressão dentro de mim. Onde estará essa impressão agora? (...) Emergindo pelos últimos vinte e nove anos na minha memória consciente... eu estava chorando até esgotar as lágrimas... não conseguia achar a minha mãe... temia que ela houvesse desaparecido, como a minha babá pouco tempo antes.” (Bonaparte et al. The Origins of PsychoAnalysis, p. 222-223) Quando era levado às missas pela governanta, o menino observava os fiéis ajoelharem- se, orar e fazer o sinal da cruz, causando impressões que se armazenaram em sua mente ao longo da primeira infância e que, em fase adulta, se converteram ao que ele chamava de “neurose obsessiva universal”. Em melhor compreensão, Freud mantinha uma forte relação com alguém que o expunha às práticas constituintes da maior parte de sua primeira infância. De repente, esse alguém que lhe trazia segurança e direção em meio a sua fragilidade infantil, desaparece, deixando um vazio que acarretou em demais sentimentos contrários aos que antes sentia. A raiva e o aborrecimento causados pela partida da “velha mulher” e de tudo o que ela lhe proporcionava seriam então a resposta a esse sentimento aversivo obtido em relação à visão de mundo espiritual e à sua aderência ao ateísmo. Em 1873, aos dezessete anos, iniciou seus estudos na Faculdade de Medicina na Universidade de Viena, concluindo em 1881, cumprindo três anos a mais do que era imposto. Durante esse tempo, em contato com a linha fisicalista da fisiologia, através do Dr. Ernst Brucke, seu principal modelo de ciência, Freud se dedicou ao estudo da anatomia e da histologia do cérebro humano, identificando várias semelhanças entre a estrutura cerebral humana e a de répteis. Seu desejo era de aprofundar no conhecimento sobre neurologia, mas, por motivos maiores, acabou tendo que mudar o percurso. “O momento decisivo ocorreu em 1882 quando meu professor, por quem sentia a mais alta estima, corrigiu a imprevidência generosa de meu pai aconselhando-me vivamente, em vista de minha precária situação financeira, a abandonar minha carreira teórica” (1935, livro 25, p. 18 na ed. Bras.) Freud “começou a trabalhar como cirurgião, depois, em clinica geral, tornou-se medico interno do principal hospital de Viena. Fez um curso de Psiquiatria, o que aumentou seu interesse pelas relações entre sintomas mentais e distúrbios físicos” (FADIMAN E FRAGER, 1986). Durante três anos fez algumas pesquisas com cocaína, fazendo uso das mesmas e descobrindo possíveis utilidades para o tratamento de distúrbios tanto físicos quanto mentais. Em pouco tempo, depois de algumas desilusões com o estudo dos efeitos terapêuticos, acabou tornando-se apreensivo e interrompeu a pesquisa. Após isso, com o apoio de Brucke, Freud recebeu uma licença e seguiu para a França,onde começou a trabalhar com Jean-Martin Charcot no estudo sobre a histeria. O SURGIMENTO DA PSICANÁLISE Através do médico psiquiatra Sigmund Freud, a Psicanálise surgiu em 1890, em meio ao tratamento de pacientes com problemas nervosos, dos quais alcançou-se a ideia de que a origem dos conflitos enfrentados pelos mesmos se dava pela repreensão a desejos inconscientes e fantasias sexuais. Durante a virada do século XVIII para o século XIX, um surto histérico trouxe alarde em meio a sociedade burguesa, visto que constantemente apareciam mulheres com sintomas incoerentes mediante a análise anatomopatológica. Casos de cefaleia, surdez, cegueira, além de paralisia de membros não possuíam gênese orgânica que as justificassem colocando em xeque a capacidade explicativa da medicina que, não dando o braço a torcer, passou a caracterizar eventos de histeria como “pitis”, ou seja, formas criadas pelas donas-de-casa para “chamar a atenção”, alcançando, inclusive, certo preconceito da parte de inúmeros médicos que chegavam recusar oferecer algum tratamento. Por outro lado, no Hospital Parisiense Salpêtrière, Jean-Martin Charcot, um médico psiquiatra e neurologista começou a realizar inúmeras pesquisas sobre esta neurose que invadia o século. Charcot passou a observar e a procurar compreender as leis da histeria utilizando