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Doutrinas principais da filosofia moderna

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ALGUMAS DOUTRINAS DA FILOSOFIA MODERNA 
1. O RACIONALISMO 
1.1 Definição e características gerais 
Em geral, racionalismo é a atitude filosófica de confiança na razão, nas ideias ou no 
pensamento, exaltando sua importância e independência da experiência. É o ponto de vista 
epistemológico que enxerga no pensamento, na razão, a principal fonte do conhecimento 
humano. 
Neste sentido de exaltação da autonomia da razão, o racionalismo se aplica tanto a 
filósofos da antiguidade grega, como Parmênides e Platão, que atribuem à razão uma 
autonomia em relação ao mundo sensível, como ao pensar crítico dos filósofos modernos. 
O racionalismo moderno nasce na França e se difunde pela Europa em direta oposição 
ao empirismo, sustentando que o ponto de partida do conhecimento não são os dados dos 
sentidos, mas as ideias do espírito humano. 
A forma característica de argumentação racionalista exclui o recurso à experiência e 
ao conhecimento que provém dos sentidos, e se remete, portanto, exclusivamente à razão, à 
clareza e distinção de ideias e à suposição de que o bem pensar coincide com a realidade: 
conhecer é conhecer pela razão. 
As principais características do racionalismo são: 
- A afirmação da existência de ideias inatas; 
- Relação direta – praticamente coincidência – entre pensamento e realidade, que 
Spinoza expressou com a frase: “a ordem e conexão das ideias é o mesmo que a 
ordem e a conexão das coisas”; 
- O conhecimento é de tipo dedutivo, como o que se dá na matemática. 
Por isso, para ser conhecimento autêntico, deve existir: 
- Necessidade lógica: minha razão julga que deve ser assim sempre; que não pode 
ser de outra maneira; 
- Validade universal: que deve ser assim em toda parte. 
2. O EMPIRISMO 
2.1 Definição e características gerais 
2 
 
A filosofia empirista pode ser caracterizada por defender duas proposições 
fundamentais: 
1ª.) Que todos os nossos conhecimentos se originam na experiência. 
O que se defende aqui não é que nosso conhecimento se origine no contato mesmo de 
nossos sentidos com as coisas, mas que entre os conteúdos de nossa consciência 
existem alguns, as sensações, que são os primeiros no tempo e também no que se 
refere ao valor cognoscitivo; 
2ª.) Que o modo de as sensações relacionarem entre si para constituir nosso 
conhecimento do mundo está determinado também pela experiência. 
Isto afeta, de modo especial, as questões de fato, nas quais a relação sujeito-predicado 
é estabelecida pela experiência e não pela razão. Consequentemente, a ciência deverá 
basear seu método no controle da observação dos fatos da experiência. 
Com estas duas teses programáticas, o empirismo inglês enfrenta, sobretudo, a 
tradição metafísica aristotélico-tomista e o seu conceito de abstração, frente ao qual inaugura 
uma nova compreensão do conhecimento. Mas se opõe também ao inatismo da metafísica 
racionalista, ainda que o empirismo participe de algumas linhas metodológicas já expressas 
por Descartes: por exemplo, também os empiristas se propõem “não admitir como verdadeira 
alguma coisa que não se demonstre evidente”. É certo que os empiristas entendem por 
evidência algo bem distinto do que entendia o sistema cartesiano, porém é certo também que a 
crítica empirista à metafísica se realiza sob o mesmo imperativo de rigor e de fidelidade aos 
próprios pressupostos metodológicos que considerou Descartes. 
A característica fundamental do empirismo inglês é sua pretensão de fundar todo o 
conhecimento na observação dos fatos reais da vida anímica. 
A posição empirista não se limita a dizer que todo conhecimento procede dos sentidos, 
tese basilar do realismo aristotélico, mas declara que o conhecimento intelectual se reduz à 
percepção sensitiva, ou, ao menos, está em total função dela; a mente não pode transcender o 
suprassensível (que não existe), não tem nada o que fazer com as essências, nem com leis 
necessárias e universais. A natureza se reduz aos fatos concretos, empiricamente constatáveis. 
O empirismo, às vezes, reconhece um pensamento abstrato, mas sem conteúdo real, ou seja, 
puramente formal. O empirismo tende a negar validade à filosofia e, embora aceitando o valor 
3 
 
