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(Apost Logica 2023 2) 3 Direito e LogicaOK

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Unidade II
DIREITO E LÓGICA
I. Noções de Lógica Jurídica[footnoteRef:1] [1: Fabiano André de Souza Mendonça. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil). Mestre e Doutor em Direito pela UFPE. Pós-doutorado na Universidade de Coimbra (Portugal). Estágio pós-doutoral Sênior CAPES na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Procurador Federal. Ano 1 (2015), n° 5, 503-510.] 
Lógica, oriunda do termo grego logos (), tem, em sua raiz etimológica, o sentido de palavra, razão, ideia. Em sentido filosófico e teológico é o que une o divino ao humano (religa) ou a reta razão a ser seguida. Mas, enquanto linguagem sobre a razão, ciência (logike episteme), é que a Lógica adquire o significado ora tratado. Apresenta, assim, difícil objeto: o pensamento. 
Se for separada a lógica-objeto da lógica-conhecimento, ter-se-á que a primeira – o pensamento lógico – existe, mas é expresso por um enunciado que, enquanto tal, tem existência independente do dado-do-mundo que representa. E é no reino da adequação entre essa proposição, o pensamento que a origina e o objeto a que ambas se dirigem, bem como, na coerência entre proposições várias, que se estabelece a lógica jurídica e as indagações acerca do justo que lhe são subjacentes. 
A lógica jurídica não se caracteriza, assim, como um pensar em si mesmo, mas num pensar sobre alguma coisa (Borges, 1996, 20), pois é lógica material, aplicada a uma dada realidade (Vilanova, 1997, 60). E esse pensar jurídico (deôntico) é, em si, uma prescrição unilateral; daí o uso do termo Dogmática jurídica. O seu objetivo, ao aperfeiçoar a forma, é transmitir uma linguagem prescritiva sobre a realidade (Vilanova, 1997, 40), seja para obrigar, proibir ou permitir. 
Indistintamente, também é utilizado "lógica deôntica" ("", aquilo que obriga, o justo). Conecta-se à deontologia (deontos + logos; estudo dos deveres) como uma forma de análise do plano do dever-ser. Equivaleria, aqui, ao trato da lógica dos enunciados sobre normas. Todavia, não é despiciendo evidenciar a diferença entre a lógica jurídica (aplicação da lógica formal aos raciocínios jurídicos, com o uso de dedução, analogia, métodos interpretativos etc.) e lógica deôntica, que teria um sentido mais restrito (lógica das normas; relações lógicas entre as normas. Kalinowski, 1973, 67, 145). 
Quem primeiro a propôs foi Georg Henrik Von Wright (1951), em que pese as questões pertinentes à lógica jurídica poderem ser encontradas já em Aristóteles. De modo mais próximo, quem também teria trabalhado o tema seria Leibniz, Broad, Bentham (deontologia), Menger (1934) e Mally (1926) (Kalinowski; 1999, 474). 
Dentro dessa sistemática racional, a lógica jurídica estabelece uma relação, bem conhecida em face do modelo de direito positivo regulado pelo Estado, segundo a qual, numa apreciação judicante, a lei representaria uma premissa maior e a sentença uma premissa menor, resultante de um processo de dedução lógica. Esse modelo, todavia, não é suficiente para abranger a multiplicidade de fenômenos sociais e a riqueza do próprio Direito, que não se contenta em buscar suas fontes apenas no texto legislado. Por essa inserção ética e cultural no raciocínio jurídico é que é possível dizer ser a lógica jurídica uma lógica especial não apenas instrumental, mas essencial para possibilitar o conhecimento científico a que se aplica, com características tanto normativas quanto não-normativas, como no caso da teleologia (Macedo, 1984, 43-53). 
O rigor de raciocínio possibilitado pela lógica aponta para um direito com respostas precisas, objetivas e isentas. Todavia, sofre críticas por pretender deixar de lado a experiência humana e características do pensamento jurídico de difícil explanação proposicional (Posner, 2007, 51-56). Com efeito, a velocidade com que se generaliza e formaliza textos não se compraz com o simples exercício da lógica matemática. Assim é que Ricaséns Siches propõe para a Ciência Jurídica o uso da "lógica do humano ou do razoável", ao considerar que o apego a raciocínios lógicos diante da literalidade dos textos normativos pode conduzir a conclusões desconectadas da teleologia legal. O simples fato de a razão humana rejeitar tais conclusões ou impor soluções mais justas demonstraria o não cabimento dessa forma de raciocínio (1973, 150-152). 
Segundo o citado autor, inobstante a sensibilidade com que Rousseau abordou os temas jurídicos, o racionalismo então imperante e sua busca obcecada pela universalização (razão pura matemática, já aplicada aos dados da natureza pela física) transferiu-se para as codificações no século XIX. Desenhou, Rousseau, a vontade geral. Divorciada de sua contextualização real, ela seria o fator racional, certo e harmonizador das liberdades individuais, nem sempre concordantes (Siches, 1973, 151; Rousseau, 1997, 91). 
Enquanto ideia racional, a vontade geral estaria sempre certa em seus direcionamentos, todavia, a decisão do povo, em dado momento, poderia equivocar-se na interpretação daquela. Nisso estão inseridas concepções socráticas e platônicas acerca da vontade humana e do mundo das ideias. Assim, o texto legal codificado passou a ser tido como manifestação dessa razão naturalista e, portanto, verdade, independentemente da realidade circundante. Em seguida, vem a escola da Exegese, que esquece o fato de o próprio direito positivo também conter normas particulares. É o "fetichismo do gerir' (Siches, 1973, 154, 156). Contudo, isso não infirma a importância do uso da lógica para a coerência do discurso jurídico. Antes, apenas retira-lhe a supremacia. O que não se pode é olvidar que o sistema jurídico apenas adquire significação na medida em que se defronta com uma realidade com a qual possa dialogar (Cf. Vilanova, 1989,4, II). 
Na verdade, há um processo de generalização, que leva a pensar o problema cada vez em categorias mais abstratas e, assim, mais abrangentes. Em paralelo, mas de modo diverso, há o processo de formalização pelo qual há a substituição de termos oriundos da realidade (Vilanova, 1997, 43-53) por variáveis, de modo a buscar a lógica pura e assim evidenciar os aspectos de validade envolvidos na análise em questão (o credor pode propor ação de execução por um crédito não satisfeito: Dada a situação S, Permite-se a C praticar X). Vale ressaltar a inexistência de uma notação simbólica unívoca para as fórmulas proposicionais deônticas. 
Desse modo, na linguagem prescritiva da norma jurídica haveria um antecedente e um consequente, unidos numa estrutura de dever-ser, independentemente da linguagem utilizada pelo texto da norma. Assim, a construção gramatical da frase, suas peculiaridades idiomáticas ou o tempo verbal não se comunicam necessariamente com a proposição jurídica, a qual permanece prescritiva (ainda que o jurista não trabalhe apenas com normas), vez que não se confunde com o elemento subjetivo ‘vontade’ emanado pelo legislador (sobre lógica, razão e linguagem, v. Costa, 1994, 23, 35). Não é o desejo deste (plano do ser) que ordenaria a sociedade, mas sim a norma geral e abstrata retirada, por exemplo, dos elementos prescritivos emanados do Parlamento, considerado como um todo (Kelsen, 1986, 212; sobre norma e texto de norma, v. Grau, 2005, 80-81). De grande impacto foi a aplicação da lógica jurídica efetuada por Hans Kelsen em sua "Teoria Pura do Direito" (1994) ao ordenamento jurídico. 
A existência da lógica enquanto ciência pressupõe o apego a uma "indeterminação significativa" do objeto qualquer, que é obtido pela formalização (Vilanova, 1997, 59). Apenas para exemplificar, isso possibilitaria, inclusive, cálculos proposicionais, com momentos como: -P (A & -A) (onde se lê: dois atos contraditórios - A e não [-] A - não são jamais permitidos [P] simultaneamente; Kalinowski, 1973, 116). Assim, o fato de se viver numa sociedade complexa não significa que devam ser abortadas as perspectivas racionais – matemáticas – de sua compreensão. Sua insuficiência não pode levar à equivocada concepção de destruição do quejá foi construído. O passado faz parte do presente na medida em que este confirma e amplia ou corrige suas lições, mas sempre aproveitando o conhecimento obtido; para que alguém altere seu estilo de vida é preciso existir um estilo diferente. 
Quando se observa o texto normativo – linguagem do legislador – não se está condicionado a ali verificar-se a expressa afirmação apofântica ou construção gramatical imperativa que conduza a determinada categoria jurídica. A tipificação da mesma, ou seja, a atribuição de efeitos jurídicos, é inerente à construção da normatividade jurídica. 
Para isso, é possível, em comportamento não-natural, proceder-se a um isolamento temático – artificial – do objeto-do-conhecimento. Numa atitude contextualmente dirigida e por abstração, o objeto é seccionado nos seus diversos elementos (e a lógica não é um deles), para, então, aprofundar a análise em um ou alguns deles. "Esse prescindir de algumas, ou de todas, menos uma, das partes de um todo importa numa operação – a abstração." Já o processo de formalização sai desse plano físico (Vilanova, 1976, 17-19). 
Sempre é salutar lembrar que o Direito, ao contrário do que alguns profissionais do foro – a título de registro – mal informadamente dizem, não prega seu divórcio da Justiça (e, consequentemente, da realidade social); o que seria pregar a sua própria inexistência ou irrelevância. Considerando-se, então, a complexa composição do fenômeno jurídico, cujo objeto requer vários saberes fundantes, como é o caso da Ciência Social do Direito e da Filosofia do Direito, a lógica encontra seu específico lugar no campo do aspecto formal da ciência jurídica. 
