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Inclusão e alfabetização de crianças com síndrome de Down: concepções de professoras Karla Karoline Silva Vitor1 Tícia Cassiany Ferro Cavalcante2 Resumo A educação inclusiva surgiu com o movimento de inclusão, buscando a superação da exclusão das pessoas com deficiência. Esta requer o envolvimento e a mudança de toda sociedade. A escola é um espaço primário para esta superação. Nela as atividades propostas precisam atender as necessidades dos alunos, respeitando suas limitações dentro do processo de ensino-aprendizagem. É fundamental conhecer algumas características do desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança com síndrome de Down, relevantes para este processo. Esta pesquisa de abordagem qualitativa analisou as concepções das professoras do ensino fundamental, sobre o processo de alfabetização e letramento das crianças com síndrome de Down e suas implicações a luz das perspectivas de inclusão educacional. Para tal, participaram da pesquisa três professoras do ensino fundamental de escolas públicas municipais. Os dados coletados através de entrevistas semi-estruturadas foram analisados nas categorias referentes a Educação Inclusiva; alfabetização e letramento; estratégias usadas na alfabetização de crianças com síndrome de Down; formação de professores e inclusão educacional. Concluímos que as professoras compreendem a importância da inclusão educacional como ação que objetiva incluir alunos com deficiência em práticas sociais, proporcionando um convívio que compreende, valoriza e respeita as diferenças. Mas seus discursos trazem concepções do modelo médico da deficiência que precisam ser refletidas. Palavras-Chave: Inclusão, Síndrome de Down, Alfabetização. 1 Introdução Neste século o paradigma de educação inclusiva tem conquistado espaço, visto que o paradigma de integração limitava-se a colocar os alunos na escola sem que as adaptações necessárias fossem realizadas. Conscientizando a sociedade de que a escola deve ser um espaço para todos, aberta as diferenças, a inclusão prima por uma prática educativa que atenta para as especificidades de cada educando, especialmente aqueles que por muito tempo já foram excluídos tanto pela sociedade quanto pela escola. Ao entrarmos nas escolas é possível perceber que as crianças com deficiência estão, atualmente, presentes em maior número nas classes regulares de ensino. De acordo com o MEC de 2000 a 2010 houve um aumento de 492,8% nas matrículas do público de Educação Especial. No entanto, é preciso que se reflita, se a inclusão desses alunos é mais por uma 1 Concluinte do curso de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. karla_vitor@yahoo.com.br 2 Professora Adjunta do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. ticiaferro@hotmail.com. 2 garantia de seus direitos, que são reivindicados por suas famílias, do que por uma aceitação e autêntica mudança no pensamento e atitude da sociedade, especificamente daqueles que estão diretamente ligados ao processo educativo. Ainda é importante refletir se a inclusão encontra os recursos necessários para que seja uma realidade na prática escolar cotidiana, para além dos números. Esta reflexão não será nosso foco nesta pesquisa, no entanto, não poderíamos deixar de fazê-la mesmo que não a aprofundando já que a maneira como a inclusão se dá influencia as práticas de ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais. A inclusão tem se configurado como um processo complexo, pois o trabalho pedagógico a ser desempenhado exigirá do professor mais formação, para conhecer as especificidades necessárias à organização do processo de ensino-aprendizagem que possibilite atender as necessidades educacionais de cada aluno, respeitando suas particularidades. Este processo irá requerer uma série de estratégias sistemáticas, planejadas, avaliadas que contemplem este aluno. É da escola, a responsabilidade de primar por uma educação para o desenvolvimento integral do ser humano; a educação inclusiva defende que o aluno com deficiência seja formado mediante este princípio. No entanto, para os alunos com deficiência, a escola parece não contemplar sua integralidade, ainda vive-se numa perspectiva integracionista na qual basta à criança estar na escola. São comuns situações nas quais estes são considerados incapazes ou os docentes se conformarem com a falta de recursos para o processo de ensino- aprendizagem. Na sociedade as pessoas com síndrome de Down ainda são vítimas de preconceitos, taxadas de incapazes, impotentes. Isso ainda ocorre mesmo com a sociedade já tendo testemunhado pessoas com a deficiência formando-se, trabalhando, constituindo suas famílias e vivendo como cidadãos com direitos e deveres. A escola parece reproduzir estas concepções, pois a inclusão é uma necessidade visível, mas tem encontrado enormes barreiras para que de fato possa ser efetivada. Talvez a barreira mais forte seja o preconceito; ainda muito presente tanto fora quanto dentro das escolas e estas parecem disseminá-lo à medida que não atende as necessidades dos alunos com deficiência. A alfabetização é uma competência fundamental a todo cidadão, mas parece ser segregada a esses alunos. Nos primeiros anos do ensino fundamental é dedicada grande atenção a alfabetização dos alunos, considerada um grande desafio por muitos professores. A alfabetização e suas práticas têm gerado muitas discussões a fim de fazer deste um processo 3 de ensino-aprendizagem prazeroso, em que os alunos possam dar sentido ao que realizam, tornando-se sujeitos letrados. Contudo, a alfabetização parece ser colocada a parte ou em segundo plano, quando se trata de crianças com necessidades educativas especiais, ao passo que estas não acompanham ou tem o mesmo desenvolvimento cognitivo e motor de crianças sem deficiências. Esta pesquisa parte do princípio de que alfabetização e letramento de crianças com síndrome de Down têm por base os mesmos princípios que a de crianças sem deficiência, considerando que o alfabetizador tem de realizar as adaptações necessárias para superar os impedimentos próprios da síndrome, que acabam por dificultar a apropriação da leitura e escrita. Neste contexto, este trabalho pretende analisar as concepções dos professores/as do ensino fundamental, que possuem experiência com crianças com síndrome de Down em sala regular, sobre o processo de alfabetização e letramento destas crianças e suas implicações a luz das perspectivas de inclusão educacional. Ainda como objetivos específicos pretende-se discutir as estratégias de alfabetização utilizadas; analisar o conceito de inclusão das professoras entrevistadas; verificar se as concepções dos professores estão baseadas em mitos e estereótipos sociais sobre a síndrome de Down. 2 Da segregação à inclusão: algumas considerações As discussões acerca da Educação Especial surgiram no século XX. A promulgação da Declaração dos Direitos Humanos, 1948, influenciou os familiares de pessoas com deficiência, entre outras pessoas da sociedade a iniciarem debates e movimentos, numa luta em prol dos direitos destas de serem cidadãos comuns, como qualquer outro, que além de direitos também tem deveres, independente de suas deficiências físicas, motoras ou sensoriais. Muitas foram, e são até hoje, as ações para que pessoas com deficiência tenham acesso comum e integral aos sistemas básicos da sociedade, como: lazer, esporte, educação, saúde, bens e serviços públicos diversos. No entanto, o preconceito arraigado na sociedade faz de suas diferenças, de suas necessidadesespeciais, doenças que as impossibilitam de ter um convívio social, sendo por tanto tempo segregados em clínicas especializadas no cuidado e tratamento. As pessoas com deficiência ainda são vistas como pessoas sem potencialidades ou habilidades inclusive dentro de suas próprias casas, sendo, às vezes escondidas por suas famílias. 