das ciências naturais, não consegue fundar a sua validade. Não reconhecendo uma esfera 
autônoma e cognoscitiva à inteligência, o pensamento é reduzido à linguagem, uma simples 
função prática da vida humana. Enfim, o empirismo, negando toda verdade universal, se move 
também para o ceticismo. 
3. O CRITICISMO KANTIANO 
Porque parece intolerável a Kant que, no âmbito da filosofia primeira, ainda exista 
uma disputa interminável concernente às questões de Deus, da liberdade e da imortalidade
1
, o 
nosso filósofo apresentará o caminho capaz de libertar verdadeiramente a metafísica da sua 
verificada falência: a instituição de um tribunal da razão, a Kritik der reinen Vernunft (Crítica 
da Razão Pura), uma investigação tanto das fontes quanto da extensão e dos limites da razão 
pela razão mesma, ou seja, um autoexame e uma autojustificação da razão independente da 
experiência. Além do mais, «porque a razão é a faculdade que nos fornece os princípios do 
conhecimento a priori. Logo, a razão pura é a que contém os princípios para conhecer algo 
absolutamente a priori»
2
. 
Kant considera o teatro de lutas infindáveis entre racionalismo e empirismo, realismo 
e idealismo
3
, como um escândalo que a filosofia deve eliminar de uma vez por todas, se se 
quer que a metafísica realmente permaneça no rol das ciências. Por isso, “só a crítica pode 
cortar pela raiz o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a incredulidade dos espíritos fortes, o 
fanatismo e a superstição, que se podem tornar nocivos a todos e, por último, também o 
idealismo e cepticismo [...]”4. 
Ora, dentro do cenário das luzes, Kant levará a cabo o ideal de um verdadeiro 
iluminismo, compreendido como a «saída do homem de um estado de minoridade», que seja a 
«incapacidade de usar o próprio intelecto sem a guia de um outro»
5
, e que será o movimento 
 
1
 Cf. I. KANT, Crítica da Razão Pura, B 7, 40. 
2
 I. KANT, Crítica da Razão Pura, B 24, 52-53. 
3
 O idealismo sustenta que as coisas existem conforme a mente pode construí-las; tudo que existe é conhecido 
para o homem nas dimensões que são mentais, como idéias ou através de idéias. O idealismo metafísico sustenta 
a idealidade da realidade. Já o realismo sustenta que no conhecimento humano os objetos do conhecimento são 
intuídos, apreendidos e vistos como eles realmente são em sua existência fora e independente da mente. Então, 
conhecer uma coisa significa encontrar entre os conceitos possíveis aquele que está adequado a essa coisa (a 
essência). Se a isso acrescentamos os caracteres acidentais individuais da substância, então chegamos ao 
conhecimento pleno da realidade. 
4
 Cf. Crítica da Razão Pura, B XXXIV, 30. 
5
 «O iluminismo é a saída do homem de um estado de minoridade do qual è ele mesmo responsável. Minoridade 
é a incapacidade de usar o próprio intelecto sem a guia de um outro. Esta minoridade vai imputada a si mesmo 
quando ela depende não de um defeito do intelecto, mas da falta de decisão e de coragem de servir-se do próprio 
4 
 
