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EXPERIÊNCIA TRANFORMADORA: UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DA CATEGORIA VERBO NUMA PERSPECTIVA REFLEXIVA 
Autora: Sheila Fabiana de Pontes CASADO[1: Mestranda em Linguagem e Ensino pelo Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande. Email-sheilacasado29@hotmail.com]
Coautor: Edmilson Luiz RAFAEL[2: Professor Doutor da Unidade Acadêmica de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande. Email:eluizrafael@gmail.com]
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma proposta para o ensino de gramática a partir da produção escrita do gênero carta de solicitação no EF. Pauta-se nos pressupostos teóricos de Araújo e Silva (2008), Castilho (2010), Costa Val (2002), Neves (2006), Travaglia (2009, 2011), dentre outros. Tem por objetivo apresentar uma proposta sob nova angulação dos estudos gramaticais (objeto de ensino- verbo) baseada na perspectiva funcionalista/discursiva do ensino de gramática a partir da produção escrita de carta de solicitação, almejando sua funcionalidade no contexto sóciocomunicativo opondo-nos ao modelo de ensino de gramática ofertado hoje em grande parte das escolas. A elaboração teve como ponto de partida um relato de experiência, extraído de um corpus proveniente de uma escola pública paraibana, à disciplina Análise Linguística e Ensino onde deveríamos reorientá-lo numa perspectiva reflexiva do ensino considerando o que propõe os estudos em AL. A propositura consiste em uma sequência de ensino a partir da produção escrita do gênero carta voltada ao trabalho com estudo do verbo (temporalidade/pessoa). A partir de agora faremos uma breve apresentação da sequência de ensino que situa possibilidades de exploração verbal através da ferramenta de ensino carta de solicitação. Após a familiarização do aluno com o gênero, o pesquisador apresenta um tema de recorrência social, sugere a produção de carta de solicitação e segue com o processo de revisão, reescrita e produção de nova versão explorando a categoria que dá sustentação aos enunciados. Esta orientação aduz uma visão de ensino do verbo num contexto amplo de produção, funcionamento e se insere numa perspectiva de autoconfrontação motivando mudanças na tradicional abordagem gramatical.
Palavras-chave: Verbo. Gramática. Ensino. Gênero Carta.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é originário de um recorte de experiência educacional vivenciado numa turma de 5º ano do EF em uma escola pública municipal em que vinhamos desenvolvendo uma sequência de atividades de natureza prescritiva da categoria verbo e em determinado momento, intuitivamente, surgiu a necessidade de sugerir à turma a produção de uma carta à direção escolar solicitando apoio para enfrentamento das dificuldades. Na ocasião, continuamos explorando o verbo, objeto já introduzido, mas a produção escrita serviu apenas para grifar os verbos utilizados na carta e classificá-los quanto tempo e pessoas do discurso. Tal situação foi rememorada enquanto cursava AL e Ensino-UFCG, onde nos foi incumbida a missão de (re)direcionar a experiência permitindo olhar para a minha prática mais atentamente e na oportunidade me vi diante do desafio de analisar linguisticamente dada situação relatada e a partir dela (re)orientar a proposta tendo em vista superar a fragmentação do ensino de gramática. 
Este trabalho se insere no campo da Linguística Aplicada e o interesse por este tema se justifica por trazer ao debate atual reflexões sobre como vem sendo ofertado o ensino de gramática e sugerir um novo (re)direcionamento na práxis didática, i.e., viabilizando que outras experiências sejam transformadas e norteadas, quanto ao reconhecimento de que um ensino centrado na classificação de determinados classes isoladamente resume-se a um olhar muito limitado. 
A presente proposta está organizada numa sequência de ensino que traz a categoria verbo como objeto de ensino numa perspectiva de usos, por acreditar que o funcionalismo é um paradigma que atende às subjetividades dos sujeitos e por colocar em evidência a competência linguística destes. Almejamos promover uma autoavaliação como zona fértil para mudanças. Para tanto, os seguintes objetivos norteiam esta construção: Geral: Colaborar com a criação de espaço onde o professor de LP, pelo exercício de autoconfrontação, possa refletir e (re)direcionar sua prática. Tem como objetivos específicos: 1) Apresentar uma proposta sob nova angulação dos estudos gramaticais (objeto de ensino- verbo) baseada na perspectiva funcionalista/discursiva do ensino de gramática, e; 2) Preconizar a produção escrita de carta de solicitação na concepção de gramática materializada no texto.
