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www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito para Defensorias – Isolada Teórica Bernardo Montalvão 1 DIREITO E MORAL A teoria do “mínimo ético”, “já foi exposta de certa maneira pelo filósofo inglês Jeremy Bentham e depois desenvolvida por vários autores, entre os quais um grande jurista e politicólogo alemão do fim do século XIX e do princípio do século XX, Georg Jellinek”. A teoria do mínimo ético sustenta que o Direito constitui apenas em um mínimo de Moral ao qual se atribui força obrigatória com o objetivo de que a sociedade possa sobreviver. A Moral, em regra, é obedecida de forma espontânea. Porém, mais cedo ou mais tarde, acaba ocorrendo algum ato de desobediência. É aí, então, que surge o Direito, com a finalidade de impedir, com mais vigor, a violação às normas que uma dada sociedade considera indispensável à convivência social. Deste modo, segundo esta teoria, o Direito não é, na sua essência, diferente da Moral, antes é uma parte desta, armada de garantias específicas. Logo, “tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico”. Veja abaixo a ilustração da teoria. Mas será que a lição desta teoria é ainda hoje aceitável? Será que tudo é jurídico é moral? Será? Será que a regra do Código de Trânsito, que determina que a faixa da direita seja a faixa da baixa velocidade, é uma regra moral? Será que o artigo do Código de Processo Penal, que estabelece o prazo de 15 dias para o oferecimento da denúncia, é uma norma moral? E mais, será que a modificação deste artigo do Código de Processo Penal pelo legislador tem a capacidade de influenciar no campo da moral? A resposta a todas essas indagações só pode ser negativa. E, por quê? Porque nem tudo que se passa no mundo jurídico é ditado por motivos de ordem moral. Para melhor entender essa afirmação cabe aqui uma nova pergunta: qual a diferença entre o moral, o imoral e amoral? Imoral é aquilo que é contrário à moral. Amoral é aquilo é indiferente à moral. Moral é aquilo que está de acordo com a Moral. Sendo assim, é possível afirmar que “fora da Moral existe o „imoral‟, mas existe também o que é apenas „amoral‟”. E, por consequência, dentro do Direito podem existir tanto normas morais, imorais como amorais. “Há, portanto, um campo da Moral que não se confunde com o campo jurídico. O Direito, infelizmente, tutela muita coisa que não é moral”. O certo é que muitas “relações amorais ou imorais realizam-se à sombra da lei, crescendo e se desenvolvendo sem meios de obstá-las”. Logo, é inegável que há um campo do Direito “que, se não é imoral, é pelo menos amoral o que induz a representar o Direito e a Moral como dois círculos secantes”. As ilustrações têm benefícios e prejuízos. Entre os prejuízos está o de se simplificar excessivamente os problemas, correndo-se o risco de tomar a parte pelo todo. Contudo, no começo dos estudos, as representações gráficas servem como pontos de referência para posteriores investigações. 2. SIMILARIDADES ENTRE AS NORMAS MORAIS E JURÍDICAS. Há certa similaridade entre normas jurídicas e regras morais. “Ambos têm caráter prescritivo, vinculam e estabelecem obrigações numa forma objetiva, isto é, independentemente do consentimento subjetivo individual”. As duas normas são preceitos inarredáveis à convivência social, vez que, se é certo que não há sociedade sem direito (ubi societas, ibi jus), não é menos certo que não há sociedade sem moral (ubi societas, ibi mos). Se não há dúvida de que Tercio Sampaio Ferraz Jr assinala estas duas semelhanças entre as normas morais e jurídicas, esta não parece ser a compreensão de Miguel Reale. Este último sustenta que as normas morais contam com a adesão dos obrigados. “Quem pratica um ato, consciente da sua moralidade, já aderiu ao mandamento a que obedece”. Porém, o mesmo não ocorre com as normas do mundo jurídico. Apesar das similitudes, há entre as normas morais e jurídicas algumas diferenças. Todavia, a demarcação, em si, desta fronteira, não é tarefa fácil. Antes, pelo www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito para Defensorias – Isolada Teórica Bernardo Montalvão 2 contrário, há muito tempo, é um dos problemas mais tormentosos da filosofia do direito. Exatamente por isso, ao longo da história, sucederam-se diversas tentativas em traçar essa distinção. Convém, então, começar essa viagem pelo tempo a partir do critério de distinção mais famoso. 