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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 2 Sumário OLHAR A DIVERSIDADE, OLHAR O TODO. .................................................... 7 ABORDAGEM TEÓRICA ..................................................................................... 9 O PROFESSOR E O DIFERENTE ................................................................... 12 A DIFERENÇA E A PRÁTICA PEDAGÓGICA ..................................................... 17 A AÇÃO PEDAGÓGICA DIANTE DA DIVERSIDADE: FORMAÇÃO COMPETENTE ................................................................................................ 22 RESISTÊNCIAS ................................................................................................ 25 CONTEXTUALIZANDO A AÇÃO PEDAGÓGICA ................................................ 30 A INCLUSÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS............................................................. 35 DIVERSIDADE NA APRENDIZAGEM E “DIVERSIDADE NA ENSINAGEM” .. 55 A CONSTRUÇÃO DOS LAÇOS AFETIVOS NO AMBIENTE ESCOLAR ...................... 73 A PLURALIDADE NA ESCOLA .......................................................................... 74 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS ......................................................................... 89 A DIVERSIDADE DE APRENDIZAGEM SOB A PERSPECTIVA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS ......................................................................... 94 A DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ................................... 96 A EJA E OS ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS .... 98 O FILHO COM DEFICIÊNCIA........................................................................... 106 PREVENÇÃO .................................................................................................. 122 O APGAR ......................................................................................................... 125 CRISES CONVULSIVAS .................................................................................. 134 3 ESSAS SUGESTÕES SÃO DADAS PARA AS PESSOAS QUE TÊM EPILEPSIA ..................................................................................................... 144 TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO (TID) .................... 152 TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO DISRUPTIVO ............................................ 164 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E VISUAL .......................................................... 180 DEFICIÊNCIA FÍSICA E AUDITIVA .................................................................. 195 DIVERSIDADE NA SALA DE AULA .................................................................. 211 ASPECTOS EMOCIONAIS E O COTIDIANO ESCOLAR ....................................... 228 REFERÊNCIAS ............................................................................................... 252 4 Apresentação Caro aluno, Nosso objetivo é discutir a diversidade e suas particularidades nas diferentes necessidades especiais, considerando aspectos sociais, emocionais e relacionais que de alguma forma interferem na aprendizagem. Quando falamos em necessidades educativas especiais, estamos falando de algo complexo. Mesmo entendendo a filosofia inclusiva como justa e promotora de um contexto escolar melhor para todos, precisamos de muita cautela ao conduzila. O ato de inserir o aluno com necessidades educativas especiais no Ensino Regular por si só seria uma pseudoinclusão, o que soa-nos no mínimo como irresponsabilidade. A inclusão, por mais justa que seja, requer reflexão e preparo do contexto escolar. Acreditamos que possam existir diferentes formas de inclusão que respeitem a diversidade do alunado. A singularidade de cada indivíduo suscita a observância de cada situação em particular. Propomos aqui uma discussão da diversidade e da subjetividade de cada sujeito, incluindo o educador, considerações detalhadas sobre as necessidades especiais e suas particularidades diante da situação de aprendizagem. 5 A seguir, uma poesia sobre a alegria em ser um professor especial. Iolanda Santos Nascimento Ser professor é uma benção E tenho a graça de ser É uma missão divina Que muito me dá prazer Quando chego à escola O que mais me alegra ver É o sorriso dos meus alunos E a alegria deles ao me receber Gosto de todas as crianças Do jeito que elas são Para mim são como filhos Os filhos do coração Por eles me sinto amada, Me aceitam como sou Sou feliz com meus alunos Onde quer que eu estou Na escola, as nossas aulas É um grande divertimento Não há lugar pra tristeza Tudo é só contentamento. São crianças muito sensíveis Solidárias e amorosas Amam com sinceridade E são muito carinhosos Se algo me entristece Deles não posso esconder Quando percebem me abraçam Pra tristeza desaparecer 6 Por eles sou compreendida Somos mais que aluno e professor Nossa relação é de amizade Confiança e muito amor Somos amigos, companheiros. Para mim são todos especiais Apesar de terem uma necessidade São crianças geniais Por terem uma necessidade São alvo de discriminação Por pessoas que não sabem amar Sem sentimento no coração Se eu pudesse acabaria Com qualquer tipo de preconceito Pois além de ser uma vergonha Só traz tristeza ao peito Quando a criança percebe Que é por alguém rejeitada Sente-se muito infeliz Indefesa e magoada Por que promover tristeza Se podemos dar amor Tratar a todos com respeito Evitando assim a dor De que adianta parecer bonito Quem é feio de coração Com suas atitudes mesquinhas Causando aos outra decepção Sou uma professora privilegiada Por ter alunos tão legais Sinto-me realizada Com minhas crianças especiais 7 Olhar a diversidade, Olhar o todo. Maria de Fátima Joaquim Minetto Cada um de nós é diferente. Tivemos experiências diferentes. Recebemos o sol de maneira diferente. Projetamos nossa sombra de maneira diferente. Por que então não teríamos cores diferentes? Leo Buscaglia Participando de cursos, congressos, consultorias, por todo o Brasil, pudemos constatar que, quando o assunto é inclusão, o discurso de diversos profissionais, entre eles muitos professores, resume-se em algo como: “Eu não sou especializada para atender essas crianças...” “Sabe, não é má vontade, mas eu não tenho dom!” “Tenho muita pena dessa criança, mas tenho mais 30 me esperando.” “E... o governo que não faz a sua parte?” “Se eu quisesse trabalhar com deficientes estaria no Ensino Especial, realmente não tenho paciência.” “Eu não sou contra a inclusão, mas acho muito difícil...” Palavras que perturbam e ao mesmo tempo refletem os conflitos. As pessoas ainda discutem se são a favor ou contra. Mas... Contra quem? Contra o deficiente? Suas famílias? Contra as políticas governamentais? Contra si mesmo e seus preconceitos? Contra mudanças? Parece-nos que ainda não é claro para a sociedade o que se quer com a inclusão escolar. Além dos problemas de ordem política, legislações, declarações etc., existe a força dos movimentos radicais, que hasteiam a bandeira ignorando às consequências de uma situação imposta. Em função disso, muito se tem falado sobre inclusão nos últimos anos. Mas, enquanto teóricos e pesquisadores estão refletindo sobre o “estado da 8 arte”, discutindo terminologias, as escolas têm recebido em suas salas de aula crianças com necessidades especiais em um fluxo cada vez mais acentuado. No meio desse turbilhão temos as escolas, os professores, as crianças e os pais tentando acertar o passo. A inclusão é um fato. Um caminho sem volta! O resgate de algo que ficou para trás na história e hoje é reparado. Nós, cidadãos, temos duas opções: primeiro,ficarmos estáticos, questionando, culpando e reclamando. Posição essa, que não traz alívio para as angústias e ainda produz sofrimento para si e para todos que nos rodeiam. Ou, numa segunda opção: parar, olhar a nossa volta e reagir, arregaçar as mangas e ver como podemos melhorar essa situação. Refletir sobre si mesmo, como pessoa e profissional, e sobre medos, preconceitos. Com certeza, caro leitor, você optou pela segunda. Por isso, vamos ver o todo através de suas partes. Exploraremos as diversidades de aprendizagem de pessoas com necessidades educativas especiais (NEE), e também fatores emocionais, sociais, culturais, políticos que permeiam todos os envolvidos. Salientaremos as diferentes abordagens teóricas; o professor e sua relação com a diferença; a sua formação e a diversidade; as particularidades da aprendizagem em cada tipo de necessidade especial (NE). Acreditamos que compreendendo esse todo seremos capazes de entender e ressignificar o contexto escolar para contemplar a diferença. 9 Abordagem teórica Sigmund Freud. As teorias científicas norteiam o trabalho de diversos profissionais nos diferentes campos de atuação. Elas surgem influenciadas pela história, condições sociais, econômicas e políticas. Hoje a educação e os profissionais a ela ligados (educadores, pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, entre outros) têm se beneficiado com as diversas abordagens. O embasamento teórico é escolhido pelo profissional considerando sua visão de homem e de mundo. Cada abordagem vem contribuir muito para o entendimento do processo ensino-aprendizagem e as relações que se estabelecem no contexto escolar. As mais conhecidas são a psicanálise, a comportamental, a teoria sistêmica, entre muitas outras. Para o professor que busca a formação continuada, consideramos importante conhecer a contribuição das diferentes linhas teóricas para a educação. Despertando assim o interesse pelo aprofundamento teórico para, além de compreender a forma de intervenção, optar pela que mais lhe agrade. (Uma abordagem teórica bastante difundida é o behaviorismo Watson (1913), Skinner (1945), entre outros). O termo behavior significa comportamento. 