	Quanto a estrutura, este trabalho apresenta inicialmente considerações acerca da elaborações e execuções de atividades cristalizadas e reflexões que nos norteiam ao reconhecimento de uma abordagem gramatical plural. Para tanto, o gênero argumentativo surge como alternativa eficaz. Segue com uma sequência de ensino em que o verbo é parte constituinte do texto. Por fim, trazemos as considerações finais.
DESENVOLVIMENTO
PARA QUE ENSINAR GRAMÀTICA?
Muitas são as situações de ensino em que reproduzimos propostas elaboradas em consonância com currículos pré-estabelecidos as quais acreditamos responder às necessidades de aprendizagem dos alunos, ao requerido em níveis de aprendizagem para cada série/modalidade e principalmente ao papel da escola que para muitos resume-se ao trabalho de transmissão de determinados saberes contemplados nos programas. Com relação à elaboração do currículo, Apple (2006) declara que se trata de escolhas feitas por quem reconhece determinados saberes como válidos. Acreditamos que cada vez esta autonomia, pela escola, tem sido reduzida.
Para os PCNs o ensino da Língua Portuguesa “tem sido marcado por uma sequenciação de conteúdos que poderia se chamar de aditiva: ensina-se a juntar sílabas (ou letras) para formar palavras, a juntar palavras para formar frases e a juntar frases para formar textosˮ (BRASIL, 1997, p.30). Castilho (2010) afirma que
A força da gramática tradicional manifestava-se e ainda se manifesta na convicção de que ensinar Português confunde-se com ensinar gramática. A base do argumento é que sabendo gramática escreve-se bem e lê-se melhor, varrendo para baixo do tapete o ensino de Português-língua materna como uma continuada reflexão sobre a língua (CASTILHO, 2010, p.102).
Sabemos que não existem receitas para ensinar, no entanto Costa Val (2002) nos orienta para articulação entre os conhecimentos gramaticais e textuais-discursivos. Ela traz uma proposta atual para o ensino tendo como base a AL que consiste na inversão das posições rotineiramente aplicadas de “teoria-exemplo-exercício”, mas coloca o texto como base para “observar, refletir, analisar e descobrir” articulando sistematicamente os usuários da língua, a gramática prescritiva e o funcionalismo desta no âmbito discursivo, ou seja, o fazer pedagógico numa perspectiva de percepção e reflexão dos diferentes usos à construção da regularidade do sistema estruturado da língua pelo aluno. Portanto, um ensino produtivo em que os aprendentes participam ativamente da construção de seus saberes. Dialogando com a autora, Neves (2006) declara que quando se pensa em funcionalismo, a língua passa a ser vista em uso onde a interação verbal é uma ação estruturada e também cooperativa articuladas nas relações dialógicas estabelecidas entre os pares. 
Sabemos que ensinar língua numa concepção de construção de sentidos é ir além de decifrar letras, palavras, frases ou textos escritos, mas tomar para si uma compreensão por meio da interação e vivência com o texto estabelecendo neste movimento um conceito substancial para o processo de ensino-aprendizagem de LP. Ensinar gramática é primordial para desenvolver a competência comunicativa, i.e. compreender e produzir textos extraindo sentidos em diferentes contextos e me diversas situações comunicativas que compreende conhecimentosgramaticais. Na direção de uma gramática reflexiva Travaglia (2009), compartilha a ideia de funcionamento da língua onde a gramática é pensada como um conjunto de elementos interconectados, o multissistema que Castilho (2010) nomeia. Disso decorre a proposição de um trabalho que contemple a abordagem gramatical em toda sua complexidade e não a troca dessa dimensão por recortes como propõem a gramática tradicional.