Pois, ainda que indispensáveis, os aspectos sociais (realidade) e filosóficos (metacientíficos) não são capazes, sem incidir em daninho reducionismo, de explicar o Direito sem a colaboração da sua visão formal. Não apenas por ser o Direito um controle social formal das condutas em sociedade, mas por que a Dogmática jurídica ocupa-se, especificamente, do Direito enquanto sistema ordenado de formas de coercibilidade (Souto, 1956, 136-7). E é essa característica sistemática, herdada da modernidade que, ao exigir coerência do sistema de regras de conduta e instituir mecanismos de origem e exclusão das regras, dá-lhe racionalidade e abre espaço para a indagação lógica. Assim, o Direito apresentar-se-ia como dotado de modernidade formal, ainda que alguns de seus conteúdos possam ser dotados de baixa racionalidade científica (pré-modernidade; dogmas). 
Não se pode cogitar de conteúdo sem forma. Todavia, o caminho há de ser: primeiro, o conteúdo; depois, o melhor conteúdo, na melhor forma. 
II. Lógica Jurídica e Lógica Deôntica[footnoteRef:2] [2: Antonio Cappi & Carlo Crispim Baiocchi Cappi. Lógica Jurídica. Goiânia, Ed. UCG, 2004.] 
Qualquer denominação que se dê às formas históricas de imbricação entre o Direito e a Lógica é passível de polêmica e contestação. Historicamente, a Lógica Formal sempre foi (e ainda continua sendo) instrumento preferencial das Teorias Gerais do Direito de matriz neopositivista, que defendem a cientificidade do conhecimento jurídico e a Teoria da Silogicidade. O século XIX e grande parte do século XX assistiram à afirmação do juspositivismo lógico, ligado ao pensamento formal. Torna-se, às vezes, difícil distinguir juspositivismo lógico, lógica formal e lógica deôntica. Esta imbricação explica certas posições críticas de juristas contemporâneos, adeptos das lógicas heterodoxas, que aceitam o termo ‘lógica jurídica’ para o instrumental argumentativo aplicado ao Direito, mas recusam a expressão lógica deôntica, que identificam com a Lógica Formal. 
As polêmicas semânticas, porém, estão fadadas a morrer já em seu nascedouro, bastando-se, para isso, definirmos os termos com rigorosa propriedade: em nossa delimitação temática, lógica deôntica não se identifica com lógica jurídica. É uma das várias lógicas presentes no discurso jurídico. 
A polêmica surge no momento de definir o que é lógica jurídica. Estamos diante de uma questão de fundamental importância. Os juristas em geral, se reencontram no termo ‘lógica jurídica’. No entanto, cada escola a define de acordo com a Teoria Geral do Direito adotada. 
Aristóteles nos alertava: "quanto maior a extensão de um termo, menor sua compreensão". O termo ‘lógica jurídica’ tornou-se o pedestal que sustenta e abriga praticamente todas as lógicas que defendem a peculiaridade de discurso jurídico. Estranha unanimidade ao redor de um termo cujo uso semântico desperta perplexidade. 
	A necessidade de se levantar a questão de uma Lógica peculiar ao Direito decorre da especificidade do discurso jurídico em sua constituição unitária. 
Conotar a lógica, identificando-a com a especificidade de conhecimento de área, não é prática comum. Kalinowski (1972) sugere que deveríamos falar de "pensamento lógico presente no Direito", evitando o termo ‘lógica jurídica’. Na realidade, não há uma lógica específica para cada área de conhecimento. Que haja pluralidade de lógicas é um fato, pois são vários os tipos de pensamento que usamos (pensamento formal, pensamento dialético etc.), e diversos são os sistemas teóricos explicativos, que, às vezes, convivem e, às vezes, se opõem. Isso acontece, entretanto, internamente ao instrumental lógico. A diferenciação depende da diversidade das linguagens lógicas usadas, das diferentes constituições semiótico-semânticas de cada sistema lógico, nunca das ciências a que servem de instrumento inferencial. Podemos assumir uma lógica formal bivalente, se nossos valores de verdade forem somente dois (1 = verdadeiro e 0 = falso). Quando, ao contrário, aceitamos convencionalmente infinitos valores, o nosso sistema poderá ser o da lógica probabilitária de infinitos valores de Reichenbach. Se abandonamos os axiomas formais e optamos pelo intuicionismo, teremos o sistema das lógicas fracas de Heyting. Com as lógicas modais, abandonam-se os clássicos dois valores de verdade, criando-se um sistema lógico que estuda as proposições modais, com valores de verdade diferentes (necessário-possível-contingente-impossível ou verificado-falsificado-não decidido). 
Nada impede que, no Sistema Jurídico, se classifique a lógica como deôntica, fazendo parte das lógicas modais, pois trabalha com os valores de verdade: obrigatório-permitido-proibido-indiferente. No entanto, no caso do Direito, não é isso que acontece. Identifica-se a lógica com a especificidade do conhecimento das Ciências Jurídicas. Nas demais ciências, ninguém se atreve a adjetivar a lógica subjacente aos saberes científicos e culturais: ninguém fala de uma lógica da Odontologia, lógica da Enfermagem, lógica da Medicina, lógica da Veterinária, lógica da Biologia, lógica da Química, lógica da Arquitetura etc. Nenhuma ciência conota-se a si mesma com uma lógica peculiar... a não ser o Direito. 
Perelman reconhece que chamar a Lógica de "Jurídica" é um caso insólito na história do desenvolvimento dessa ciência, mas justifica: "o raciocínio jurídico, de fato, é peculiar". A necessidade de uma lógica própria para o Direto torna-se um ato político, um grito de independência, diante de uma situação de subordinação ao pensamento formal existente há séculos. O pensamento formal tornou- se o único instrumental lógico das Ciências Jurídicas. A alforria passa pela autonomia. 
	A histórica redução da Lógica à Teoria da Demonstração formal não deixa alternativa ao jurista a não ser criar seu próprio sistema lógico, redescobrindo a Teoria da Argumentação Dialética, com suas raízes remotas no pensamento aristotélico. 
Perelman faz da bandeira da Lógica Jurídica um grito de autonomia do discurso jurídico, de sua especificidade, que requer uma lógica subjacente própria. Fala-se de Lógica Jurídica em sentido reivindicatório, a favor da autonomia e da peculiaridade do discurso jurídico. 
Sendo que a peculiaridade do discurso jurídico é tese de consenso entre todas as escolas, a denominação "lógica jurídica" tornou-se praticamente universal. O leitor deve prestaratenção, pois esse termo (de acordo com o uso que dele faz cada escola) esconde, na realidade, lógicas totalmente diferentes: lógicas jurídicas são denominadas as lógicas ortodoxas (a Formal e a Deôntica) bem como as heterodoxas (Lógica do Razoável de Siches, a Nova Retórica de Perelman, a Tópica de Viehweg etc.). 
	Com o termo ‘Lógica Jurídica’ indicamos todas as lógicas presentes no discurso jurídico. 
A Lógica Deôntica é considerada Lógica Jurídica. Os seguidores desta Lógica, porém, em momento algum renegam a filiação da deôntica ao pensamento formal. A especificidade do discurso jurídico não se torna motivo para a recusa da Lógica clássica aristotélico-tomista ou da lógica simbólica moderna, nem se transforma em grito de independência e de alforria do Sistema Jurídico. Em nome da peculiaridade do discurso jurídico (a deonticidade), o pensamento formal dos deônticos sofre profundas adaptações. 
	Entendemos por Lógica Deôntica o projeto de criar um conjunto sistêmico de regras de Lógica Formal aplicáveis ao Direito, objeto de profundas adaptações exigidas pela deonticidade, isto é, pelo caráter normativo da linguagem usada nas proposições jurídicas. A predicação "ser" (o Sein da teoria pura do direito) é substituída por "dever-ser" (o Sollen) e "dever fazer". 
III. A norma[footnoteRef:3] [3: KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio Fabris editor, 1986.] 
1. A palavra "norma"; sua significação 
A palavra "norma" procede do latim: norma, e na língua alemã tomou o caráter de uma palavra de origem estrangeira – se bem que não em caráter exclusivo, todavia primacial. Com o termo se designa um mandamento, uma prescrição, uma ordem. Mandamento não é, todavia, a única função de uma norma. Também conferir poderes, permitir, derrogar são funções de normas (...). 
2. Diferentes espécies de normas: Normas de Direito, de Moral, de Lógica - Normas como objeto do conhecimento: Ciência do Direito, Ética, Lógica 
Fala-se de normas de Moral, de normas de Direito, como de prescrições para a conduta recíproca de seres humanos, e com isto se quer manifestar que aquilo que se qualifica como "Moral" ou "Direito" compõe-se de normas, é um agregado ou sistema de normas. 
Fala-se também de normas de Lógica, como de prescrições para o pensamento; mas é contestável a suposição de que os princípios da Lógica, como a proposição de não-contradição ou as regras de conclusão, tenham o caráter de normas, que a Lógica, como Ciência, do mesmo modo como a Ética ou a Ciência do Direito, tem normas por objeto. 
Também não há, no idioma alemão, a palavra "lógica" como nome de uma Ciência. Há diversos nomes para as normas que formam o objeto da Ciência que descreve essas normas: para as normas que formam o objeto da Ética, o nome "Moral"; para as normas que formam o objeto da Ciência do Direito, o nome "Direito". 
Supõe-se que há normas do pensamento, normas da Lógica, assim como normas da Moral e do Direito, e indica-se por meio do termo "Lógica" tanto uma Ciência quanto o seu objeto; ou – e isto, na maioria dás vezes, é o caso – supõe-se mesmo que a Ciência da Lógica não descreve as normas do pensamento – como a Ética descreve as da Moral, a Ciência do Direito, as normas jurídicas – e sim estabelece, por conseguinte faz prescrições que ordenam uma determinada espécie do pensamento, o que é dificilmente compatível com a natureza de uma Ciência, como do conhecimento de um dado objeto seu. 