10 Por isso, também é conhecida como: teoria comportamental, análise experimental do comportamento, análise do comportamento, e mais recentemente uma derivação que é a abordagem comportamental cognitiva. O behaviorismo dedica- se ao estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente, os estímulos do mesmo e a resposta do sujeito. A análise experimental do comportamento pode nos ajudar em muitas situações, através da modificação do comportamento. Os conceitos comportamentalista são amplamente utilizados por educadores. Muitos métodos de ensino e situações de aprendizagem são organizados e embasados por essa concepção. A educação especial utiliza- se amplamente desses conceitos. Certamente vocês já ouviram falar na Teoria Comportamental Cognitiva (TCC) que tem sua base na aprendizagem social. Diferente dos beha-vioristas radicais que acreditam que o comportamento humano é uma resposta a estímulos do ambiente, a TCC entende que o ambiente, as características pessoais de temperamento e o comportamento situacional definem o comportamento humano. Assim, para a TCC o comportamento humano é um fenômeno dinâmico em construção. Na visão Comportamental Cognitiva, a emoção, o pensamento, o comportamento, a sensação física são elementos que interagem e que podem ser modificados, sendo que um pode atuar sobre o outro. Outra abordagem é a Psicanálise criada por Freud, em 1900; a Psicanálise é uma teoria que considera o comportamento humano regido pelo inconsciente, um método de investigação e uma prática profissional. Enquanto teoria constitui-se de um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre a vida psíquica. Como método de investigação tem como característica principal a interpretação, buscando o significado oculto daquilo que é manifestado pelo sujeito por ações e palavras, pelo imaginário, sonhos etc. A prática profissional hoje não se limita somente à análise (busca do autoconhecimento). A psicanálise é usada como base para a psicoterapia, aconselhamento, orientação, em trabalho de grupos, instituição e também nas escolas. Existe um abrangente e consistente material do uso da psicanálise na educação, como trabalhos sobre dificuldades de aprendizagem, escolarização de crianças 11 com distúrbios globais do desenvolvimento e inclusão. A terceira abordagem que aqui apresentamos o modelo sistêmico entende que qualquer organismo é um sistema em interação. Essa interação é simultânea e mutuamente interdependente de outros componentes. Entende que o sujeito está inserido no “mundo das relações”, que ao mesmo tempo em que influencia é influenciado por elas. Essa concepção é vista como uma nova visão da realidade que se baseia no estado de interrelação e interdependência de todos os fenômenos físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Configurando uma estrutura interrelacionada de múltiplos níveis de realidade, gerando uma mudança de filosofia e transformação de cultura. A abordagem sistêmica é utilizada com sucesso no âmbito empresarial, escolar e, principalmente, na terapia familiar. Esse modelo propõe que todas as redes sociais envolvidas numa situação (por exemplo, a aprendizagem de pessoas com necessidades especiais) são corresponsáveis tanto pelos recursos a ser utilizado quanto pelos impasses que surgem ao longo do caminho. Trata-se de construir junto com o sujeito, a família, a escola, os profissionais, uma experiência compartilhada, através da busca de alternativas e de intervenção para essa realidade. Dentro dessa visão, as diversidades na aprendizagem têm diferentes origens, causas e manutenção, em função da diversidade dos sujeitos e dos contextos escolares, exigindo assim a pesquisa em diversos campos do conhecimento. Precisamos considerar as muitas variáveis que podem favorecer ou não a construção de estratégias de ação. Contudo, não pretendemos organizar uma cartilha, um livro de receitas para ser consultado sem delongas. Pretendemos dar subsídios para a construção do pensamento sistêmico. 12 Divulgação Guerras Crônicas. O professor e o diferente Por que sempre se acaba falando do professor, cobrando do professor? Realmente quando o assunto é educação, aprendizagem escolar, o professor é o eixo principal. Ousaríamos dizer que nele está o segredo do sucesso. Ele não pode tudo, mas pode muito. O professor muitas vezes sabe mais sobre seus alunos do que os pais, pedagogos e ou psicólogos. Ele tem mais conhecimento do que imagina. É capaz de organizar estratégias de ação e reformulá-las em segundos, diante de uma turma de alunos. Muitas vezes esquecemos que o professor é uma pessoa (e não o super-homem), com uma história de vida, concepções próprias, sentimentos, preconceitos, medos etc., oriundos de sua experiência anterior. Concordamos com autores como Becker (2001), Amaral (1998), Rego (1998) e Marques (2000), que têm demonstrado a importância de considerarmos as concepções do professor como elemento constitutivo da prática pedagógica. É preciso observar as necessidades que o cotidiano coloca para os professores, as condições reais que delimitam a sua esfera de vida pessoal e profissional, para não corrermos o risco de se ter uma visão limitada 13 da ação docente. De acordo com Marques (2001), o professor recebe alunos com deficiência a partir das relações estabelecidas ao longo de sua vida pessoal, de sua formação profissional e de sua prática pedagógica, retratando o seu modo de ser, de agir e suas concepções. Contudo, mesmo quando suas práticas pedagógicas têm pressupostos de integração e de inclusão, elas vêm acompanhadas de concepções excludentes esegregacionistas. Exemplo claro desse contraste é o momento atual da Educação Inclusiva. A inclusão é considerada como um paradigma possível mediante a constatação da diversidade como elemento integrante da natureza humana. No entanto, sua implantação esbarra a todo o momento em práticas que privilegiam a homogeneidade (ou seja, a semelhança como princípio constitutivo), promovendo a exclusão educacional daqueles que se afastam, por uma razão ou por outra, do modelo homogêneo. Não é possível, pois, estudarmos essas concepções sem identificarmos o entorno socioeconômico, cultural e emocional. O medo Mattos (2003) encontrou dados significativos, e até certo ponto surpreendentes, no discurso dos professores; a palavra-chave medo foi à emoção que apareceu com maior frequência, deixando em segundo plano palavras-chave como amor, carinho, indicando que é o medo a emoção predominante nos sujeitos face à deficiência dos alunos (independente do tipo dessa deficiência: física, sensorial, mental ou distúrbio de comportamento). Temos medo do desconhecido, temos medo do que nos pode fazer sofrer... Temos muitos medos! Pensando a inclusão, será que esse medo está atrelado ao preconceito? Medo do que não conheço? Ou estaria ligado ao medo de sofrermos com o fracasso do aluno? Pois, o fracasso do aluno é o 14 fracasso do professor? Diante disso, sentimos a necessidade de fazer uma análise relacionando o medo com o preconceito, uma vez que sabemos que o medo é uma das emoções que está na base de uma conduta preconceituosa, já que não encontramos na literatura uma análise mais problematizada da relação entre eles. Para Delumeau (1998), o medo é uma emoção-choque, geralmente ligada à surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo eminente que possa ameaçar nossa conservação. O medo é considerado uma emoção básica primária, uma reação manifestada frente a condições afetivas, que mobilizam algum tipo de ação. É ambíguo, pois tanto pode ser uma defesa essencial contra os perigos como pode criar bloqueios, impedindo o enfrentamento do perigo. Boa parte dos medos é aprendida, transmitida pela cultura. Nesse sentido, ainda de acordo com mesmo autor, há uma diferença entre o medo individual ou particular e os medos culturais ou nomeados. Podemos reconhecer medos chamados “medos particulares” que se constituem numa reação emocional a um objeto determinado ao qual se pode ver (como uma defesa); os “medos nomeados” são reações emocionais diante de situações ou objetos que se desconhece o que desencadeia a angústia (bloqueio difuso). Diante da angústia, o indivíduo tenta localizar e nomear o que lhe perturba. Com isso, o objeto, agora nomeado a partir das reações de inadequação do indivíduo passa a ser responsável pelo seu medo e, portanto, alvo de condutas e respostas que vão de uma simples resistência, passando pelo temor e hostilidade, agressão até atitudes explícitas de exclusão e extermínio. Mas às vezes isso não é possível, o indivíduo não tem consciência do que o perturba, conforme Mattos (2003). O preconceito é uma “tentativa” de enfrentar emoções intensamente dolorosas, como o medo e a ansiedade face ao que é identificado, mas não totalmente conhecido. Se formos ao dicionário encontraremos algo como “opinião antecipada, sem maior ponderação dos fatos, intolerância.” 