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II Colóquio da Pós-Graduação em Letras 
UNESP – Campus de Assis 
ISSN: 2178-3683 
www.assis.unesp.br/coloquioletras 
coloquiletras@yahoo.com.br 
 
 
 
594 
 
MMAACCHHAADDOO DDEE AASSSSIISS:: NNAARRRRAATTIIVVAASS DDEE EEMMBBUUSSTTEE EE AAUUTTOOEENNGGAANNOO 
 
Jaison Luís Crestani 
(Doutorando – UNESP/Assis – FAPESP) 
 
RREESSUUMMOO:: Este trabalho afirma-se como uma provocação à leitura viciada da obra de Machado 
de Assis que costuma ser empreendida pela fortuna crítica do autor. A divisão tradicional da 
literatura machadiana em duas fases, quer na acepção de ruptura, quer na de amadurecimento 
progressivo, acarretou, por um lado, no desapreço infundado das produções iniciais do escritor 
e, por outro, numa ideia errônea do processo de transformação e aperfeiçoamento do escritor, 
uma vez que pressupõe que tudo o que sucedeu à década de 1880 seria de qualidade literária 
inquestionável. Omite-se o fato de que, mesmo após a elaboração das revolucionárias 
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Machado de Assis continuaria a exercitar-se na 
convenção estilística das leitoras de folhetins, como ocorre mais precisamente nas publicações 
remetidas à revista A Estação – periódico declaradamente voltado aos interesses do público 
feminino. Desse modo, este trabalho pretende analisar um conjunto de narrativas publicadas 
nessa revista que permanece na linha das amenidades de puro entretenimento, ajustando-se 
às limitações das competências de leitura da clientela feminina de A Estação. Dobrando-se às 
leis do mercado, Machado de Assis parece conformar-se com as condições e solicitações das 
demandas disponíveis nesse contexto de produção. Daí o inexpressivo investimento estético-
literário identificado nesse conjunto de narrativas amenas, que não apresentam uma 
elaboração formal empenhada em valorizar a abertura da narrativa para leituras plurais, nem 
articulam proposições temáticas com uma complexidade capaz de instigar o exercício 
hermenêutico e de desafiar a capacidade interpretativa do leitorado da revista. O interesse 
dessas histórias reside quase exclusivamente na frustração de expectativas idealistas, firmada 
por meio de embustes e autoenganos, que atuam no sentido de despertar as leitoras para uma 
forma de leitura pautada numa visão de mundo realista. 
 
PPAALLAAVVRRAASS--CCHHAAVVEE:: Machado de Assis; contos; A Estação, periódicos. 
 
 
IInnttrroodduuççããoo 
Após quinze anos de colaboração assídua e quase ininterrupta no Jornal das 
Famílias (1863-1878),1 Machado de Assis passaria a colaborar em outros periódicos 
como a revista de modas A Estação (1879-1898) e o jornal Gazeta de Notícias (1881-
1897). O encerramento de sua colaboração no Jornal das Famílias tende a ser 
tomado, no que concerne aos contos, como um divisor de águas entre as polêmicas 
fases de produção do escritor. A sua estreia n’A Estação em 1879 coincide com a 
 
1 Para uma análise do perfil do Jornal das Famílias e da colaboração de Machado de Assis neste 
periódico, conferir Crestani (2009). 
 