Como mais tarde veremos, existe, porém, uma tendência para identificar também a Ciência da Ética com seu objeto, a Moral; e a Ciência do Direito, com seu objeto, o Direito; e de falar de ambas como de Ciências "normativas", no sentido de Ciências que põem as normas, fazem prescrições, e não meramente descrevem normas, como um dado objeto delas. 
3. A norma como sentido de um ato de vontade 
"Norma" dá a entender a alguém que alguma coisa deve ser ou acontecer, desde que a palavra "norma" indique uma prescrição, um mandamento. Sua expressão linguística é um imperativo ou uma proposição de dever-ser. 
O ato, cujo sentido é que alguma coisa está ordenada, prescrita, constitui um ato de vontade. Aquilo que se toma ordenado, prescrito, representa, prima facie, uma conduta humana definida. Quem ordena algo, prescreve, quer que algo deva acontecer. 
O dever-ser - a norma - é o sentido de um querer, de um ato de vontade,[footnoteRef:4] e - se a norma constitui uma prescrição, um mandamento - é o sentido de um ato dirigido à conduta de outrem, de um ato, cujo sentido é que um outro (ou outros) deve (ou devem) conduzir-se de determinado modo. [4: Cf. EISLER, Rudolf, Der Zweck, seine Betkutung für Natur und Geist, Berlin 1914, p. 66 "...o dever-ser retorna, pois, espontaneamente, sempre para um querer; sempre aparece o devido como uma fixação da vontade e justifica-se finalmente apenas pela indicação de um possível objetivo da vontade, o qual só transforma a exigência numa verdadeiramente fundamentada, razoável, legítima exigência".] 
4. O dever-ser como categoria original 
O dever-ser - como já diz Georg Simmel em sua Einleitung in die Moralwissenschaft, do mesmo modo que o ser, é uma "categoria original", e como não se pode descrever o que seja o ser, tão pouco há uma definição de dever-ser.
O ato de vontade, cujo sentido é a norma, constitui o ato do qual se diz figurativamente: que a norma através dele se torna "fabricada"; quer dizer, o ato com que a norma é posta, o ato de fixação da norma. 
Uma norma não somente pode; pois, ser criada por um ato de vontade, dirigido conscientemente para a sua produção, como também pelo costume, ou seja, pode ser produzida pelo fato de que seres humanos costumam conduzir-se efetivamente de determinada maneira. A respeito disso, falaremos mais adiante. 
5. A validade da norma 
De uma forma ou de outra: por ato de fixação ou pelo costume, a norma entra em validade. Quando se diz: "uma norma vale", admite-se essa norma como existente. "Validade" é a específica existência da norma, que precisa ser distinguida da existência de fatos naturais, e especialmente da existência dos fatos pelos quais ela é produzida. 
A norma estatui um dever-ser. Diz-se isto de toda norma, no entanto, o termo dever-ser é empregado num sentido mais amplo que no uso habitual da linguagem. Segundo este, diz-se apenas daquele ao qual uma norma válida prescreve (impõe) uma determinada conduta, que ele "deve" conduzir-se de certo modo. Enquanto se diz de outro, a quem uma norma autoriza uma certa conduta, que ele "pode" conduzir-se de certa maneira; e de outro, a quem é permitida uma certa conduta pela ordem normativa, que ele "tem permissão" para conduzir-se de determinada forma. 
Uma norma, pela qual a validade de outra norma é abolida ou limitada (norma derrogante), estatui o não-dever-ser de uma determinada conduta (para a diferenciação de uma norma que estatui o dever-ser da omissão de uma certa conduta). 
Que uma tal norma derrogante "vale", significa que uma conduta estatuída como devida numa outra forma não mais o é. Supõe-se que toda norma estatui um "dever-ser" e este termo abrange todas as funções normativas possíveis: ordenar, conferir poderes, permitir, derrogar. 
6. Cumprimento, violação e aplicação de uma norma 
Uma norma que impõe uma certa conduta – e somente uma tal norma – pode ser cumprida ou violada. Pois, uma norma pode não somente ser cumprida (ou não cumprida, quer dizer, violada), como também aplicada. 
Aplica-se uma norma da Moral quando a conduta conforme à norma é aprovada, ou a conduta contrária à norma é desaprovada. 
Aplica-se uma norma jurídica, quando a sanção prescrita – pena ou execução civil – é dirigida contra a conduta contrária à norma. 
No fato de que uma norma deve ser cumprida e, se não cumprida, deve ser aplicada, encontra-se sua validade, e esta constitui sua específica existência. 
Do efetivo cumprimento da norma – ou do seu não cumprimento com a consequente aplicação – disto deriva sua eficácia. Validade e eficácia da norma precisam,claramente, não ser confundidas.[footnoteRef:5] Para ser existente – quer dizer, para valer –, a norma tem de ser estabelecida por um ato de vontade. Nenhuma norma sem um ato de vontade que a estabeleça ou – como na maioria das vezes se formula esta proposição fundamental: nenhum imperativo sem um mandante, nenhuma ordem sem um ordenador.[footnoteRef:6] [5: Segundo KÜLPE, Oswald, Vorlesung über Logik, Leipzig 1923, p.120 e S., uma norma somente tem "validade", dado o caso que seja cumprida; por si, tem ela apenas "obrigatoriedade", não validade. Külpe entende por "validade" o que terminologicamente· correto é qualificado de "eficácia" e por "obrigatoriedade" o que é qualificado mais corretamente como "validade". ] [6: Compare DUBISLAV, Walter, "Zur Unbegrünbarkeit der Forderungssätze", Theoria, vol. IH, p. 335, onde ele fala do "desconceito de um imperativo sem um mandante". ] 
7. "Norma" e "normal" 
Se "norma" manifesta-se no adjetivo "normal", não tem, todavia, o sentido de um dever-ser, mas com isto é pensado um ser. "Normal" é o que em regra efetivamente acontece. Se com tal palavra também um dever-ser é pensado, pressupõe-se a validade da norma de que – o que em regra costuma acontecer – também deve acontecer, que particularmente uma pessoa deve se conduzir como pessoas em geral costumam conduzir-se. 
Nessa relação, é característico que as palavras "dever" e "costumar" são afins uma com a outra. Do fato de que alguma coisa realmente em regra acontece, deve seguir-se que também deva acontecer, é um sofisma. De um ser não pode logicamente resultar um dever-ser. Se uma norma que está em vigor pode estatuir que, o que em regra costuma acontecer, também deve acontecer.
A suposição de que deve acontecer o que em regra costuma acontecer, é natural de seres humanos religiosamente orientados. Visto que tudo o que acontece, acontece pela vontade de Deus, o que regularmente acontece, precisa ser visto como querido por Deus e consequentemente como devido, e isto significa: ser visto como "bom"; de modo que se algo acontece, que não é julgado como bom, como: uma má colheita ou um crime, isto em verdade, consequentemente, também precisaria ser aceito como querido por Deus, mas é interpretado como. uma exceção da regra, do "normal". Não procede, pois, em muitos casos, a suposição deque, o que em regra acontece, também deve acontecer. 
Uma Moral positiva pode proibir uma conduta, se bem que esta, via de regra, se realize; e uma ordem jurídica positiva pode excluir a aplicação de Direito consuetudinário, cuja validade depende de hipótese corrente. 
Certamente, tem-se de admitir que uma norma perde sua validade, se realmente não mais é cumprida ou, se não cumprida, efetivamente não mais é aplicada. Eis o problema da relação de validade do dever-ser e eficácia do ser, da norma, o qual posteriormente. e com mais pormenores. será discutido. 
8. A positividade da norma 
Uma norma posta na realidade do ser por um realizante ato de vontade é uma norma positiva. Do ponto de vista de um positivismo moral ou jurídico interessam como objeto do conhecimento apenas normas positivas fixadas, ou seja. estabelecidas por atos de vontade. e precisamente por atos de vontade humanos. 
Normas que são fixadas por atos de vontade humanos têm – na verdadeira significação da palavra – um caráter arbitrário. Quer dizer: toda e qualquer conduta (...) pode ser estatuída nos atos de vontade como devida. 
A suposição de que normas há que não promanam da "arbitrariedade", conduz ao conceito de normas que não são o sentido de atos de vontade humanos; de normas que, em geral, não são o sentido de quaisquer "atos". ou são o sentido de atos de pensamento ou, se o sentido de atos de vontade. não são o sentido de atos de vontade humanos, e sim de atos de vontade sobre-humanos. nomeadamente são o sentido de atos de vontade divinos. 
9. Normas individuais e gerais 
A norma pode ter um caráter individual ou geral. 
Uma norma tem um caráter individual se uma conduta única é individualmente obrigada; p. ex.: a decisão judicial de que o ladrão Schulze deve ser posto na cadeia por um ano. 
Uma norma tem o caráter geral se uma certa conduta universalmente é posta como devida, como, p.ex., a norma de que todos os ladrões devem ser condenados à prisão. 
O caráter individual ou geral de uma norma não depende de se a norma é dirigida a um ser humano individualmente determinado ou a várias pessoas individualmente certas ou a uma categoria de homens, ou seja, a uma maioria não individualmente, mas apenas de certas pessoas de modo geral. 
Também pode ter caráter geral uma norma que fixa como devida a conduta de uma pessoa individualmente designada, não apenas uma conduta única, individualmente determinada, é posta como devida, mas uma conduta dessa pessoa estabelecida em geral. Assim quando, p.ex., por uma norma moral válida – ordem dirigida a seus filhos – um pai autorizado ordena a seu filho Paul ir à igreja todos os domingos ou não mentir. 