15 Na pesquisa de Mattos (2003, p. 11), a análise dos dados indicou a coocorrência mais frequente da palavra-chave medo foi à palavra eu, enquanto que as coocorrências mais frequentes da palavra-chave preconceito foram as palavras família, eles (deficientes), sociedade. Em nenhum momento os sujeitos que participaram da pesquisa (professores) atribuíram a si mesmas atitudes ou pensamentos preconceituosos. Falou-se do preconceito no impessoal, para constatar a sua existência (“existe preconceito”, “há uma atitude preconceituosa na relação que se estabelece com o deficiente”), ou na primeira pessoa, para indicar que quem fala sobre ele já não o possui (“precisamos acabar com o preconceito”, “não aceitamos atitudes segregacionistas...”). Por outro lado, na maioria quase absoluta das respostas, a palavra- chave medo esteve diretamente associada a uma vivência ou acontecimento pessoal, ligado à história de vida do sujeito (“Sempre tive medo de doido”; ““ Eu tinha pânico porque presenciei alguma coisa”; “Tinha receio de ser ofendida”; “Minha mãe deixava a gente afastada porque ele agredia. Eu passei a ter medo dele e das pessoas especiais. Virou segredo de família”). Podemos perceber que enquanto o medo falou de si mesmo, do medo pessoal na relação dos sujeitos com a deficiência e com o deficiente, o preconceito falou do outro. O preconceito é um tipo de pensamento ligado à experiência vivida. Sua origem encontra-se sempre associada a vivências que são transmitidas culturalmente como verdades. Enquanto os objetos e conteúdos dos preconceitos podem ser universais, culturalmente construídos, as necessidades e motivações as quais eles atendem serão sempre individuais. A maior parte dos preconceitos relacionados À deficiência é negativa. Expressam a dificuldade dos indivíduos de lidarem com a deficiência e com o deficiente, pela estranheza que a diferença suscita. A vivência dessa estranheza está diretamente associada com o medo do desconhecido, o medo do estranho, o medo da diferença, o medo do outro (HELLER, 2000). 16 O medo, o preconceito quanto ao diferente, seja ele um deficiente, um doente, um desajustado socialmente, está atrelado a nossas concepções. Concepções de deficiência referem-se a formas de compreensão do fenômeno da deficiência, atravessadas por valores, crenças, imagens, ideias e representações que dão sustentação às diversas concepções de deficiência. Estas, por sua vez, produzidas pela história da humanidade, expressam, na verdade, a forma como encaramos a diferença. Ao acompanhar essas concepções de deficiência e, particularmente, a história do tratamento dado ao deficiente, teremos em mente que as mesmas representam uma visão preponderante de determinado período histórico. Fruto do enfrentamento dos homens à estranheza e inquietação que a deficiência causa. Como consequência, temos a coexistência de concepções distintas e até mesmo contraditórias e antagônicas que expressam permanências, resistências e, em algum momento, desconhecimento de novas ideias e novos modos de pensar a deficiência, que se traduzem, na verdade, em modelos de enfrentamento da diferença. Estudos como os de Mattos (2003) têm salientado que na base das ações pedagógicas está às emoções, no nosso caso particular o medo. Este é anterior ao preconceito, fato que não tem sido levado em consideração nas capacitações oficiais nem no trabalho cotidiano das escolas. O preconceito representa nossos medos e não necessariamente da falta de aceitação do outro. Podemos então entender o preconceito como uma resposta ao medo e à angústia que o desconhecido, o diferente provoca. Por isso, o preconceito, entendido a partir da sua relação com o medo, pode ser considerado um elemento constitutivo, e não o que impede ou dificulta a prática pedagógica. Mas o fundamental é que tanto o medo como o preconceito pode ser superado com aquisição de novos conhecimentos, sejam eles teóricos ou vivências. 17 A diferença e a prática pedagógica Aos poucos podemos entender porque a inclusão tem gerado tanta polêmica e porque é tão difícil de ser efetivada realmente. De acordo com Sacristán (In: NÓVOA, 1995), em meio a esses conflitos, não é a prática pedagógica a ser definida com as soluções propostas, e sim o papel que o professor ocupa nessa prática que produzirá algum efeito. Visto que a prática pedagógica pressupõe outros elementos que ultrapassam e atravessam um conjunto de experiências. Destacamos aí aimportância dos recursos pessoais do professor, considerados como a base que o aproximará ou o afastará do contexto, de novas ideias. Segundo Gonzaga (1998), é possível identificar no processo educacional dois planos de existência por onde transitam as relações e as práticas pedagógicas: • O plano do ideal, que se refere às metas que se deseja alcançar, o desejo daquilo que deveria ser feito ou ainda está por se fazer, as mudanças que se pretende atingir, enfim, as possibilidades de rupturas com que é vivido; • O plano do vivido refere-se ao cotidiano do professor, aquilo que está acontecendo, sua realidade pessoal e profissional, sua subjetividade. A partir dessas considerações, estabelecemos um paralelo entre“novas ideias” e“condições do meio” e o plano do ideal e“significados e usos práticos do professor” e o plano do vivido. O ideal que corresponde a novas ideias é representado pelos pressupostos de integração e de inclusão, pela fala dos especialistas, pela cultura da escola e pela ideologia dos órgãos oficiais, já que tanto os pressupostos de integração e/ou de inclusão quanto o contexto institucional tratam da educação como deveria ser. Já no vivido os significados e usos práticos do professor estão na formação e na história de vida do professor, nas suas especificidades histórico-culturais, nas suas concepções de deficiência. 18 Observando essas considerações, constatamos que há desigualdade. De um lado, temos especialistas ou representantes autorizados de um saber pedagógico e responsáveis pelas propostas educacionais. Na outra ponta, os professores e coordenadores como executores dessas propostas. Nesse sentido, solicita-se a participação do professor como produtor de saberes, mas na prática não se legitimam as práticas docentes como espaço de produção de conhecimento. De acordo com Nóvoa (1995), a manutenção dos professores no lugar de meros executores das propostas e pressupostos organizados por especialistas e instâncias oficiais está diretamente associada a processos históricos de exclusão dos professores. O autor associa o lugar ocupado hoje pelo professor na educação ao “lugar do morto”, estratégia utilizada em jogo de cartas para manter um dos jogadores neutralizado. Este é obrigado a expor suas cartas aos parceiros, que não poderão realizar nenhuma jogada sem consultá-las; porém ele (o jogador morto) não poderá nem ao menos interferir no desenrolar do jogo. Para o autor, muitas vezes, como no jogo de bridge, o professor está presente no processo educativo, tem de ser levado em consideração; sua imagem é constantemente utilizada, mas sua voz e, por conseguinte, seu saber e sua experiência não são reconhecidos como essenciais para orientar ou definir o desfecho dos acontecimentos e das propostas de mudança na sua prática cotidiana. 19 Texto complementar O sujeito inserido no sistem (POLITY, 2001) Quando o bebê nasce, ele traz consigo tendências hereditárias, que incluem processos de maturação. Cada bebê possui uma organização em marcha, ligada ao seu impulso biológico para a vida, para o desenvolvimento e crescimento. Entretanto, esse desenvolvimento depende, para sua efetivação, de um ambiente satisfatório de “facilitação”, que deve se adaptar às necessidades constantes dos processos de maturação. A família, em especial a mãe, que reconhece a dependência da criança e adapta-se às suas necessidades, oferece o que Winnicott (1982) chama de holding para o bebê progredir no sentido de integração, do acúmulo de experiências, enfim, do desenvolvimento. O ambiente por si só não faz a criança crescer, porém, ele é fator primordial, para ao “ser suficientemente bom” (WINNICOTT, 1982), permitir o processo de maturação. Acredito que para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha o desejo de aprender. E que, sobretudo, o desejo dos pais a autorizem. Como afirma Mannoni (1981), “as crianças andam não só porque tem pernas, mas porque seus pais assim o permitem”. Para Bowby (1993), a existência de uma criança com problema representa uma ruptura para os pais. As expectativas construídas em torno do filho normal tornam-se insustentáveis. Vistos como uma projeção dos pais, esses filhos representam a perda de sonhos e esperanças e a obrigatoriedade em lidar com as limitações e fazem com que muitos pais se sintam depredados para a tarefa que devem assumir. Assim, pode surgir um padrão rígido de comportamento, onde o tempo não pode passar dando lugar a mecanismos constantes e repetitivos, no intuito de manter o sistema homeostático e impedir que o grupo evolua de um estágio para outro. 20 Partindo-se do conceito que a família age como uma unidade, de modo a estabelecer um equilíbrio e assim tentar mantê-lo a qualquer custo, podemos observar padrões de comunicação que podem revelar o modo como se instala o sintoma e como o membro“doente” tem sua função na manutenção desse equilíbrio. Conforme Bion (In: SOUZA, 1995), o bebê alimenta sentimentos como o ódio e a inveja frente à realidade e à continência materna, que podem interferir na capacidade do sujeito de desenvolver um aparelho de pensar pensamentos adequados. Ressaltando, assim, a participação do indivíduo na constituição de sua capacidade de aprendizagem. A relação da criança com a família é marcada por uma característica de dependência relacional, isto é, definem-se reciprocamente. Essa posição é similar à de Sartre (In: CERVENY, 1994) que afirma que somos aquilo que fa- zemos com o que fizeram conosco. Parafraseando Kusnetzoff (1982), podemos afirmar que o sujeito nasce com as possibilidades de ser, mas que só se concretizará quando entrar em contato e interagir com semelhante. Fica, pois, claro que a herança herdada (seja ela biológica ou psíquica) será condição necessária, mas não suficiente para o processo de aquisição do psiquismo, ou seja, de um aparelho capaz de produzir pensamentos e pensar sobre eles. E, portanto, de aprender. “Se olharmos o indivíduo e sua família no aqui e agora, de uma forma circular, tornar-se á mais fácil o entendimento de que um paciente referido não é uma vítima de seus pais ou do sistema. Existem lucros e prejuízos de ambos os lados. Não há menor dúvida que existe [...] um processo de projeção geracional dos pais, no sentido de que os filhos cumpram expectativas não realizadas por eles em relação aos seus respectivos pais. Esse processo torna todas as partes (pais, filhos, avós) reféns da mesma cadeia geracional; um vai tentar cumprir o que o outro não cumpriu (e que esperavam que ele cumprisse) e que agora ele espera que o seu descendente cumpra” (GROISMAN, 1996, p. 31) (grifos meus). 