4 A Cooperativa de Vida Independente de Estocolmo (Stil), (1990 apud SASSAKI, 2006, p. 28), expõe um dos motivos pelos quais as pessoas com deficiências são discriminadas: É que os diferentes são frequentemente declarados doentes. Este modelo médico da deficiência nos designa o papel desamparado e passivo de pacientes, no qual somos considerados dependentes do cuidado de outras pessoas, incapazes de trabalhar, isentos dos deveres normais, levando vidas inúteis. O modelo médico, usado por tempos para interpretar as deficiências, as compreendia como um problema que pode ser solucionado, assim a pessoa poderá se adequar aos padrões sociais. Para Sassaki (2006, p. 29), este modelo “tem sido responsável, em parte, pela resistência da sociedade em aceitar a necessidade de mudar suas estruturas e atitudes para incluir em seu seio as pessoas com deficiências”. Durante mais de um século discute-se sobre o direito ao desenvolvimento e a participação comum de pessoas com deficiência na vida em sociedade com seus pares, mas percebe-se que ainda há muito a se fazer para que isto seja uma realidade, principalmente no que diz respeito à mudança dos ambientes e do pensamento da sociedade. Surge por volta da década de 1960 o movimento de integração, que objetivava inserir as pessoas com deficiência nas atividades cotidianas da sociedade como um todo. Porém para que isto fosse possível eram necessárias mudanças que a integração não garantia, pois está permitia o acesso aos sistemas sociais sem que estes fossem adaptados as necessidades de todos. Sua interpretação equivocada por algumas pessoas fez da integração um processo unilateral, no qual o indivíduo com deficiência deveria se normalizar já que agora participava da sociedade. Sem dúvida o movimento de integração foi um avanço, no que diz respeito à busca pelos direitos das pessoas com deficiência a integração social e a desinstitucionalização dos manicômios, mas com o passar do tempo via-se que não era suficiente. Sassaki (2006, p. 33) fala sobre o mérito da integração de “inserir a pessoa com deficiência na sociedade, sim, mas desde que ela esteja de alguma forma capacitada a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existente”. A escola enquanto lugar privilegiado para formação e construção de saberes e socialização entre pares, não fugia, nem foge, aos preconceitos sociais, já que é composta pelas pessoas pertencentes a esta sociedade discriminadora. No âmbito da Educação Especial, o movimento de integração coloca os alunos nas escolas regulares e esta se torna mais um 5 ambiente de exclusão, pois estes não encontram uma proposta educativa que atenda as suas necessidades educacionais especiais. Já as escolas especiais agrupavam os alunos de acordo com o grau de sua deficiência, realizando atividades incoerentes com suas idades e nível de conhecimento. Nessa perspectiva, adolescentes, ainda hoje, são infantilizados, ao realizarem atividades próprias para crianças da Educação Infantil. Logo a integração não era o que de fato se necessitava para que as pessoas com deficiência tivessem direito a educação; não bastava apenas à garantia de acesso a escola, era preciso qualidade e mudança de paradigmas e posturas dos que esta compunha. Integração, neste contexto é sinônimo de acesso. Visto que o processo de integração não atendia as necessidades das pessoas com deficiência, surge no final do século passado o movimento de inclusão, que estamos vivenciando atualmente, porém ainda em processo de transição, pois a integração ainda está muito presente na sociedade, e consequentemente na educação. 2.1. Inclusão No final do século XX inicia-se o movimento de inclusão, com o intuito de fazer do acesso uma efetiva participação das pessoas com deficiência na sociedade. Como o movimento de integração, a inclusão objetiva a formação e o desenvolvimento pleno destas pessoas em situações comuns e saudáveis, interagindo com seus pares. No entanto diferencia-se do movimento de integração por trazer em sua ideologia a transformação da sociedade e de seus sistemas, a fim de atender as necessidades específicas das pessoas com deficiência, numa relação bilateral, na qual os esforços para a inclusão partem destas pessoas e da sociedade em suas esferas políticas, econômicas, culturais e sociais. Já a integração, diferentemente, inseria as pessoas esperando normalizá-las para responderem aos padrões sociais. Guebert (2007, p.36) deixa isto claro, ao afirmar que a inclusão “é um processo bilateral, no qual não há diferenças entre as pessoas (a sociedade é para todos), mas sim a equiparação de oportunidades, sendo esses os aspectos necessários para obtermos o sucesso no processo inclusivo”. Um marco importante para a inclusão foi a Declaração de Salamanca, 1994, na qual estão definidas estratégias para garantir a equiparação de oportunidades, em especial às educacionais. Nela estabelece-se que as pessoas com deficiência serão denominadas “pessoas portadoras de necessidades especiais” 6 A educação especial passou por mudanças que não foram lineares e que deixaram marcas culturais presentes até hoje na sociedade. Mantoan (sd, p. 3) resume as etapas pelas quais a educação especial passou da seguinte maneira: A evolução dos serviços de educação especial caminhou de uma fase inicial, eminentemente assistencial, visando apenas ao bem-estar da pessoa com deficiência para uma segunda, em que foram priorizados os aspectos médico e psicológico. Em seguida, chegou às instituições de educação escolar e, depois, à integração da educação especial no sistema geral de ensino. Hoje, finalmente, choca-se com a proposta de inclusão total e incondicional desses alunos nas salas de aula do ensino regular. A educação inclusiva surgiu com o movimento de inclusão, buscando a superação da exclusão das pessoas com deficiência. A escola que é reconhecida, culturalmente, como lugar legítimo da educação, da formação do cidadão, é o espaço primário para esta superação. Para Voivodic (2007, p. 22) “a educação inclusiva não reflete o momento presente, mas evidencia o problema social em relação à forma como os deficientes têm sido tratados”. A educação especial enfrenta, hoje, um desafio enquanto inclusiva, de sair da realidade de apoio e assistencialismo para a de atendimento as necessidades específicas de cada aluno. A educação inclusiva concebe a pessoa com deficiência como alguém com necessidades educacionais especiais, necessidades diferentes e mais específicas, não como alguém sem potencial ou conhecimentos, ou seja, com um incapaz. Compreende-a como pessoa que precisa e tem o direito de desenvolver-se nos campos emocional, físico, cognitivo e social, vendo-a em sua integralidade. Rompe-se, assim, com as concepções arraigadas socialmente do modelo médico de interpretação das deficiências. Guebert (2007, p.37) define bem a concepção de educação inclusiva ao dizer que esta: Valoriza a pessoa com necessidades educativas especiais enquanto um ser humano normal dotado de sentimentos, de desejos e de elaborações mentais. Sob esta perspectiva, a limitação passa a ser vista como uma das características do individuo e jamais como referência de quem ela é, pois a deficiência é uma característica da pessoa, sendo considerada parte dela, e não que a pessoaseja sua deficiência. Há uma grande dificuldade na aceitação destas pessoas no espaço educativo, pois isto implica na reorganização de todo este e dos paradigmas educacionais, reverem as funções da escola, ou melhor, compreendê-las. Talvez, a primeira e mais difícil etapa dessa mudança, seja despir-se dos preconceitos que cada uma traz consigo, em especial, aqueles que formam a escola e são os responsáveis legítimos por promover a educação para todos que tanto se prega em nosso país. De acordo com Oliveira (2006, p.98) existem na sociedade saberes, imaginários e representações sobre pessoas com deficiência que precisam ser superados para 7 que a inclusão seja efetivada, pois estes são baseados numa visão de mundo estigmatizada que leva a discriminação e exclusão. A escola é um espaço privilegiado para que, desde crianças, as pessoas com deficiência, assim como todas as sem deficiência, possam se socializar e construir conhecimentos, compartilhar saberes, fazer amigos, entre tantos outros benefícios. No entanto, é preciso envolver toda a comunidade educativa, promovendo o ideal da inclusão; de transformação da sociedade, gestores, professores, alunos, pais e funcionários precisam estar cientes das necessidades e importância da inclusão para que atendam e atuem coletivamente para sua consolidação. A inclusão não se dá apenas com a inserção da pessoa com eficiência na escola e em outros ambientes sociais. É necessário que o governo adote políticas inclusivas efetivas. É fundamental que os educadores reflitam sobre o processo de inclusão para que colaborem e sejam propagadores desta, aceitando as diferenças entre os alunos, reconhecendo a escola como espaço heterogêneo e libertando-se de estigmas que levam, ainda hoje, a uma educação que exclui mais do que inclui. Segundo Martins (2006, p.18) a inclusão dos que normalmente são excluídos no espaço de ensino vem sendo reconhecido pouco a pouco e isto é essencial para a dignidade e para a prática dos direitos humanos. 