Essas normas gerais são estabelecidas pela autoridade autorizada pela norma moral válida; para os destinatários das normas são normas obrigatórias, se bem que elas apenas sejam dirigidas a uma pessoa individualmente determinada. Se pela autoridade para tanto autorizada por uma norma moral válida é dirigido um mandamento a uma maioria de sujeitos individualmente determinados e apenas é imposta uma certa conduta individualmente – como, porventura, no fato de um pai que ordenou a seus filhos Paul, Jugo e Friedrich felicitarem seu professor Mayer pelo 50º. aniversário – então há tantas normas individuais quantos destinatários de norma. 
O que é devido numa norma – ou ordenado num imperativo – é uma conduta definida. Esta pode ser uma conduta única, individualmente certa, conduta de uma ou de várias pessoas individualmente; pode, por sua vez, de antemão, ser um número indeterminado de ações ou omissões de uma pessoa individualmente certa ou de uma determinada categoria de pessoas. Esta é a decisiva distinção.
Tem a norma um caráter geral, qualifica-se-lhe como uma regra de dever-ser. Apenas nesta hipótese é infundado falar de uma "norma", quer dizer, de considerar o caráter geral essencial para o conceito de norma. Pois o essencial de uma norma é que uma conduta seja estatuída como devida. Isto pode acontecer de modo geral ou individual. 
No caso de uma norma que impõe uma determinada conduta, fala-se habitualmente de uma "ordem". Nem toda ordem é uma norma. O problema se uma ordem é uma norma será discutido mais adiante (cf. infra, p.34). 
A opinião de que é essencial a uma norma ser geral, relaciona-se com o fato de que – como já observado – no uso da linguagem, "norma" surge também como regra do ser e neste emprego têm de fato caráter geral. 	 
Qualifica-se um acontecimento como "normal", então com isto não se pensa, na maioria das vezes, – como já observado – que é como deve ser, que corresponde a uma regra de dever-ser, e sim que algo acontece, porque em regra efetivamente costuma acontecer. 
IV. Norma e relação meio-fim: dever-ser e ter de – necessidade teleológica (causal) e normativa – norma e fim
A regra do ser pode ter um caráter de uma lei causal, por conseguinte, sob certas condições, tem de acontecer algo determinado. O ‘ter de’ expressa necessidade causal. Supõe-se que também o "dever-ser" expressa uma necessidade, então precisa separar-se claramente a necessidade causal da normativa. 
Visto que no uso da linguagem pode ser, porém, pensada como "norma", não apenas uma regra de dever-ser como também uma regra do ser, às vezes, ambas as espécies de necessidades não se tomam nitidamente distintas, e empregam-se as palavras "dever-ser" e "ter de" como sinônimos, o que é sumamente equivocante. Este é, especialmente, pois, o caso, quando se supõe se pudesse responder à pergunta "que devo eu fazer?" com a conhecida fórmula: "Quem quer o fim tem de querer o meio", se se identifica a necessidade normativa com a teleológica, isto é, com a necessidade que existe na relação entre meio e fim.[footnoteRef:7][7: DREWS, Anthurx, Lehrbuch der Logik, Berlin 1928, p. 10: "Normas... são - prescrições ou regras, que têm de ser cumpridas se um determinado fim deve ser alcançado".] 
A fórmula: "Quem quer o fim tem de querer o meio" é a resposta à pergunta: "Que tenho eu de fazer para realizar um determinado fim?" e esta interrogação tem de se distinguir da indagação: "Que devo eu fazer?". A primeira é a pergunta por um meio próprio; a segunda, na qual o fazer não é determinado pela relação com um fim, não por um "para"..., é a pergunta pela validade de uma norma. E a esta pergunta, que tem em vista um dever-ser, a resposta apenas pode ser uma proposição normativa, uma proposição de dever-ser que – como veremos adiante - é o enunciado sobre a validade de uma norma. 
Alguém indaga: "Como devo conduzir-me diante de meu inimigo?" Sua pergunta não visa a um meio que é adequado para realizar um fim por ele perseguido, como quando ele interroga: "Que tenho de fazer para dilatar um corpo metálico?" A esta indagação faz-se ouvir a resposta: "Tu tens de aquecer o corpo metálico". Mais corretamente formulado: Um corpo metálico tem de ser aquecido quando se quer dilatá-lo. Com esta resposta indica-se o nexo causal que existe entre o aquecimento de um corpo metálico e sua dilatação, e esta necessidade causal expressa-se no ter de; não uma necessidade lógica, como de vez em quando se aceita, ao imaginar-se que o querer do meio é uma consequência lógica do querer do fim. 
O fim pode ser desejado sem que o seja o meio: p.ex., porque sua realização é contrária à Moral ou ao Direito. À pergunta: "Como devo conduzir-me diante de meu inimigo?" pode-se responder: "Tu deves amar teu inimigo". Com esta resposta se expressa que vale a norma fixada por Jesus: "Amai vossos inimigos". Não se afirma que o amor do inimigo é um meio próprio para realização de um fim. 
Que uma determinada conduta é um meio, próprio, para realizar um determinado fim, de nenhum modo significa que esta conduta é devida, quer dizer, prescrita por uma norma válida da Moral ou do Direito. 
Que a entrega de veneno é um meio apropriado para causar a morte intencional de outrem, não significa que se deve dar veneno, quer dizer, que se deve envenenar alguém. Poder-se-ia, no máximo, dizer: Se um ser humano deve ser eliminado – p. ex., em execução de uma pena de morte – deve ser-lhe dado veneno (como a Sócrates condenado à morte). 
Mas do ser-devido do fim não resulta logicamente o ser-devido do meio: tampouco do ser-querido do fim logicamente resulta o ser-querido do meio. 
A relação entre meio e fim é a relação entre uma causa e seu efeito, uma relação causal. Algo é meio para um fim se constitui a possível causa, a qual tem para o efeito o que se tem em vista, quer dizer, é desejado como fim.
A necessidade teleológica é uma necessidade causal, um ter de, nenhum dever-ser; e o "ter de" é um sentido inteiramente diferente do "dever-ser"; à pergunta: "Que devo fazer", responde a Ética ao enunciar a validade de uma determinada norma moral; à pergunta: "Que tenho eu de fazer, para realizar um determinado fim", responde a Técnica, ao enunciar um determinado nexo causal. 
Acredita-se justificar a identificação da necessidade normativa com a teleológica, quando se diz: "Se tu queres que tua conduta seja moralmente boa, esta tem de corresponder a uma norma moral que prescreva esta conduta", e acredita-se que esta proposição é da mesma espécie da que assevera: "Quem quer dilatar uma esfera metálica tem de aquecê-la". 
Assim como o aquecimento da esfera metálica é o meio para obter o fim – para dilatar a esfera – e é o meio para este fim, porque é a causa deste efeito – o conduzir-se correspondentemente a uma norma Moral é o meio para o fim: para alcançar o ser-bom da conduta. A proposição: "Se tu queres que tua conduta seja moralmente boa, tua conduta tem de corresponder a uma norma prescribente desta conduta", aparentemente representa a descrição de uma relação meio-fim. 
A conduta correspondente à norma da Moral não é a causa que o ser-bom da conduta tem para o efeito – como o aquecimento da esfera de metal é a causa do efeito da dilatação da esfera –. Com a proposição em questão diz-se apenas que o ser-bom de uma conduta é o correspondente de uma norma da Moral, que o ser-bom de uma conduta é idêntico a esta equivalência. 
Na proposição: "Quem quer dilatar uma esfera metálica tem de aquecê-la", tem de é a expressão de uma necessidade causal. É uma relação entre dois fatos, dos quais um, como o meio, é a causa; o outro, como o fim, é o efeito. O fim é um efeito querido, mas não necessariamente um efeito devido. Mas a relação entre dois fatos como meio e fim não é dever-ser. O dever-ser não é relação entre dois elementos: nem uma relação entre uma norma e a conduta que lhe corresponde, nem uma relação entre o ato de fixação da norma e a conduta correspondente à norma. O dever-ser é a norma, quer dizer: é o sentido do ato. 
Não se pode também na forma identificar a necessidade normativa do dever-ser da norma com a necessidade teleológica que existe na relação meio e fim, ao dizer: a norma tem um fim, persegue um fim, ou, porventura: a norma é um fim. “Fim” é apenas algo em relação a outro algo como "meio". 
A norma que fixa uma determinada conduta como devida não se refere de nenhum modo a um meio na relação para o qual a conduta devida é um fim, ou a um fim na relação para a qual a conduta devida é um meio. Ainda muito menos é a norma – que é o sentido de um ato de vontade que a estabelece – um fim. Um fim é um efeito desejado. 
Somente o ser humano que fixa a norma num ato de vontade pode ter algo em vista, perseguir um fim, pois apenas o indivíduo pode querer algo: a norma nada "quer". A pessoa que fixa a norma pode ter algo em vista com o estabelecimento da norma. 
O ato, com o qual a norma é posta, e o qual precisa ser bem diferenciado da norma como do sentido desse ato, pode ter um fim, pode ser o meio, que como causa produz, causalmente, como efeito uma conduta correspondente à norma, i.e., à realização do fim do ato de fixação da norma. 
O sentido do ato de fixação da norma é um ato de vontade, é um dever-ser, a norma. O fim do ato de fixação da norma não é, porém, este dever-ser, mas um ser; é a conduta existente na realidade, a qual corresponde à norma, e isto significa: a conduta iguala àquela que aparece na norma como devida, mas não é a ela idêntica.[footnoteRef:8] [8: Cf., a respeito disto, a exposição sobre o substrato modalmente indiferente, infra, p.71 e 85.] 
Entre o ato do ser de fixação da norma e o ato do ser da conduta efetiva e correspondente à norma pode existir um meio-fim, quer dizer, há uma relação causa-efeito, se a pessoa ponente da norma fixa a norma para o fim de que ela seja cumprida, se emprega o ato ponente da norma como meio para através disto produzir como causa uma conduta correspondente à norma. Na verdade, em regra, este é o caso. Mas não o tem de ser. 