21 É importante a parte que o indivíduo traz consigo como carga pessoal, mas o que fará com que se constitua como tal é a condição dele se relacionar com outro ser humano. Por isso, neste trabalho tento mostrar que, embora a dificuldade de aprendizagem esteja ligada a múltiplos fatores internos do sujeito, é sobremaneira sustentada pelo meio familiar, escolar, social, no qual o sujeito está inserido. E que a forma como os diferentes sistemas, em especial a família define essa dificuldade terá um papel decisivo na evolução do caso. DICAS DE ESTUDO Psicanálise: Freud Além da Alma – o filme mostra o trabalho de Freud em Viena, enfocando sua teoria e a reação da comunidade médica às suas ideias. Comportamental: Meu Tio da América – o filme apresenta a tese de um biólogo comportamentalista e o conflito vivido por pessoas de diferentes níveis sociais. Sistêmica: Casamento Grego – o filme salienta a organização do sistema familiar e sua influência na vida de seus membros. Salientando os mitos, segredos, hierarquias e resistências às mudanças. POLITY, Elizabeth. Dificuldades de Aprendizagem e a Famíla, Construindo NovasNarrativas. São Paulo: Vetor, 2001. A autora aborda a relação família-escola e as dificuldades de aprendizagem. O livro é muito rico, pois amplia a visão sobre a queixa escolar. 22 A ação pedagógica diante da diversidade: formação competente Maria de Fátima Joaquim Minetto [...] ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar. Ai daqueles e daquelas que em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, opta pelo profundo engajamento no hoje, com o aqui e o agora; ai daqueles que em lugar desta viagem constante ao amanhã. Se atrelam a um passado de exploração, de rotina. Paulo Freire A educação contemporânea vive um desafio para aprimorá-la profissão docente que, ao longo do tempo, tornou-se muito complexa. Isso em consequência das mudanças sociais, políticas e econômicas que se transformaram numa velocidade frenética pelo desenvolvimento científico e tecnológico. Em contrapartida, o professor tem sua ação pedagógica ligada a um processo contínuo de tomada de decisões que dependem inevitavelmente de seus saberes, agilidades nos esquemas de ação, aliados a suas concepções e a forma de olhar o mundo, como salienta Perrenoud (2000). A prática pedagógica pressupõe a relação entre teoria e prática. A teoria compreende a sistematização de saberes, tentativa de interpretação dos anseios e necessidades que caracterizam a subjetividade humana, enquanto que a prática se constitui na realização do vivido, do material, do concreto. Ao acompanhar a rotina da escola, constatamos que o professor enfrenta uma avalanche de modificações que o deixam inseguro. Além das modificações pedagógicas, percebem-se as dificuldades na sua prática ao lidar com alunos que se destacam do contexto por dificuldades específicas de aprendizagem ou por alterações do seu comportamento. Há um pedido eminente de ajuda. Mas para que se possa colaborar com a construção de novos saberes, necessitamos conhecer, olhar o que vemos todos os dias com 23 olhos diferentes. Buscar rever o cotidiano e refletir criticamente a realidade, os fatores envolvidos. Ainda registramos nos últimos anos que, com a eminência da inclusão escolar, a situação se agravou. Hoje, não podemos ignorar a ansiedade e o desequilíbrio que esse fato provocou nas escolas brasileiras. Na verdade, ele só veio revelar o que já era real. O que vemos não vendo, a formação do professor deixa a desejar quando não acompanha as exigências de sua prática. Quando suas competências não se adaptam às diversidades do alunado. Acreditamos ser fundamental correlacionar a formação do professor, seu olhar diante da diferença e a influência desses fatores na relação pedagógica em sala de aula. A constatação da diversidade como elemento integrante da natureza humana esbarra a todo o momento em práticas que privilegiam a homogeneidade (ou seja, a semelhança como princípio constitutivo), dificultando a relação pedagógica com os que se afastam, por uma razão ou por outra, do modelo homogêneo. Parece-nos propício acompanhar as colocações de Charlot (2000) quando associa a deficiência a uma “falta”, a uma “diferença”. A situação de fracasso do aluno é identificada pela não correspondência de um resultado esperado, algo que fica faltando. “Ao constatar uma ‘falta’ no fim da atividade: faltam ao aluno em situação ao fracasso recursos... que teriam permitido que o aprendizado (e o professor...) fosse eficaz. Ele é deficiente” (p. 27). Mas, o que falta e a quem falta? Entendemos os questionamentos resultantes da prática como âncoras, que podem incitar a busca de soluções e reportam o educador à responsabilidade em buscar aprimorar suas competências. Reconhecer a necessidade de mudanças, aprimoramentos, é uma tarefa bastante difícil. Assim, a condição para o aperfeiçoamento pode estar na compreensão de que a formação continuada do profissional docente “se dá num encadeamento de ação e avaliação do ensinar e do aprender” (GIESTA, 2001, p. 17). 24 Perrenoud (2000) salienta que o exercício e o treino poderiam bastar para que mantivéssemos as competências essenciais se o contexto escolar fosse estável. Por isso, ressaltamos que as competências devem ser atualizadas e adaptadas a condições do trabalho em evolução. Divulgação Revista Nova Escola. O professor recebe em sua sala alunos diferentes e a partir de suas experiências de vida, de suas relações anteriores, de sua formação profissional e de sua prática pedagógica constrói sentidos que retratam sua forma de ser e agir, enfim, suas concepções. Fatores que influenciam as práticas pedagógicas e as relações em sala de aula, inferindo no processo ensino-aprendizagem, o sucesso ou o fracasso escolar. Charlot (2000) argumenta que a crítica a uma ideologia deve centrar-se no seu próprio modo de ler o mundo e na importância de procurar interpretar a experiência diária. Urge considerar as necessidades que o cotidiano coloca para os professores, as condições reais que delimitam a sua esfera de vida pessoal e profissional, para que não corra o risco de se ter uma visão limitada da ação docente, e para que se possa, a partir dessa consideração, propor-se alternativas mais eficientes de intervenção na formação de professores. Há que 25 se conjecturarem ideias que provoquem transformações reais no saber, ser e fazer do professor (GIESTA, 2001). Assim, o processo de formação do professor deve se estruturar de forma a possibilitar o desenvolvimento pessoal e profissional. Há necessidade de aquisições continuadas de saberes, que venham a favorecer respostas às necessidades reais impostas pela ação educativa. Todo esse contexto leva-nos a refletir sobre o distanciamento das propostas dos cursos de formação e as intenções e ações dos professores na prática docente. Resistências Há que se reconhecer uma tendência histórica de se negar as transformações reais que ocorrem na escola. As escolas demonstram resistência a mudanças. Formar profissionais capazes de organizar situações de aprendizagem atendendo às necessidades que se modificam constantemente é algo desafiador. Para Rockewell (1995), as escolas tendem a reproduzir a si mesmas, buscando fortemente manter suas características imutáveis. Esse pensamento impossibilita ou dificulta mudanças. Para a autora, os conteúdos programados pela escola correspondem à estrutura da sociedade e suas conjecturas políticas e, se pretendemos conhecer as transformações que acontecem na escola, necessitamos aprofundar a análise do cotidiano escolar. 