o método hipnótico como recurso de tratamento em busca de causas biológicas que explicassem o problema. Ação esta que fora desacreditada por seus contemporâneos, mas que veio a chamar a atenção de Freud. “No surto (histérico) tudo se desenrola de acordo com as regras, que são sempre as mesmas; válidas para todos os países, todas as épocas, todas as raças e, em resumo, universais”. (Charcot, 1882 appud COLLIN, 2012, p. 30) No final do século XIX, Sigmund Freud era um recém-formado médico neurologista cuja pretensão era investir na carreira acadêmica realizando pesquisas neurológicas. Porém, suas condições financeiras não favoreciam, conduzindo-o a também optar por atuações clinicas, a principio, de pacientes indicados por seu amigo médico e fisiologista austríaco Josef Breuer que, em sua forma terapêutica, utilizava a hipnose conduzindo seu paciente a sair de seu estado de vigília, contudo conservando a capacidade de se conscientizar de determinadas representações e lembranças das quais não conseguia se lembrar quando desperto. Método tal qual aplicado pelo médico francês Jean-Martin Charcot. “Começou, então, a clinicar, atendendo pessoas acometidas de ‘problemas nervosos’. Obteve, ao final da residência médica, uma bolsa de estudo para Paris, onde trabalhou com Jean Charcot, psiquiatra francês que tratava as histerias com hipnose. Em 1886, 2 Descarga emocional pela qual um indivíduo se liberta do afeto que acompanha a recordação de um acontecimento traumático. 3 Liberação de pensamentos, ideias, etc, que estavam reprimidos no inconsciente, seguindo-se alivio emocional. 4 Alteração da consciência que se caracteriza pela diminuição da senso percepção, lentidão da compreensão e da elaboração das impressões sensoriais. retornou a Viena e voltou a clinicar, e seu principal instrumento de trabalho na eliminação dos sintomas dos distúrbios nervosos passou a ser a sugestão hipnótica”. (BOCK et al., 1999, pp. 70-71) Durante o estágio hipnótico, o doente se apresentava numa espécie de estado sonambúlico onde o médico dizia que ele não possuía o sintoma do qual se queixava, vindo a não mais se queixar deste após se restabelecer da hipnose. Tal fato trazia a concepção de que os sintomas histéricos derivavam de “ideias dominantes” que “possuíam” o espírito do doente. Nesse caso, o médico agia de forma a trazer novas percepções que suplantassem o poder das anteriores de forma a neutralizar o efeito das mesmas. Com o tempo, tanto Freud quanto Breuer, perceberam que seus pacientes constantemente referenciavam acontecimentos de seu passado durante o estado hipnótico, sendo comum a eliminação dos sintomas histéricos após isso sem qualquer interferência médica. Ambos elaboraram, então, a teoria da “ab-reação2” e com ela uma nova concepção dos sintomas, acreditando que essa seria fruto de algum trauma do qual o paciente não teria reagido adequadamente, ou seja, “a energia psíquica acumulada em função dessa reação mal sucedida seria canalizada na forma de sintomas” (NÁPOLI, 2011). Dessa maneira, o doente teria a oportunidade de acessar novamente as lembranças vinculadas ao evento traumático e liberar uma descarga emocional que o permitiria se libertar desse antigo choque que não pudera chegar a uma reação satisfatória, em outras palavras, sugere que um evento mal resolvido seja solucionado satisfatoriamente por meio da “cartase 3 ”. Para Freud, as memórias ocultas ou reprimidas na quais se baseavam os sintomas de histeria eram sempre de natureza sexual. Breuer não concordava com essa hipótese e mesmo a considerava uma mera interpretação. Além disso, nas observações freudianas, alguns pacientes não conseguiam se recordar de determinados momentos traumáticos ou mesmo de algo que se relacionasse a isso, chegando à conclusão de que “existia um sujeito que decide que quer esquecer determinados fatos ou pensamentos de sua vida” (NÁPOLI, 2011) não se lembrando da ocorrência porque não queria fazê-lo, porque não agradava lembrar, porque seria penoso ou mesmo porque queria pensar em algo que pudesse dar mais prazer. Em