O indivíduo que estabelece uma norma deve estar consciente de que seu ato de fixação da norma não pode ter esse efeito, de que a conduta correspondente à norma por ele estabelecida produz-se através de outras causas. Pode dar-se uma ordem, se bem que se saiba que ela não será cumprida e nem o pode, porque se é obrigado ou se acredita sê-lo para dar essa ordem. Por sua vez, se o ato de fixação da norma atua como meio para produzir como efeito a conduta correspondente à norma, a relação entre este meio e seu fim não é o dever-ser da norma. 
Eis por que o juízo: algo é "apropriado" como meio para realizar um fim determinado, não é nenhum juízo de valor, contanto que seja entendida sob um juízo de valor a declaração de que algo, especialmente uma conduta determinada, tem um valor objetivo, e isto significa que ela é como deve ser conforme a uma norma da Moral ou do Direito. Eis por que não se pode dizer que o fim "justifica" o meio apropriado, se "justificação" tem um sentido moral ou jurídico. 
Que algo é um meio "apropriado" para um fim determinado apenas significa que ele tem propriedadepara produzir como causa um efeito determinado. Misturar veneno na comida de uma pessoa é um meio apropriado para causar sua morte. Mas como este meio é contrário à Moral e ao Direito, o meio não pode ser valioso moralmente nem juridicamente, o meio não pode justificar o fim. 
Também se o fim é moralmente ou juridicamente bom, não se segue que também o meio, o que realiza este fim, é moralmente ou juridicamente bom. "Livrar a cidade dos tiranos" é moralmente bom; mas o assassínio dos tiranos é – como o homicídio – moralmente e juridicamente mau.
V. A estrutura lógica da norma hipotética 
A relação de condição e consequência 
Normas gerais - como anteriormente assinalado - têm caráter hipotético, quer dizer, elas ligam a uma condição genericamente determinada uma certa consequência universalmente determinada como devida. 
Por sua vez, normas individuais podem ter caráter hipotético, o que procede, particularmente, para normas jurídicas. 
Um tribunal - como já mencionado - pode decidir: "Se Maier não paga os 1.000 devidos ao Schulze dentro de duas semanas, depois que a decisão transitou em julgado, uma execução forçada deve ser dirigida contra seu patrimônio". Ou: "Se Maier, dentro de três anos, a partir do momento em que esta decisão foi tomada, é condenado por causa de um delito punível, em face da condenação a ele infligida, Maier deve ser posto na cadeia ainda por mais três anos". 
Daí resulta o problema da estrutura lógica da norma condicionada; a indagação é esta: uma relação de condição e consequência contida numa norma pode ser vista do mesmo modo como uma relação de condição e consequência contida num enunciado como uma relação lógica, se bem que a norma - para diferenciação do enunciado - nem é verdadeira nem falsa, os principies da Lógica tradicional referem-se, porém, a verdade ou falsidade, ou - como se costuma exprimir - referem-se ao "valor-verdade" - Partindo-se dessa suposição, acredita-se poder reconhecer a relação de condição e consequência contida numa norma e, assim, a estrutura de uma norma hipotética como relação lógica, só contanto que se possa ver um enunciado como implicado na norma. Mas esta implicação não existe - como mostrado no que precedeu, e sua suposição também não é necessária para qualificar como relação lógica a relação de condição e consequência contida numa norma. Pois, não pode ser negado que a relação de condição e consequência tanto pode estar contida num enunciado, que é verdadeiro ou falso, como também numa norma, que não é verdadeira ou falsa. 
Num enunciado que afirma um certo acontecimento como condicionado, quer dizer, como consequência de um outro acontecimento como condição, o que é verdadeiro ou falso é o enunciado todo, não a relação nele contida entre condição e consequência. A pergunta se existe relação entre condição e consequência é a indagação se o enunciado é verdadeiro. 
Existe uma norma, na qual uma determinada conduta apenas sob uma certa condição, quer dizer, apenas como consequência desta condição é fixada como devida, a pergunta é se esta relação é posta como devida, a indagação é se a norma vale ou não vale. Disto resulta que para a natureza de uma relação entre condição e consequência contida numa proposição é irrelevante se a consequência condicionada é declarada como sendo, ou é normada como devida. A relação entre condição e consequência, que é contida numa proposição, a qual enuncia a consequência condicionada como sendo, é uma relação lógica, nenhuma razão existe para não a ver como relação lógica, se ela está contida numa proposição, na qual a consequência condicionada é normada como devida. 
O resultado da análise precedente é que, na verdade, a proposição de não-contradição e a regra da conclusão não são aplicáveis num silogismo normativo sobre relação entre normas; que, porém, outros princípios da Lógica são aplicáveis a esta relação, conquanto nisso interessem a subsunção do particular sob o geral, a correspondência de um ato, cujo sentido é uma norma, na relação com uma norma que autoriza este ato, ou a relação entre condição e consequência. 
VI. As funções da norma
a) Imposição e proibição: a mesma função com referência a diferentes objetos
A função específica de uma norma é a imposição de uma conduta fixada. "Imposição" é sinônimo de "prescrição", para diferenciação de "descrição". Descrição é o sentido de um ato de conhecimento; prescrição, imposição, o sentido de um ato de vontade. Descreve-se algo, como ele é, prescreve-se algo – especialmente uma certa conduta –. ao exprimir-se como a conduta deve ser. Mas isto não são duas diferentes funções, mas uma e a mesma função com referência à conduta diferente: uma ação e uma omissão desta ação.
Toda proibição pode ser descrita como uma imposição. A proibição: "Não se deve furtar", é uma imposição. A proibição: "Não se deve furtar", é igual à imposição: "Deve-se omitir furto". Assim, imposição pode ser descrita como proibição. A imposição: "Deve-se falar a verdade", é uma proibição: "Não se deve mentir", i.e., não omitir dizer a verdade. A proposição: "É imposto obedecer aos pais" é idêntica à proposição: "É proibido não obedecer aos pais". 
Toda proibição de uma determinada conduta é a imposição da omissão dessa conduta, toda imposição de uma determinada conduta é a proibição da omissão dessa conduta. 
O conceito de conduta compreende o fazer ou a ação, e a omissão passiva de um fazer ou de ação. Tendo-se em vista só o fazer ativo, precisa-se distinguir entre imposição de um fazer fixado e a proibição desse fazer, e tendo-se em vista só a omissão passiva, precisa-se distinguir a imposição de uma omissão e a proibição dessa omissão, e obtém-se assim a impressão de duas diferentes funções normativas. 
Mas o objeto de uma norma: a conduta não pode ser apenas um fazer fixado. Qualificando-se corretamente a "conduta" como objeto da norma, então cabe a necessidade de distinguir entre a imposição e a proibição. 
b) "Dever-ser" como expressão para todas as funções normativas
Imposição não é, porém, a única função. Uma norma não pode apenas impor uma conduta fixada, ela pode também autorizar uma certa conduta; e finalmente revogar a validade de uma norma, i.e., pode derrogar uma outra norma. 
Por sua vez, permissão é visto como função normativa. Use-se "norma" como um sentido determinado (ou conteúdo de sentido) e este sentido aí fixado de que algo "deve" ser ou acontecer, principalmente que uma pessoa "deve" conduzir-se de um modo determinado, emprega-se o termo "dever-ser" numa significação mais ampla que na significação habitual. 
Segundo o uso comum da linguagem, um "dever-ser" corresponde apenas à imposição; à autorização, um "poder"; à permissão, porém, um "ter consentimento". 
Apenas daquele ao qual é imposto algo, diz-se: ele "deve"; daquele ao qual se permite algo, diz-se: ele "tem consentimento";[footnoteRef:9] daquele que é autorizado para alguma coisa, diz-se: ele "pode". [9: BOLZANO, Bernhard. Wissenscnaftslehre, 2. Bd., 2. Aufl., Leipzig 1929, p.70: "Se não há nenhum dever-ser que nos imponha omitir uma ação fixada, então diz-se que nós a consentimos. O consentir de uma ação é, portanto, o não-dever-ser de sua omissão". 
] 
Diz-se: também a norma autorizante estatui um "dever-ser", e também no caso da permissão existe um "dever-ser", porque autorização e permissão estão numa relação do ser para um dever-ser; exprime-se com "dever-ser" as três funções normativas de imposição, autorização, permissão. 
c) Imposição, função diferente em Direito e Moral
Com referência à função de imposição não existe uma considerável diferente entre Direito e Moral (cf. minha Reine Rechtslehre, 2. ed., 1960, p.60 e ss.). 
Um ordenamento jurídico positivo impõe uma certa conduta ao ligar à conduta contrária um ato de coação como sanção, mais precisamente formulado: ao pôr corno devido um ato de coação para o caso desta conduta, e precisamente no sentido de que o ordenamento jurídico positivo autoriza a fixação do ato de coação. 
Juridicamente é imposto ao devedor restituira soma do empréstimo ao credor, de modo que para o caso de que o devedor deixe de fazê-lo, deve ser dirigida uma execução forçada em seu patrimônio, e precisamente no sentido de que um órgão aplicador do Direito é autorizado a ordenar uma tal execução forçada. 
Omissão de furto é juridicamente imposto pelo fato de que para o caso de um furto, o ladrão deve ser punido, e precisamente no sentido de que o órgão aplicador do Direito é autorizado a infligir uma pena. 
Se o legislador impusesse a restituição de uma dívida de empréstimo ou proibisse o furto sem ligar uma sanção à não-restituição da dívida ou à perpetração do furto, exprimiria de apenas um desejo juridicamente irrelevante, sendo a não-restituição da dívida ou a omissão do furto juridicamente não-imposto. 