O que colocamos em questão não é o ensino de gramática, mas a fragmentação do que é aprendido por meio de palavras/frases soltas ou uma abordagem morfológica descontextualizada. Perseguimos a harmonia entre o ensino de gramática (aqui o foco é verbo) e a produção de enunciados, tendo no gênero diversas possibilidades de emprego em situações reais de uso e que inevitavelmente conduz o aprendente à reflexão sobre seus empregos, tempos e/ou pessoas a quem se referem, etc., ou seja, o ensino de gramática atrelado aos usos da língua numa perspectiva reflexiva e dialógica. Araújo e Silva asseguram que: 
A abordagem da gramática, na maioria das escolas, está pautada no ensino de regras da norma culta da língua, contribuindo, assim, com a indiferença e o desinteresse de boa parte dos alunos, que fica com a impressão de que ensinar gramática é sinônimo de ensinar regras (2008, p.129).
O ensino de língua fundamentado no conceito de prescrição, quando se valoriza e reconhece apenas a língua culta como absoluta; ou como descrição do funcionamento, em que a língua é um produto, concerne numa visão reducionista, pois a língua vive no contexto social. Castilho (2010, p. 41) assegura que “o linguista e o gramático operam com um objeto guardado em sua mente e na dos indivíduos de sua comunidade, uma propriedade interna a ele, não evidente no mundo real”, a língua sendo um “objeto escondido” marca empregada por Saussure (2006). 
	Pensar em ensino enquanto práxis é pensar em aprendizagem enquanto construção, no lugar em que a gramática toma existência material real através de gêneros produzidos pelo aluno a partir de necessidades comunicativas, pois vive a experiência de uma produção que já faz uso diariamente. 
O ENSINO DE GRAMÁTICA FUNDAMENTADO NO GÊNERO COMO FERRAMENTA: CONCEITOS E PRÁTICA 
Quando pensamos em ensinar língua para falantes nativos, torna-se imprescindível o reconhecimento de que destacar palavras, preencher lacunas em atividades, reescrever conceitos, etc. são exercícios que não criam situações para o aprendente estabelecer relação de sentidos com o objeto estudado. São inúmeras as críticas em torno do ensino de gramática, mas como podemos comprovar não se discute se esta atividade merece lugar, pelo contrário, o lugar do ensino da gramática é medular. O que deveríamos destacar, quando pensamos num ensino que visa desenvolver a autonomia de sujeitos sociais, é o quanto a condução feita por “nós”, professores de LP e inevitavelmente de gramática da língua, tem promovido a interrelação entre função da linguagem através de sua aplicação concreta, é o que Travaglia (2011) intitula de gramática numa perspectiva pluralizada, a criação de espaço, através do ensino onde os elementos linguísticos se entrelaçam, ideia central da teoria de Castilho (2010) quando fala de enunciados, para quem o léxico, o discursivo, semântico e gramatical se interseccionam.
Compartilhando a tese dos autores citados e pensando a língua como verdadeiramente ela é- uma realização abstrata e imprevisível que se materializa na produção de enunciados totalmente sujeita a subjetividade dos falantes, nos questionamos: É possível resumir a amplitude da língua em exercícios de fixação dos conteúdos? Que ferramentas os professores dispõem para inserção de um ensino reflexivo? Se é indispensável o ensino de gramática, o que tem sido criticado?
Tais questões norteiam este estudo que visa promover, no leitor-professor, um exercício de autoconfrontação que perpassa todo o fazer docente desde a formação inicial, continuada e esbarra na práxis diária, carregada de percalços, mas que carrega consigo uma responsabilidade tanto social quanto política. Em resposta a tais indagações, iniciamos por assumir que nos constituímos num movimento permanente que acompanha as transformações ocorridas na sociedade temporalmente e portanto, pensar em linguagem como algo separado destes fatores seria ter uma visão reducionista logo, difundir a língua reduzindo-a como fórmula nos transporta a um paradigma que segundo Bohn (2013) o papel do professor é de aferidor e controlador o que acaba acarretando exclusões e enquanto articuladores de saberes, percebemos que a práxis é o elemento central de inclusão dentro desse saber fazer na escola. Daí, aflora a urgência de um paradigma denominado de complexo que Moraes (1997) declara surgir em resposta às instabilidades. 
