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O Direito no mundo da cultura e sua coercibilidade Prof. Dr. Doglas Cesar Lucas O direito é uma totalidade. Apesar de estudarmos o direito em tópicos, disciplinas, o direito deve ser entendido em seu todo, numa dimensão orgânica. Para ser acessado como totalidade, como unidade, o direito requer domínio de uma linguagem que lhe é própria. O jurista é um sujeito iniciado em uma linguagem e por isso deve conhecer muito bem seus acessos. “A linguagem é a casa do ser. É nessa morada que habita o homem” (HEIDEGGER apud REALE; ANTISERI, 1991, p.591). É importante ter clareza que o direito tem uma relação direta no mundo vivido, no mundo da cultura. Por mais que não se confunda com outros sistemas (político, econômico, religioso etc.) mantém uma relação permanente de irritação com esses sistemas. O que pretende a ciência do direito numa dimensão positivista? Estudar o direito válido. Dizer o que é e como é o direito válido, o direito positivo. O direito positivo é o conjunto de normas jurídicas reconhecidas pelo Estado como válidas, como capazes de criar, modificar e extinguir direitos. Para o positivismo, o direito e a moral, como já vimos, são conceitos distintos. Obviamente que o direito carrega elementos pré-jurídicos lotados de moralidade. Pode-se dizer, inclusive, que o direito é uma parte da moral, mas armado com garantias específicas. Para Kant, seguido por Kelsen, a moral produz punições apenas internas, subjetivas, de caráter íntimo. A moral tem uma relação com a ideia de autonomia, de se colocar a própria regra. Já o direito é heterônomo, pois as regras são colocadas por um terceiro, de fora, pelo Estado. Não se exige do cidadão que ele aceite moralmente as regras jurídicas, mas que as obedeça simplesmente. Por exemplo, quem paga tributos corretamente pode não concordar com o pagamento e mesmo assim está cumprindo com as regras jurídicas. As sanções religiosas são extraterrenas. Mas a culpa também é uma forma religiosa de punir-se por estar praticando algo que se considera incorreto. Já o direito é entendido como a ordenação coercitiva da conduta humana. O direito organiza a aplicação da violência que está monopolizada nas mãos do Estado. O direito caracteriza-se por determinar sanções jurídicas, por obrigar coercitivamente alguém a realizar determinadas ações mesmo quando não concorde em fazê-lo. O surgimento de sanções premiais, com sentido positivo, aparece apenas recentemente. Norberto Bobbio as retrata muito bem. Mas a regra dominante é a de que o direito ordena coercitivamente a conduta humana. O direito estabelece coerções porque é de conhecimento geral que as pessoas, no mundo da vida, por razões diversas, nem sempre agirão de acordo com as regras jurídicas e morais. Assim, sabendo disso, o direito cumpre uma parte do seu papel também quando as pessoas não cumprem as regras jurídicas. Se todos cumprissem as normas jurídicas sem exceção, a ideia de coerção seria desnecessária e a própria ideia de direito perderia sua essência punitiva. Desconhecemos ao longo da história, nos diferentes modelos de regulação e controle social, um sistema que tenha abdicado dos mecanismos repressivos para normatizar a vida em sociedade. A aplicação da sanção passou por fases diferentes até chegar ao monopólio do Estado: 1. Fase da vingança social: a ofensa afeta toda a tribo, clã e por isso todos se envolviam na vingança contra o grupo agressor. 2. Vingança privada: personaliza a responsabilidade. Aqui, agressor e agredido devem resolver sua contenda. 3. Força submetida às regras: a vingança privada começa aos poucos ser controlada por mecanismos externos. Surgimento das ordálias, provas, juramentos, juízes de Deus, lei do Talião. O livro do Foucault, A verdade e as formas jurídicas é uma boa referência a respeito. 4. Monopólio do Estado: esse movimento, apesar de já existir na civilização grega e romana, se consolida com a jurisdição canônica e a consolidação de algumas monarquias por volta do século XIV.
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