2.2.Síndrome de Down Segundo Pueschel (2006, p. 54), no início do século XX médicos suspeitaram que a causa da síndrome de Down fosse um problema nos cromossomos, mas faltavam técnicas para que exames mais avançados fossem feitos, que comprovassem suas suspeitas. Apenas anos mais tarde, após técnicas laboratoriais terem avançado permitiu o estudo detalhado dos cromossomos da célula humana. Por volta de 1959 Lejeune relatou que a criança com Síndrome de Down tem um cromossomo a mais em cada célula, precisamente no cromossomo 21. É o que relata Pueschel (2006, P. 54): “Em estudos de tais crianças ele observou 47 cromossomos em cada célula, ao invés dos 46 esperados e, ao invés dos dois cromossomos 21 em cada célula, o que levou ao termo Trissomia 21”. Geneticistas descobriram, ainda, que além da Trissomia 21, a síndrome de Down pode ser decorrente de outros problemas nos cromossomos. A translocação, quando a célula possui 46 cromossomos, mas o 21 está ligado a outro que na divisão celular provocará uma alteração e, o mosaicismo, assim denominado por ter as células com 46 e 47 cromossomos formando uma espécie de mosaico, resultado de um erro nas primeiras divisões celulares. 8 São nas células que estão os genes responsáveis por nossas funções fundamentais e aparência. Logo a alteração existente na divisão do cromossomo 21, como aqui explicitado, interfere nas funções fundamentais ao ser humano: sensoriais, motoras, intelectuais e em sua aparência. Assim como as pessoas sem deficiência, as pessoas com síndrome de Down têm características herdadas de seus genitores. No entanto, o cromossomo 21 extra lhe conferirá características que são comuns a todos, que os tornam diferentes de seus familiares e de pessoas sem deficiência, mas parecidos entre si (PUESCHEL, 2006, p.77). Pessoas com síndrome de Down geralmente apresentam a cabeça levemente achatada na parte posterior (braquicefalia), pálpebras estreitas com dobras no canto interno dos olhos, hiponia muscular, atenção baixa, deficiência na memória auditiva de curto prazo, na visão e complicações respiratórias. As características das pessoas com síndrome de Down são variadas, uns podem ter problemas cardíacos congênitos enquanto outros não, por exemplo. Elas são decorrentes de falhas na divisão celular que podem dificultar o desenvolvimento de algumas habilidades, porém estas não determinam que estes sejam impotentes ou incapazes de se desenvolverem plenamente como qualquer outra pessoa. Pueschel (2006, p. 79) afirma a importância de “frisar que as crianças com síndrome de Down são mais semelhantes do que diferentes da criança comum da comunidade.” Muitas vezes os professores não conseguem desenvolver um bom trabalho com as crianças com síndrome de Down por, ainda, considerarem a deficiência como fator determinante de suas possibilidades e sua competência. As oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento são assim minimizadas, o que os prejudica na vida escolar como também fora da escola. A falta de conhecimento e informação, como também o modo como, boa parte, da sociedade concebe a pessoa com deficiência, baseado no modelo médico levam a este prejuízo. É importante tomar conhecimento das características específicas da síndrome de Down para que a educação não esteja fundada nos estereótipos sociais, mas reconheça que as pessoas com a síndrome como diferentes, não apenas geneticamente como também em sua identidade e possibilidades de desenvolvimento global. 2.3.Síndrome de Down e escola Como já foi explicitada, a inclusão requer o envolvimento e a mudança de toda a sociedade. Mas, ainda hoje e durante muito tempo, o processo de ensino-aprendizagem está 9 focado nas limitações; limites que foram determinados pelos preconceitos advindos das concepções do modelo médico de deficiência, ao conceber a pessoa com deficiência como doente e/ou ser inferior, incapaz de pensar, de aprender, de trabalhar, de ter amigos, de conviver socialmente. No cotidiano já se vê muitas pessoas com a síndrome superarem as expectativas para elas estabelecidas, estão formadas, trabalhando, constituindo suas famílias, enfim realizando- se enquanto seres humanos e cidadãos. A TV, por exemplo, enquanto veículo de comunicação de grande abrangência social, apresenta histórias de vida de algumas dessas pessoas, o que contribui para minimizar os preconceitos e ir conscientizando a sociedade sobre as capacidades que estas pessoas também possuem. Isto corrobora com Saad (2003, p.70) ao dizer que: “Dar visibilidade à pessoa com síndrome de Down é uma forma de informar sobre suas possibilidades.” Saad (2003, p.70) fala ainda que as atitudes preconceituosas são excludentes e resultam na eliminação das oportunidades de desenvolvimento do sujeito e deste se reconhecer como um cidadão. Ser cidadão implica que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos que qualquer outro seja este como for. Entre esses direitos esta o de acesso e permanência na escola, direito a uma educação para o pleno desenvolvimento, como rege a LDB 9.394/96. Logo para que as crianças com síndrome de Down tenham um bom desenvolvimento e participem efetivamente das atividades escolares, a fim de consolidarem uma aprendizagem significativa, é preciso que a escola favoreça este processo, dispondo de estrutura física adequada e agradável a todos os alunos, professores formados e atualizados, preparados para promover a inclusão, que conheçam as características específicas dos alunos com síndrome de Down, ao fazer as adaptações necessárias para que estes possam dentro das suas limitações construírem seus conhecimentos. Narotina escolar as atividades propostas precisam atender as necessidades dos alunos, respeitando suas limitações dentro do processo de ensino-aprendizagem. Portanto é fundamental conhecer algumas características do desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança com síndrome de Down, relevantes para este processo. Estas crianças têm um atraso no desenvolvimento da linguagem e dificuldades na oralidade, isso faz com que possuam um vocabulário reduzido, levando-os a se expressarem com pouca clareza, porém compreendem muito bem a fala de outrem. Também tem dificuldades no processamento da memória auditiva de curto prazo. Essas afetam sua capacidade de se expressar e de desenvolverem 10 habilidades cognitivas como pensar, raciocinar e relembrar informações instantaneamente (BUCKLEY; BIRD 1994 apud, BISSOTO 2005, p. 82). Essas características da criança com SD nos remetem ao processo de alfabetização e letramento, no qual essas condições irão interferir e dificultar sua consolidação. É importante considerá-las enquanto dificuldades a serem contornadas. Podemos dizer que a alfabetização parece ser um dos pilares da prática pedagógica, visto que é uma competência fundamental a todas as disciplinas. E ainda que “as crianças e adolescentes observam palavras escritas em diferentes suportes (...). Nessas experiências culturais com práticas de leitura e escrita, muitas vezes mediadas pela oralidade, meninos e meninas vão se constituindo como sujeitos letrados.” (LEAL, ALBUQUERQUE, MORAES, 20 p70) Segundo Soares (1998, p. 47 apud, LEAL, ALBUQUERQUE, MORAES, 20 p.70) alfabetizar e letrar são inseparáveis apesar de serem duas ações diferentes. No entanto, o ideal é ensinar a ler e escrever no conjunto das práticas sociais de leitura e escrita, o que chama de “alfabetizar letrando”. É o que também preconiza o fascículo 1 do Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos anos/séries Iniciais do Ensino Fundamental: Alfabetização e Linguagem (MEC 2008, p. 13): (...) alfabetização como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno ler e escrever com autonomia. Entende-se letramento como o processo de inserção e participação na cultura escrita. Trata-se de um processo que tem início quando a criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade (placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc.) e se prolonga por toda a vida, com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias, por exemplo). Esta proposta considera que alfabetização e letramento são processos diferentes, cada um com suas especificidades, mas complementares e inseparáveis, ambos indispensáveis. Assim, não se trata de escolher entre alfabetizar ou letrar; trata-se de alfabetizar letrando. É esta perspectiva de alfabetização atual, ao mesmo tempo discutida há anos, que os alunos também com deficiência podem ser ensinados à medida que vivem as práticas de leitura e escrita citadas e se relacionam com os diferentes gêneros textuais e seus suportes, pois participam da vida em sociedade. O trabalho educacional deve considerar os impedimentos específicos da síndrome de Down como obstáculos a serem contornados. Utilizar gestos e imagens para dar comandos e ensinar-lhes outros conteúdos curriculares é uma estratégia. Esta estratégia usará a memória visual, que se constitui mais desenvolvida que a auditiva. Além disso, tal estratégia consiste 11 em uma oportunidade para que possam expressar-se a sua maneira e ao seu tempo, com gestos e seu vocabulário particular. Essas são ações que contribuem para contornar as dificuldades já citadas, permitindo que as pessoas com