Há possibilidade de se transportar desse ensino fragmentado e descontextualizado que vem sendo desencadeado para um ensino com base na AL de textos. Araújo e Silva (2008, p. 136) confidenciam ser uma perspectiva de ensino recente, o estudo da Análise Linguística a partir dos gêneros. À luz desta perspectiva o professor, como mediador desses saberes encontra na produção do gênero a alternativa de ensinar sistematicamente a gramática da LP de forma que os processos de apresentação dos conteúdos gramaticais tenham como ponto de partida a reflexão sobre a língua. 
Não é tarefa fácil se sobrepor a tudo que a maioria de nós vivenciou, seja como aluno ou na posição frente ao ensino. Também não podemos declarar que todas as mudanças ocorridas no sistema não nos atingiram e que fazemos da mesma forma que fomos ensinados, muitas coisas mudaram e nós embarcamos juntos, inclusive quando o assunto é o trabalho com gêneros textuais que têm ocupado a posição, na maioria das vezes, de subterfúgio para exploração das estruturas gramaticais. É inegável o lugar de destaque atribuído aos gêneros por considerar um espaço em que a língua é materializada e se inter-relaciona com outros textos e segundo Marcuschi (2003) , são manifestações incorporadas às atividades comunicativas dos sujeitos e os define como realizações linguísticas existenciais definidas por propriedades sócio-comunicativas e que contém em si um conjunto diversificado de estilos, conteúdos, funções e acrescentamos que com o advento das novas formas de comunicação novos gêneros emergem. [3: Para saber mais leia: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/133018/mod_resource/content /3/Art Marcuschi_G%C3%AAneros_textuais_defini%C3%A7%C3%B5es_funcionalidade.pdf.]
Dispomos de ferramentas– os gêneros textuais, um universo favorável à reflexão sobre a língua, pois trata-se de um espaço a ser preenchido pela subjetividade do leitor ou escritor, favorável a exploração dos elementos gramaticais ao tempo que projetam ideias e as materializam no movimento de construção e reformulação de textos/gêneros. Segundo Bronckart, as pessoas são constituídas basicamente pelas ações dialógicas e a produção de gêneros argumentativos, retratando interesses do grupo, é um espaço privilegiado para estudo de língua como interação.
Bezerra e Reinaldo (2013) trazem para o debate um tema que tem provocado inquietação no fazer didático- a Análise Linguística, uma proposta que se opõe ao estudo gramatical tradicional considerado pelas autoras como insuficiente quando se tem como propósito o texto. Retomamos a pergunta elaborada anteriormente sobre o lugar da gramática no ensino e o que tem gerado debates se pensarmos em articular o ensino gramatical aos textos/gêneros em sala de aula, Rafael (2012) em pesquisa realizada apresenta que o “velho” se faz presente revestido do “novo”, isto é, a inserção do gênero para reprodução de práticas engessadas. Este, tem sido assunto central dos debates sobre teorias funcionalistas, não se trata de não ensinar gramática, mas cuida de imprimir um novo sentido a abordagem que é feita dos objetos de estudo em sala de aula preocupado com os efeitos de significação, o que favorecerá a competência linguística dos falantes comodefendem Travaglia (2011), Castilho (2010), Bezerra e Reinaldo (2013) e vemos na produção e reescrita do gênero argumentativo a dimensão acolhedora da gramática amalgamada aos textos, poupando o aluno das fragmentações e repetições sem sentidos.
Os documentos parametrizadores trazem os gêneros textuais como ferramentas de ensino e aprendizagem propondo estes associados à prática social, num processo dialógico, ao considerar que constituem unidades maiores de sentido. Acreditamos que o grande desafio do professor hoje, não diz respeito aos conhecimentos teóricos, mas a transposição didática e entendimento da materialidade da língua devido as fortes ligações ao modo como fomos ensinados e isso acaba influenciando diretamente no nosso modo de fazer. Para Rafael (2004, p.129) “a língua se realiza em gêneros que circulam socialmente para atender às necessidades diárias de comunicação e interação entre os sujeitos, falantes e escritores de uma língua natural”.
