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TEXTO: COESÃO E COERÊNCIA A palavra texto provém do latim textum, que significa "tecido, entrelaçamento". Há, portanto, uma razão etimológica para nunca esquecermos que o texto resulta da ação de tecer, de entrelaçar unidades e partes a fim de formar um todo inter-relacionado. Daí podermos falar em textura ou tessitura de um texto: é a rede de relações que garantem sua coesão, sua unidade. Esse trabalho de tecelão que o produtor de textos escritos executa pode ser avaliado em função de quatro elementos centrais: a repetição, a progressão, a não-contradição e a relação. Para estudá-los, devemos ter sempre em mente que um texto se desenvolve de maneira linear, ou seja, as partes que o formam surgem uma após a outra, relacionando-se com o que já foi dito ou com o que se vai dizer. 1. Repetição Ao longo de um texto coerente, ocorrem repetições, retomadas de elementos (palavras, frases e sequências que exprimem fatos ou conceitos). Essa retomada é normalmente feita por pronomes (e pelas terminações verbais que os indicam) ou por palavras e expressões equivalentes ou sinônimas. Também podemos repetir a mesma palavra ou expressão, o que deve ser feito com cuidado, a fim de que o ritmo não seja prejudicado. Observe o texto abaixo: “No mundo moderno, as pessoas estão mais ou menos aprisionadas em seus apartamentos. Nessas celas, a sociedade se torna cada vez mais distante para elas. No interior dessa concha familiar, quase sempre num centésimo octogésimo terceiro andar de um edifício de 800 metros de altura, as pessoas se encontram em pleno céu, com as portas fechadas para o mundo exterior. E nessa caixa estritamente pessoal em que o homem está cercado de objetos familiares como seu cão, sua poltrona e, quem sabe, até sua mulher, fica também a televisão, “a pequena janela” através da qual entram todos os acontecimentos do mundo.” (Moles, Abraham. Veja, 06/05/70). Quanto à coerência, a repetição se manifesta pela retomada de conceitos, de ideias. Quanto à coesão, pelo emprego de recursos linguísticos específicos tais como a repetição de palavras, a substituição vocabular, o uso de artigos definidos ou pronomes para determinar entidades já mencionadas ou a serem mencionadas. 1.1 Substituição de vocábulos Esse recurso consiste em substituir uma palavra, expressão ou até mesmo uma frase já empregada no texto por outra de sentido equivalente, a fim de manter a continuidade textual e renovar semanticamente o texto. Exemplos: (1) Lula viajou para a Europa. O ex-metalúrgico do ABC paulista tem sido criticado por isso. Epítetos: uma palavra ou frase qualifica pessoa ou coisa. (2) Vinha um ônibus, mas o pedestre não viu o veículo. (“ônibus” hipônimo de “veículos”) Palavras ou expressões sinônimas ou quase sinônimas, hipônimos ou hiperônimos. (3) Rios, lagos, cascatas, montanhas, a natureza inteira sofria com a poluição. Termo-síntese. (4) O charuto dava-lhe um prazer enorme. Era comum vê-lo com o Havana nos lábios. Metonímia. (5a) Os ladrões roubaram todos os eletrodomésticos. O roubo provocou um prejuízo incalculável. (5b) O tsunami que devastou a Ásia foi um dos desastres mais impressionantes da história. A devastação que ele causou – engolindo cidades inteiras, demolindo tudo que estava na orla – marcou o planeta Terra de maneira permanente. (Super, fev. 2005 – adaptado) Nominalização: o emprego de um nome (substantivo) remete a um verbo enunciado anteriormente. (6) Comprou a casa, mas a casa não estava pronta. Repetição do mesmo termo: de forma idêntica. (7) Aceitou o amigo, mas aquele amigo trouxe-lhe problemas. Repetição do mesmo termo: com um novo determinante. (8) Fernando Henrique Cardoso elevou a taxa de juros e por isso FHC foi muito criticado. Repetição do mesmo termo: de forma abreviada. (9) Lula já fora candidato, mas Luís Inácio Lula da Silva nunca se dera bem no pleito. Repetição do mesmo termo: de forma ampliada. 