595 
época da famosa crise dos quarenta anos e com o período de elaboração das 
revolucionárias Memórias póstumas de Brás Cubas que, segundo a opinião da maioria 
dos críticos da obra machadiana, operaram uma ruptura radical no modo de escrita de 
Machado de Assis. 
O interesse de examinar as narrativas publicadas nesse período se justifica 
pela importância que esta fase de transição adquiriu para a fortuna crítica da obra 
machadiana: além da passagem a um contexto de publicação com disposições 
consideravelmente novas, o exame dessas produções esquecidas nas páginas dos 
jornais poderá contribuir para uma revisão dos conceitos cristalizados em torno da 
polêmica “reviravolta” entre as fases de produção. Investindo em uma perspectiva 
dialética que considere a interação entre aperfeiçoamento e permanência, este 
trabalho pretende demonstrar que o percurso formativo do escritor não se processa de 
modo tão linear ou divisível quanto a crítica propõe. Mesmo após a criação das 
inusitadas Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis continuaria a 
incorporar, na própria fatura de sua ficção, os influxos das demandas imediatas e das 
condições de produção literária oferecidas pelos meios de difusão aos quais estava 
vinculado. 
OO ppeerrffiill eeddiittoorriiaall ddaa rreevviissttaa AA EEssttaaççããoo 
O periódico A Estação: Jornal ilustrado para a família era publicação 
quinzenal editada pela tipografia Lombaerts, no Rio de Janeiro, que circulou 
regularmente no período de 15 de janeiro de 1879 a 15 de fevereiro de 1904. Em 
termos de composição, A Estação dividia-se em duas partes com paginação 
independente: o “Jornal de Modas” e a “Parte Literária”. O primeiro era a tradução da 
matriz difundida pela revista alemã Die Modenwelt, cujo formato-padrão era traduzido 
em “14 idiomas” e distribuído em 20 países diferentes, resultando num número 
estupendo de assinaturas para a época, “740.000 assinantes” (A Estação, 31 dez. 
1885). A “Parte Literária”, por sua vez, era produzida exclusivamente para a edição 
brasileira. Como características elementares, o periódico apresentava um 
direcionamento prioritário ao público feminino, certa tendência moralizadora e 
investimento em informações de utilidade doméstica e em produções literárias para o 
recreio da família.2 
 
2
 Para uma análise mais aprofundada do perfil do periódico, conferir Crestani (2008, pp. 323-353). 
 
596 
A delimitação dos assuntos de interesse da mulher e das “preocupações 
naturais das leitoras” recebe a influência decisiva de uma concepção do feminino 
bastante característica do século XIX, a partir da qual a mulher é concebida como um 
ser frágil, “pueril”, de “sentimentos brandos e piedosos”, assinalado pelo signo do amor 
e da maternidade, cujas virtudes morais devem ser resguardadas com diligência. 
Esses conceitos estão nitidamente entranhados nas propriedades do discurso dos 
editoriais da revista e nos critérios que orientam a seleção das matérias que devem 
compor as suas páginas, evidenciando a preocupação com a amenidade dos temas, a 
moralidade das concepções e o enaltecimento dos sentimentos nobres e cristãos, da 
sensibilidade materna e do pudor feminino. Dentro desse círculo de interesses, há 
uma nítida recusa por assuntos relacionados à política, vista como objeto de domínio 
exclusivamente masculino. À mulher, cumpre falar de coisas mais amenas como 
flores, poesias e histórias sentimentais, moda, vida social e cultural, etiqueta, higiene, 
decoração, utilidade doméstica etc. 
Além da literatura amena, a revista investia na reprodução de xilogravuras 
artísticas, que eram importadas da revista alemã Die Modenwelt. Acompanhando as 
tendências ideológicas da revista alemã, A Estação reproduzia retratos e bustos de 
personalidades artísticas, membros da aristocracia, representantes de famílias reais e 
imperadores (vide figura a seguir). Essas ilustrações eram acompanhadas por 
legendas explicativas denominadas de “As nossas gravuras”, que enalteciam as 
instituições imperiais e os valores defendidos pela aristocracia europeia. 
Assim, ao se identificar com a cultura tradicional e aristocrática europeia, a 
revista promovia e reforçava os valores culturais prezados pela própria elite carioca: a 
ostentação de uma posição superior na sociedade, o sentimento de continuidade 
aristocrática e a fantasia de civilização, fundamentada, segundo Jeffrey Needell (1993, 
p. 208), na ideologia de dominação social e de identidade cultural com os valores da 
aristocracia europeia. 
 