contraposto, Breuer não acreditava na existência de um sujeito interior inconsciente. Para ele, durante a ocorrência do trauma, a pessoa não estaria completamente consciente, mas sim num estado de “obnubilação da consciência4”, semelhante ao estado hipnótico, atribuindo à hipnose como a única técnica capaz de tratar a histeria, reproduzindo no paciente o próprio estado de consciência em que o trauma foi gerado. Na ideia de Freud, caso o paciente não conseguisse se lembrar de tais ocorrências, logo havia algo que o impedia, algo este que ele chamou de “resistência” e que, segundo Roudinesco e Plon (1998) consistia no “conjunto de reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos ao desenrolar da análise” ou mesmo “tudo o que, no atos e palavras do analisando, se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1988). A partir desse ponto, outra questão é levantada. O foco agora seria não somente identificar quais eventos traumáticos fundamentavam os sintomas, mas também compreender o porquê de o paciente resistir a lembrar-se deles. O método catártico objetivava ocasionar uma reação retroativa a um evento traumático e, ao se deparar com o fenômeno da resistência, Freud conclui que as finalidades do tratamento se tornam mais complexas. Não se tratava de apenas um processo limitado a desabafos ou descarga emocional, mas se apresenta uma necessidade de análise do psiquismo. "Sempre que surge uma intensa resistência contra o uso da hipnose, devemos renunciar ao método e esperar até que o paciente, sob a influência de outras informações, aceite a ideia de ser hipnotizado". (Freud, 1891/1987, p. 125) Compreendendo que a hipnose não alcançava os resultados precisos, Freud também observou que, mesmo diante de toda insistência em conjunto com o paciente, a técnica da pressão podia falhar na tarefa de suscitar as lembranças esquecidas, o que, conforme Ventura (2009), “trazia a percepção de que havia encontrado uma oposição para penetrar em uma camada mais profunda da cadeia de representações”. Em sua teoria, tal ação era em resposta à ameaça idealizada ao aparecimento de conceitos e afetos desagradáveis, taisquais haviam sido reprimidos e que, agora, resistiam à rememoração por possuírem uma essência de sofrimento, capazes de despertar sentimentos de vergonha, autocensura e dor física. A melhor estratégia consistia em solicitar ao paciente que falasse o que lhe viesse à cabeça, sem filtros ou preconceitos acerca de seus pensamentos, o que Freud chamou de “Associação Livre” que, por sua vez, surgiu a partir de uma intervenção com uma de suas pacientes, a senhora Emmy Von N, em 1982, quando o pediu que parasse de intervir em seu discurso e a deixasse falar livremente. Ao decorrer do tempo, Freud foi substituindo a hipnose e o método catártico por essa associação fundamentando-se na certeza da falibilidade dos anteriores em apresentar resultados apenas parciais e transitórios enquanto, ao contrário disso, o novo método lhe garantia maior segurança ao oferecer acesso ao material inconsciente, como as lembranças, afetos e representações, suprimindo as resistências que outrora fechavam essas portas de entrada. A liberdade de expressão concedida ao paciente o isentava de qualquer controle ou necessidade disciplinar no sentido lógico de suas ideias, em outras palavras, o conduzia a uma viagem pelo seu inconsciente, rompendo qualquer barreira defensiva provocada pela censura. Na ideia freudiana, essa exposição e análise das resistências é completamente essencial para se alcançar a cura em plena consciência, trazendo à tona o que deve ser trabalhado. FREUD, SEU PAI E A RELAÇÃO COM A PSICANÁLISE Jacob Kallamon Freud já era avô, aos 40 anos de idade, quando se casou com Amália Nathansohn, sua terceira esposa, sendo ela ainda uma adolescente. Fora educado numa família judaica ortodoxa, lia a Bíblia em hebraico todos os dias, além de falar fluentemente. Ao contrário disso, Sigmund jamais aprendera a falar em hebraico. Seus sentimentos em relação a seu pai eram ambivalentes. O considerava um fracassado. Entretanto, sentiu-se