Na verdade, também um ordenamento moral – como mostraremos – liga uma sanção à conduta proibida por ele, a desaprovação desta conduta por parte dos membros da comunidade. Mas entre a proibição e a sanção não existe nenhuma conexão essencial. Mentira não é moralmente proibido pelo fato de que deva ser desaprovada pelos comunitários e sim por ser uma proibição de ordem moral e além disto imposto aos comunitários desaprovarem-na. 
d) Permissão num sentido negativo e num sentido positivo
Com "permissão" indica-se muita disparidade. O enunciado: "Uma certa conduta é permitida" pode significar aliás que nenhuma norma tem esta conduta como o objeto, principalmente que esta conduta nem é proibida nem imposta, i.e., que nem esta conduta nem lua omissão é imposta por urna norma. Neste sentido, "ser-permitido" tem uma significação meramente negativa. 
Que uma conduta definida num sentido é "permitida" significa que não vale nenhuma norma que impõe ou proíbe esta conduta, positivamente permitida ou autorizada. "Permissão", neste sentido negativo, portanto, de modo algum é a função de uma norma. Não há "permissão" neste sentido negativo como função de uma norma; há, apenas, um ser-permitido como qualidade de uma conduta, a qual não constitui o objeto de nenhuma norma. P.ex.: respiração, pensamento. 
Nessas hipóteses, diz-se também: a conduta é "livre". "Pensamentos são livres". Neste sentido puramente negativo, ser-permitido de uma certa conduta é, todavia, pois, indicado, se geralmente não está em validade uma norma que impõe esta conduta ou sua omissão. 
Que uma certa conduta é permitida, pode, por sua vez, significar que a validade de uma norma que proíbe uma conduta definida (ou, o que significa o mesmo: impõe a omissão desta conduta) é abolida por uma outra norma derrogante, de modo que esta conduta não mais é proibida (a saber: não mais é imposta). Então, diz-se que esta conduta é permitida. Se, p. ex., o ingresso numa determinada região é proibido com pena por uma norma jurídica (ou, o que significa o mesmo: se a omissão do ingresso a essa região é imposta) e a validade desta norma de Direito é abolida por uma norma derrogatória posterior, de agora em diante o ingresso nessa região é permitido. Pela norma derrogante é franqueado o ingresso nessa região. Nesta hipótese, existe permissão num sentido positivo. Uma tal permissão num sentido positivo existe também se a validade de uma norma que proíbe uma determinada conduta (a saber: impõe a omissão desta conduta) é limitada por uma outra norma derrogatória, p. ex.: uma norma proíbe a morte de pessoas (a saber: impõe a omissão de matar); uma outra norma limita a validade desta norma pela circunstância de que exclui morte de um homem em legítima defesa. Então morte em legítima defesa é permitido, facultado. Ou: uma norma geral da Moral proíbe mentir (a saber: impõe omitir mentir). Sua validade é limitada, porém, por uma norma que exclui médicos que são interrogados por seus pacientes sobre a natureza de sua doença. Então, é permitido aos médicos, é facultado, iludir seus pacientes sobre a incurabilidade de sua doença. Nestas hipóteses, "permissão" é a função de uma norma, a saber: da norma abolitiva ou limitativa da validade de uma outra norma, i.e., da norma derrogante. Portanto, é procedente qualificar permissão positiva também como facultativa para diferenciação de permissão negativa: a conduta permitida num sentido negativo da palavra "permissão" é "livre", e não facultada. 
A função normativa da permissão positiva é redutível à função da derrogação, i.e., à abolição ou limitação da validade de uma norma que proíbe uma conduta definida. Permissão num sentido positivo é, em verdade, não a função direta da norma abolitiva ou limitativa da validade de uma norma mas sua função indireta, conquanto o ser-permitido de uma conduta seja a consequência de que a proibição desta conduta (a saber: a imposição da omissão desta conduta) é abolida ou limitada. 
Uma tal permissão nem se pode cumprir nem violar; pode-se dela fazer apenas uso ou não o fazer. Todavia, daí não resulta que não há normas jurídicas permissivas.[footnoteRef:10] Pois não é essencial para uma norma jurídica que ela possa ser cumprida ou violada. Apenas as normas jurídicas que impõem uma conduta definida, a saber: as normas jurídicas proibitivas podem ser cumpridas ou violadas por uma conduta dos sujeitos subordinados às normas, mas não normas derrogatórias; estas são normas pelas quais a validade de outras normas é abolida ou limitada. [10: Como assevera MAYO, "Symposium: Varieties of Imperative", The Aristotelian Society, Supplementary Volumme XXXI, London 1957, p.167 e 174, Ele fundamenta isto com o fato de que permissões não podem ser cumpridas ou violadas ("Permissões não podem ser obedecidas nem impugnadas; o máximo que podemos dizer parece ser que alguém pode 'tirar vantagem' de uma permissão"). ] 
e) Ser-permitido e ser-imposto 
Permissão no sentido negativo, como no positivo, está em relação com imposição, a saber: proibição. Pois – como já observado – ser-permitido no sentido negativo existe, se uma conduta nem é proibida nem imposta: ser-permitido no sentido positivo existe, se a validade de uma norma que impõe uma conduta definida é abolida ou limitada. Em ambos os casos, é uma conduta que – no sentido negativo ou positivo – é permitida, não proibida. 
Se se tem de admitir "imposição" e "permissão" como duas diferentes funções normativas, não se pode negar que ser-permitido e ser-imposto excluem-se mutuamente. Se uma conduta é apenas permitida, ela não é imposta; se uma conduta é imposta, ela não é permitida. De vez em quando realmente se assevera que uma conduta imposta é também permitida.[footnoteRef:11] Se uma conduta é permitida, pode-se fazer uso da permissão ou não o fazer. Tem-se a opção para conduzir-se deste modo, ou de não se conduzir como é imposto. [11: Tipicamente pua a concepção de que a conduta imposta é sempre também "permitida": MÁYNEZ, Eduardo Garcia, "Die höchsten Prinzipien der formalen Rechtsontologie und der juristischen Logik", Archiv für Rechts - und Socialphilosophie, Bd. XLV. 1959, p.193. ] 
Uma conduta que é imposta, se fosse também permitida, simultaneamente ter-se-ia opção e não-opção para conduzir-se como é imposto, e por conseguinte também é permitido. 
A suposição: "o que é imposto é também permitido" tem também por consequência que, porque se pode cumprir ou violar uma imposição, precisa-se supor que se pode cumprir ou violar também a permissão que representa a imposição. Mas uma permissão nem se pode cumprir nem violar; de uma permissão pode-se fazer apenas uso ou não o fazer. 
Se uma conduta no sentido negativo é permitida, i.e., livre, porque nem imposta nem proibida, uma norma não pode ser violada nem pela conduta nem por sua omissão. Se uma conduta no sentido positivo é permitida, porque a validade de uma norma – proibitiva de uma conduta definida (a saber: proibitiva da omissão da conduta) – é abolida ou limitada por uma outra norma, esta norma permissiva de uma conduta não pode ser violada. 
Se o ingresso em determinada região é permitido pelo fato de que a validade da norma que proíbe a entrada à região (a saber: impõe a omissão do ingresso) é abolida, aquele que não faz usodessa permissão, de nenhum modo viola a permissão a ele concedida pelo Direito. 
Se a norma que proíbe o assassinato de pessoas (a saber: impõe a omissão de assassínio) é limitada por uma norma que exclui o assassinato de uma pessoa em legítima defesa, e assim o permite, alguém, pelo fato de matar um homem não em legítima defesa, não viola a norma que lhe permite assassínio em legítima defesa. 
Assim como uma conduta imposta também é qualificada como permitida, qualifica-se uma conduta proibida como não-permitida ou ilícita. Diz-se: o Direito válido não permite que um homem case com uma mulher, se ele já é casado com outra mulher. Bigamia é não-permitido. É isto idêntico com: o Direito válido proíbe um homem a casar com uma mulher, se ele já é casado. Bigamia é proibido. Mas este uso de linguagem é falso. É possível que ele conduza à suposição de que uma conduta imposta também seja permitida. Pois se uma conduta que é proibida. é não-permitida, pressupõe-se que uma conduta que é imposta, também é permitida. Mas isto, como mostrado, não procede. Recomenda-se também no uso da linguagem distinguir, claramente. entre imposição (inclusive proibição) e permissão. 
Também não procede a opinião de que somente uma conduta permitida – i.e., não-proibida – pode ser imposta. Na verdade, uma e a mesma norma que proíbe uma conduta definida não pode impor essa mesma conduta, mas é perfeitamente possível que uma e a mesma conduta proibida numa norma existente em validade seja imposta numa outra norma simultaneamente existente. Então existe um conflito de normas, e a existência de conflitos de normas não pode ser negada.[footnoteRef:12] [12: Cf. as explicações concernentes ao emprego às normas do princípio lógico de não-contradição (cf. Infra, p.263 e 55.).] 
f) "O que não é proibido, é permitido" 
Com referência à validade de um ordenamento jurídico positivo costuma-se dizer: "O que não é proibido, é permitido". Ser-permitido tem a significação negativa de nem ser-imposto nem ser-proibido, não procede a regra, pois é uma contradição dizer: "O que não é proibido, nem é imposto nem proibido". Uma estatuição positiva de uma regra não interessa. 
Ser-permitido tem a significação positiva acima assinalada, é, pois, o que neste sentido é permitido, não-proibido, chega a regra à tautologia: O que não é proibido, não é proibido. Uma estatuição da regra em questão pelo legislador é, portanto, supérflua. Pode, porém, o legislador estabelecer a regra: "O que não é permitido, é proibido?"[footnoteRef:13] [13: MÁYNEZ, "Die höchsten Prinzipien der formalen Rechtsontologie und der juristischen Logik", Archiv für Rechts - und Sozialphilosophie, Bd. XLV, 1959, p.209: "Às vezes, o legislador estabelece a regra de que, o que não é expressamente proibido, tacitamente é permitido; outras vezes, declara o contrário, que o que não é expressamente permitido é tacitamente proibido". ] 
Visto que permissão (num sentido positivo) existe como uma função normativa na revogação ou limitação da validade de uma norma que proíbe conduta determinada, a regra indicada presume uma norma do legislador, com a qual cada conduta é proibida, contanto que ela não se torne permitida pelo legislador, quer dizer, contanto que seja limitada à validade da proibição geral da conduta não em referência a todas as ações e omissões possíveis que o legislador não tencione proibir. É isto teoreticamente imaginável, mas praticamente não realizável. 