decisivo que proporcionará uma resposta ao indiferentismo da época, a termo que «o que a 
razão extrai inteiramente de si mesma não pode estar-lhe oculto; pelo contrário, é posto à luz 
pela própria razão»
6
. 
Um juízo amadurecido da época, que não se deixa seduzir por um saber aparente; é 
um convite à razão para de novo empreender a mais difícil das suas tarefas, a do 
conhecimento de si mesma e da constituição de um tribunal que lhe assegureas 
pretensões legítimas e, em contrapartida, possa condenar-lhe todas as presunções 
infundadas [...]. Esse tribunal outra coisa não é que a própria Crítica da Razão 
Pura
7
. 
Kant considerou que o racionalismo dogmático havia dado muita ênfase aos elementos 
a priori do conhecimento e que, por outro lado, a filosofia empírica foi bastante longe quando 
reduziu todo conhecimento a elementos a posteriori. O filósofo de Königsberg propõe revisar 
o processo do conhecimento humano a fim de determinar quanto dele deve ser consignado aos 
fatores a priori ou estritamente racionais, e quanto aos fatores a posteriori resultantes da 
experiência. 
Se a tarefa do filósofo é responder a três questões: “o que eu sei?”, “o que devo 
fazer?” e “o que devo esperar?”, as respostas para a segunda e terceira dependem da resposta 
da primeira: nosso dever e nosso destino podem ser determinados somente depois de um 
profundo estudo do conhecimento humano. A questão fundamental é o fato de saber o que 
podem e até
8
 onde podem o intelecto e a razão conhecer, independentemente da experiência e 
não como é possível a própria faculdade de pensar. Destarte, a Kritik freará a natural 
disposição da razão de transcender o âmbito da experiência possível e, concomitantemente, 
estabelecer as condições do uso dos conceitos que se aplicam legitimamente à experiência 
possível. 
 
intelecto sem a guia de um outro. Ouse saber! Tenha a coragem de usar o teu próprio intelecto! É este, portanto, 
o movimento do iluminismo»: cf. I. Kant, Risposta alla domanda: che cos’è l’illuminismo?, G. FLAVIIS (ed.), I. 
Kant. Scritti sul Criticismo, Laterza, Roma-Bari 1991, 5 (a tradução é nossa). 
6
 I. KANT, Crítica da Razão Pura, A XX, 10. 
7
 Cf. Crítica da Razão Pura, A XI-XII, 5. 
8
 Quando Kant diz de “limites” (Grenzen), compreende os limites de um todo absoluto que contém em si a 
relação entre aquilo que é imanente àquele todo e aquilo que lhe transcende. Os “confins” (Schranken), por outro 
lado, são descrições de uma porção de um todo que permanece incompleto: «Mas a experiência ensina-me que, 
para onde quer que me dirija, vejo sempre em torno de mim um espaço onde poderia continuar a avançar; por 
conseguinte, reconheço as fronteiras do meu conhecimento real da terra, a cada momento, mas não os limites de 
toda a descrição possível da terra»: cf. Ibid., B 787, 609. Definir os limites é próprio da atividade filosófica 
enquanto estabelecer os confins pede apenas a capacidade de definir um certo uso de uma regra em algum 
âmbito de não-transcendência. A Crítica porta esta capacidade de medir os limites e estabelecer, sem se colocar 
para lá da experiência, os conceitos que lhe transcendem e aqueles que lhe são imanentes. Neste sentido que 
metafísica, antes de ser um conhecimento “já dado”, é uma tarefa a ser feita. 
5 
 
O problema de uma filosofia autônoma e científica não pode ser resolvido em maneira 
abstrata, somente passando através de uma investigação de questões centrais específicas. Uma 
filosofia autônoma, entendida como ciência da razão, pressupõe que, no conhecer e no agir 
humanos, no direito, na história e na religião, nos juízos estéticos e teleológicos, se encontrem 
alguns elementos válidos independentemente de toda experiência: apenas em tal modo obtém 
de fato que tais elementos, antes de poderem ser reconhecidos do ponto de vista da ciência 
experimental, devem ser conhecidos filosoficamente. Uma filosofia científica pode dar-se 
somente lá onde seja possível encontrar um método e expor sistematicamente os elementos 
independentes da experiência. 
Tanto o racionalismo quanto o empirismo se coincidiram ao afirmar que a experiência 
não pode conferir um valor universal e necessário aos conhecimentos que dela derivam. Por 
isso a Crítica da Razão Pura não pode ser entendida como 
Uma crítica de livros e de sistemas, mas da faculdade da razão em geral, com 
respeito a todos os conhecimentos a que pode aspirar, independentemente de toda a 
experiência; portanto, a solução do problema da possibilidade ou impossibilidade de 
uma metafísica em geral e a determinação tanto das suas fontes como da sua 
extensão e limites; tudo isto, contudo, a partir de princípios
9
.
 