26 Forquim (1992) salienta que uma reflexão sociológica sobre os saberes escolar deveria contribuir para dissolver certa percepção natural das coisas, de forma a promover um reconhecimento real dos conteúdos e dos modos de programação didática desses saberes. O campo escolar, para o autor, é composto de imperativos funcionais específicos como conflitos e interesses que concerne o controle do currículo e também, na configuração do campo social, suas postulações ideológicas e culturais. Destacando a constituição da escola como trunfo social, político e simbólico. O mesmo autor ainda analisa que os efeitos sociais das políticas de escolarização dizem respeito à natureza do que se passa no interior das salas de aula, incluindo as relações sociais que se estabelecem o conteúdo e o modo de organização dos saberes. Aquilo que pode ser “socialmente construído” ou ideologicamente colocado nos conteúdos de ensino estaria destinado a permanecer despercebido. Mais uma vez, notam-se as interfaces das relações saberes, culturas e práticas escolares. Explicar as relações que favorecem ou mantêm o fracasso escolar é, portanto, a análise das condições da apropriação do saber. Para Charlot (2000), devemos fazeralgumas considerações sobre o fracasso escolar: a singularidade da história do indivíduo, os significados que lhe são conferidos, suas práticas e atividades efetivas, a especificidade dessa 27 atividade ao ser relacionada ao campo do saber, entre outras. O autor ainda destaca a importância de se interpretar o fracasso escolar em termos de origem e deficiências. O fracasso escolar não pode ser justificado única e simplesmente pela origem social, ou seja, pode ter algum tipo de relação, mas a origem social por si não produz o fracasso. Outro ponto de destaque seria a interpretação de que a diferença é vista como deficiência sociocultural. As teorias sobre a deficiência reforçam a ideia de falta. A heterogeneidade, as diferenças constituem o indivíduo. Essas diferenças estão na sala de aula. Charlot (2000) destaca que a noção de deficiência traz para os docentes grandes benefícios. Preservando-se, assim, as críticas que possam aparecer às práticas docentes, transferindo-as aos alunos e suas famílias. “Assim sendo, o ‘verdadeiro’ responsável é a própria sociedade, que produz e reproduz desigualdades, faltas e deficiências” (CHARLOT, 2000, p. 29). Uma pedagogia centralizada na criança parte do princípio de que todas as diferenças humanas são normais e de que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar aos supostos princípios quanto ao ritmo e à natureza do processo educativo. Em seu sentido mais amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidade dos alunos são satisfeitas (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 21). O modelo da inclusão escolar, que tem suas bases em noções socioconstrutivistas, defende – em relação ao aluno com necessidades educativas especiais – o “seu direito e a sua necessidade de participar, de ser considerado como membro legítimo e ativo no interior da comunidade”. Isso vem justificar“as classes inclusivas, onde as relações sociais são compreendidas como catalisadoras da aprendizagem”, nas quais é permitido ao aluno se situar “em um contexto de aprendizagem mais significativo e motivante, suscitando 28 mais esforço de colaboração que a segregação tradicional vivenciada por esses alunos” (JIMÉNEZ In: BAUTISTA, 1997, p. 24). Segundo Mantoan (1997, p. 38), a inclusão questiona as políticas e a organização da Educação Especial e Regular, bem como tem por objetivo não deixar ninguém fora do Ensino Regular, desde o começo. A escola inclusiva procura valorizar a diversidade existente no alunado inerente à comunidade humana ao mesmo tempo em que buscam repensar categorias, representações e determinados rótulos que enfatizam os deficits, em detrimento das potencialidades dos educandos. A proposta inclusiva estabelece para o sistema educacional vários desafios: a conscientização da comunidade escolar e da sociedade em geral sobre a nova maneira de entender e educar esses educandos; o investimento sério na preparação continuada da equipe escolar; a preparação de pessoas especializadas na área, nos níveis de Graduação e Pós-Graduação, para prestar apoio aos professores generalistas; a formação, em nível de Mestrado e Doutorado, de professores formadores de professores e outros profissionais para o atendimento educacional e para o desenvolvimento de pesquisas que possam subsidiar a ação educativa empreendida. Ainda, a estruturação de métodos, técnicas e recursos de ensino adequados a esse alunado; a adaptação de currículos para atender às necessidades e especificidades dos alunos em classes regulares; envolvimento de pais e pessoas da comunidade nesse processo (MARTINS, 1999, p. 78). Podemos registrar esforços no mundo inteiro. Os estudos de Goergen e Saviani (2000) apontam como a formação continuada de professores vem ocorrendo em vários países. Na Alemanha, segundo os autores, há dois tipos de educação continuada. No primeiro tipo há uma regulamentação oficial pela qual o Estado se obriga a manter permanentes ofertas de aperfeiçoamento para os professores. Em todos os estados da Federação são mantidas instituições de 29 formação continuada, como academias, seminários, grupos de trabalho, encontros, entre outros. É assegurada ao professor, em qualquer parte do país, a possibilidade de participar dos programas ampliando sua qualificação. Um segundo tipo de formação consiste numa organização interna da escola, numa iniciativa própria, convidando especialistas e professores universitários para refletirem com eles sobre sua prática pedagógica. No Japão, a concepção de educação continuada entrou em debate nos anos 1970, mobilizando governo e comunidade escolar. Setores governamentais e empresariais passaram a elaborar novos parâmetros de formação do trabalhador e de formação tecnológica que influenciaram as políticas educacionais do país. Após uma grande mobilização, a educação continuada vem se desenvolvendo no âmbito do trabalho, da sociedade e da escola, numa abordagem sistêmica. (GOERGEN; SAVIANI, 2000) A visão de profissionalismo para Perrenoud et al. (2001) seria mais do que professores limitarem-se a adquirir truques e/ou gestos estereotipados. Para os autores, estudos sociológicos sobre as profissões demonstraram uma evolução clara no decorrer dos anos na maior parte dos ofícios. Para corresponder a desafios sem precedentes que vêm ocorrendo no sistema educacional, o professor deve evoluir. Perrenoud et al. (2001) identificam duas vias possíveis de evolução do ofício de professor: a proletarização e o profissionalismo. Na proletarização, o professor fica dependendo de profissionais que concebam e realizem programas, condutas didáticas, meios de ensinar e de avaliar que possam ser eficazes para a sua ação. Já com relação ao profissionalismo, o autor quer referir-se a professores que conseguem serem verdadeiros profissionais. Estes são orientados para buscá-la por si só resolução de problemas, são autônomos na transposição didática e na escolha de estratégias mais eficazes, organizam-se para gerir sua formação contínua. Schön (1997) entende o aprendizado do profissional definindo-o nas 30 interações com a prática. Deve-se viabilizar o desenvolvimento de suas competências na prática e a partir da prática. O professor pode aprender a partir da prática na medida em que esta constitui o ponto de partida e o suporte de sua reflexão sobre sua ação. Isso possibilitará aprender através da prática, para a prática (PERRENOUD et al., 2001). Algumas vezes o professor que possui anos de prática pensa que sempre fez daquela forma e deu certo, então por que mudar? Mas, o que muitas vezes esquecemos é que isso seria viável se a escola, a sociedade e os alunos estivessem estáticos. O que não é verdade! Por isso escutamos a frase: “a prática sozinha anda em círculos”. A educação é um processo de aprendizagem e aperfeiçoamento, por meio do qual as pessoas se preparam para a vida. Através da educação obtém-se o desenvolvimento global do ser humano. Desse modo, cada um pode receber conhecimentos obtidos por outros seres humanos e trabalhar para a obtenção de novos. Fica evidente, portanto, a importância da educação na vida de todas as pessoas, tornando-as mais preparadas para a vida e também para a convivência. Entre o falar e o fazer, entre o discurso e a ação, temos contradições que requerem a participação de todos. A implantação, na realidade, de uma nova concepção de educação requer a existência de profissionais bem formados, cujo preparo permita levar adiante eficazmente o ensino, tanto no que diz respeito à diversidade das necessidades educativas quanto em função das possíveis variações dessas necessidades em consonânciacom a construção de novos saberes. Contextualizando a ação pedagógica Explorar o tema formação de professores exige reflexões sobre a ação pedagógica que apresenta, muitas vezes, um conflito entre o ideal e real. Para entendermos como a formação do professor e a sua prática têm sido 31 insuficientes diante da inclusão, vamos observar alguns aspectos. Nóvoa (1995) faz uma correção da ação pedagógica, segundo Sacristan (2000, In: NÓVOA, 1995), relacionando o ideal desejo e a vivida realidade. Vejamos o quadro abaixo. As ideias do diagrama acima representam um campo de forças em 32 que o relevante não está na prática a ser definida, e sim no papel que o professor ocupa nessa prática, visto que a prática pedagógica pressupõe outros elementos que ultrapassam e atravessam esse campo. Destaca-se a importância dos recursos pessoais do professor, considerados como a base que aproximará ou afastará novas ideias e ações pedagógicas. Nóvoa (1995) correlaciona as ideias dos autores acima citados (Gonzaga e Sacristán) e estabelece um paralelo entre os vértices: •novas ideias e condições do meio e o plano do ideal; •significados e usos práticos do professor e o plano do vivido. A ação pedagógica muitas vezes fica limitada quando há uma lacuna entre quem programa e quem executa. Em tempos de inclusão em que vemos a dificuldade do professor em articular novas ações no cotidiano, pode-se entender que algo está em descompasso. Numa ponta, especialistas de um saber pedagógico são os responsáveis pelas propostas educacionais. Na outra ponta, os professores como executores dessas propostas. Nesse sentido, solicita-se a participação do professor como produtor de saberes, mas, na prática, não se legitimam as práticas docentes como espaço de produção de conhecimento. É comum que o professor seja executor. Para Nóvoa (1995), se comparado a um jogo de bridge, o lugar ocupado hoje pelo professor seria ao lugar do morto, estratégia utilizada nesse jogo de cartas para manter um dos jogadores neutralizado. Este é obrigado a expor suas cartas aos parceiros, que não poderão realizar nenhuma jogada sem consultá-las; porém ele (o jogador morto) não poderá nem ao menos interferir no desenrolar do jogo. Como no jogo de bridge, o professor está presente no processo educativo, tem de ser levada em consideração, sua imagem é constantemente utilizada, mas a sua voz, e, por conseguinte, o seu saber e a sua experiência, não são reconhecidos como essenciais para orientar ou definir o desfecho dos acontecimentos e das propostas de mudança na sua prática cotidiana. 