síndrome de Down participem do cotidiano escolar e não sejam excluídas porque possuem impedimentos, como qualquer outra pessoa. De acordo com Bissoto (2005, p. 86) alguns estudos apontam que o desenvolvimento destas pessoas, assim como de pessoas sem deficiência, recebe influências genéticas, sociais, econômicas e culturais. A escola não pode esquecer que o aluno com síndrome de Down e todo aluno com deficiência tem sua singularidade. Para Oliveira (2006, p.115) as pessoas com deficiência, seja ela qual for não tem suas individualidades e personalidades respeitadas pela sociedade e na escola isto leva a “produção do fracasso escolar” de muitos. Compartilhar da mesma síndrome não significa ter as mesmas necessidades, o princípio de igualdade de direitos não pode ser confundido com igualdade na aprendizagem. Estes alunos precisam ser respeitados em seu ritmo de aprendizagem, interesses, aptidões, dificuldades, sentimentos, enquanto ser humano único. “Numa prática curricular guiada por princípios homogeneizadores, há uma concepção intrínseca de que o processo de aprendizagem é igual e ocorre da mesma forma para todos os sujeitos.” (LUNARDI, sd, p. 7) Os ganhos num trabalho que atenta para as necessidades e potencialidades da pessoa com deficiência, estão claramente dispostos por Saad (2003, p.73). Ao concluir as análises de sua pesquisa afirma ser “possível dizer que investir na deficiência resulta em dependência, ao passo que investir no potencial resulta em ganhos como autonomia, participação, dignidade e cidadania.” 3 Delineamento Metodológico Optamos na pesquisa pela abordagem qualitativa, por esta buscar compreender e interpretar os fenômenos sociais e a subjetividade humana, sendo o homem objeto e sujeito da pesquisa (SANTOS FILHO, 2007). De natureza descritiva e analítica, a pesquisa voltou-se para análise das concepções das professoras do ensino fundamental, sobre o processo de alfabetização e letramento das crianças com síndrome de Down e suas implicações a luz das perspectivas de inclusão educacional. De acordo com Bogdan e Biklen (1982 apud LÜDKE E ANDRÉ 1986, p. 11-12) apresentam cinco características básicas para discutir o conceito de pesquisa qualitativa entre elas: 12 O “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são os focos de atenção especial pelo pesquisador. Nesses estudos há sempre uma tentativa de capturar a “perspectiva dos participantes”, isto é, a maneira como os informantes encaram as questões que estão sendo discutidas. Outra característica é a análise dos dados com a tendência de “seguir um processo indutivo”, ou seja, não há uma preocupação do pesquisador em buscar evidências para comprovar as hipóteses anteriormente definidas, é a partir da averiguação dos dados que as abstrações vão se formando ou consolidando-se (LÜDKE E ANDRÉ 1986, p. 13). Portanto, a análise dos dados foi qualitativa, buscando interpretar e descrever as concepções dos professores a partir dos relatos coletados. A pesquisa foi realizada com 3 professoras do ensino fundamental de escolas públicas de Recife e de Camaragibe. Para chegarmos a estas profissionais fizemos visitas em algumas escolas munidas de uma carta de apresentação da Universidade Federal de Pernambuco com o intuito de fazer um levantamento nas mesmas sobre a presença de professoras do ensino fundamental, que possuíssem experiência com crianças com síndrome de Down em sala regular. Das docentes entrevistadas duas foram de Camaragibe aqui intituladas de Professora A e Professora B e uma de Recife Professora C. A Professora A cursou o Magistério, graduação em Licenciatura Ciências com Habilitação em Biologia e é especialista em Administração e Gestão Escolar. Leciona há 22 anos, atualmente trabalha com a turma do 1º ano, faixa etária entre6 e 7 anos, na qual vive a primeira experiência de ensino com um aluno com síndrome de Down. A Professora B tem graduação em Pedagogia e está especializando-se em Formação Professor Básico. Leciona há mais de 25 anos, atualmente trabalha com a turma do 2º ano, faixa etária entre 7 e 10 anos, já teve experiências com crianças com necessidades especiais, mas nesta turma passa pela primeira experiência de ensino com um aluno com síndrome de Down. A Professora C é graduada em Pedagogia e leciona há 20 anos. Atualmente trabalham com a turma do 2º ano do 2º ciclo, faixa etária de 10 anos. Já trabalha com crianças com síndrome de Down há algum tempo, neste momento dá continuidade a um trabalho iniciado na educação infantil. Encontrados os sujeitos com o perfil da pesquisa apresentamos a cada um individualmente os objetivos da mesma solicitando-os a participação no trabalho. Ao obter a confirmação da participação, os dados foram coletados. Entramos em contato com a gestão das escolas e combinamos o tempo e o espaço a serem usados na pesquisa, afim de que as 13 entrevistas fossem realizadas dentro do horário de trabalho das professoras sem causar prejuízos às atividades escolares. Elegemos como técnica para coleta de dados, entrevistas semi-estruturadas, com roteiros simples para orientar a pesquisadora, sendo estas gravadas, mediante a autorização das participantes. Segundo Lakatos e Marconi (2004, p. 278) o objetivo da entrevista é a “obtenção de informações importantes e de compreender as perspectivas e experiências das pessoas”. Seu interesse principal é de “conhecer o significado que o entrevistado dá aos fenômenos e eventos de sua vida cotidiana, utilizando seus próprios termos”. As entrevistas semi-estruturadas seguiram duas de suas modalidades: a focalizada, na qual o pesquisador segue o roteiro prévio e tem liberdade para fazer perguntas e; a não dirigida, em que o entrevistado tem liberdade para expressar e manifestar suas opiniões e sentimentos. (LAKATOS; MARCONI 2004, p.279). Estas objetivaram a coleta de relatos das professoras, mais específicos e detalhados possíveis, sobre as possibilidades de aprendizagem dos alunos com síndrome de Down e as estratégias para a alfabetização deste. Também seus conceitos acerca da inclusão, principalmente no âmbito escolar, verificando a presença de mitos e estereótipos sociais em suas falas, objetivando, contudo, analisar suas concepções. Foi possível, ainda, a obtenção de informações pessoais das professoras pesquisadas (nome, escolaridade, local de trabalho, experiência profissional especialmente na educação inclusiva, formações que participou e se estas tratavam da educação inclusiva). As técnicas foram aplicadas no próprio ambiente escolar no espaço da sala de aula das participantes no momento em que seus alunos encontravam-se em atividade fora da sala, seguindo os seus horários regulares de aula, não havendo nenhum prejuízo as atividades escolares. 4 Resultados e Discussão Tendo por objetivo analisar as concepções das professoras do ensino fundamental, que possuem experiência com crianças com síndrome de Down em sala regular, sobre o processo de alfabetização e letramento, os dados coletados a partir das entrevistas estão analisados com base em categorias que discutem: a) Educação Inclusiva; b) Alfabetização e letramento; c) Alfabetização de crianças com síndrome de Down: possibilidades e estratégias de aprendizagem; d) Formação de professores e inclusão educacional. 4.1.Concepções das professoras sobre a Educação Inclusiva 14 Iniciamos as entrevistas perguntando as docentes seu conceito acerca do termo inclusão e em seguida como compreendiam a atual ação voltada para participação de pessoas com deficiência na escola regular, abordando especificamente a educação inclusiva. Sobre a inclusão, as professoras deixaram claro em suas expressões tanto corporais como verbais a importância que esta tem e sua complexidade. Fizeram uma pausa ao ouvir o questionamento como se estivessem se colocando em um momento reflexivo sobre suas convicções. Iniciaram suas falas na tentativa de responder a questão e logo paravam reorganizando-as, como se não sentissem segurança daquilo que pensam; ao continuarem, usaram uma entonação séria na voz. As docentes fazem uma relação da inclusão com aceitação da sociedade às diferenças entre as pessoas. A Professora C define a inclusão como “o acolhimento de pessoas com diferenças especiais, aceitando essas diferenças e percebendo que essas diferenças não podem estigmatizar”. Enfatiza ainda que: “Todos somos diferentes!”