 
Contra o dogmatismo, Kant afirmará que existem idéias puras da razão, mas apenas 
como princípios regulativos a serviço da experiência. A experiência como autêntico âmbito de 
qualquer possibilidade real, de modo que a razão fundamentadora (de Wolff) não pode ser 
aplicada no simples plano das abstrações e das relações lógicas de não-contradição, mas no 
terreno sólido da experiência. Ou seja, a realidade não pode ser conhecida somente através de 
um mero pensar. A Crítica se opõe ao dogmatismo quando este tem “a presunção de seguir 
por diante apenas com um conhecimento puro por conceitos (conhecimento filosófico), 
apoiado em princípios, como os que a razão desde há muito tempo aplica, sem se informar 
como e com que direito os alcançou”10. 
 Contrariamente ao empirismo, Kant afirmará que existem fundamentos independentes 
da experiência e que são rigorosamente universais e necessários; que o conhecimento inicia 
com a experiência, mas não significa que surja exclusivamente dela: “A razão [...] deve ir ao 
encontro da natureza, para ser por esta ensinada, é certo, mas não na qualidade de aluno que 
 
9
 I. KANT, Crítica da Razão Pura, A XII, 5-6. 
10
 I. KANT, Crítica da Razão Pura, B XXXV, 30. 
6 
 
aceita tudo o que o mestre afirma, antes na de juíz investido nas suas funções, que obriga as 
testemunhas a responder aos quesitos que lhes apresenta”11. 
O dogmatismo, verdadeiro déspota, que sem uma análise crítica, confere um valor 
objetivo às conclusões subjetivamente necessárias dos próprios raciocínios, e o ceticismo, 
verdadeiro niilismo que as condena sem examiná-las, ambos não conseguem prevalecer um 
sobre outro. Tudo isso é possível de ser resolvido apenas através de um código de leis 
universalmente válidas que regulem a priori todos os casos possíveis. Sem regras e sem um 
juíz não são possíveis nem processos nem juízos: eis a razão legisladora. 
Entretanto, das duas posturas epistemológicas combatentes Kant admitirá, do princípio 
empirista, que a razão não pode ir para além dos limites da experiência; e do racionalismo 
wolffiano (com sua reformulação), a importância de fixar a experiência como âmbito legítimo 
para o exercício da razão fundamentadora. Com a fusão destes princípios nasce a filosofia 
crítica que terá como meta responder à pergunta sobre a origem da atividade cognoscitiva 
(quaestio facti) e o seu valor (quaestio iuris). Assim entende Höffe quando diz que 
Demonstrando a existência de condições da experiência independentes desta mesma, 
e com isso universais, Kant demonstra a possibilidade da metafísica seja contra o 
racionalismo, entendendo-a apenas como teoria da experiência e não como uma 
ciência que transcenda o âmbito da experiência, seja contra o empirismo, 
entendendo-a não como uma teoria empírica da experiência, mas sim somente como 
teoria transcendental dela
12
. 
Kant fala com orgulhosa consciência da importância histórica da sua “Crítica da Razão 
Pura” na remoção de todos os erros gnosiológicos precedentes. Ele considera ter 
individualizado, segundo princípios, todas as causas das disputas e afirma que não pode 
existir nem mesmo um só problema que não encontre nesta obra ou a própria solução ou a 
chave para si mesma. 
4. O POSITIVISMO DE COMTE13 
4.1 Personalidade 
Augusto Comte nasceu em 1798 e morreuem 1857. Pertencia a uma família católica, 
monárquica e conservadora, mas logo adotou uma orientação inspirada pela Revolução 
Francesa. Colaborou com Saint-Simon, de quem se separou depois, e se familiarizou com os 
problemas sociais. Foi aluno da Escola Politécnica de Paris, onde adquiriu uma sólida 
 