1.2 Pronominalização O emprego de pronomes ou advérbios permite repetir, a certa distância, uma palavra, uma expressão, uma frase, ou mesmo parágrafo(s) inteiro(s). Esse emprego pode se dar diferentemente. a) o pronome ou advérbio faz referência a algo precedente, isto é, a algo dito anteriormente no texto. Remete, portanto, a um antecedente e é denominado anafórico. Exemplo: “A leitura vai além do texto e começa antes do contato com ele. O leitor assume um papel atuante, deixa de ser mero decodificador ou receptor passivo. E o contexto geral em que ele atua, as pessoas com quem convive passam a ter influência apreciável em seu desempenho na leitura. Isso porque o dar sentido a um texto implica sempre levar em conta a situação desse texto e de seu leitor.” (MARTINS, Maria Helena. O que é leitura – Adaptado) Outros exemplos: Pronomes: a) Pessoais: O aluno saiu, mas ele não avisou sua mãe. b) Substantivos indefinidos: João e Pedro estiveram lá, mas nenhum deles falou nada. c) Substantivos possessivos: Renato comprou um jornal, mas leu o meu. d) Substantivos demonstrativos: Ela gostou da blusa vermelha, mas comprou esta. e) Substantivos interrogativos: Pedro e Paulo falaram, mas qual disse a verdade? f) Substantivos relativos: O livro que trouxe é menos interessante. Numerais: João e o amigo saíram, mas os dois voltaram logo. Fiz dez exercícios; meu primo fez o dobro. Advérbios pronominais (aqui, aí, lá, ali): Fui à Europa e lá faz muito frio. b) O pronome ou advérbio se antecipa àquilo que irá referir. A interpretação, nesse caso, depende de algo que segue no texto, e o advérbio ou pronome é denominado catafórico. Exemplo: “Ele poderia ter entrado para a história como anatomista brilhante, fundador do museu de História Natural de Londres e criador da palavra dinossauro (que significa “lagarto terrível” em grego). Mas o inglês Richard Owen é lembrado hoje por um motivo nada brilhante: ser um dos mais implacáveis inimigos da teoria evolucionista [...]” (Super, fev.. 2005) O problema é este: tenho outro compromisso nesse dia. c) O pronome ou advérbio faz referência a elementos externos ao texto, os quais são recuperáveis pelo contexto. Nesse caso, o pronome é denominado exofórico ou dêitico. Exemplo: “Você liga a cobrar para o Brasil de qualquer telefone do mundo e é atendido em português.” (Publicidade da Embratel – Terra, fev. 2005) 1.3 Elipse A elipse consiste na omissão de uma palavra, expressão ou frase, mas que é recuperável pelo contexto. Nossa festa estava animada, a (festa) deles não. Li Veríssimo e tu, Machado de Assis. Na minha turma há quarenta alunos, na sua, cinquenta. 2. Progressão Num texto coerente, o conteúdo deve progredir, ou seja, devemos sempre acrescentar novas informações ao que já foi dito. A progressão complementa a repetição: esta garante a retomada de elementos passados; aquela garante que o texto não se limite a repetir indefinidamente o que já foi colocado. Dessa forma, equilibramos o que já foi dito com o que se vai dizer, garantindo a continuidade do tema e a progressão do sentido. Observe os textos a seguir: "O ferreiro está vestido com uma calça preta e um chapéu claro e com um paletó cinza e marrom escuro. Tem na mão a ponta da picareta e bate em cima com um martelo, sobre a ponta da picareta. Os gestos que fez, tem a ponta da picareta e com seu martelo bate sobre a ponta da picareta. A ponta desta fer- ramenta que se chama a ponta da picareta é pontuda e a outra ponta é quadrada. Para tornar ela vermelha com a ponta da picareta colocou ela no fogo e as mãos estão vermelhas." (texto original) O que chama a atenção nessa redação é a flagrantecircularidade do discurso, como se o aluno (sem dúvida pelo temor do vazio) acabasse produzindo uma “lenga-lenga” em que o discurso está quase sempre voltado para si próprio. Existe, nesse texto, uma desproporção muito grande entre a taxa de contribuição informativa e a taxa de repetição. Observe o texto a seguir, um fragmento de redação de vestibular (retirado do livro Crise na Linguagem: redação no vestibular): “Estou começando a me sentir vazia, pálida, desesperançosa e oca. O vazio me invade e sinto um vazio dentro de mim.” Esse texto é circular, ou seja, repete várias vezes a mesma idéia. Fala, em duas linhas, quatro vezes em vazio interior. Em outros termos, não tem progressão. 