. Concorda com a Professora B que diz ser necessário “um olhar diferente” e ainda que para muitos basta colocar a pessoa em determinado local “ser jogado” que estará incluída. Discordando assim do paradigma de integração no qual a pessoa com deficiência bastava ter acesso aos serviços e bens sociais, como a escola. Neste paradigma a escola ainda percebe-a através dos estigmas sociais decorrentes do modelo médico da deficiência como a passividade, a incapacidade, a invalidez, por exemplo, continuam sendo vistos como incapazes de aprender. (SASSAKI 2006). A Professora B conclui dizendo que a inclusão é “a chance de puder viver em um ambiente conforme todos vivem, ter a mesma opinião, a mesma oportunidade e por aí”. A Professora A responde diretamente sobre o que o professor precisa para incluir os alunos, mas é possível retirar de sua fala que entende a inclusão como a aceitação do aluno com determinada deficiência na sala “incluir o meu aluno com aquela necessidade especial que ele tem.” Podemos perceber na fala das entrevistadas algumas congruências quando falam de acolher o diferente, aceitar suas diferenças; do preparo necessário, que tem de receber o aluno na sala regular. Porém o tema inclusão ainda parece causar confusões; pois enquanto a Professora B define como “chance” a Professora C define como “direito”: “A escola é um direito de todo brasileiro, portanto, os portadores de diferenças especiais tem o direito a escola”. 15 A inclusão é um conceito abrangente que remete a participação de todos aqueles que de algum modo estão excluídos da sociedade em seus sistemas gerais (SASSAKI 2006, p. 39; PIRES 2006). Entendemos que as pessoas com deficiência compõem parte deste público. Segundo Mantoan (2006, p. 15) os debates acerca da inclusão trouxeram para a escola brasileira o desafio de se organizar pedagogicamente para garantir o acesso e a permanência dos alunos com deficiência na escola sem discriminações, valorizando as diferenças. Percebemos com as entrevistas, que a educação inclusiva é tratada como uma aceitação das diferenças de cada um. Este é um dos princípios que conduzem a prática da inclusão social, como também a convivência, considerando a diversidade humana, a aprendizagem através da cooperação e a valorização de cada pessoa. Trata-se de aceitar, conviver, valorizar e aprender, considerando que existe uma diversidade humana e não que apenas a pessoa com deficiência seja “o diferente”. Esta diversidade “é representada, principalmente, por origem nacional, sexual, religião, gênero, cor, idade, raça e deficiência”. (SASSAKI 2009, p. 40) No entanto, essa aceitação falada parece não ser algo simples, afinal a inclusão é um processo complexo de mudança nos saberes sociais é trabalhoso por exigir uma nova organização das práticas pedagógicas. Martins (2006, p. 20) afirma que são implicações do processo educativo “rever concepções, estratégias de ensino, de orientação e de apoio aos alunos, afim de que possam ter suas necessidades reconhecidas e atendidas, desenvolvendoao máximo as suas potencialidades” A Professora A ao ser questionada sobre a ação de incluir as pessoas com necessidades educacionais especiais (NEE) na sala regular diz que esta “tem que estar voltada para as necessidades daquele aluno”. Todavia se contradiz ao expor que melhor seria se para cada turma houvesse apenas “uma só especialidade”. Afirma que isso não acontece atualmente, no caso desta participante ele tem em sala um aluno com Deficiência Intelectual (DI) além do aluno com SD. Podemos inferir que para a Professora A existe um limite para inclusão e, mesmo defendendo este paradigma, a mesma sucumbe à segregação, pois defende a aceitação dos alunos na sala regular de acordo com seus “problemas”: “Hoje, nós estamos aceitando duas ou mais problemáticas de deficientes dentro da sala de aula”. A professora B também se contradiz, apesar de considerar a inclusão importante, ela inicia a entrevista dizendo: “Eu entendo que inclusão seja algo não... Agora eu faço assim: muitas pessoas acham que a inclusão é você colocar aquela, aquela ou coisa, ou pessoa, ou seja lá o que for, naquele local e ser jogado, né?” Sem perceber as docentes A e B usam em seus discursos, as expressões sublinhadas anteriormente, termos que tratam a deficiência 16 como um objeto, algo estranho, um problema com o qual terá de lidar em sala de aula. Percebe-se o quanto os saberes sociais arraigados ainda interferem nas práticas escolares, mesmo que haja uma compreensão dos princípios da educação inclusiva, esses saberes podem interferir ou determinar o trabalho a ser realizado e a maneira como os alunos com NEE serão percebidos na escola. No começo do processo de implementação da educação inclusiva segundo as Professoras A e C houve muita resistência por parte da escola e dos professores. De acordo com a fala da primeira, esta foi devido ao receio, o medo dos professores de não saber como trabalhar com aquele aluno. Já para a segunda, além da falta de informação havia também o sentimento de solidão, pois os docentes se viam sozinhos para o processo educacional no âmbito escolar: Eu acredito que essa inclusão que estamos tendo agora tá quebrando o tabu que o professor tinha porque quando foi para incluir esses alunos em sala houve uma resistência, mas com a oferta de formação que a rede tá oferecendo a gente tá tendo formação, fica um estagiário aqui e eu e minha estagiária saímos para formação. Então acho que tá quebrando aquele preconceito e aquele receio, né? Eu acho que era mais o medo de como trabalhar com aquele meu aluno. (Professora A) Quando veio a proposta de inclusão se matriculou crianças e várias escolas saíram matriculando. Mas depois desse período as escolas criaram resistência, pronto, teve um momento que as pessoas se abriram pra isso, mas quando viu que o retorno vindo do governo e de demais outras estâncias você não tem. Então é você sozinha foi-se de um jeito ou de outro procurando uma forma de negar. (Professora C) No geral, as docentes reconhecem que na educação inclusiva é necessário olhar diferente para as pessoas com deficiência, considerando suas peculiaridades. Entretanto, ainda percebe-se em alguns momentos de seus discursos que a deficiência ainda é compreendida como um fenômeno centrado no indivíduo, ou seja, a pessoa com deficiência é diferente enquanto os outros são iguais/ normais. De acordo com Guebert (2007, p. 37) com a inclusão a deficiência passa a ser entendida como uma característica da pessoa e não mais a pessoa como uma deficiência. Tais mudanças são necessárias para que se possa incluir, ao romper com o modelo médico de deficiência. No âmbito educacional, inclusão se traduz pelo respeito ao aluno, ao se contemplar, de fato, todas as dimensões necessárias a aprendizagem do aluno. No caso deste manuscrito, a ênfase está na alfabetização e letramento, conforme discussão a seguir. 4.1.1 Os conceitos de alfabetização e letramento das professoras 17 Passamos a conversar sobre a alfabetização, perguntando as professoras como conceituavam. As professoras compreendem a alfabetização de maneira bem distinta. No entanto, podemos inferir que suas compreensões parecem abstratas, limitadas ao conceito de aquisição de habilidades técnicas, motoras de codificação e decodificação. No quadro abaixo podemos ver suas respostas. A professora B diz ser “o saber” e ainda que o aluno tenha de está seguro daquilo que aprendeu. De que saber está se falando? Seguro de que aprendizagem? A docente não discorre sobre quais os saberes são mobilizados e ensinados no processo de alfabetização, além de parecer considerar o aluno como alguém que não é dotado de conhecimento, pois enquanto ser imaturo ele não pode ser considerado alfabetizado. Parece está presa a ideia de que as crianças são tabulas rasas onde se deposita conhecimento, bem como ao conceito de maturação das teorias cognitivistas, priorizando-se, assim, práticas homogeneizadoras. Enquanto a professora C define como “aquisição da leitura e da escrita” e de compreender o mundo, parecendo existir a concepção de os alunos são tabulas rasas, dentro de uma prática também homogeneizadora. Tal prática homogeneizadora (tradicional) é percebida no relato da professora, que concebe a prática pedagógica na alfabetização como o ensino de “como se inicia as letras”, ao reproduzir um modelo que foca no ensino e não na aprendizagem do aluno. A professora B coloca também durante sua fala que a alfabetização é um processo sem fim que se inicia na educação infantil e segue perpassando os demais níveis escolares. Nesse sentido, Soares (2011, p. 15) destaca: É verdade que, de certa forma, a aprendizagem da língua materna, quer escrita, quer oral, é um processo permanente, nunca interrompido. Entretanto é preciso diferenciar um processo de aquisição da língua (oral e escrita) de um processo de desenvolvimento da língua (oral e escrita); este último sem dúvida nunca é interrompido. Não parece apropriado, nem etimologicamente nem pedagogicamente, Rapaz! Alfabetizar? Principalmente... num vou nem dentro de um conceito da...das normas técnicas, né? Mas informar principalmente aos nossos alunos como se inicia as letras, certo? É... os conceitos, a quebra de brincadeiras para a aprendizagem no dia