11
 Crítica da Razão Pura, B XIII, 18. 
12
 O. HÖFFE, Immanuel Kant, p. 16. 
13
 MARÍAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 385-392. 
7 
 
formação matemática e científica. Posteriormente, foi repetidor na Escola, até que as 
inimizades fizeram com que perdesse o cargo. Muito jovem, publicou uma série de Opúsculos 
muito interessantes sobre a sociedade, e depois empreendeu a grande obra de seis grossos 
volumes que intitulou Cours de philosophie positive. Em seguida escreveu uma breve 
compêndio, o Discours sur l’esprit positif, Catéchisme positiviste e sua segunda obra 
fundamental, Système de politique positive, ou Traité de sociologie, instituant la religion de 
l”Humanité, em quatro tomos. O Cours foi publicado entre 1830 e 1842, e o Systéme, entre 
1851 e 1854. 
A vida de Comte foi difícil e desgraçada. Em sua vida privada foi infeliz, e nunca 
conseguiu obter o menor desafogo econômico, apesar de sua indiscutível genialidade e do seu 
esforço. Em seus últimos anos vivia sustentado por seus amigos e partidários, principalmente 
franceses e ingleses. Auguste Comte apresenta características de desequilíbrio mental, que em 
certo momento se acentuaram muito. No final de vida teve um profundo amor por Clotilde de 
Vaux, que morreu pouco depois; essa perda contribuiu para abatê-lo. 
4.2 A História 
4.2.1 A lei dos três estados 
Segundo Comte, os conhecimentos passam por três estados teóricos diferentes, tanto 
no indivíduo como na espécie humana. A lei dos três estados, fundamento da filosofia 
positiva é ao mesmo tempo uma teoria do conhecimento e uma filosofia da história. Estes três 
estados são chamados teológico, metafísico e positivo. 
1) O estado teológico ou fictício é provisório e preparatório. Nele a mente procura as 
causas e princípios das coisas, o mais profundo, longínquo e inacessível. Nele há 
três fases distintas: 
a) O fetichismo, em que se personificam as coisas e se atribui a elas um poder 
mágico ou divino; 
b) O politeísmo, em que a animação é retirada das coisas materiais para ser 
transladada para uma série de divindades, cada uma das quais representa um 
grupo de poderes: as águas, os rios, os bosques etc.; 
c) O monoteísmo, a fase superior, em que todos esses poderes divinos ficam 
reunidos e concentrados em um, chamado Deus. 
8 
 
Como se vê, a denominação de estado teológico não é apropriada; seria preferível 
dizer religioso ou talvez mítico. Neste estado predomina a imaginação, e ele corresponde – 
diz Comte – à infância da Humanidade. É também a disposição primária da mente, na qual se 
volta a cair em todas as épocas, e só uma lenta evolução pode fazer com que o espírito 
humano se afaste dessa concepção para passar a outra. O papel histórico do estado teológico é 
insubstituível. 
2) O estado metafísico ou abstrato é essencialmente crítico e de transição. É uma 
etapa intermediária entre o estado teológico e o positivo. Nele continua-se a 
procurar os conhecimentos absolutos. A metafísica tenta explicar a natureza dos 
seres, sua essência, suas causas. Para isso, porém, não recorre a agentes 
sobrenaturais, e sim a entidades abstratas que lhe conferem seu nome de 
ontologia. As ideias de princípio, causa, substância, essência designam algo 
diferente das coisas, embora inerente a elas, mais próximo delas: a mente, que se 
lançava na busco do longínquo, vai se aproximando das coisas passo a passo, e 
assim como na estado anterior os poderes se resumiam no conceito de Deus, aqui é 
a Natureza a grande entidade geral que o substitui. No entanto, essa unidade é 
mais frágil, tanto mental como socialmente, e o caráter do estado metafísico é 
sobretudo crítico e negativo, de preparação da passagem para o estado positivo: 
uma espécie de crise na puberdade no espírito humano, antes de chegar à idade 
viril. 
3) O estado positivo ou real é o definitivo. Nele, a imaginação fica subordinada à 
observação. A mente humana se atém às coisas. O positivismo procura 
exclusivamente fatos e suas leis. Não busca causas nem princípios das essências 
ou substâncias. Tudo isso é inacessível. O positivismo se atém ao positivo, ao que 
está posto ou dado: é a filosofia dos dados. A mente, num longo retrocesso, se 
detém finalmente ante as coisas. Renuncia àquilo que é inútil tentar conhecer e 
procura apenas as leis dos fenômenos. 
4.2.2 Relativismo 
O espírito positivo é relativo. O estudo dos fenômenos nunca é absoluto, mas relativo 
à nossa organização e à nossa situação. A perda ou aquisição de um sentido – diz Comte – 
alteraria nosso mundo completamente e também nosso saber sobre ele. Nossas ideias são 
fenômenos não só individuais, como também sociais e coletivos, e dependem das condições 
9 
 