597 
 
Figura 1: "O casamento do príncipe Frederico Guilherme" – ilustração reproduzida em 15 de 
maio de 1881 (ano de publicação do conto "O caso da viúva"),representando “uma das mais 
esplêndidas” cerimônias da Europa, cujas “festas suntuosas […] duraram oito dias” e foram 
assistidas por curiosos de “todos os pontos do Império Alemão”. 
NNaarrrraattiivvaass ddee eemmbbuussttee ee aauuttooeennggaannoo 
Nos anos de 1883 e 1884, Machado de Assis manteve uma produção mais 
intensiva no contexto da revista A Estação. Nesse período, o escritor assumiu 
praticamente sozinho a responsabilidade da colaboração publicada sob a rubrica 
“Literatura”. Em 1883, a sua assinatura faz-se presente em todos os números do 
periódico, não havendo nenhuma produção de outro autor inserida nessa seção 
dedicada à literatura. No ano seguinte, a única exceção se dá nos números de 31 de 
julho a 31 de agosto, em que aparece a tradução do conto alemão “A terceira 
quadrilha”, assinada indefinidamente por “um curioso”. Portanto, não se pode 
descartar a possibilidade de haver, também neste texto, a presença dissimilada do 
bruxo do Cosme Velho. 
Nesses dois anos, Machado de Assis publicou uma série de narrativas cujo 
interesse reside quase exclusivamente na frustração de expectativas idealistas, como 
forma de despertar as leitoras para uma forma de leitura pautada numa visão de 
mundo realista. O ritmo intensivo assumido pela sua colaboração nesse período, 
 
598 
agregado à despretensão do escritor em relação ao alcance literário de produção 
ficcional remetida a esse periódico, concorreu, possivelmente, para o inexpressivo 
investimento no potencial estético-literário desse amplo conjunto de histórias 
destinadas a entreter o público-leitor. 
Em “O destinado” (A Estação, 30 abr. 1883), o narrador onisciente intruso 
perscruta com certa malícia a “preocupação grave” da personagem Delfina, dividida 
entre “um rico par de bigodes” e “um par de olhos mansos”. Um acudia-lhe com frases 
“piegas”; o outro tinha “a delicada audácia de lhe chamar sílfide”, e a moça, sem se 
decidir por nenhum deles, aspirava “fundi-los ambos”. No desenlace desse dilema, o 
narrador machadiano mantém um distanciamento irônico em relação à personagem 
feminina para melhor caracterizar a sua desilusão e autoengano. Julgando que 
descobriria um dos pretendentes no gabinete de seu irmão, Delfina riu-se da ilusão ao 
ver que se tratava de “um rapaz seco, murcho, acanhado, sem bigodes nem olhos 
mansos, com o chapéu nos joelhos, e um ar modesto, quase pedinte”. A ironia 
complacente do narrador não fere nem escarnece, mas se compraz com o logro da 
personagem e com a reversão que se opera em seu destino: “Por que rir? Coisas de 
moça. A verdade é que ela casou daí a um ano justamente com o pobre-diabo” 
Nessa anedota episódica de sentido humorístico, os propósitos didáticos são 
explicitados à leitora, que é alertada a não se identificar com o espírito pouco exigente 
de Delfina e com as expectativas ilusórias formuladas em torno dos dois pretendentes. 
A linguagem enfática das personagens é alvo da ironia do narrador machadiano, que 
contrapõe o seu estilo simples e objetivo à dicção afetada e banalizada dos 
pretendentes: “O Antunes acudiu com uma frase tão piegas, que não a ponho aqui 
para não desconcertar o estilo”. 
Afora essas apreciações críticas de tendência realista, a narrativa permanece 
na linha das amenidades de puro entretenimento, priorizando um tom coloquial e um 
estilo ágil e inteligível com vistas a proporcionar à clientela feminina de A Estação uma 
leitura fácil e agradável. Em termos de investimento estético-literário, o conto não 
apresenta uma elaboração formal empenhada em valorizar a abertura da narrativa 
para leituras plurais, nem articula proposições temáticas com uma complexidade 
capaz de instigar o exercício hermenêutico e de desafiar a capacidade interpretativa 
do leitorado da revista. 
Nessa linha, encontra-se também a narrativa “O contrato” (A Estação, 29 fev. 
1884, p. 13), nitidamente elaborada com o fim de entreter as leitoras. A relação 
estabelecida pelo narrador-autor entre a história narrada e a materialidade do escrito 
 