33 O ideal que está presente em novas propostas de mudanças permanece como ideal, presente nos discursos, mas ausente na prática pedagógica. Esta expressa o espaço do vivido, que diz respeito às crenças, tradições, concepções de homem e de mundo, enfim, o universo mental dos professores e coordenadores que referencia e dá sentido à sua vida cotidiana. O jogo de forças existente no campo da práxis pedagógica produz impactos que podem impedir ou forçar a mudança. Assim, a relação estabelecida entre o ideal e o vivido não é de superação para uma nova postura, mas de resistência face às novas ideias, por conta de como o ideal e o vivido vêm sendo tratados nas capacitações e propostas oficiais. Mudar a ação pedagógica implica em mudança de paradigma, portanto requer tempo e representa um processo de reajustes e novas escolhas. Ignorar esse movimento é desconsiderar os aspectos referentes aos ajustes necessários para que o sujeito ou a coletividade possa, ou não, apropriar-se de qualquer mudança. Texto complementar Articulação dos processos de ação (PERRENOUD, 2001, p. 32-34) 34 DICA DE ESTUDO CHARLOT, Bernard. Da Relação com o Saber: elementos para uma teoria. Artmed, 2001. O autor derruba algumas ideias preconcebidas sobre as causas do fracasso escolar. Em especial sugiro a leitura do capítulo: “Serão a reprodução, a origem social e as deficiências ‘a causa do fracasso escolar’?” 35 A inclusão através dos tempos Maria de Fátima Joaquim Minetto Mais do que criar condições para os deficientes, a inclusão é um desafio que implica em mudar a escola como um todo, no projeto pedagógico, na postura diante todos os alunos, na filosofia [...] Artur Guimarães Um pouco de história Para compreendermos melhor a situação atual da inclusão e os aspectos que acabam gerando angustias e, algumas vezes, polêmica, precisamos voltar um pouco no tempo. Fazendo uma retrospectiva na história poderíamos subdividir o tratamento dado às pessoas com necessidades especiais em quatro fases distintas, segundo Stainback e Stainback (1999). A primeira delas corresponde ao século XVIII, chamada de “fase da exclusão”, na qual a maioria das pessoas com deficiência e outras condições excepcionais era tida como indigna da educação escolar. Nas sociedades antigas era normal o infanticídio quando se observavam anormalidades nas crianças. Durante a Idade Média, a igreja condenou tais atos, mas, por outro lado, acalentou a ideia de atribuir a causas sobrenaturais as anormalidades de que padeciam as pessoas, associando a punição em decorrência de pecados cometidos. Assim, as crianças que nasciam com alguma deficiência eram sacrificadas, escondidas. 36 Domínio Público No século XVII, os deficientes, principalmente os com deficiência mental, eram totalmente segregados, internados em orfanatos, manicômios e outros tipos de instituições estatais. Esses internatos acolhiam uma diversidade de sujeitos com patologias distintas, alguns deficientes, outros doentes. Essa fase foi chamada de exclusão porque as pessoas que fugiam do padrão de comportamento ou de desenvolvimento, por qualquer motivo, eram totalmente excluídas do contexto e da convivência com os demais. A segunda fase revela-se no final do século XVIII, princípio do século XIX, com o surgimento de grandes instituições especializadas em pessoas com deficiências, e é a partir de então que poderíamos considerar ter surgido a Educação Especial. A partir dessa época, pode-se observar uma divisão do trabalho educacional, nascendo assim uma pedagogia diferente, uma Educação Especial institucionalizada que propiciava classes de alfabetização, baseada nos níveis de capacidade intelectual, valorizando o diagnóstico em termos de quociente intelectual. Por isso essa fase ficou conhecida como “fase de segregação”. As escolas especiais multiplicam-se e diferenciam-se em função das diferentes etiologias: cegos, surdos, deficientes mentais, paralisados cerebrais etc. Esses centros especiais e especializados, separados dos regulares, com seus programas próprios, técnicos e especialistas, constituíram um subsistema de Educação Especial 37 diferenciado, dentro do sistema educativo geral. O sistema educacional ficou com dois subsistemas funcionando paralelamente e sem ligação: a Educação Especial e a Educação Regular. Domínio público. Na segunda metade do século XX, especialmente a partir da década de 1970 seria a terceira fase do que constitui a “fase da integração”; o portador de deficiência começou a ter acesso à classe regular desde que ele se adaptasse sem causar qualquer transtorno ao contexto escolar. Embora a bandeira da integração játivesse sido defendida a partir do final dos anos 1960, nesse novo momento, houve uma mudança filosófica em direção à ideia de educação integrada, ou seja, escolas regulares aceitando crianças ou adolescentes deficientes nas classes comuns. Entretanto, só se consideravam integrados apenas aqueles estudantes com necessidades especiais que conseguiram adaptar-se à classe regular sem modificação no sistema escolar. A educação integrada ou integradora exigia a adaptação dos alunos com necessidades especiaisao sistema escolar, excluindo aqueles que não conseguiam adaptar-se ou acompanhar os demais alunos. As leis sempre tinham o cuidado de ressaltar a condição, como indica Sassaki (1997), preferencial da rede regular de ensino, o que deixava em aberto à possibilidade de manter crianças e adolescen- tes com deficiência nas escolas especiais. 38 A quarta fase, “da inclusão”, começou a se projetar no início da década de 1980, quando um maior número de alunos com deficiência começou a frequentar classes regulares, pelo menos em meio turno. Intensificou-se a atenção à necessidade de educar os alunos com deficiência no Ensino Regular como consequência das insatisfações existentes em relação às modalidades de atendimento em Educação Especial, que, para muitos, contribuíam para a segregação e estigmatização dos educandos, assim como não davam respostas adequadas às suas necessidades educacionais e sociais. O novo paradigma O movimento de inclusão começou por volta de 1985 nos países mais desenvolvidos, tomou impulso na década de 1990 naqueles países em desenvolvimento e vai se desenvolver fortemente nos primeiros 10 anos do século XXI, envolvendo todos os países (SASSAKI, 1997). O modelo da inclusão escolar, que tem suas bases em noções socioconstrutivistas defende em relação ao aluno com necessidades educativas especiais “o seu direito e a sua necessidade de participar, de ser considerado como membro legítimo e ativo no interior da comunidade”. Isso vem justificar “as classes inclusivas, onde as relações sociais são compreendidas como catalisadoras da aprendizagem”, nas quais é permitido ao aluno se situar “em um contexto de aprendizagem mais significativo e motivante, suscitando mais esforço de colaboração que a segregação tradicional vivenciada por esses alunos” (JIMÉNEZ In: BAUTISTA, 1997, p. 24). Segundo Sassaki (1997), crê-se que a semente da inclusão foi plantada pela Disabled People Internacional (DPI), uma organização não governamental criada por líderes deficientes, quando em sua Declaração de Princípios, de 1981, definiu o conceito de equiparação de oportunidades, que era, em parte, o seguinte: 39 O processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habilitação e transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e trabalho, e a vida cultural e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, é feito acessível para todos. Isso inclui a remoção de barreiras que impedem a plena participação das pessoas deficientes em todas estas áreas, permitindo-lhe assim alcançar uma qualidade de vida igual à de outras pessoas. (SASSAKI, 1997, p. 39) Esse novo paradigma começa a ser disseminado, principalmente, a partir da Assembleia Mundial realizada em junho de 1994, na cidade de Salamanca, Espanha, sob o patrocínio da Unesco, quando representantes de 92 países e de 25 organizações internacionais se reuniram para discutir o processo de inclusão escolar. Trata-se do mais complexo documento sobre inclusão na educação, em cujos parágrafos ficam evidentes que a Educação Inclusiva não se refere apenas às pessoas com deficiência, e sim a todas as pessoas, deficientes ou não, que tenham necessidades educativas especiais em caráter temporário, intermitente ou permanente. Isso se coaduna com a filosofia da inclusão na medida em que ela não admite exceções, todas as pessoas devem ser incluídas. O encontro em Salamanca reafirma o direito de todas as pessoas à educação, conforme a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, e ainda reafirma o empenho da comunidade internacional em cumprir o estabelecido na “Conferência Mundial sobre Educação para Todos”. A Declaração de Salamanca é consequência de todo esse processo, mas a autêntica base do que foi discutido na Espanha estava grifada nas diversas declarações das Nações Unidas que culminaram justamente no documento “Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência”. De