de nossa existência, individual e social, e portanto da história. O saber tem de se aproximar 
incessantemente do limite ideal fixado por nossas necessidades. E o fim do saber é a previsão 
racional: voir pour prévoir, prévoir pour pourvoir é um dos lemas de Comte. 
4.3 A História 
4.3.1 O caráter social do espírito positivo 
Comte afirma que as ideias governam o mundo; há uma correlação entre o mental e o 
social, e um depende do outro. O espírito positivo tem de fundar uma ordem social, 
quebrantada pela metafísica crítica, e superar a crise do Ocidente. Comte elabora uma aguda 
teoria a respeito do poder espiritual e temporal. A constituição de um saber positivo é a 
condição para que haja uma autoridade social suficiente. E isso reforça o caráter histórico do 
positivismo; para Comte, o sistema que explicar o passado será dono do porvir. Desse modo, 
em continuidade histórica e equilíbrio social, pode realizar-se o lema político de Comte: ordre 
et progrés; ordem e progresso. E o imperativo da moral comtista – que é uma moral 
essencialmente social – é viver para o próximo: vivre pour autrui. 
4.3.2 A sociologia 
Comte é o fundador da ciência da sociedade, que chamou primeiro de física social e 
depois de sociologia. Comte tenta levar o estudo da Humanidade coletiva ao estado positivo, 
isto é, transformá-lo em ciência positiva. E essa sociologia é, antes de tudo, uma interpretação 
da realidade histórica. Na sociedade rege também e principalmente a lei dos três estados, com 
outras tantas etapas: 
1) Numa predomina o militar, que chega até o século XII; Comte valoriza muito a 
função de organização da Igreja Católica. 
2) Na época metafísica, a influência social cabe aos legistas; é a época da irrupção 
as classes médias, a passagem da sociedade militar à sociedade econômica; é 
um período de transição, crítico e dissolvente, revolucionário; o protestantismo 
contribui para essa dissolução. 
3) Por último, a época industrial, regida pelos interesses econômicos, corresponde 
ao estado positivo, e nela deverá ser restabelecida a ordem social, que deverá 
se fundar num poder mental e social. O grande protagonista da história é a 
Humanidade, que a sociologia de Comte chega quase a divinizar 
transformando-a em religião. 
10 
 