fortemente abalado com sua morte, em 23 de outubro de 1896. Sobre este evento, Freud relatou em uma carta ao seu amigo Fliess, que esta morte “me afetou profundamente... reacendeu todos os meus sentimentos mais antigos... eu me sinto bastante desarraigado”. A conclusão que chegara era de que as pessoas possuem maior dificuldade em resolver a perda de um pai ou mãe quando abrigam sentimentos negativos não resolvidos em relação a eles. A morte de seu pai o conduziu à uma autoanálise e a descobertas significativas. A partir de então, Freud começa a anotar e a analisar seus próprios sonhos e a associá- los a ocorrências de sua infância, determinando as raízes de suas próprias neuroses. Tais anotações tornam-se a fonte para a obra A Interpretação dos Sonhos e, mais do que isso, o conduzem à conclusão de que seus próprios problemas eram devidos a uma atração que sentia por sua mãe e uma hostilidade em relação ao seu pai, o que ele denominou “Complexo de Édipo”. Tal teoria enfatiza clinicamente que as crianças passam por uma fase no seu desenvolvimento psicossexual, na qual experimentam sentimentos positivos em relação ao pai ou mãe do sexo oposto e sentimentos de rivalidade em relação ao pai ou mãe do mesmo sexo. Durante uma palestra ministrada em 1915, Freud explicou que “Enquanto ainda é uma criança pequena, o filho já começa a desenvolver uma afeição especial pela mãe, a quem se refere como pertencente a ele; ele passa a perceber o pai como um rival que disputa a sua posse exclusiva. [...] E da mesma forma, uma menina pequena percebe a mãe como uma pessoa que interfere na sua relação afetiva com o pai e que ocupa a posição que ela mesma poderia muito bem ocupar. A observação de si mesmo possibilita descobrir a que anos anteriores essas atitudes nos remetem. Referimo-nos a isso como ‘Complexo de Édipo’ porque a lenda mostra, amenizando levemente a 5 Freud, Introductory Lectures on Psychoanalysis, em The Standard Edition of the Complete Pschycological Works, vol. XV, p. 207-208. 6 Aos Romanos 7.15 / Biblia historia, os dois desejos extremos que emergem da situação do filho – de matar o pai e de tomar a mãe como esposa.”5 Em uma de suas cartas, ele admite ter vivido este fenômeno ao observar estar apaixonado pela própria mãe e com ciúmes do pai, fundamentando-o como um evento universal da primeira infância, enxergando nesta complicada relação emocional da criança o núcleo de todo caso de neurose. O relacionamento entre Jacob e Sigmund Freud se tornou base para inúmeras respostas às teorias psicanalíticas, sendo, a partir daí, pontos de conclusões utilizadas por Freud mediante a descobertas obtidas em meio aos tratamentos que realizava. COMO A PSICANÁLISE VÊ O HOMEM E O MUNDO? Sendo um conjunto de crenças e opiniões fundamentais, a visão de mundo é tida como uma orientação cognitiva ao individuo, grupo ou toda uma sociedade a respeito de tudo o que existe. É o norte de vida pessoal, social e politica que influencia na forma como a pessoa se percebe, se relaciona, se adapta e compreende ser o propósito existencial. É a partir dai que são dados os valores, a ética e a capacidade de se alcançar a felicidade. Nicholi (2005) destaca que “nossa visão de mundo nos diz mais sobre nós, quem sabe até, do que qualquer outro aspecto da nossa história pessoal” e para Nascimento (2016), “saber qual é a visão de homem e de mundo da Psicanálise é fundamental, pois todas as formulações teóricas, e até mesmo a escuta e o fazer do analista, seja no espaço ‘público’ e/ou no ‘privado’, estão pautadas no modo como ele percebe, interpreta, fundamenta e ‘entende’ o homem, o mundo e as relações que este estabelece consigo mesmo e com os seus semelhantes”. Freud propôs três componentes básicos estruturais da psique humana: os chamados Id, Ego e Superego que compõem os princípios do prazer, da realidade e da censura, “revelando uma série de intermináveis conflitos e acordos psíquicos. Onde um instinto se opõe a outro; e proibições sociais bloqueiam pulsões biológicas e os modos de enfrentar situações” (FADIMAN E FRAGER, 1986). Para a