De vez em quando se assevera que a regra: "O que não é permitido, é proibido" na verdade não aparece em geral para aplicação, mas em referência a atos producentes de Direito e atos aplicantes de Direito para aplicação dos órgãos legiferantes de tribunal e de administração. 
Isto não procede. Produção de Direito e aplicação de Direito não é permitido, nem no sentido negativo da palavra de "não-imposto" e "não-proibido" nem no sentido positivo da palavra, i.e., como revogação ou limitação de validade de uma norma jurídica que proíbe a produção e aplicação de Direito. Para a produção e aplicação de Direito são autorizados órgãos especiais; não lhes é apenas permitido; e autorização é uma função normativa diferente de permissão (no sentido positivo).[footnoteRef:14] [14: GEACH, P. T., "Imperative and deontic logic", Analysis, vol. 18, 1958, p.49 e ss., diferencia entre princípios imperativos e princípios permissivos, e dá como exemplo para um princípio permissivo o preceito que "permite" ao monarca punir ou anistiar um traidor. Aqui não existe nenhuma "permissão", mas uma "autorização". Nas discussões dos problemas de uma Lógica da Norma é ignorada a função normativa da autorização porque esta função não é diferenciada da de permissão. Isto acontece particularmente nos escritos de WRIGHT, CASTANEDA, TAMMELO e WEDBERG. ] 
 
VII. Norma jurídica e proposição jurídica[footnoteRef:15] [15: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2012, cap. 3.] 
Na medida em que a ciência jurídica apenas apreende a conduta humana enquanto esta constitui conteúdo de normas jurídicas, isto é, enquanto é determinada por normas jurídicas, representa uma interpretação normativa destes fatos de conduta. Descreve as normas jurídicas produzidas através de atos de conduta humana e que hão de ser aplicadas e observadas também por atos de conduta e, consequentemente, descreve as relações constituídas, através dessas normas jurídicas, entre os fatos por elas determinados. As proposições ou enunciados nos quais a ciência jurídica descreve estas relações devem, como proposições jurídicas, ser distinguidas das normas jurídicas que são produzidas pelos órgãos jurídicos a fim de por eles serem aplicadas e serem observadas pelos destinatários do Direito. Proposições jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurídica – nacional ou internacional – dada ao conhecimento jurídico, sob certas condições ou pressupostos fixados por esse ordenamento, devem intervir certas consequências pelo mesmo ordenamento determinadas. As normas jurídicas, por seu lado, não são juízos, isto é, enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos, imperativos. Mas não são apenas comandos, pois também são permissões e atribuições de poder ou competência. Em todo o caso, não são – como, por vezes, identificando Direito com ciência jurídica, se afirma – instruções (ensinamentos). O Direito prescreve, permite, confere poder ou competência – não "ensina" nada. Na medida, porém, em que as normas jurídicas são expressas em linguagem, isto é, em palavras e proposições, podem elas aparecer sob a forma de enunciados do mesmo tipo daqueles através dos quais se constatam fatos. A norma segundo a qual o furto deve ser punido é frequentemente formulada pelo legislador na seguinte proposição: o furto é punido com pena de prisão; a norma que confere ao chefe de Estado competência para concluir tratados, assume a forma: o chefe de Estado conclui tratados internacionais. Do que se trata, porém, não é da forma verbal, mas do sentido do ato produtor de Direito, do ato que põe a norma. E o sentido deste ato é diferente do sentido da proposição jurídica que descreve o Direito. Na distinção entre proposição jurídica e norma jurídica ganha expressão a distinção que existe entre a função do conhecimento jurídico e a função, completamente distinta daquela, da autoridade jurídica, que é representada pelos órgãos da comunidade jurídica. A ciência jurídica tem por missão conhecer – de fora, por assim dizer – o Direito e descrevê-lo com base no seu conhecimento. Os órgãos jurídicos têm – como autoridade jurídica – antes de tudo por missão produzir o Direito para que ele possa então ser conhecido e descrito pela ciência jurídica. É certo que também os órgãos aplicadores do Direito têm de conhecer – de dentro, por assim dizer – primeiramente o Direito a aplicar. O legislador, que, na sua atividade própria, aplica a Constituição, deve conhecê-la;e igualmente o juiz, que aplica as leis, deve conhecê-las. O conhecimento, porém, não é o essencial: é apenas o estádio preparatório da sua função que, como adiante melhor se mostrará, é simultaneamente – não só no caso do legislador como também no do juiz – produção jurídica: o estabelecimento de uma norma jurídica geral – por parte do legislador – ou a fixação de uma norma jurídica individual – por parte do juiz.
Também é verdade que, no sentido da teoria do conhecimento de Kant, a ciência jurídica como conhecimento do Direito, assim como todo o conhecimento, tem caráter constitutivo e, por conseguinte, "produz" o seu objeto na medida em que o apreende como um todo com sentido. Assim como o caos das sensações só através do conhecimento ordenador da ciência se transforma em cosmos, isto é, em natureza como um sistema unitário, assim também a pluralidade das normas jurídicas gerais e individuais postas pelos órgãos jurídicos, isto é, o material dado à ciência do Direito, só através do conhecimento da ciência jurídica se transforma num sistema unitário isento de contradições, ou seja, numa ordem jurídica. Esta "produção", porém, tem um puro caráter teorético ou gnoseológico. Ela é algo completamente diferente da produção de objetos pelo trabalho humano ou da produção do Direito pela autoridade jurídica.
É frequentemente ignorada a distinção entre a função da ciência jurídica e a função da autoridade jurídica, e, portanto, a distinção entre o produto de uma e de outra. Assim acontece no uso da linguagem em que o Direito e ciência jurídica aparecem como expressões sinônimas. Fala-se, por exemplo, do "Direito internacional clássico", querendo significar-se com isso uma determinada teoria do Direito internacional, ou chega mesmo a falar-se na concepção segundo a qual a ciência jurídica seria uma fonte de Direito no sentido de que se poderia esperar dela a decisão vinculante de uma questão jurídica. A ciência jurídica, porém, apenas pode descrever o Direito; ela não pode, como o Direito produzido pela autoridade jurídica (através de normas gerais ou individuais), prescrever seja o que for. Nenhum jurista pode negar a distinção essencial que existe entre uma lei publicada no jornal oficial e um comentário jurídico a essa lei, entre o código penal e um tratado de Direito penal. A distinção revela-se no fato de as proposições normativas formuladas pela ciência jurídica, que descrevem o Direito e que não atribuem a ninguém quaisquer deveres ou direitos, poderem ser verídicas ou inverídicas, ao passo que as normas de dever-ser, estabelecidas pela autoridade jurídica – e que atribuem deveres e direitos aos sujeitos jurídicos – não são verídicas ou inverídicas mas válidas ou inválidas, tal como também os fatos da ordem do ser não são quer verídicos, quer inverídicos, mas apenas existem ou não existem, somente as afirmações sobre esses fatos podendo ser verídicas ou inverídicas. A proposição contida num tratado de Direito civil em que se afirme que (em conformidade com o Direito estadual que forma objeto do tratado) quem não cumpre uma dada promessa de casamento (esponsais) tem de indenizar pelo prejuízo que por tal fato cause, caso contrário deverá proceder-se a execução forçada no seu patrimônio, é inverídica se no Direito estadual que constitui o objeto deste tratado – tratado que se propõe descrever o Direito – se não prescreve tal dever, já que se não prevê essa execução forçada. A resposta à questão de saber se uma tal norma jurídica vigora ou não dentro de determinada ordem jurídica e – não direta, mas indiretamente – verificável, pois uma tal norma tem – para vigorar – de ser produzida através de um ato empiricamente verificável. Contudo, a norma estatuída pela autoridade jurídica que prescreve a indenização do prejuízo causado e a execuçao forçada, na hipótese de conduta discordante, não pode ser verídica ou inverídica, pois ela não é um enunciado, não é uma descrição de um objeto, mas uma prescrição e, como tal, é o objeto a descrever – a descrever pela ciência jurídica. A norma estatuída pelo legislador que prevê a execução do patrimônio daquele que não indeniza o prejuízo causado pelo não-cumprimento da sua promessa esponsalícia, e a proposição descritiva desta norma, formulada pela ciência jurídica: quando alguém não indeniza o prejuízo causado pelo não-cumprimento de uma promessa esponsalícia deve proceder-se a execução forçada no seu patrimônio – têm caráter logicamente diverso. Por isso é aconselhável distinguir também terminologicamente estas duas formas de expressão chamando-lhes, respectivamente norma jurídica e proposição jurídica. As proposições jurídicas formuladas pela ciência do Direito não são, pois, simples repetição das normas jurídicas postas pela autoridade jurídica. A objeção de que são supérfluas, porém, não é tão patentemente infundada como a que considerasse supérflua uma ciência natural a lado da natureza, que a natureza não se manifesta, como o Direito, em palavras faladas e escritas. A essa objeção de que uma proposição jurídica, formulada pela ciência do Direito, é supérflua ao lado da norma jurídica – que a autoridade jurídica estabelece e aquela ciência descreve - pode apenas fazer-se face mostrando que ela conduz a afirmar que é supérflua, ao lado de uma lei penal, uma descrição jurídico-científica da mesma, que é supérflua, ao lado do Direito, uma ciência jurídica.