4.3.3 A religião da humanidade 
Em seus últimos anos, Comte chegou a ideias que, embora extravagantes, emergem do 
mais profundo do seu pensamento: é o caso da ideia da “religião da Humanidade”. A 
Humanidade em seu conjunto é o Grand-Être, o fim de nossas vidas pessoais; por isso a 
moral é altruísmo, viver para os demais, paraa Humanidade. Esse Grande Ser deve ser objeto 
de culto, primeiro um culto privado, no qual o homem se sente solidário com seus 
antepassados e descendentes, e depois também um culto público. Comte chegou a imaginar a 
organização de uma Igreja completa, com “sacramentos”, sacerdotes, um calendário com 
festas dedicadas às grandes figuras da Humanidade etc. Nessa Igreja falta apenas Deus e, 
naturalmente, é isso que faz com que não tenha sentido religioso. Com essa ideia estranha, 
que evidentemente tinha uma boa medida de desvario, Comte expressa de modo claríssimo o 
papel que concede ao poder espiritual na organização da vida social, e procura seu modelo no 
poder espiritual por excelência, a Igreja católica, em cuja hierarquia e em cujo culto se inspira 
para sua “religião”. E assim chega o filósofo positivista a resumir seu pensamento num último 
lema: o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim. Agora vemos o sentido 
pleno do título completo da Sociologia de Comte: a política, a sociologia e a religião da 
Humanidade estão inseparavelmente ligadas. 
4.4 A enciclopédia das ciências 
Comte faz uma classificação das ciências que teve grande influência num momento 
posterior, e que nos interessa particularmente porque destaca algumas características de seu 
pensamento. As ciências estão numa ordem hierárquica determinada, que é a seguinte: 
Matemática-astronomia-física-química-biologia-sociologia 
Comte diz que essa hierarquia tem um sentido histórico e dogmático, científico e 
lógico. 
- Em primeiro lugar, é a ordem em que as ciências foram aparecendo e, 
principalmente, a ordem em que foram atingindo seu estado positivo. 
- Em segundo lugar, as ciências estão ordenadas segundo sua extensão decrescente e 
sua complexidade crescente. 
- Em terceiro lugar, segundo sua independência; cada uma necessita das anteriores e 
é necessária para as seguintes. 
11 
 
- Por último, aparecem agrupadas em três grupos de dois, com afinidades especiais 
entre si. As ciências da vida – biologia e sociologia – são as últimas a sair do 
estado teológico-metafísico. A sociologia, em particular, é transformada em 
ciência efetiva pela obra de Comte. Dessa maneira, não só se completa a 
hierarquia das ciências, como também se passa a possuir a disciplina mais 
importante dentro do esquema comtiano da filosofia, definida por seu caráter 
histórico e social. 
Observam-se algumas estranhas omissões na enciclopédia de Comte. Para começar, 
fala nela a metafísica, que o positivismo considera impossível, embora, como vimos, a 
produza, uma vez que Comte elabora uma concreta teoria da realidade. Também falta, 
naturalmente, a teologia; é algo que dispensa explicação. Também não encontramos a 
psicologia; que fica dissolvida entre a biologia e a sociologia; Comte considera impossível a 
introspecção, e só considera possível a psicologia experimental, que se inclui na esfera de 
uma ou outro das duas ciências vitais, segundo se trate do indivíduo ou do homem em sua 
dimensão social. A história e as ciências do espírito de modo geral não aparecem 
autonomamente na lista de Comte, porque ele estava preso à ideia da unidade do método e 
insiste em aplicar sempre o das ciências naturais, apesar de sua genial visão do papel da 
história. 
4.4.1 A filosofia 
Portanto, o que é a filosofia para o positivismo? Aparentemente, uma reflexão sobre a 
ciência. Depois de esgotada esta, não sobre um objeto independente para a filosofia que não 
seja aquela reflexão; a filosofia se transforma em teoria da ciência. Assim a ciência positiva 
adquire unidade e consciência de si própria. Mas a filosofia, é claro, desaparece; e é isso o que 
ocorre no movimento positivo do século XIX, que tem muito pouco a ver com a filosofia. 
Contudo, no próprio Comte não é isso o que acontece. Além do que acredita fazer, 
existe o que efetivamente faz. E vimos que, em primeiro lugar, é uma filosofia da história (a 
lei dos três estados); em segundo lugar, uma teoria metafísica da realidade, histórica e 
relativa, entendida com características tão originais e tão novas como o ser social; em terceiro 
lugar, uma disciplina filosófica completa, a ciência da sociedade, a ponto de a sociologia, nas 
mãos dos sociólogos posteriores, nunca ter atingido a profundidade de visão que alcançou 
com seu fundador. Este é, definitivamente, o aspecto mais verdadeiro e interessante do 
12 
 