acordo com essas normas, os Estados são obrigados a garantir que a educação de pessoas com deficiência seja parte integrante do sistema educativo (WERNECK, 2000, p. 49). Segundo essa 40 declaração, a exclusão nas escolas lança as sementes do descontentamento e da discriminação social. A educação é uma demanda de direitos humanos, e os indivíduos com deficiência devem fazer parte das escolas, as quais devem modificar seu funcionamento para incluir todos os alunos. Acompanhando essa caminhada histórica, salientamos outros movimentos organizados pela DPI, como a Declaração de Madri, aprovada em 23 de março de 2002, que, segundo Sassaki (2002), proclama o ano de 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiências. O objetivo maior centra-se na conscientização da população sobre os direitos de mais de 50 milhões de europeus com deficiência. Essa declaração tem como preâmbulo a não discriminação e a ação afirmativa como promotores da inclusão social. Seguem com a mesma força e impacto social a aprovação, em outubro de 2002, de mais duas declarações: a de Caracas e a de Sapporo. A Declaração de Caracas que destaca o compromisso de todos em elevar a qualidade de vida de pessoas com deficiências e suas famílias, ainda propõe a construção de uma Rede Ibero-Americana de Organizações não governamentais de pessoas com deficiência e suas famílias. Estabelecendo, assim, o ano de 2004 como o Ano das Pessoas com Deficiência e suas Famílias, almejando efetivação de Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para pessoas com deficiência; convidando governos e parlamentos dos países latino-americanos a organizarem-se em seus territórios. A Declaração de Sapporo, organizada e composta apenas por pessoas com alguma necessidade especial, diz que: na condição de pessoas com deficiências, se opõe a guerras, violência e todas as formas de opressão, além de desejarem construir uma organização unida e forte (SASSAKI, 2002). Todos esses acontecimentos destacam a ampla mobilização mundial de pessoas com deficiências em busca de seus direitos e uma melhor qualidade de vida. A inclusão social e escolar tem servido como alavanca para 41 esse processo. Segundo Mantoan (1997), a inclusão questiona as políticas e a organização da Educação Especial e Regular, bem como tem por objetivo não deixar ninguém de fora do Ensino Regular, desde o começo. A escola inclusiva procura valorizar a diversidade existente no alunado inerente à comunidade humana ao mesmo tempo em que buscam repensar categorias, representações e determinados rótulos que enfatizam os deficits, em detrimento das potencialidades dos educandos. Em seu sentido mais amplo, o Ensino Inclusivo é a prática da inclusão de todos, independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural, em escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas. As pesquisas sobre o professor e a inclusão Os trabalhos e pesquisas envolvendo a inclusão escolar vêm avançando rapidamente em função da urgência em atender as solicitações feitas por professores, orientadores e pais. Contemplando a heterogeneidade da realidade brasileira e a especificidade da prática educativa, os estudos direcionam-se em entender como a inclusão está acontecendo e de que forma podemos melhorar sua efetivação. Edler (1998) constatou como os professores de Ensino Especial e Regular de todas as regiões brasileiras entendem as dificuldades de aprendizagem; também analisou as grades curriculares dos cursos de magistério da Educação Fundamental. A autora comparou as respostas dadas pelos professores do Ensino Regular e professores do Ensino Especial. Um dos pontos de maior divergência revela-se na resposta da pergunta direcionada aos alunos que “não aprendem”, se são deficientes mentaisou não. A maioria dos professores do Ensino Regular acha que os alunos que “não aprendem” têm deficiência mental. Os professores do Ensino Especial discordam dizendo que alunos 42 podem ter dificuldades de aprendizagem sem serem deficientes mentais. A divergência das opiniões pode ser explicada, na percepção da pesquisadora, por serem os professores do Ensino Regulares mais inexperientes em relação às deficiências e menos informados sobre o tema, enquanto os da Educação Especial dominam mais a temática, são mais críticos e “não consideram a deficiência como um rótulo que serve para explicar qualquer problema dos alunos” (EDLER, 1998, p. 82). Para Edler (1998), os professores reconhecem que o Ensino Regular não está bom no dia a dia das escolas, com isso acabam implicitamente criticando a prática pedagógica. Há constatação de que os currículos dos cursos de formação de professores na maioria dos estados tratam das dificuldades de aprendizagem e deficiências de forma muito restrita e, frequentemente, no último ano, impedindo que haja maior familiarização com o assunto, justificando o despreparo do professor do Ensino Fundamental. Essa pesquisa comprova o que já imaginávamos saber. A escola não consegue lidar com alunos que se afastam de um padrão. Crianças normais que apresentam dificuldades específicas de aprendizagem são com frequência rotulada como deficientes. Os levantamentos de Rocha e Marquesini (2002) verificaram a posição de professores do Ensino Regular e da Educação Especial de quatro cidades da região norte do Paraná, envolvendo 141 docentes. A pesquisadora utilizou-se de um questionário de 30 afirmativas, sendo 15 pró-inclusão do deficiente mental no Ensino Regular e 15 contra inclusão. Os resultados revelaram que os docentes posicionaram-se em sua maioria contra inclusão do aluno com deficiência mental no Ensino Regular. Os que se posicionaram mostrando menos resistência eram aqueles que possuíam em sua formação disciplinas específicas para atender crianças com deficiência mental. A conclusão desse estudo propõe a necessidade de capacitação urgente dos docentes e profissionais do sistema educacional. 43 Pardo e Faleiros (2002) entrevistaram professores de Ensino Regular que atendiam alunos com necessidades especiais e a produção acadêmica dos alunos incluídos com idades entre oito e doze anos provenientes de escolas especiais. A análise das respostas dos professores evidencia que a escola não fez alterações no seu funcionamento para receber os alunos com necessidades educativas especiais; que os alunos apresentaram melhores resultados na socialização do que na produção acadêmica; e, ao final do ano letivo, os professores acreditavam que os alunos com deficiência mental necessitavam de escola especial. A conclusão sobre esses estudos propõe a necessidade de maiores investigações dire- cionadas à forma de intervenção oferecida no processo inclusivo e o incentivo a condições mais adequadas para a inclusão do aluno com deficiência mental em ambientes menos segregadores. Outro trabalho realizado na cidade de Marília (SP), por Reganham e Braga (2002), discute a inclusão através da escuta de professores de Ensino Regular que receberam alunos especiais em suas salas de aula. A discussão dos resultados descreve dados como: a formação dos professores, na maioria, é de nível superior ou estão em fase de conclusão; de um total de oito professores, apenas quatro possuíam formação em Educação Especial, mas esses também sentem-se inseguros ao atender o aluno com necessidades educativas especiais; os demais (sem especialização) dizem que a falta de formação dificulta muito o trabalho. Para as autoras, a pesquisa permite concluir que a inclusão não deve ser algo obrigatório. Há necessidade do interesse dos professores e de toda a escola. Reganham e Braga (2002) explicam que, para os professores entrevistados, a inclusão é necessária e viável, contudo não deve se tornar um “devaneio otimista”, por isso deve-se investir na efetivação de condições mínimas. Vitaliano (2002) acompanha as percepções de professores universitários da área de Educação Especial e professores do Ensino Fundamental sobre a 44 questão da inclusão e percebe que, para a escola atender melhor os alunos especiais, é fundamental que os professores estejam mais bem preparados, haja adaptações curriculares, redução do número de alunos em sala e apoio de professores especialistas nas áreas específicas. Uma pesquisa realizada por nós em 2003, na cidade Curitiba (com o apoio da Universidade Tuiuti do Paraná), buscou saber quais as concepções de professores do Ensino Regular a respeito da inclusão escolar. A escolha do professor como sujeito de investigação valeu-se pelo fato de entendermos que, nesse processo inicial de concretização da inclusão, o professor terá uma função de destaque, como um pilar que se estiver bem respaldado poderá servir de apoio e sustentação para os demais. Isso não diminui a importância e a responsabilidade de outros, como os pais, a escola como um todo, o governo ou a sociedade. Inicialmente foi realizado um levantamento do número de escolas de Ensino Regular na cidade e constatou-se que 331 escolas atendiam crianças especiais nas salas de Ensino Regular em processo de inclusão. Foi separada, aleatoriamente, uma amostra de 50% entre as escolas envolvidas com a inclusão. Foram entregues 165 questionários, divididos em duas partes: a primeira sobre o processo inclusivo em si, com 25 perguntas, e a segunda parte voltada para as percepções que os professores tinham de seus alunos especiais, com 17 perguntas. Obteve-se o retorno de apenas 122, ficando sem resposta por parte dos professores 43 questionários. A análise parcial permite- nos fazer algumas considerações. Observam-se mais escolas municipais (42%) com crianças em processo de inclusão do que particulares (29%) e estaduais (28%). A maioria dos professores (68%) possui formação superior e um grupo considerável (44%) tem especialização em Ensino Médio ou Superior. Muitos professores (76%) entendem o significado da inclusão como uma possibilidade de integração da pessoa deficiente à sociedade (Tabela 1). 