Diante do que foi apresentado, trago uma proposta possível que pode ser adaptada a diversas realidades e ajudará o professor a perceber a necessidade de um ensino de gramática sob a perspectiva de reflexão sobre a língua e a importância da abordagem para construção de significados. Para KOCH (2006, p.31), “a pesquisa em Linguística Textual ganha uma nova dimensão: não se trata mais de pesquisar a língua como sistema autônomo, mas sim o seu funcionamento nos processos comunicativos de uma sociedade concreta” assim, faz-se necessário colocar o gênero como um instrumento comunicativo, permeados de sentidos e vinculado à vida do sujeito. Lino e Silva (2008, p. 129) afirmam que costumeiramente “os professores ministram aulas expositivas, seguidas da aplicação de atividades de natureza mecânica e repetitiva, em detrimento de propostas reflexivas e desafiadorasˮ. Pensando nesta última, nos colocamos.
SEQUÊNCIA DE ENSINO: O VERBO INTEGRADO AO TEXTO 
Hoje, reconhecemos que se faz necessário admitir que estamos historicamente presos aos métodos de ensino tradicional de transmissão de conteúdo, e muitas vezes quando afirmamos desenvolver um ensino de língua numa perspectiva de AL estamos encapsulados nos procedimentos adotados durante toda a vida. Logo, pensando numa aprendizagem que relacione às práticas enquanto campo propício à significação, elaboramos uma proposta de reorientação de experiência educacional voltada ao trabalho de ensino do verbo, temporalidade e pessoas do discurso com foco no atendimento de alunos do 5º ano do EF, toda via, a presente proposta pode ser adaptada às diversas modalidades de ensino, dependendo apenas, de uma adequação aos objetivos que se pretende alcançar. Tendo o verbo como objeto de ensino, apresentaremos uma sequência de aprendizagem que sugere possibilidades para exploração da categoria (verbo) utilizando a produção do gênero carta de solicitação e agradecimento. Castilho (2010) mostra que um ensino fragmentado não dá conta dos problemas linguísticos apresentados numa estrutura textual, mas a compreensão vem antecedida de reflexão epilinguística. Por isso, buscamos nesta propositura apresentar estratégias de um ensino contextualizado partindo da produção de gênero argumentativo para chegar a compreensão do objeto de ensino-verbo.
Veja como pode ser organizada a sequência de ensino sugerida. Esta não tem a pretensão de servir de modelo, mas uma orientação que venha auxiliar o professor a perpassar o conceito de língua enquanto prescrição, podendo ser adaptada a diversas realidades e objetos de ensino. 
Nossa proposta parte da produção escrita do gênero carta de solicitação. Antes de realizá-la, nos cabe aproximar o gênero ao aluno como propõe Costa Val (2002) para quem a familiaridade com o gênero a ser trabalhado, aumente as chances dos alunos alcançarem o sucesso. Esta aproximação com o gênero pode ser iniciada com um levantamento prévio sobre o que sabem os alunos a respeito do gênero carta. O professor pode estabelecer este contato dividindo a turma livremente em grupos (de 4 a 6) alunos e após as formações, cada componente, de todos os grupos, receberá um envelope com trecho de uma carta e em consenso com os outros integrantes, o grupo montará a carta e em seguida a apresentará. Na oportunidade o professor pode solicitar aos alunos que realizem uma pesquisa (sobre os diversos tipos de cartas de solicitação que circulam socialmente).
Em outro momento, fará a retomada da aula anterior, onde cada grupo poderá apresentar a correspondência pesquisada, abrindo espaço para o grupo dialogar a respeito das características comuns- a similaridade entre os textos. O professor, a título de planejamento, pode selecionar algumas cartas, como: solicitação, agradecimento, pessoal, reclamação, ao leitor, carta convite ou carta comercial para serem exploradas com os alunos. Inicia com a leitura oral do gênero (1 ou 2 cartas) pela turma/professora, seguida de diálogo sobre: Qual a função do gênero? A quem se destina? Qual o objetivo? E a linguagem? Qual o problema? O que sugere? Se se pretende um ensino do verbo a partir de sua funcionalidade (semântica e pragmática) o gênero carta pode acomodar essa dimensão, pois promove interação entre os pares e desenvolve a capacidade de convencimento através do argumento. Logo, consideramos que a produção escrita é uma ação dialógica que se constrói através da comunicação entre sujeitos com a finalidade de resolver conflitos.