3. QUANTO AO OBJETO QUE É CONTROLADO Diz-se que as normas jurídicas são heterônomas e as normas morais são autônomas. Este critério de distinção é o mais famoso dentre todos os que já foram sugeridos. É o mais famoso tanto por força da autoridade intelectual de seu mentor, Immanuel Kant, quanto por conta do longo período em que predominou, de meados do século XVIII até meados do século XIX. Segundo este critério, as normas jurídicas regulam à conduta externa do indivíduo, nada dizendo respeito às intenções ou aos desejos, enquanto os dispositivos morais relacionam- se ao aspecto interno do comportamento. Ou seja, normas jurídicas pretendem controlar comportamentos (normalmente, a partir da sua execução), normas morais aspiram controlar pensamentos (cogitatio). Nas palavras de Antônio Luís Machado Neto, normas jurídicas são as que regulam a conduta em interferência intersubjetiva (correlação entre o fazer de um e o impedir de outro ou de outros sujeitos humanos). Normas morais são as que disciplinam a conduta em interferência subjetiva (a correlação entre o fazer e o omitir do mesmo sujeito). Não se nega que as normas jurídicas podem ser injustas e iníquas. Entretanto, enquanto não forem revogadas, ou não caírem em manifesto desuso, elas obrigam. Elas se impõem contra a vontade dos súditos. Não é por outra razão que o Estado, por meio da dogmática jurídica hermenêutica e empírica, se apressa em neutralizar os efeitos de um possível “direito injusto”. Em outras palavras, empenha-se para manter sobre controle, através da interpretação e aplicação da norma jurídica, as insatisfações dos indivíduos submetidos à norma jurídica. Todavia, como assinala Tercio Sampaio Ferraz Jr., essa distinção é vaga e ambígua. Por um lado, negar que motivos e intenções são irrelevantes para o Direito, é incorrer em grave equívoco. Afinal, o que dizer da distinção entre dolo e culpa feita pelo Direito Penal? Forçoso é reconhecer, para distinguir estes dois conceitos jurídico-penais, que a intenção do agente assume grande relevância. Por outro lado, insistir que as normas morais são indiferentes à exterioridade da conduta, é também incidir em sério erro. As normas morais interessam-se pela “exterioridade da conduta, até mesmo quando a intenção é tida como boa: de boas intenções, como diz o provérbio, o inferno está cheio”. Aliás, perante as normas morais, há distinção entre escusa e justificação, vez que a boa intenção pode servir como escusa (mentir ao irmão sobre a circunstância de que a morte de seu filho está próxima), mas não justifica a mentira como conduta moral. “...Pufendorf ultrapassa a mera distinção entre Direito Natural e Teologia Moral segundo o critério de normas referentes ao sentido e à finalidade desta vida, em contraposição às referentes à outra vida, distinguindo as ações humanas em internas e externas: o que permanece guardado no coração humano e não se manifesta exteriormente deve ser objeto apenas da Teologia Moral. A influência desta distinção em Tomasius e posteriormente em Kant é significativa”. 