Psicanálise, o sujeito do desejo inconsciente não coincide com o seu Eu. Esta o vê como uma imagem, projeção e, em vezes, como uma defesa construída pelo homem em relação às culturas e seus enigmas. Seria o que Paulo descreve ao dizer que “o que faço, não quero, mas o que quero, não faço”.6 O Id pressiona o indivíduo a expor a sua energia pessoal, instituindo seus desejos internos e vontades, enquanto o Superego o moraliza, agindo de forma a fixar uma série de normas que o limitam. E o Ego, por sua vez, age como um “aparato psíquico”, gestando a relação do homem com o mundo. Nesses termos, o propósito prático da psicanálise “é, na verdade, fortalecer o ego, fazê-lo mais independente do supergo, ampliar seu campo de percepção e expandir sua organização, de maneira a poder assenhorear-se de novas partes do id”. (1933, livro 28, p. 102 na ed. Bras.) Em outras palavras, Freud afirma que as ações atuais praticadas pelo homem são fundamentadas em desejos internos, muitas vezes reprimidos, e que são esses desejos (inconscientes) que o governam. Não existe um indivíduo autônomo e senhor de suas ações, mas, sim, um sujeito dividido em si próprio, entre a consciência e o inconsciente, entre a moral e as paixões. CONCLUSÃO É notória a conclusão de que Sigmund Freud e a Psicanálise estão mais interligados do que se imaginava. Não se trata apenas de um criador e sua obra, mas se refere à transformação de uma vida em teoria científica. Pode-se afirmar que a autoanálise dos eventos vividos seja o ponto fundamental de suas descobertas, das quais ele faz associaçõesàs ocorrências dadas aos seus pacientes. Freud não simplesmente ouvia o que os doentes tinham a dizer, mas observava cada detalhe ligando pontos que o conduziam à respostas quanto aos sintomas que estes apresentavam. A ideia central era de que nossas experiências de infância influenciam na nossa maneira de pensar, sentir e de nos comportarmos na fase adulta. Existem sentimentos internos que são reprimidos e que acabam sendo ocultados por barreiras denominadas resistências. Freud entendia que encontrando o ponto chave dessas barreiras e trazendo-as para o externo, a pessoa conseguiria se libertar dessa repressão e alcançar a cura. E mais do que isso, na visão que tinha de homem, acreditava que o sujeito agia não por sua própria escolha, mas por influências dadas pelas forças psíquicas existentes dentro de si. Seus sentimentos em relação a seus pais, a ama-seca por quem possuía tamanha estima e que, posteriormente, veio a o “abandonar”, além dos sonhos das quais teve e demais fatores, contribuíram para a elaboração de métodos cruciais na composição da Psicanálise e ideias de Freud, como o Complexo de Édipo, a Weltanschauung (visão de mundo) científica, o Aparelho Psíquico, dentre outros. Seus estudos e descobertas influenciaram não apenas a pesquisadores no século XIX, muitos menos se limitaram a provocar repúdio somente aos nazistas em meio a época pré-guerra. Ainda aos dias de hoje a teoria psicanalítica prossegue alcançando aderentes e oposições. A vida física de Sigmund Freud se findou em setembro de 1939, mas como no discurso feito por Stefan Zweig durante a cerimônia de cremação: “para onde quer que alguém se aventure a penetrar o labirinto do coração humano, sempre haverá a luz intelectual a iluminar os seus passos”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Junior, A. M. (2005). Deus em questão - C. S. Lewis e Freud. Viçosa/MG: Ultimato. Bock, A. M. (1999). Psicologias - Uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo/SP: Saraiva. Fadiman, R. F. e J. (1986). Teorias da Personalidade. São Paulo/SP: Harbra. Associação Livre. (31 de janeiro de 2018). Acesso em 16 de maio de 2018, disponível em A mente é maravilhosa: https://amenteemaravilhosa.com.br/associacao-livre/# Ferreira, C. (14 de julho de 2017). Sociedade dos Psicólogos. Acesso em 19 de maio de 2018, disponível em Quem foi Charcot? Sobre a histeria: https://spsicologos.com/2017/07/14/quem-foi-chartot-sobre-a-histeria/ Inda, R. (s.d.). 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