Nosso ponto de partida é a produção escrita. Então, o professor pode apresentar oralmente uma circunstância (tema com recorrência social/local) que suscite a produção de uma carta de solicitação, esta produção pode ser realizada em dupla (identificada por números), onde o gênero passa a ser inserido numa perspectiva de reflexão do sujeito sobre a língua em situação sociolinguística. É interessante que o aluno seja orientado quanto ao “contexto de produção do gênero (objetivo, destinatário e ambiente de circulação) ˮ como indicam Araújo e Silva (2008, p.137). 
Assim, a produção inicial deve ter continuidade com o trabalho de organização. Sugerimos um trabalho compartilhado, onde os alunos devem se agrupar com a finalidade de uma dupla analisar a produção de outra e sugerir o que pode ser melhorado, noutro momento esta produção retorna ao produtor inicial que fará processo de reescrita, se julgar necessário, de acordo com dicas dadas pelos colegas. O ideal é que o professor leia cada carta e oriente benfeitorias preparando o gênero para circulação. Se faz necessário intervenção por parte do professor quanto aos ajustes necessários.
Explorar o verbo através do gênero é o nosso objeto de estudo então, o professor pode selecionar uma carta produzida por um grupo e organizar a exploração no texto tendo como base o que propões a AL. Veja o exemplo acompanhado de sugestões que podem ser levados ao debate em sala.
 Exemplo de carta uma de solicitação
	Miramirá, 10 de maio de 2017.
Ao Senhor diretor, Mafagá de Outrora
 Prezado senhor, nós que fazemos parte da turma 5º ano-C, turno vespertino, desta escola Torre de Miramirá, ( )estamos atravessando, em nossa sala, por alguns problemas tanto de ordem estrutural, quanto de apoio desta secretaria escolar. Devido às altas temperaturas de nossa região nos encontramos sem condições de assistir aula neste espaço, pois o lugar não possui ventilação natural e o calor tem impossibilitado nossa atenção às aulas. 
( )Acrescentamos que o material escolar que deveria ser distribuído entre os alunos não foi suficiente, por isso, parte da turma desperdiça bastante tempo para copiar as atividades. Mediante ao apresentado, ( )solicitamos de Vossa Senhoria medidas a respeito do que foi requerido.
Desde já, ( )agradecemos pela atenção empenhada.
Segue assinada por todos.
Através desta carta, estamos diante de diversas possibilidades de explorar linguisticamente o verbo: fazemos, agradecemos, presente do indicativo, flexionados de 2a conjugação; já, estamos, acrescentamos, solicitamos,encontramos , flexionados de 1ª conjugação; apresentado, empenhada, particípio passado, flexionados de 1ª conjugação; requerido, flexionado de requer, particípio, 2a conjugação; atravessando, gerúndio, 1a conjugação; deveria, Futuro do Pretérito do Indicativo, 2a conjugação, possui, presente do indicativo, 3a conjugação; distribuído, flexão de distribuir, particípio, 3ª conjugação; assistir, transitivo indireto, antecedido de preposição, 3a conjugação ; copiar, 1a conjugação, ambos no infinitivo.
O verbo é uma categoria fundamental para construção de argumentos, por isso, Bagno (2011, p.512) afirma que “os verbos são o núcleo de todo e qualquer enunciado significativoˮ, como podemos perceber o verbo marca “o que está acontecendo e como está acontecendoˮ, intuímos pela leitura que o estudo do verbo nesta modalidade de ensino é bem mais simples, principalmente em se tratando de EF que junto ao aprendizado dos conteúdos também está em processo de aprendizagem da leitura e escrita. Neves assegura que “sem o nome e o verbo qualquer proposição está incompletaˮ (2002, p.64). Então, com base no exemplo acima, como explorar o verbo utilizando como ferramenta de ensino o gênero carta do ponto de vista da AL?
Na verdade, a construção do gênero é o espaço onde as unidades da língua se articulam e compõem o texto, uma unidade complexa que acomoda significados e sendo uma produção comunicativa, não termina até encontrar seu destinatário. Desse modo, o professor pode sugerir a produção de uma nova versão da carta, considerando: se o gênero fosse produzido por uma pessoa ao invés de um grupo ou se estivesse contando um fato ocorrido há alguns dias, ou mesmo fossem lembranças da infância de alguém ou de um grupo, etc., Bagno (2011). Estamos diante de situações que conduzem a reflexão sobre transformações ocorridas nos termos semânticos e pragmáticos que podem ser comparados e entendidos conceitualmente. 