599 
evidencia a sua despretensão para com o alcance da narrativa: os entraves da 
amizade de Laura e Josefa seriam relatados em apenas “três folhas de almaço”. Essa 
determinação, reafirmada por duas vezes, fundamenta-se no propósito da economia 
de papel: “Não digo nada das famílias, porque não é o principal do escrito, e eu 
prometi escrever isto em três folhas de almaço; basta saber que tinham ainda pai e 
mãe”. Demonstra-se, portanto, a referida despreocupação do narrador-autor com a 
elaboração literária de uma história de interesses restritos e imediatos. 
Essa despretensão é corroborada pela relação que o conto mantém com uma 
narrativa da juventude do autor, publicada quase vinte anos antes no Jornal das 
Famílias: “O que são as moças” (1866). Uma leitura comparativa das duas histórias 
permite identificar o reaproveitamento de um mesmo escopo temático, fundamentado 
nos limites da amizade feminina. Ambas as narrativas colocam em cena figuras 
femininas que mantêm inicialmente uma união extraordinária, testando, na sequência, 
a resistência dessa amizade em face da disputa para ver quem casará primeiro. 
Combinando a amenidade do tom de conversa íntima com as leitoras (“Um 
dia, no colégio, contavam elas onze e doze anos, lembrou-se Laura de propor à outra, 
adivinhem o quê? Vamos ver se são capazes de adivinhar o que foi. Falavam do 
casamento de uma prima de Josefa, e que há de lembrar a outra?”) e a ironia sutil e 
maliciosa, as considerações do narrador machadiano alternam-se entre a ênfase da 
conformidade de “condições e circunstâncias” que caracterizava a relação das amigas 
e a insinuação da previsível dissolução dessa harmonia completa das duas moças. O 
contrato firmado entre elas, aludido desde o título da narrativa, era o de casarem 
juntas, no mesmo dia e na mesma igreja. Josefa logo encontrou o seu namorado e 
protelava a permissão do pedido de casamento a fim de esperar que a amiga 
encontrasse também o seu par. O desfecho desse embate entre condescendência e 
voluntariosidade encaminha-se para uma solução bastante peculiar do humorismo 
irônico da ficção machadiana: 
Josefa esperou, esperou, cansou de esperar; parecia-lhe brincadeira de 
criança; mandou a outra ao diabo, arrependeu-se do convênio, achou-o estúpido, tolo, 
coisa de criança; esfriou com a amiga, brigou com ela por causa de uma fita ou de um 
chapéu; um mês depois estava casada (A Estação, 29 fev. 1884, p. 13). 
O efeito humorístico desse desenlace resulta do contraste entre a 
conformidade inicial entre as duas amigas, insistentemente enfatizada pelo narrador, e 
a facilidade e rapidez da ruptura final das relações, motivada aparentemente por 
questões banais. Salvo essa disposição irônica e humorística, o conto mantém-se 
 