Dado que as normas jurídicas como prescrições, isto é, enquanto comandos, permissões, atribuições de competência, não podem ser verdadeiras nem falsas, põe-se a questão de saber como é que os princípios lógicos, particularmente o princípio da não-contradição e as regras da concludência do raciocínio, podem ser aplicados à relação entre normas (como desde sempre tem feito a Teoria Pura do Direito) quando, segundo a concepção tradicional, estes princípios apenas são aplicáveis a proposições ou enunciados que possam ser verdadeiros ou falsos. A resposta a esta questão é a seguinte: os princípios lógicos podem ser, se não direta, indiretamente, aplicados às normas jurídicas, na medida em que podem ser aplicados às proposições jurídicas que descrevem estas normas e que, por sua vez, podem ser verdadeiras ou falsas. Duas normas jurídicas contradizem-se e não podem, por isso, ser afirmadas simultaneamente como válidas quando as proposições jurídicas que as descrevem se contradizem; e uma norma jurídica pode ser deduzida de uma outra quando as proposições jurídicas que as descrevem podem entrar num silogismo lógico.
A isto não se opõe o fato de estas proposições serem e terem de ser proposições normativas (Sollsätze) por descreverem normas de dever-ser. A proposição que descreve a validade de uma norma penal que prescreva a pena de prisão para o furto seria falsa se afirmasse que, segundo tal norma, o furto é punido com prisão, pois casos há nos quais, apesar da vigência desta norma, o furto não é efetivamente punido, v.g., quando o ladrão se subtrai à punição. A proposição jurídica que descreva esta norma apenas poderá traduzir que, se alguém comete furto, deverá ser punido. Porém, o dever-ser da proposição jurídica não tem, como o dever-ser da norma jurídica, um sentido prescritivo, mas um sentido descritivo. Esta ambivalência da palavra "dever" (Sollen, dever-ser) é esquecida quando se identificam proposições normativas (Sollsätze) com imperativos.
VIII. Ciência causal e ciência normativa
Determinando o Direito como norma (ou, mais exatamente, como um sistema de normas, como uma ordem normativa) e limitando a ciência jurídica ao conhecimento e descrição de normas jurídicas e às relações, por estas constituídas, entre fatos que as mesmas normas determinam, delimita-se o Direito em face da natureza e a ciência jurídica, como ciência normativa, em face de todas as outras ciências que visam o conhecimento, informado pela lei da causalidade, de processos reais. Somente por esta via se alcança um critério seguro que nos permitirá distinguir univocamente a sociedade da natureza e a ciência social da ciência natural.A natureza é, segundo uma das muitas definições deste objeto, uma determinada ordem das coisas ou um sistema de elementos que estão ligados uns com os outros como causa e efeito, ou seja, portanto, segundo um princípio que designamos por causalidade. As chamadas leis naturais, com as quais a ciência descreve este objeto – como, v.g., esta proposição: quando um metal é aquecido, dilata-se – são aplicações desse princípio. A relação que intercede entre o calor e a dilatação é a de causa e efeito.
Se há uma ciência social que é diferente da ciência natural, ela deve descrever o seu objeto segundo um princípio diferente do da causalidade. Como objeto de uma tal ciência que é diferente da ciência natural a sociedade é uma ordem normativa de conduta humana. Mas não há uma razão suficiente para não conceber a conduta humana também como elemento da natureza, isto é, como determinada pelo princípio da causalidade, ou seja, para a não explicar, como os fatos da natureza, como causa e efeito. Não pode duvidar-se de que uma tal explicação – pelo menos em certo grau – é possível e efetivamente resulta. Na medida em que uma ciência que descreve e explica por esta forma a conduta humana seja, por ter como objeto a conduta dos homens uns em face dos outros, qualificada de ciência social, tal ciência social não pode ser essencialmente distinta das ciências naturais.
Quando, contudo, se procede à análise das nossas afirmações sobre a conduta humana, verifica-se que nós conexionamos os atos de conduta humana entre si e com outros fatos, não apenas segundo o princípio da causalidade, isto é, como causa e efeito, mas também segundo um outro princípio que é completamente diferente do da causalidade, segundo um princípio para o qual ainda não há na ciência uma designação geralmente aceita. Somente se é possível a prova de que um tal princípio está presente no nosso pensamento e é aplicada por ciências que têm por objeto a conduta dos homens entre si enquanto determinada por normas, ou seja, que têm por objeto as normas que determinam essa conduta, é que teremos fundamento para considerar a sociedade como uma ordem diferente da da natureza e para distinguir das ciências naturais as ciências que aplicam na descrição do seu objeto este outro princípio ordenador, para considerar estas como essencialmente diferentes daquelas. Somente quando a sociedade é entendida como uma ordem normativa da conduta dos homens entre si é que ela pode ser concebida como um objeto diferente da ordem causal da natureza, só então é que a ciência social pode ser contraposta à ciência natural. Somente na medida em que o Direito for uma ordem normativa da conduta dos homens entre si pode ele, como fenômeno social, ser distinguido da natureza, e pode a ciência jurídica, como ciência social, ser separada da ciência da natureza.
IX. Causalidade e imputação; lei natural e lei jurídica
Na descrição de uma ordem normativa da conduta dos homens entre si é aplicado aquele outro princípio ordenador, diferente da causalidade, que podemos designar como imputação. Pela via da análise do pensamento jurídico pode mostrar-se que, nas proposições jurídicas, isto é, nas proposições através das quais a ciência jurídica descreve o seu objeto, o Direito – quer seja um Direito nacional ou o Direito internacional –, é aplicado efetivamente um princípio que, embora análogo ao da causalidade, no entanto, se distingue dele por maneira característica. A analogia reside na circunstância de o princípio em questão ter, nas proposições jurídicas, uma função inteiramente análoga à do princípio da causalidade nas leis naturais, com as quais a ciência da natureza descreve o seu objeto. Proposições jurídicas são, por exemplo, as seguintes: Se alguém comete um crime, deve ser-lhe aplicada uma pena; se alguém não paga a sua dívida, deve proceder-se a uma execução forçada do seu patrimônio; se alguém é atacado de doença contagiosa, deve ser internado num estabelecimento adequado. Procurando uma fórmula geral, temos: sob determinados pressupostos, fixados pela ordem jurídica, deve efetivar-se um ato de coerção, pela mesma ordem jurídica estabelecido. É esta a forma fundamental da proposição jurídica, já acima posta em evidência. Semelhantemente a uma lei natural, também uma proposição jurídica liga entre si dois elementos. Porém, a ligação que se exprime na proposição jurídica tem um significado completamente diferente daquela que a lei natural descreve, ou seja, a da causalidade. Sem dúvida alguma que o crime não é ligado à pena, o delito civil à execução forçada, a doença contagiosa ao internamento do doente como uma causa é ligada ao seu efeito. Na proposição jurídica não se diz, como na lei natural, que, quando A é, B é, mas que, quando A é, B deve ser, mesmo quando B, porventura, efetivamente não seja. O ser o significado da cópula ou ligação dos elementos na proposição jurídica diferente do da ligação dos elementos na lei natural resulta da circunstância de a ligação na proposição jurídica ser produzida através de uma norma estabelecida pela autoridade jurídica – através de um ato de vontade, portanto – enquanto a ligação de causa e efeito, que na lei natural se afirma, é independente de qualquer intervenção dessa espécie.
Esta distinção desaparece nos quadros de uma mundividência metafisico-religiosa. Com efeito, por força dessa mundividência, a ligação de causa e efeito é produzida pela vontade do divino Criador. Portanto, também as leis naturais descrevem normas nas quais se exprime a vontade divina, normas que prescrevem à natureza um determinado comportamento E, por isso, uma teoria metafísica do Direito crê poder encontrar na natureza um Direito natural. No entanto, nos quadros de uma mundividência cientifica, dentro dos quais apenas pode achar lugar uma teoria positivista do Direito, a distinção entre lei natural e proposição jurídica deve ser sustentada e acentuada com firme decisão. Quando a proposição jurídica é aqui formulada com o sentido de que, sob determinados pressupostos, deve realizar-se uma determinada consequência, isto é, quando a ligação, produzida por uma norma jurídica, dos fatos estabelecidos como pressuposto e consequência e expressa na proposição jurídica pela cópula "deve (-ser)" (Sollen), esta palavra não é empregada no seu sentido usual – como já notamos acima – e deve uma vez mais ser bem acentuado. Com "dever-ser" exprime-se usualmente a ideia do ser prescrito, não a do ser-competente (ser-autorizado) ou a do ser-permitido. O dever-ser jurídico, isto é, a cópula que na proposição jurídica liga pressuposto e consequência, abrange as três significações: a de um ser-prescrito, a de um ser-competente (ser-autorizado) e a de um ser-positivamente permitido das consequências. Quer isto dizer: com o "dever-ser" (Sollen) que a proposição jurídica afirma são designadas as três funções normativas. Este "dever-ser" apenas exprime o específico sentido com que entre si são ligados ambos os fatos através de uma norma jurídica, ou seja, numa norma jurídica. A ciência jurídica não pode exprimir esta conexão produzida através da norma jurídica, especialmente a conexão do ilícito com a consequência do ilícito, senão pela cópula "deve-ser". Para traduzir o sentido específico com que a norma jurídica se endereça aos órgãos e sujeitos jurídicos, aquela não pode formular a proposição jurídica senão como uma proposição que afirme que, de acordo com determinada ordem jurídica positiva, sob certos pressupostos deverá intervir uma determinada consequência. Se se afirma que a ciência jurídica nada mais diz senão que uma norma jurídica entrou "em vigor" ou passou a estar "em vigência", em uma determinada data, numa determinada ordem jurídica, e, portanto, que não exprime – diferentemente da norma jurídica – um "dever-ser", mas um ser, isso não é verdade. Uma vez que a afirmação de que está "em vigor" ou tem "vigência" uma norma que prescreve determinada conduta, a autoriza (para ela confere competência) ou a permite (positivamente) não pode significar que essa conduta

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