4. QUANTO À INSTÂNCIA QUE IMPÕE A NORMA. Um segundo critério de diferenciação é a instância que estabelecea norma, ou seja, o juízo que qualifica o comportamento. Em outros termos, quem impõe a norma. Como regra, afirma-se que a norma moral é imposta pela própria subjetividade de quem age, ao passo que a norma jurídica se estabelece por força de uma instância objetiva, um terceiro com autoridade para impor ela. Disto decorre que “a imoralidade do ato exige arrependimento do agente, ou seja, o tribunal da moral é a própria consciência, enquanto no direito a pressão para o cumprimento da ação lícita é objetiva e depende de instância externas ao agente”. www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito para Defensorias – Isolada Teórica Bernardo Montalvão 3 Registre-se, por oportuno, que, segundo a lição de Miguel Reale, o critério atinente à instância que estabelece a norma não é um critério diverso do anterior (heteronomia versus autonomia), mas, sim, outro significado contido nele. Nesse sentido, então, normas jurídicas são normas heterônomas e, como tal, são postas por um terceiro sobre o agente. Este terceiro pode ser o legislador, o juiz etc. Logo, de acordo com Miguel Reale, normas heterônomas são aquelas que possuem, ao mesmo tempo, três características, são elas: a) não exigem a adesão espontânea do indivíduo a elas submetido, b) têm por objetivo controlar comportamentos (e não intenções) e c) são impostas por um terceiro ao indivíduo a elas subordinado. Por conseguinte, as normas jurídicas apresentam uma validade objetiva e transpessoal. De outra banda, as normas morais são autônomas, pois a validade delas é subjetiva e pessoal. Em outros termos, elas exigem a adesão espontânea de quem a elas se submete. Elas são impostas pelo indivíduo a si mesmo. E, por isso, elas disciplinam as intenções do agente. Portanto, em certa medida, é possível afirmar que as normas morais constituem a identidade do próprio indivíduo, pois à medida que ele as obedece tem a impressão de que ele próprio estabeleceu as normas que irá cumprir. O certo é que, mesmo que se afaste a divergência entre os respeitados juristas, o critério pertinente à instância que estabelece a norma também apresenta alguns problemas. Afirmar que o tribunal da moral é a própria consciência, não é, de todo, certo. Por mais que o remorso seja, como regra, a mais frequente das sanções morais, ele não é a única. Afinal, o que dizer da reprovação social, muitas vezes até agressiva? “Por outro lado, a instância subjetiva no julgamento dos atos não é indiferente ao direito, como o mostra a distinção referida entre dolo e culpa ou a inaceitabilidade de que o estrito cumprimento da lei possa ser usado como um meio para prejudicar alguém”. Em outras palavras, normas jurídicas não são impostas apenas por um terceiro ao indivíduo. Podem também exigir, para fins de imposição, que o indivíduo manifeste a sua adesão a ela, que ele obrigue a si mesmo. Não é o Estado que obriga o criminoso a praticar o delito na forma dolosa (de forma livre e consciente), antes é ele que se auto-obriga a fazê-lo. 5. QUANTO À NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO. Desde Roma, já se sabe que normas jurídicas passam a existir por deliberação e promulgação (ou a partir da publicação). As normas morais, por seu turno, não apresentam esta característica. A expressão “esta lei entra em vigor na data da sua publicação” não tem a menor aplicabilidade às normas morais. “Não obstante isso, é preciso reconhecer que, no caso das normas costumeiras, estamos diante de normas jurídicas para as quais não há também deliberação e promulgação”. Logo, este critério, também, apresenta alguns problemas. 6. QUANTO À COERCIBILIDADE. Normas morais são incoercíveis. Normas jurídicas são coercíveis. Coercível não é o mesmo que coação. Coercível é a potencialidade de que uma coação seja aplicada. É dizer, a possibilidade abstrata, ainda não concretizada, de que uma coação seja aplicada. Logo, normas jurídicas são normas trazem, em si, a ameaça de uma coação. Segundo Kelsen, normas jurídicas não são coercíveis, são coativas. Ou seja, implicam na efetiva aplicação de uma coação. A esse respeito, veja a distinção que o professor austríaco traça entre a comunidade jurídica e um “bando de salteadores”. 