a dia é alfabetizar. Porque hoje eu num faço... Alfabetizar é ensinar através de brincadeiras e de forma prazerosa os meus alunos. (Professora A) Alfabetização? Agora eu faço assim: é o saber. O ser ele tem que sabe; então ele ser... alfabetização ele estar alfabetizado e compreender o que ele conheceu porque a alfabetização. (...) Bom, pra mim não é uma alfabetização ele tem que tá seguro do que ele realmente aprendeu do que, entendeu? Do que conheceu ele tem que tá seguro daquilo enquanto ele tiver imaturo pra aquilo não é uma alfabetização pra mim tem que tá muito seguro. (Professora B) É a aquisição da leitura e da escrita e compreensão do mundo que o cerca. (Professora C) 18 que o termo alfabetização designe tanto o processo de aquisição da língua quanto o de seu desenvolvimento. De acordo com o conceito de alfabetização abordado nesta pesquisa, a alfabetização refere-se às habilidades de codificar e decodificar, mas não se resume a elas. Porém tais habilidades devem ser construídas ainda ensino fundamental – anos iniciais- e não se chegar até a faculdade apropriando-se destas. Os processos de alfabetização e de letramento como já explicitaram no referencial, apesar de distintos são inseparáveis não envolve apenas o ensino para aquisição destas habilidades, mas “ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais de leitura e escrita”. (SOARES 1998apud LEAL, ALBUQUERQUE, MORAIS 2006, p. 70) Apesar de distintas as afirmações das entrevistadas parecem estar voltadas para um ensino ainda tradicional no qual prevalecia memorizações de símbolos, sem reflexão sobre porque usamos letras para escrever, o que elas representam, o que se escreve, porque se escreve e como se escreve, por exemplo. Quando se ensina apenas os códigos para memorizações exaustivas despreza-se a realidade de que a escrita é um sistema notacional e que implica pensar sobre como este funciona, conforme discute Morais (2005): “concebemos erroneamente que a tarefa do aprendiz consistiria em ‘dominar um código’ e subestimamos a fascinante empreitada cognitiva que ele terá que assumir” (p.38). Nenhuma das professoras fala do uso de textos e da importância da leitura para o processo de alfabetização a princípio. Apenas quando questionamos sobre as estratégias de ensino a professora C discorre sobre a importância de um ambiente alfabetizador por proporcionar um contato diário com a leitura e a escrita. Estas ações implicam motivação dos alunos, além de reduzir as diferenças sociais, assegurando assim “a vivência de práticas reais de leitura e produção de textos diversificados” (LEAL, ALBUQUERQUE, MORAIS 2006, p. 81). Podemos inferir dos discursos das participantes que a alfabetização ainda gera muitas definições entre os docentes que parecem não ter clareza do que é este processo e o que nele está implicado. Logo, a concepção de “alfabetizar letrando”, objetivando que alunos se constituam sujeitos letrados parecem ser ainda muito complexo, não só nas práticas como também nos saberes docentes. Soares (2011, p. 18) afirma que “a respeito do conceito de alfabetização, que essa não é uma habilidade, é um conjunto de habilidades, o que a caracteriza como um fenômeno de natureza complexa, multifacetado.” Sendo assim, “alfabetizar letrando” implica reflexões acerca da prática e das concepções que professores adotam a fim de garantir o direito não apenas de ler e registrar palavras com 19 autonomia através da escrita alfabética, como também de ler, compreender e produzir seus próprios textos (LEAL, ALBUQUERQUE, MORAIS 2006, p. 81). 4.2 As estratégias usadas pelas professoras na alfabetização de crianças com síndrome de Down. Continuando a entrevista passamos a conversar sobre a síndrome de Down. A priori questionando as professoras a respeito de seu conceito acerca desta e em seguida sobre as estratégias usadas e dificuldades encontradas por elas nesse processo de aprendizagem, especificamente de alfabetização. As entrevistadas conceituam a síndrome como uma falha, acidente ou distúrbio genético. A Professora A é um pouco mais precisa e acrescenta é “a falha na divisão celular, né? Justamente na bipartição das células”. As professoras são objetivas em suas respostas quanto às questões da genética. Apenas a Professora B fala um pouco mais sobre a SD dizendo considerá-la não tão grave com relação a outras “deficiências” e o que estas pessoas precisam mesmo é de muita ajuda da sociedade por serem muito frágeis. Observamos, mais uma vez, que as professoras estão cativas aos conceitos do modelo médico de deficiência, no qual as pessoas com deficiência eram segregadas de acordo com o grau de comprometimento de suas funções cognitivas. Questionadas a respeito de como adquiriram seus conhecimentos a respeito da síndrome, as Professoras B e C afirmam ter sido principalmente através de pesquisas, referindo-se a auto-formação que discutiremos mais adiante. Já a Professora A é restritiva: “Foi da minha formação acadêmica, viu?” Ainda sobre esta questão nos chamou atenção à fala da Professora B, ela diz ter aprendido também através do contato diário com o aluno. A formação ela nos trás, né? algumas coisas que e a gente fica assim, tira dúvidas de algumas coisas que a gente tem dificuldade, mas eu acho que o dia a dia é que faz a gente perceber muita coisa também entender e compreender muita coisa... fora a formação. (Professora B) Durante as entrevistas as participantes usam termos como: o síndrome de Down, esse problema, problemáticas, palavras aqui soltas, mas dentro de seus discursos carregadas de sentido (barreiras atitudinais). O uso destes termos nos remete as concepções do modelo médico da deficiência no qual as termologias empregadas estavam relacionadas ao conceito de que a deficiência determinava o indivíduo, como falamos anteriormente, com a inclusão a deficiência passa a ser uma característica, parte da pessoa e não o indivíduo em si, pois as 20 pessoas com deficiência têm sentimentos, desejos, são sujeitos pensantes (GUEBERT 2007 p. 37). Isto evidência a complexidade da inclusão enquanto processo de transformação nas diferentes dimensões sociais, mostra o quanto ainda esta concepção está arraigada no saber popular e que pode se refletir nas práticas educacionais. Vale salientar que o uso destes termos são formas de discriminação por parte das docentes. Apesar de parecer apenas um “modo de falar” que ainda é comum na sociedade. São decorrentes de uma cultura baseada em estigmas na qual a sociedade esteve cativa durante anos. O estigma faz da pessoa um ser incomum e desacreditado (SAAD 2003; OLIVEIRA 2006). Abordamos a temática da discriminação nas entrevistas perguntando as docentes se no espaço escolar elas acreditavam haver alguma forma preconceito. Todas disseram que não há, nem por parte das crianças, tão pouco delas ou das estagiárias. Apenas a professora B disse ter havido no começo do ano letivo quando o aluno com SD chegou à sala, mas logo foi contornado através do diálogo em sala que contou com a participação da diretora. Afirmou ainda que através do convívio diário isso foi superado como está no trecho abaixo. Professora B: Logo quando a gente começou em fevereiro desse ano, quando ele chegou aí sempre assim, chamava ele de doidinho, né? Mas aí a gente foi conversando, conversando aí hoje tá... Pesquisador/a: Então, houve só no começo, mas com o convívio... Professora B: Foi... o convívio, logo no começo depois as crianças aceitaram na maior. Percebemos que acreditam em práticas voltadas para superar as limitações encontradas, tanto os impedimentos próprios da síndrome como também atentando para os referentes ao nível de aprendizagem, realizando adaptações nas atividades realizadas. Concordando com que o atendimento às pessoas com deficiência não deva ser em função de suas limitações, mas de suas capacidades de desenvolvimento e mudança (MAZZOTTA 1982, apud SAAD, 2003 p. 68). Veja só, pra mim as dificuldades que uma criança com Down apresenta são as dificuldades que uma criança normal apresenta, uns mais outros menos. Então assim toda minha estratégia era eu perceber qual a dificuldade maior da criança. Bom, aquela criança tem um problema de visão porque muitos deles tem o problema de visão mais acentuado, então os cartazes que eu fazia eram maior, que chamassem mais atenção dele, o espaço tem que ser um espaço alfabetizador, eles tem que olhar e ver todos os dias a quase todo momento um espaço de escrita e leitura.