600 
igualmente no âmbito das narrativas amenas destinadas a divertir as leitoras da revista 
feminina, repetindo uma fórmula já ensaiada pelo escritor no início de sua colaboração 
no Jornal das Famílias. 
Em “A carteira” (A Estação, 15 de mar. 1884, p. 13), tem-se igualmente uma 
narrativa de embuste e autoengano, fundamentada em propósitos humorísticos. 
Honório encontra uma carteira e hesita em utilizar-se do dinheiro que ela continha. A 
quantia constituía um recurso sugestivamente oportuno para liquidar as suas dívidas, 
prover “algumas despesas urgentes” e reconciliar-se consigo próprio. Meneando a sua 
sutileza escarninha, o narrador machadiano vai perscrutando o embate entre a 
necessidade e a “expressão irônica e de censura” da consciência de Honório: 
Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A 
consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à polícia, ou 
anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isso, vinham os apuros da ocasião, 
e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a cocheira (A Estação,15 mar. 1884). 
Por fim, Honório descobre que a carteira pertencia ao seu amigo Gustavo, e 
decide restituí-la ao dono. A recuperação da algibeira perdida trouxe grande alívio ao 
amigo, não pela vultosa soma em dinheiro resgatada, mas principalmente por 
constatar que permanecia intacto o bilhetinho de amor trocado com a mulher de 
Honório: “Gustavo […] abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o 
outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, 
rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor” (A Estação, 15 mar. 1884). 
Nesse caso, a comicidade deriva da combinação irônica entre a consciência 
que todos têm (narrador, leitor e demais personagens) do logro de Honório e a 
convicção do marido malogrado de ter desempenhado uma ação louvável. Esse 
desenlace firma uma visão de mundo fundada na relatividade das situações, conforme 
já anunciado inicialmente por ocasião da quantia descoberta na carteira: “todas as 
quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias”. De igual modo, o ato 
nobre de Honório converte-se, de acordo com a perspectiva irônica da narrativa, em 
manifestação de sua fé ingênua e risível, alvo do embuste da mulher e do amigo. 
Em “Uma carta” (A Estação, 15 dez. 1884), o narrador machadiano coloca em 
ação o que se poderia denominar, de acordo com as categorias estabelecidas por 
Muecke (1995), de “ironia observável”. Diferentemente da “ironia verbal”, criada pelo 
trabalho com a linguagem, essa forma de ironia independe da performance retórica do 
enunciador, fundamentando-se essencialmente na simples observação de uma 
situação trágica instaurada pelo contraste entre as aspirações, esperanças e desejos 
 
601 
humanos, e um destino obscuro, inflexível e impiedoso. Usualmente designada como 
ironia do destino, das circunstâncias, do tempo e da vida, essa conjuntura trágica 
envolve geralmente situações de autoignorância e autoengano, como ocorre 
exemplarmente nesse conto machadiano. 
Assumindo uma posição cinicamente imparcial e distanciada, o narrador 
detém-se exaustivamente na descrição dos efeitos de uma carta de amor anônima 
sobre o espírito de Celestina, mulher de trinta e nove anos, talvez quarenta, “solteirona 
e pobre” e já quase sem esperanças de se casar. Leu a carta diversas vezes, 
comovida e auspiciosa: “Não era bonita, mas a carta deu-lhe uma alta ideia de suas 
graças”. Nessa mesma tarde, movida por uma “curiosidade inquieta”, foi mais cedo 
para a janela, “e mais enfeitada”, disposta a identificar o misterioso autor da carta. A 
gentileza de um rapaz que passou olhando para a casa “enchera a alma de Celestina 
de uma vida desusada. […] as esperanças mortas reviviam com o vigor da 
adolescência”. À noite, quando conseguiu adormecer, o rapaz continuou, em sonho, a 
passar pela rua, a escrever cartas e a pedir autorização para solicitar a sua mão em 
casamento. Este foi celebrado com “uma festa brilhante”, e o marido tornava-se ora 
um príncipe, ora um “grande poeta”. Ao acordar pela manhã, Celestina teve de 
substituir o doce “sabor das coisas imaginadas” pela lastimosa realidade que a 
escrava veio lhe apresentar: – “Vosmecê me perdoe, mas a carta era para nhã 
Joaninha...”. 
Como se observa, o humor irônico da narrativa deriva simplesmente do 
arranjo dado os episódios relatados. O narrador apenas se compraz em apresentar 
sadicamente as desilusões e o autoengano que acometeram a personagem. O 
interesse do conto reside essencialmente nessa reversão das expectativas romântico-
idealistas da personagem, com as quais o leitor é alertado a não se identificar, 
conforme transparece por ocasião da transcrição da carta anônima recebida por 
Celestina: “Não copio o resto; era longa a carta, e no mesmo estilo composto de 
trivialidade e imaginação”. Portanto, o conto mantém-se na esfera do habitual 
didatismo crítico que denuncia o envelhecimento dos lugares-comuns da literatura 
sentimental e reivindica do leitor um posicionamento distanciado para melhor apreciar 
o efeito cômico dessa guinada nos destinos da personagem. 
Em “A viúva Sobral” (A Estação, 15 abr. a 15 maio 1884), tem-se outra 
narrativa em que o enunciador demonstra sua despreocupação com o investimento 
simbólico a partir da referência ao reduzido espaço dispensado para a narração do 
assombro de Cesário com a notícia do casamento de Brandão, dilema que motiva o 
 