positivismo, o que faz com que seja realmente filosofia, a despeito das aparências e de todos 
os positivistas. 
5. O EXISTENCIALISMO14 
5.1 Características do existencialismo 
Deve-se entender por existencialismo toda filosofia que se conceba e exerça como 
análise da existência, posto que por “existência” se entenda o modo de ser do homem no 
mundo. O existencialismo é, portanto, caracterizado, em primeiro lugar, pelo fato que coloca 
em questão o modo de ser do homem; e, porque entende este modo de ser como modo de ser 
no mundo, é caracterizado, em segundo lugar, pelo fato que coloca em questão o “mundo”, 
sem pressupor dele já dado ou constituído o ser. A análise da existência não é, por isso, 
somente o esclarecimento ou a interpretação dos modos nos quais o homem se relaciona com 
o mundo, nas suas possibilidades cognoscitivas, emotivas e práticas, mas também, e ao 
mesmo tempo, o esclarecimento e a interpretação dos modos em que o mundo se manifesta ao 
homem e determina ou condiciona as suas possibilidades. A relação homem-mundo é, por 
isso, o único tema de toda filosofia existencialista. Este tema é privado, no entanto, de 
qualquer coloração idealística. O ser do mundo não é no homem, ou na consciência, não é 
“posto” pelo homem ou pela sua consciência, mas é um ser transcendente que se anuncia e se 
manifesta como tal nas estruturas que constituem o homem. Por outro lado, estas estruturas 
não são outra coisa que os modos possíveis com os quais o homem mesmo se relaciona com o 
mundo e age ou reage em relação consigo mesmo: uma outra característica fundamental do 
existencialismo é o uso da noção de possibilidade na análise da existência. O existencialismo 
é essencialmente possibilidade, os seus constituintes são os modos possíveis em que o homem 
se relaciona com o mundo, isto é, as possibilidades determinadas. 
Os precedentes históricos próximos do existencialismo são a fenomenologia de 
Husserl e a filosofia de Kierkegaard. Da fenomenologia de Husserl ele HA DESUNTO a 
concepção de um ser (mundo) que se revela, mais ou menos, ao homem segundo estruturas 
que constituem os modos de ser do homem mesmo. E da filosofia de Kierkegaard HÁ 
DESUNTO a categoria fundamental de que se vale na análise da existência: a possibilidade, 
 
14
 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Storia della Filosofia. Vol 5. Verso il pensiero contemporaneo: dallo 
Spiritualismo all’Esistencialismo. Roma: Gruppo Editoriale L’Espresso S.p.A., 2006, p. 661-XXX. Tradução 
nossa. 
13 
 
entendida, sobretudo, no seu caráter ameaçador e paralisante, enquanto faz problemática a 
relação do homem com o mundo e exclui de tal relação a garantia de um sucesso infalível. 
5.2 O existencialismo como clima cultural 
O existencialismo, entre as correntes filosóficas contemporâneas, é a única corrente 
que se apresenta como a expressão de um clima cultural ou que tenha contribuído para formá-
lo: clima que pode ser negativamente descrito como a crise do otimismo romântico. Este 
otimismo era fundado no reconhecimento de um princípio infinito (Razão, Absoluto, Espírito, 
Ideia, Humanidade etc.) que constitui a substância do mundo e, por isso, o rege e o domina 
como rege e domina o homem, garantindo-lhe os seus valores fundamentais e determinando-lhe o progresso infalível. O existencialismo é levado a considerar o homem como um ente 
finito, isto é, limitado nas suas capacidades e nos seus poderes, “lançado no mundo”, isto é, 
abandonado ao determinismo dele que pode tornar nulas as suas possibilidades. 
Depois da segunda guerra mundial, o existencialismo aparece como o reflexo mais fiel 
ou a expressão mais autêntica da situação de incerteza da sociedade européia, dominada ainda 
pelas destruições materiais e espirituais da guerra. A chamada literatura existencialística, e em 
primeiro lugar, a obra literária de Sartre, constitui o anel de conjunção entre a situação 
daquele momento e as formas conceituais do existencialismo, que foram, todavia, elaboradas 
em data anterior.

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