(Professora C) As professoras demonstram acreditar nas capacidades de aprendizagem dos alunos com SD afirmando que encontram dificuldades como a lentidão na realização das atividades, no raciocínio, a desatenção, falta de concentração, um pouco de agressividade e de 21 compreendê-los devido aos problemas na fala. De acordo com Bissoto (2005, p. 86) a ação educacional precisa considerar que “há necessidades educacionais próprias de aprendizagem relacionadas à especificidade da síndrome, que devem ser investigadas, reconhecidas e trabalhadas através detécnicas apropriadas, sendo importante uma adoção de uma diversidade de recursos.” Mas é uma coisa assim que a gente percebe que eles são muito frágeis, entendesse? Que eles precisam muito, muito da sociedade. Aqui o aluno mesmo ele, ele toda atividade ele já lê, lê não. Ele já conhece as letras do nome dele, ele faz o primeiro e o pré-nome, mas ele não consegue fazer sozinho. Ele é muito dependente da gente, muito, muito síndrome de Down. Agora é uma necessidade assim, que eu acho, que pras outras, não são assim muito difícil, difícil dele aprender. Agora claro todos vão ter aquela lentidão pra aprender, mas síndrome de Down, agora eu faço assim é um distúrbio na gestação. (Professora B) Sabendo que os portadores de SD, conseguem aprender, e que apresentam diferenças como qualquer outra criança, pois uns aprendem com mais lentidão, outros são mais rápidos. (Professora C) De acordo com a Professora C não há muita diferença na alfabetização do aluno com ou sem síndrome de Down. Ela defende o princípio que todos somos diferentes e não apenas os que possuem alguma deficiência. Enquanto as demais participantes dizem que além das adaptações nas atividades, e mesmo este aluno participando da rotina escolar com os demais, precisa de mais atenção. Então, as professoras dedicam um momento específico para acompanhar o aluno na realização das tarefas propostas, garantindo, assim, que eles a realizem. No entanto as professoras A e B ao discorrerem sobre suas estratégias deixam claro que estas são limitadas e não propõem desafios mais complexos aos alunos com SD. Adiante evidenciamos isto a partir da fala de uma das participantes, além de podermos ver a sua confiança no trabalho realizado, e o “fracasso escolar” do aluno com a justificativa da evasão deste devido à falta de comprometimento da família. O que eu pude fazer eu fiz da melhor forma possível infelizmente não deu sequência porque ela não trouxe, mas eu tenho certeza se ela trouxesse ele desenvolveria um pouco mais a coordenação motora, porque ele não pegava material nenhum aí o que eu fiz com ele antes de rasgar papel eu dava o jornal pra ele cortar porque ele não sabia pegar em tesoura. Estava dando jornal, papel ofício pra ele que é bom pra ele desenvolver a coordenação, ensinando a ele fazer bolinha, jogar com os colegas. Foi isso que eu busquei e infelizmente não teve um acompanhamento porque eu acredito hoje eu acho que ele já estava pegando. (Professora A) As educadoras acreditam no princípio de que essas crianças compreendem mais do que conseguem expressar (FOREMAN; CREWS 1998 apud BISSOTO 2005, p. 85). A Professora C relaciona a agressividade com a dificuldade de comunicação que algumas crianças com Down apresentam: “porque quando a criança, o ser não consegue se 22 comunicar, não consegue expressar aquilo que está sentindo então, ele reagia com violência”. Para ela, isso os aborrece porque não conseguem se fazer entender. Interrogamos as participantes sobre seus conhecimentos a respeito dos sistemas comunicação alternativa/ aumentativa; todas informaram desconhecer qualquer sistema. No entanto, a Professora C fala sobre a necessidade de usar recursos visuais e sinais em sala de aula, por exemplo, cartazes com letras maiores e cores fortes. Na comunicação usar conjuntamente sinais associados à fala, pode diminuir as dificuldades de comunicação aprimorando o padrão da fala e o conteúdo da linguagem (FOREMAN; CREWS 1998; BUCKLEY 1993 apud BISSOTO 2005, p. 85). Diferentemente a professora A, apesar de conhecer as dificuldades do aluno e adaptar atividades para este, ainda, exige muito que o aluno com SD desenvolva a oralidade. Ela diz que pede que ele fale, mas ainda só consegue balbuciar. Então a partir da orientação de uma fonoaudióloga emprega uma metodologia que consiste em repetir várias vezes uma palavra afim de que ele a fale. Durante a entrevista quando conversamos sobre as estratégias usadas, dificuldades e nível de aprendizagem dos alunos com SD, foi perceptível a ansiedade da professora A para com a construção da oralidade da criança. Ela relata que, quando chegou à escola, o aluno não interagia nem falava nada, mas com o convívio escolar passou a balbuciar e interagir minimamente. Então tinha que buscar a oralidade dele e jogos que propusessem a ele atividades de coordenação motora. (...) Então oralmente J não fala, além de não falar só balbuciava, a gente ficava puxando dele e ele não fazia... só respondia através de estímulos: hum! Era algo que ele queria fazia: hum ! A coordenação motora dele, motora, ele não tá nem em rabisco, nem em desenho. Ele não sabe rabiscar. Todo comprometido a oralidade e a motora. (Professora A) Inferimos a partir das falas das professoras que os alunos com SD não são “difíceis de aprender”, como afirma a Professora B, mas que é necessária uma prática pedagógica que atente tanto para seus impedimentos específicos decorrentes da síndrome quanto para as dificuldades do processo de ensino-aprendizagem, bem como das questões culturais e sociais que estão além dos muros da escola. Sendo assim, concordam com Lunardi (sd, p. 7) ao afirmar que na escola práticas conduzidas por princípios homogeneizadores concebem a aprendizagem dos alunos como se fosse um processo que ocorre de maneira igual para todos. Todas as educadoras de alguma forma comentaram sobre os problemas encontrados fora da escola que refletem no processo educacional das crianças com SD. Em especial, podemos destacar em comum nos seus discursos a participação da família, que além da dificuldade em 23 aceitar esta criança tem outro desafio de expor-las aos diferentes saberes e imaginários sociais (OLIVEIRA 2006, p. 98) que as discriminam. Os alunos das professoras A e B não frequentam regularmente as aulas o que atrapalha seu desenvolvimento. A professora A diz, ainda, que sempre conversa com a mãe do aluno incentivando-a a levá-lo para a escola para que haja mais avanços em seu desenvolvimento. Eu levei pra direção a direção buscou telefonar, insistir. Mas ela disse que não tava podendo vir porque estava sem condição, tinha que trazer ele de transporte alternativo e ele tinha carteira de transporte alternativo, eu não sei se ela tinha carro, mas pelos padrões tudo, eu acho que a mãe dela segundo ela me falou, que a mãe não queria que tirasse ele de casa, que ele viesse caminhando, queria que ela trouxesse ele no braço. Aí eu disse mãezinha você sabe que ele tem que incluir e ela sabe, que é acompanhado pelo psicólogo que tem que incluir, mas ela não quer... a vó não aceitava que ele fizesse nada. Eu disse: você num ver tantas crianças com portadoras de SD ter um bom desempenho pra teatro, música e ela tinha terapia ela me dizia: amanhã eu não venho porque à tarde eu vou levar ele pra fono, tal dia tem psicólogo. Eu tá, mas os dias que tiver disponível venha, por favor, porque a psicóloga vai fazer a parte dela e eu a minha aqui na sala de aula porque eu estou comprometida com J. Aí ela: tá certo. Mas... (Professora A) Segunda a Professora A trazer o aluno com necessidades educacionais especiais para sala de aula regular ajuda a quebrar o tabu das famílias que escondem as crianças devido à deficiência quando discorre: “Tem que trazer pra sala regular. Até porque quebra aquele tabu da família, né? De esconder”. Algo também importante para quebra de tabus, de acordo com a Professora A, é a formação de professores por diminuir a insegurança destes em desenvolver um trabalho com o aluno com deficiência. Para as mestras as formações proporcionam um preparo dos mesmos para poder atender as necessidades educacionais dos alunos de acordo com os princípios de inclusão educacional.4.3 Formação de professores como fator fundamental ao processo de inclusão educacional Durante as entrevistas a temática de Formação de Professores apresenta-se de modo marcante. Por isso, mesmo não sendo inicialmente interesse desta pesquisa a abordagem desta temática descobrimos em seu decorrer que se fazia necessário discuti-la, pois aparece no discurso das docentes como um fator fundamental, que leva a uma tomada de consciência sobre a inclusão educacional e suas implicações. Nas entrevistas foi possível perceber que elas reconhecem a formação como indispensável e fundamental para que a inclusão de crianças com deficiência nas salas de aula 24 regular possa de fato acontecer. A essa formação, duas das entrevistadas chamam de “preparo” tanto dos docentes quanto da escola como podemos ver abaixo. (...) o professor tem que tá bem capacitado, bem coordenado para aceitar o aluno com deficiência dentro da sala de aula. A inclusão