45 Significado da inclusão Frequência Exercício da cidadania 50% Conviver com as diferenças 49% Possibilidade de integração com a sociedade 76% Momento histórico atual 9% Não sei 1% Constatou-se que os professores em sua maioria (95%) acreditam na necessidade de adaptações do contexto escolar para receber os alunos especiais, contudo, em uma pergunta seguinte os professores afirmam que grande parte das escolas (66%) não tem feito adaptações. Ainda 85% dos professores salientam as adaptações curriculares que acham necessárias; verifiquemos os dados a seguir (Tabela 2): Alterações curriculares necessárias Frequência Não responderam 9% Redução da lição de casa 10% Avaliação diferenciada 47% Flexibilidade do planejamento do ensino 48% Capacitação dos professores 84% Um professor auxiliar na sala 47% Apoio pedagógico extra curricular 66% Em 78% das escolas não estão sendo feitas alterações curriculares, conforme os dados fornecidos pelos entrevistados. Ao perguntar aos professores se eles se sentem preparados para atender alunos com necessidades educativas especiais, 32% deles acreditam estar preparados, mas, destacando o desejo de maior aperfeiçoamento, 42% não se sentem preparados, porém estão dispostos a se aperfeiçoar, e registramos que 19% dos professores dizem não estar preparados e não querem se aperfeiçoar para atender alunos especiais. 46 Pode-se entender que 61% dos professores não se sentem preparados para receber alunos especiais, fato que justifica que 71% deles terem afirmado que a inclusão não está acontecendo de forma harmoniosa na prática.Quanto aos ganhos (aproveitamento) que os alunos com necessidades educativas especiais estão tendo com a inclusão, os professores acreditam que são na área social (90%), seguido dos emocionais (45%) e cognitivos (26%). Uma das perguntas investigava os benefícios do processo inclusivo. Verificou-se que um pequeno número de professores (11%) acha que o aluno com necessidades educativas especiais se beneficia, a maioria (55%) acha que o aluno com necessidades educativas especiais em algumas situações fica prejudicado e que o professor acaba desgastado (40%), como descreve a tabela abaixo (Tabela 3): Benefícios e prejuízo Frequência Não responderam 2% Todos se beneficiam sempre 23% Em algumas situações o aluno com NEE fica prejudicado 55% O aluno sem NEE beneficia-se sempre 11% Em algumas situações o aluno sem NEE fica prejudicado 30% O aluno sem NEE beneficia-se sempre 10% O professor fica muito desgastado 40% Mesmo não tendo a análise dos dados dessa pesquisa concluídos, muitas reflexões registradas aqui podem ser correlacionadas com as pesquisas anteriores apontadas. Pontos positivos são comuns a todas as pesquisas analisadas, como: os ganhos sociais para todos e a conscientização dos professores da necessidade de aperfeiçoamento. As análises feitas por Rocha e Marquesini (2002), Pardo e Faleiros (2002), Reganham e Braga (2002), corroboram os dados levantados aqui com relação às dificuldades enfrentadas na efetivação que concilia o processo 47 inclusivo. Seria coerente afirmar que, em todas as pesquisas, a formação do professor parece não corresponder às suas necessidades práticas; mesmo aqueles que possuem formação superior mostram-se inseguros ao enfrentar o processo inclusivo. Poderíamos entender que é plenamente compreensível à sensação de insegurança diante do novo e do diferente, no entanto seu despreparo envolve tanto os aspectos pedagógicos como suas crenças, valores e sentimentos. O professor é uma pessoa que tem sua história de vida que não deve ser desconsiderada. Para se alcançar o sucesso de qualquer objetivo, há necessidade de disponibilidade e interesse. Acreditar que somente o professor está despreparado seria simplista. A “escola” necessita urgente de mudanças de postura, formação, procedimentos de ensino, organização, adaptações etc. Entre o falar e o fazer, entre o discurso oficial e ação têm contradições que requerem a participação de todos. A implantação, na realidade, dessa nova concepção de educação requer a existência de profissionais bem formados, cujo preparo lhes permita levar adiante eficazmente o ensino, tanto no que diz respeito à diversidade das necessidades educativas quanto em função das possíveis variações dessas necessidades em consonância com os diferentes períodos vitais. Texto complementar Inclusão escolar: um desafio entre o ideal e o real (PEREIRA, 2009. Adaptado.) Mas o que é de fato a inclusão? O que leva as pessoas a terem entendimentos e significados tão diferentes? Cabe aqui tecer algumas reflexões, pois dessa forma estaremos contribuindo para uma prática 48 menos segregacionista e menos preconceituosa. O adjetivo ”inclusivo” é usado quando se busca qualidade para todas as pessoas com ou sem deficiência. Na primeira Conferência da Rede Ibero-Americana de Organizações Não Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias, reunida em Caracas, entre os dias 14 e 18 de outubro de 2002, considerando que é compromisso de todos elevarem a qualidade de vida de pessoas com deficiência e suas famílias por meio de serviços de qualidade em saúde, educação, moradia e trabalho, declararam 2004 como o ANO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SUAS FAMÍLLAS, almejando a vigência efetiva das Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiências e o cumprimento dos acordos estabelecidos na Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas com Deficiência (Convenção da Guatemala, 2001). O termo inclusão já trás implícito a ideia de exclusão, pois só é possível incluir alguém que já foi excluído. A inclusão está respaldada na dialética inclusão/exclusão, com a luta das minorias na defesa dos seus direitos. [...] O paradigma da inclusão vem, ao longo dos anos, buscando a não exclusão escolar e propondo ações que garantam o acesso e permanência do aluno com deficiência no Ensino Regular. No entanto, o paradigma da segregação é forte e enraizado nas escolas e, com todas as dificuldades e desafios a enfrentar, acabam por reforçar o desejo de mantê-los em espaços especializados. Contudo, a inclusão coloca inúmeros questionamentos aos professores e técnicos que atuam nessa área. Por isso, é necessário avaliar a realidade e as controvertidas posições e opiniões sobre o termo. 49 Outro aspecto a ser considerado é o papel do professor, pois é difícil repensar sobre o que estamos habituados a fazer, além do mais a escola está estruturada para trabalhar com a homogeneidade e nunca com a diversidade. A tendência é focar as deficiências dos nossos sistemas educacionais no desenvolvimento pleno da pessoa, onde se fala em fracasso escolar, no deficit de atenção na hiperatividade e nas deficiências onde o problema fica centrado na incompetência do aluno. Isso é cultura na escola, onde não se pensa como está se dando esse processo ensino-aprendizagem e qual o papel do professor no referido processo. Temos que refletir sobre a educação em geral para pensarmos em inclusão da pessoa com deficiência. Há também que se lembrar que todos os alunos vêm com conhecimento da realidade que não pode ser desconsiderado, pois faz parte de sua história de vida, exigindo uma forma diferenciada no sistema de aprendizagem. Mas temos que pensar que, para que a inclusão se efetue, não basta estar garantido na legislação, mas demanda modificações profundas e importantes no sistema de ensino. Essas mudanças deverão levar em conta o contexto socioeconômico, além de serem gradativas planejadas e contínuas para garantir uma educação de ótima qualidade (BUENO, 1998). Portanto, a inclusão depende de mudança de valores da sociedade e a vivência de um novo paradigma que não se faz com simples recomendações técnicas, como se fossem receitas de bolo, mas com reflexões dos professores, direções, pais, alunos e comunidade. Contudo, essa questão não é tão simples, pois devemos levar em conta as diferenças. Como colocar no mesmo espaço demandas tão diferentes e específicas se, muitas vezes, nem a escola especial consegue dar conta desse atendimento de forma adequada, já que lá também temos demandas diferentes? [...] Temos que diferenciar a integração da inclusão, na qual, na primeira, tudo depende do aluno e ele é que tem que se adaptar buscando alternativas 50 para se integrar, ao passo que, na inclusão, o social deverá modificar-se e preparar-se para receber o aluno com deficiência. A inclusão também passa por mudanças na constituição psíquica do homem, para o entendimento do que é a diversidade humana. Também é necessário considerar a forma como nossa sociedade está organizada, onde o acesso aos serviços é sempre dificultado pelos mais variados motivos. Jamais haverá inclusão se a sociedade se sentir no direito de escolher quais os deficientes que poderão ser incluídos. É preciso que as pessoas falem por si mesmas, pois sabem do que precisam de suas expectativas e dificuldades como qualquer cidadão. Mas não basta ouvi-los, é necessário propor e desenvolver ações que venham modificar e orientar as formas de se pensar na própria inclusão. A Declaração de Madrid (2002) define o parâmetro conceitual para a construção de uma sociedade inclusiva, focalizando os direitos das pessoas com deficiências, as medidas legais, a vida independente, entre outros: ”O que for
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