3. Não-contradição Num texto coerente, não devem surgir elementos que contradigam aquilo que já foi colocado. O texto não deve destruir a si mesmo, tomando como verdadeiro aquilo que já foi considerado falso, ou vice-versa. Esse tipo de contradição só é tolerado se for intencional: Ex.: “Lá dentro havia uma fumaça espessa que não deixava que víssemos ninguém. Meu colega foi à cozinha, deixando-me sozinho. Fiquei encostado na parede da sala, observando as pessoas que lá estavam. Na festa, havia pessoas de todos os tipos: ruivas, brancas, pretas amarelas, altas, baixas, etc.” (Nesse caso há uma incoerência, pois a personagem não podia ver e viu.) Não se deve confundir a não-contradição com o contraste. A aproximação de ideias e fatos contrastantes é um recurso muito frequente no desenvolvimento da argumentação. Dizer, por exemplo, que o Brasil tem uma economia comparável à dos maiores países do mundo para, a seguir, declarar que a distribuição de renda no país é a pior do mundo não é uma contradição. É um contraste, que pode servir ao desenvolvimento de uma linha argumentativa. A contradição é, portanto, uma questão lógica. Observe o texto abaixo: (...) Mas foi a Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial, que realizou as experiências mais aterradoras. Só que as cobaias eram seres humanos. Prisioneiros de guerra, principalmente judeus, foram submetidos a todos os tipos de crueldades. O Estado de S. Paulo, 3 out. 1991. O encadeamento dos fatos é contraditório: as experiências mais aterradoras foram as da Alemanha nazista porque as cobaias eram seres humanos. A expressão só que, mal- empregada, destrói esse vinculo lógico de causa. Em seu lugar, poderia surgir um isso porque. Ou simplesmente poderia vir a afirmação "As cobaias eram seres humanos". 4. Relação Num texto coerente, os fatos e conceitos devem estar relacionados. Essa relação deve ser suficiente para justificar sua inclusão num mesmo texto. Há recursos específicos para a expressão formal dessas relações que são os articuladores lógicos (conjunções, advérbios, preposições responsáveis pela ligação entre si das ideias de um texto), os numerais, alguns adjetivos, etc. Observe o texto abaixo: Uma alimentação variada é fundamental para que seu organismo funcione de maneira adequada. Isso significa que é obrigatório comer alimentos ricos em proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e sais minerais. Esses alimentos são essenciais. Mesmo que você esteja fazendo dieta para emagrecer, não elimine carboidratos, proteínas e gorduras de seu cardápio. Apenas reduza as quantidades. Assim, você emagrece sem perder saúde. Saúde, n.5, maio 1993. Os articuladores são responsáveis pela coesão do pensamento e tornam a leitura mais fácil e fluente. Por isso temos de saber usá-los com precisão, tanto no interior da frase quanto ao passar de um enunciado a outro, se a clareza assim o exigir. Muitas vezes, sem os articuladores o pensamento não flui, não se completa, e o texto torna-se obscuro, sem nenhuma coerência. Esses quatro itens que analisamos (repetição, progressão, não-contradição e relação) podem ajudá-lo a avaliar o grau de coesão dos textos - os que você lê e os que você escreve. Integrando-os, você adquire um conceito bastante prático do que um texto deve ser: uma sequência de dados não-contraditórios e relacionáveis, apresentados gradativamente por meio de um movimento que combina repetição e progressão. Tornar esse conceito prático é o trabalho formativo a que nos propomos em nosso curso. A configuração final do texto depende ainda de outros fatores. Como o texto escrito é um fato comunicativo, nele interferem questões relativas ao canal de comunicação, ao perfil do receptor e às finalidades pretendidas pelo emissor. O emissor pode pretender coisas tão diversas como informar, convencer, enganar, seduzir, divertir. O receptor pode ser uma pessoa de elevado grau de escolaridade, uma criança recém-alfabetizada ou alguém que tenha concluído o primeiro grau; pode estar em casa, num campo de futebol, na praia ou no trabalho. Todos esses fatores afetam diretamente as feições do texto que se pretende bem- sucedido. Fonte: CHAROLLES, Michel. Introdução aos problemas de coerência de textos. São Paulo: Pontes, 1997, p. 39-90. (Adaptação) Exercícios – Problemas de textualidade 1. Em cada um dos textos a seguir, a primeira ocorrência de um vocábulo foi destacada. Identifique as repetições desses elementos no decorrer do texto. 