O autor, ainda sugere que pode-se observar a palavra que está escondida (pessoa) que segundo, Neves (2002, p. 44) com base em Dionísio destaca: “as pessoas do verbo são três: 1a - a que fala (de quem parte o discurso), 2 a – aquela a quem se fala (a quem se dirige o discurso) e 3 a – aquela de quem se fala (sobre quem é o discurso). Para Bagno (2011, p.512) “o verbo nos obriga a examinar a categoria pessoaˮ, a partir dessas identificações conjuntas, percebemos as pessoas do discurso e como elas estão ligadas a outros operadores.
Se realizado o que se propõe, o aluno dispõe de duas produções que ele participou ativamente de sua construção (segunda versão e produção inicial) nas quais o estudo sobre o verbo acontece concretamente, pois o professor pode indicar uma comparação entre as produções fazendo intervenções planejadas e levando o aluno a reflexão epilinguística, antecedendo assim, a metalinguagem utilizada tradicionalmente como prelúdio do ensino de verbo (foco neste trabalho).
Cabe ao professor, levar o aluno ao reconhecimento da relação de dependência que se estabelece entre o verbo e seus complementos, visto que, com o que já favorecido os alunos deverão ter construído de seus próprios entendimentos que antecedem a chegada a uma conceptualização elaborada pela gramatica prescritiva quanto uso dos verbos e categorias trabalhadas. Como forma de avaliar o trabalho desenvolvido pode ser solicitado a elaboração de uma carta de agradecimento ao mesmo destinatário. Vale destacar que neste momento o professor deve considerar atentamente as orientações desencadeadas até então.
Espera-se que ao final desta proposição os alunos tenham compreendido a necessidade de aperfeiçoar sua capacidade argumentativa, percebido as mudanças ocorridas entre as pessoas do discurso e consequentemente nos verbos que marcam as mudanças dos acontecimentos, a estrutura do gênero carta e sua finalidade. Por conseguinte, possibilitando um ensino produtivo explorando os aspectos morfossintáticos a partir do texto em situações reais de emprego de forma contextualizada seguindo gradativamente para a construção de conceitos de uma forma criativa e inteligível.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A nossa tentativa de encontrar caminhos para explorar o estudo gramatical apoiados na produção do gênero argumentativo como ferramenta de ensino, se une ao que propõe as teorias linguísticas que orientam a construção deste trabalho e serve como sugestão para um (re)direcionamento metodológico. 
Aqui exploramos o gênero carta de solicitação, visto que, é um registro ligado às práticas sociais, possui estrutura própria e que é frequentemente utilizada no meio social, pois diz respeito às necessidades de reivindicar enquanto cidadão de direito. Argumentar é tarefa desempenhada socialmente pelos usuários da língua e podem ser explorada para fins educativos, pois é intrínseco ao sujeito a tríade: reclamar-solicitar- agradecer.
O arcabouço estruturante desta proposta é uma sugestão para o professor de Língua Portuguesa pensar o ensino de gramática situado no âmbito da LA, traçando objetivos e adaptando esta proposta às necessidades de sua turma e valendo-se desta orientação- sequência de ensino, como possibilidade de integrar o estudo gramatical à produção argumentativa, reescrita e reflexão sobre marcas linguísticas de forma sistematizada, tendo o sentido como unidade central e a inserção do gênero carta numa perspectiva reflexiva dos usos.
O professor de língua enfrenta hoje grandes desafios, dentre eles, ultrapassar as barreiras do predeterminado tendo a sensibilidade de perceber a necessidade de mudanças e a bravura de se lançar às transformações através da autoconfrontação. O que se propõe como alternativa no contexto de ensino é na verdade, a unicidade entre a língua falada e a língua estudada. Logo, tal desafio se tornou uma competência docente a ser desenvolvida como forma de percebermos a necessidade de estudar a língua da qual somos falantes e através dessa consciência alargarmos os horizontes à competência comunicativa. Uma nova abordagem, implica novas (re)configurações sociais.
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