602 
desenvolvimento da história: “Tratemos de explicá-lo em cinco ou seis linhas”. Em 
considerações dessa ordem, o enunciador parece estabelecer uma relação de 
equivalência entre a valia do entrecho e a forma material conferida para a sua 
representação. Portanto, para a narração de episódios e histórias de pouco interesse 
convém, segundo a sugestão do narrador, administrar economicamente o uso do 
papel e do espaço textual. 
Nessa narrativa amena, restrita uma vez mais ao âmbito das puras fantasias 
amorosas, a relevância encontra-se igualmente no enfoque humorístico derivado do 
embuste e autoengano das personagens. Cesário e Brandão, amigos desde os onze 
anos, mantinham “a mais deplorável ideia” a respeito do casamento, até aparecer no 
horizonte a figura da viúva Sobral, que operou uma completa transformação dessa 
concepção. A despeito da reputação de mau gênio (“disseram que ela matara o 
marido com desgostos, caprichos, exigências”), Brandão foi o primeiro a investir no 
namoro e a acreditar no casamento certo, jurando a si mesmo que “era tudo calúnia, e 
que a viúva tinha mais de anjo que de diabo”. Cesário tentou, inicialmente, dissuadir o 
amigo desse mau consórcio, mas logo passou a sentir-se gradativamente atraído pela 
viúva: a princípio, fez-lhe “melhor impressão”, quinze dias depois, “pareceu-lhe que 
ainda era melhor” e, deste ponto em diante, “começou a frequentar a casa”. A viúva, 
por sua vez, deleitou-se com a ideia de ter ao pé de si dois namorados, animando o 
entusiasmo de ambos. Não tardou para que a velha amizade de Cesário e Brandão 
cedesse o lugar para a desconfiança, os azedumes e as brigas. 
A atitude da viúva em face das cartas de amor recebidas, contendo “as coisas 
mais ternas e súplices”, conduzem uma denúncia irônica do envelhecimento dessas 
formas de expressão que, por sua banalização excessiva, dispensam a leitura: – “[Li] 
quatro palavras da primeira apenas. Imaginei o resto e imaginei a segunda”. Esse 
posicionamento irônico é corroborado pelo narrador que, por sua vez, recusa-se a 
reproduzir o conteúdo desses arroubos sentimentais: “Não transcrevo nada, porque 
eram as mesmas coisas de todas as cartas de igual gênero”. Assim como as cartas, o 
comportamento do enamorado é denunciado nas suas atitudes repisadas: “[Brandão] 
continuava a repetição das mesmas coisas e palavras, com as mesmíssimas 
inflexões”. 
Por fim, o curso das expectativas amorosas dos dois pretendentes sofre uma 
reversão radical com o aparecimento no horizonte de “uma pequenina mancha 
branca”, um médico, viúvo, chamado João Lopes, que entrou a cortejar a viúva, 
obtendo o sucesso inalcançado pelos dois rapazes: “Quatro meses depois casava ela 
 