sem preparo num vai incluir vai excluir. (Professora A) Porque a inclusão pra mim é uma coisa assim, que você tem que dá toda atenção. Já tá dizendo inclusão é uma coisa que precisa de todo um preparo. (Professora B) E a escola precisa estar preparada para receber. A escola é um espaço de formação e informação. Se queremos uma sociedade que aceite e respeite as diferenças a escola precisa ser um espaço de aceitação. (Professora C) A professora C explica que a partir do primeiro contato com um aluno com SD, passou a pesquisar, se auto-formando, por exemplo, conversando com especialistas como uma fonoaudióloga. Ela expõe que em anos trabalhando na rede com crianças com SD nunca participou de formação alguma, a não ser em outro local onde trabalha. A auto-formação é um ponto comum entre as participantes, todas dizem ter recorrido a alguma ou algumas formas de pesquisa em busca de adquirir conhecimentos favoráveis ao trabalho com o aluno com SD. Ao discorrerem voluntariamente sobre suas práticas com esse aluno, elas as justificam colocando que ao pesquisarem ou conversarem com alguém aprenderam que agindo assim, usando isso ou aquilo, estariam trabalhando para o desenvolvimento dos mesmos. No geral as participantes enfatizam que é importante que o professor busque por conhecimentos - a auto-formação. Todas colocaram que foi preciso preparar-se, buscaram formar-se e informar-se para realizar o trabalho em sala de aula, assim que se depararam pela primeira vez com um aluno com SD. O que eu busquei foi o quê? Através da internet como trabalhar com aquele meu aluno, porque eu só tinha, o quê? Conhecimento teórico e não tinha a prática, porque meu primeiro ano pra trabalhar com síndrome de Down foi este, é este, estava está sendo este ano tá sendo interrompido. Aí o que foi que eu fiz? Fui buscar através da pesquisa conteúdos e como desenvolver aquelas atividades, qual seria a minha interação e desenvolvimento psicológico, pessoal e principalmente técnico com aquele aluno. (Professora A) Porque a gente tem que buscar, porque se a gente não buscar agora eu faço assim, a gente corre logo pros livros ou pra internet, agora internet, né? (Professora B) E eu assim... como eu tinha a proposta de aceitar esses alunos então eu tinha que correr atrás e pedir ajuda. Foi quando eu procurei a “fono” que me ensinou uma serie de exercícios. (Professora C) 25 Em determinado momento a professora B se remete a formação, logo no começo da entrevista, como se tentassem justificar certa insatisfação no trabalho realizado devido à falta desta. A gente tá faltando muita coisa ainda pra gente puder abraçar, né? Apesar de que a gente abraça essa pessoa inclusa dentro da sala de aula, a gente tenta vê eles, né? Com um olhar diferente, respeita os alunos os próprios colegas também respeitam, mas a gente vê assim, uma falta assim, de um preparo maior pra que a gente possa dá o melhor ainda. A gente faz o possível, mas a gente precisa de um preparo maior pra poder a gente abraçar mesmo, né? E fazer um trabalho melhor. (Professora B) As participantes expõem que as formações que já tiveram a oportunidade de participar voltaram-se para temas relativos a teorias sobre a inclusão, sobre o que é a SD, suas características e limitações. Para a Professora A, a formação oferecida pela rede na qual trabalha tem sido excelente, pois abrange como trabalhar com o aluno e como avaliá-lo. Entretanto, não detalha a questão da alfabetização, logo fala, com entusiasmo, sobre uma formação que participou recentemente. Parece que essa formação supriu uma necessidade particular de como avaliar o aluno com síndrome de Down. A docente considera temática mais importante do que o processo de alfabetização. Ela diz que tinha dificuldades, pois dava um conteúdo e ficava se questionando sobre como fazer a avaliação. Foi bem oferecido, eu digo a você uma coisa: eu participei três anos da coordenação pedagógica e o suporte que a prefeitura me deu foi excelente e hoje dando continuidade, né? Porque não só alfabetizar, mas principalmente como avaliar o meu aluno. E hoje a rede direcionou à avaliação porque minha problemática era isso: eu dou o meu conteúdo e como eu vou avaliar aquele meu aluno? Porque tem que ver que ele não esta ao mesmo nível, né? Então houve um avanço, e que avanço foi esse? Será que esse avanço eu devo direcionar ele pra que outro, próximo ano. Então ela tá dando aquele suporte de como avaliar aquele meu aluno. Hoje está bem que só! (Professora A) A Professora A fala ainda que com as formações o receio e o medo das professoras foram quebrados. Para ela, o preconceito era um medo ou receio de não saber como trabalhar com crianças com deficiência. Segundo Saad (2003, p. 70) “a atitude preconceituosa, por ser excludente, elimina as oportunidades de desenvolvimento maior do sujeito de até de perceber- se como cidadão”. No entanto para a Professora C tem uma concepção distinta da Professora A, para ela nas formações ainda falta muito com relação a discussões a respeito do trabalho metodológico, diz que é uma necessidade e um pedido dela e de outras docentes que se discuta o “como fazer”. Segundo ela a troca de experiências com as colegas de trabalho ajuda no trabalho que é desenvolvido. 26 Eles falam muito assim, da deficiência em si, do que eles podem alcançar e como podem alcançar, que são mais lento, né? Em relação aos normais... é mais assim, mas assim, o alfabetizar a criança assim, ainda não. E é isso que a gente pede. O professor ele tá em busca disso, faz esse pedido para que possam conceder a gente essa formação e não só ao professor que tem esse aluno, mas a todo professor da rede. Porque eu posso tá hoje com ele, mas amanhã ele vai ser de outra professora, e essa professora? Então a gente tem que tá formada. (Professora C) Contudo, inferimos que as formações acerca da educação inclusiva parecem ser limitadas aos professores que trabalham com alunos com deficiência e de acordo com a especialidade atendida. Como podemos ver na fala acima a professora contesta esta prática por entender que os educadores precisam estar preparados para realizar em sala ações que possam de fato incluir os alunos com NEE. A Declaração de Salamanca (1994) traz a perspectiva de que a “preparação apropriada de todos os educadores constitui-se um fator chave na promoção de progresso no sentido do estabelecimento de escolas inclusivas”. 5 Considerações Finais Podemos concluir que as professoras compreendem a importância da inclusão educacional como uma ação que objetiva incluir os alunos com deficiência em praticas sociais comuns a todos os cidadãos proporcionando um convívio que compreende, valorizae respeita as diferenças. Consideram, as mesmas, que este seja um processo difícil por acreditarem que a escola não esta preparada para atender as necessidades educacionais dos alunos, necessitando de recursos materiais e de profissionais com formação continuada que discuta as questões pedagógicas que favoreçam a aprendizagem aos diferentes alunos, considerando suas peculiaridades. Todavia, é possível perceber que os discursos das docentes trazem concepções do modelo médico da deficiência que precisam ser refletidas a fim de que estes não se reflitam no modo como as mesmas iram desafiar as crianças com SD em sua aprendizagem. Apesar de acreditarem nos potenciais destas crianças não as estimulam a processos mais complexos de aprendizagem, parecem propor-lhes os mesmos desafios, com exceção da Professora C. Acreditamos que apesar de desfrutarem da mesma rotina e temáticas em sala de aula a alfabetização e o letramento das crianças com SD estão limitados. Com esta pesquisa podemos perceber que há uma necessidade de investigar e discutir as práticas de alfabetização e letramento de crianças com SD, bem como de outros impedimentos cognitivos. E, ainda, necessidade das formações de professores abordarem as temáticas a 27 cerca da educação inclusiva, como se defende na Declaração de Salamanca (1994), não apenas para caracterizar as pessoas com deficiências, mas também discutir estratégias de ensino tanto na área aqui pesquisada como nas demais do currículo escolar. Outra questão é pesquisar o número de crianças com impedimentos cognitivos frequentando regularmente a escola, visto que nesta pesquisa houve uma dificuldade em encontrar professores com experiências com alunos com SD. Além de as participantes infirmarem uma evasão destes alunos. Referências BISSOTO, M. L. O desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem do portador de Síndrome de Down: revendo concepções e perspectivas educacionais. Ciências & Cognição. Ano 02. Vol. 04, mar/2005. Disponível em www.cienciasecognicao.org FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. FAZENDA, Ivani. 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