1. “No embalo da entrega do Oscar, os fãs de cinema podem buscar na seção Arquivo Veja as reportagens de capa sobre grandes filmes, astros e estrelas da sétima arte”. 2. “O fenomenal atacante Ronaldo decidiu bancar a construção de um teatro na Cidade de Deus, o conjunto habitacional carioca hoje internacionalmente conhecido por causa do filme homônimo. Isso é o que se chama estar em cima do lance.” 3. “A rede de televisão árabe Al Jazira ficou famosa por ter sido a emissora escolhida por Osama Bin Laden para receber seus vídeos com exclusividade.” 4. “Na tentativa de conter a disseminação da gripe do frango pelo mundo, milhões de aves têm sido sacrificadas nos países atingidos pela doença, entre eles, China, Japão e Indonésia.” 5. “A Petrobrás está em negociações com Roberto Carlos para que o cantor vire garoto-propaganda da BR Distribuidora.” 2. Utilizando os recursos de coesão, substitua os elementos repetidos quando necessário: 1. “O primeiro colocado no vestibular da Universidade de São Paulo é um paulista da cidade de Adamantina chamado Raul Celistrino Teixeira. Raul Celistrino Teixeira concorreu a uma vaga no curso de Física e acertou 89% das questões propostas. Raul Celistrino Teixeira também foi aprovado no Instituto Tecnológico de aeronáutica (ITA) e na Universidade de Campinas (Unicamp). Raul Celistrino Teixeira estudava quatro horas por dia.” 2. “A Amazônia é atualmente o mais precioso tesouro ambiental do planeta, com inimaginável diversidade biológica e manancial de água potável. Por isso, a complexidade da Amazônia é proporcionalmente comparável às preocupações com sua preservação. Para entender porque a Amazônia é tão valiosa, VEJA on-line preparou a seção Em Profundidade Amazônica, com textos, fotos e infográficos que mostram quanto a Amazônia ainda possui de intocado e o que as autoridades planejam fazer para manter a Amazônia viva e saudável.” 3. “A indústria da beleza, o objetivo da indústria da beleza é satisfazer a vaidade pessoal, sempre teve maior dificuldade em justificar o sofrimento dos animais. Depois de anos sendo patrulhada, a indústria da beleza afinal tem uma boa notícia: diminuiu bastante a quantidade de animais usados em laboratórios.”. 4. “Não é costume no Brasil pôr a mão no peito para ouvir o Hino Nacional, como ocorre em países latino-americanos e nos Estados Unidos. A atitude ideal é ouvir o hino em pé, com os braços soltos estendidos junto ao corpo, explicaMaria de Lujan, assessora do cerimonial do Itamarati. Outra dúvida comum é quanto a cantar o hino ou não. Em ocasiões muito formais, e se a interpretação for somente orquestrada (sem coral, por exemplo), convém ouvir o hino em silêncio. Nas demais situações, pode-se cantar o hino sem constrangimento.” 3. Indique nos trechos abaixo os referentes das palavras e expressões destacadas: 1. “Você já deve ter ouvido falar que chá verde faz um bem danado à saúde. Os benefícios alardeados são tantos que, no Japão, o mercado da bebida é quase do mesmo tamanho do de refrigerantes.” 2. “No Brasil existem cerca de 10.000 pessoas com mais de 100 anos. Diante dessa realidade, o sonho de que se possa viver muito além dos 100 anos se afigura cada vez mais possível.” 3. “A fumaça do cigarro contém mais de 4.000 compostos químicos. Muitos deles são carcinogênicos ou tóxicos. É por isso que estamos conduzindo pesquisas para desenvolver produtos inovadores que, esperamos, reduzirão muito significativamente muitos desses compostos.” (Philip Morris) 4. “Os animais domésticos já compartilham dos maus hábitos dos homens. Grande parte deles passa o dia só, com comida à vontade, passeios escassos e almofadas à disposição para uma longa e tranquila soneca.” 5. “O robô Opportunity, que pousou no planeta vermelho dia 25 de janeiro (2004), mostrou a outra face do astro: terreno plano, de cor escura e formado de finos grãos vermelhos e torrões cinza. Aos olhos da sonda Spirit, da Nasa, que chegou no dia 4 e pousou do outro lado do planeta, a superfície de Marte era clara e rochosa. ”
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