7. QUANTO À BILATERALIDADE ATRIBUTIVA. Normas jurídicas são bilaterais e atributivas. Bilaterais, porque estabelecem uma relação entre duas ou mais pessoas (bilateralidade social), uma relação que não pode ser modificada por nenhuma delas de forma unilateral (bilateralidade axiológica). Atributivas, porque proporcionam uma “atribuição garantida de uma pretensão ou ação, que pode se limitar aos sujeitos da relação ou estender-se a terceiros (atributividade)”. Exemplo: uma norma jurídica www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito para Defensorias – Isolada Teórica Bernardo Montalvão 4 permite a criação de uma relação de compra e venda, a qual não pode ser alterada unilateralmente por qualquer dos sujeitos e, ao mesmo tempo, cria para cada um deles a garantia de pode exigir a prestação esperada. As normas morais, por seu turno, são bilaterais, mas não são atributivas. Criam entre os sujeitos uma relação moral que não pode ser modificada unilateralmente, mas não confere a eles o poder de exigir uma pretensão ou ação correspondente. 8. ASPECTOS APROVEITÁVEIS DE ALGUNS DOS CRITÉRIOS MENCIONADOS. Apesar dos problemas assinalados no que toca ao primeiro critério, a distinção quanto ao objeto que é controlado ainda apresenta alguma utilidade. Isto porque esta diferenciação realça um importante aspecto, qual seja, enquanto a norma jurídica “admite a separação entre a ação motivada e o motivo da ação, o preceito moral sempre os considera solidariamente. Isto é, o direito pode punir o ato independentemente dos motivos – por exemplo, no caso de responsabilidade objetiva – mas isto não ocorre com a moral, para a qual a motivação e a ação motivada são inseparáveis”. O mesmo se diga quanto ao critério pertinente à instância, uma vez que as sanções morais, seja o remorso seja a reprovação social, nunca fazem parte do conteúdo explícito da norma moral. Por outro lado, as normas jurídicas são caracterizadas, como ensina Kelsen, por prescreverem de forma expressa as suas sanções. Mas não é apenas esse aspecto que se pode aproveitar do critério. Enquanto o “direito admite as normas permissivas de conteúdo próprio, a permissão moral é sempre a contrario sensu, ou seja, permitido é o que não é moralmente proibido ou obrigatório. O direito e só o direito permite expressamente”. Esta última nuance tem um desdobramento deveras relevante. O sistema composto por normas jurídicas podem ser autossuficientes, pois contém normas destinadas apenas ao reconhecimento, à mudança e à aplicação do próprio direito. “A moral não tem normas secundárias, salvo se a jurisdicizamos”. Não se quer assinalar com isso que os demais critérios apresentados não apresentem aspectos aproveitáveis. Cada critério, na sua medida, contribui para melhor definição da fronteira entre Moral e Direito. Apesar disso, o certo é que não há critério infalível. O que, por sua vez, reforça a tese de que não é possível sustentar, na atualidade, uma separação total entre os campos da Moral e do Direito. Sendo certo que a Moral não constitui o Direito, não é menos certo que a Moral regula o Direito. Em suma, a “imoralidade faz com que a obrigação jurídica perca sentido, mas não torna a obrigação jurídica juridicamente inválida. A distinção é sútil, mas importante”. 9. CARACTERÍSTICAS DAS NORMAS CONSUETUDINÁRIAS. Segundo Miguel Reale, normas consuetudináriasnão são coercíveis, não apresentam atributividade, mas são heterônomas e bilaterais. Logo, o que distingue a norma de costume da norma jurídica é a coercibilidade e atributividade que esta última apresenta, e aquela não. Por outro lado, o que distingue as normas consuetudinárias das normas morais é a circunstância de que aquelas são heterônomas, enquanto as normas morais não são. Eis, então, o que são os costumes, práticas sociais rotineiras (hábitos sociais) heterônomas.
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