603 
com o médico. Quanto ao Brandão e o Cesário, que estavam já brigados, nunca mais 
se falaram; criaram ódio um ao outro, ódio implacável e mortal”. 
Diferentemente das demais histórias analisadas, em que o narrador 
demonstra certa satisfação sádica com o logro das personagens, evidencia-se, em “A 
viúva Sobral, certo ressentimento em relação à má sorte dos pretendentes, o qual 
parece amalgamar-se ao insucesso da comunicação literária: “O triste é que ambos 
começaram por não gostar da mesma mulher, como o leitor sabe, se se lembra do que 
leu”. Depois de conduzir uma narrativa simples e inteligível, amparada em constantes 
explicações e retomadas de episódios anteriores, conforme se depreende de 
expressões, tais como “Já vimos...”, “vimos ainda...”, o narradorhesita em face do 
limitado aproveitamento da leitura realizada pelo público da revista. 
Uma reversão similar das relações afetivas também seria operada no âmbito 
da amizade feminina, como ocorre em “O caso do Romualdo” (A Estação, 15 set. a 30 
nov. 1884). A narrativa inicia-se com uma incógnita em torno da postura de Maria 
Soares que, embora jovem, “bonita e abastada, não contraía segundas núpcias”. Na 
sequência, o foco transfere-se para a personagem Carlota, que trazia impressa no 
rosto “uma tempestade interior”, motivada pela sua contrariedade com a atitude do 
marido de querer fazer amigo da casa um homem que fora atrevido com ela. Vieira 
explicou os benefícios desse estreitamento da amizade com Romualdo pelas 
vantagens políticas que a influência dele poderia propiciar à sua candidatura. Assim, 
amparado na ideia de que “a vida é uma combinação de interesses”, Vieira procurava 
conciliar “a conveniência política e os sentimentos” da mulher. 
Esse jogo de interesses pessoais tornou-se ainda mais intenso após a morte 
de Vieira, quando as duas viúvas passaram a disputar os mesmos pretendentes. A 
atenção recaiu, inicialmente, sobre Andrade, jovem advogado que cuidava dos 
negócios de Vieira. Posteriormente, a afeição das viúvas voltou-se para Romualdo, 
instaurando “os primeiros elementos de um drama”, cujo resultado final é a ruptura das 
relações das duas amigas: 
A luta que então começou teve diferentes fases, e durou cerca de cinco 
meses mais. […] Romualdo solicitado por ambas, não se demorou na escolha […]. No 
fim de cinco meses as duas viúvas estavam brigadas, para sempre; e no fim de mais 
três (custa-me dizê-lo, mas é verdade), no fim de três meses, Romualdo e Carlota iam 
meditar juntos e unidos sobre a desvantagem de morrer primeiro. 
Como se observa, a narrativa encerra-se com a representação da soberania 
dos interesses pessoais em detrimento dos sentimentos afetivos e valores éticos que 
 
604 
presidiriam os laços de amizade. Além dessa visão realista a respeito das relações 
humanas, o narrador-autor manifesta, uma vez mais, considerações metalinguísticas 
que assumem uma razão de ser bastante expressiva no contexto da revista A 
Estação. À beira da morte, Vieira pediu que Romualdo transmitisse à mulher a sua 
última vontade: o desejo de que ela não se casasse novamente, a menos que fosse 
com Andrade, seu “amigo e companheiro”. A reação de Romualdo, partilhada com o 
narrador e também com o leitor, foi a de incompreensão: “Romualdo não entendeu 
essa preocupação da última hora, nem provavelmente o leitor, nem eu – e o melhor, 
em tal caso, é contar e ouvir a coisa sem pedir explicação. Foi o que ele fez; ouviu, 
disse que sim, e poucas horas depois expirava o Vieira”. Essas considerações 
sugerem um enfraquecimento dos propósitos didáticos conduzidos pelo autor nas 
páginas de A Estação, motivado possivelmente pela percepção do insucesso da 
comunicação literária e da consequente necessidade de sempre se ajustar às 
limitações das competências de leitura da clientela da revista. Esse desalento 
justificaria, talvez, a recusa do narrador em prestar explicações, o que parece traduzir-
se numa demonstração do descrédito do próprio autor com o projeto de formação da 
leitora, em função da tomada de consciência da ineficácia de suas práticas didáticas. 
Dobrando-se às leis do mercado, Machado de Assis parece conformar-se com as 
condições e solicitações das demandas disponíveis nesse contexto de produção. Daí 
o inexpressivo investimento estético-literário identificado nesse conjunto de narrativas 
amenas, destinadas simplesmente a atender aos interesses imediatos do público da 
revista, sem qualquer pretensão de permanecer legível pelos tempos afora. 
 
 
 
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