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Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 1 www.medresumos.com.br IMUNOLOGIA DOS TRANSPLANTES Entende-se por transplante a retirada de órgãos, tecidos ou células (que passam a ser chamados de enxerto) de um indivíduo e a sua inserção em um indivíduo (geralmente) diferente. Porém, esta doação pode se dar entre partes de um mesmo indivíduo, entre indivíduos diferentes ou até mesmo, entre espécies diferentes. A transfusão é o transplante de células sanguíneas circulantes do plasma de um indivíduo para outro. A técnica do transplante surgiu para suprir um déficit funcional ou anatômico do receptor. O individuo que fornece o enxerto é chamado de doador, e o que recebe é chamado de receptor ou hospedeiro. Uma grande limitação ao êxito do transplante é a resposta imune do receptor ao tecido doado. Há alguns casos em que a parte doada não se adéqua perfeitamente às condições biológicas do receptor. Este fenômeno que estabelece o insucesso do enxerto é causado por uma reação inflamatória chamada rejeição. HISTÓRICO Idade Média (1493): início da prática dos transplantes, mais especificamente, transfusão de sangue. Neste tempo, já experimentou-se o processo conhecido como rejeição. 1908: 1 o transplante renal entre cães – infiltração de plasmócitos 1930: 1 o transplante renal humano 1955: 1 o transplante com sucesso realizado entre gêmeos idênticos. CLASSIFICAÇÃO TERMINOLÓGICA DOS TRANSPLANTES Os imunologistas de transplantes desenvolveram um vocabulário especial para descrever os tipos de células e tecidos encontrados no ambiente do transplante. Os termos podem ser designados quanto ao local ou quanto a origem: Quanto ao local Enxerto ortotrópico: tecido retirado é inserido para o mesmo local habitual Enxerto heterotrópico: tecido retirado é inserido em local diferente do habitual Quanto à origem Auto-enxerto (enx. autólogo): enxerto transplantado de um indivíduo para si mesmo. Tem a mesma probabilidade de rejeição do isoenxerto. Isoenxerto (enx. singênico): enxerto transplantado entre dois indivíduos geneticamente idênticos. Tem a mesma probabilidade de rejeição do auto-enxerto. Aloenxerto (enx. alogênico): enxerto transplantado entre dois indivíduos geneticamente diferentes mas da mesma espécie. É o mais comum dos enxertos, até porque a rejeição é rara nestes casos. Xenoenxerto (enx. xenogênico): enxerto transplantado entre indivíduos de espécies diferentes. Tem a maior probabilidade de rejeição. OBS 1 : É comum que o material transplantado gere uma resposta imune em indivíduos imunocompetentes. Isso se dá pelo aspecto estranho que o enxerto representa para o organismo do hospedeiro. Falar de rejeição é, portanto, falar de resposta imune. É neste sentido o efeito maléfico desta resposta, sendo interessante diminuir a resposta imunológica para a realização de transplantes (buscando a tolerância). Arlindo Ugulino Netto. IMUNOLOGIA 2016 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 2 www.medresumos.com.br OBS 2 : Os resultados de experimentos com transplantes em camundongos indicam que a rejeição de enxertos apresenta as características de respostas imunes adaptativas, ou seja, com o uso de células de memória e linfócitos moduladores desta resposta. A presença das células de memória no fenômeno de rejeição foi provado com o seguinte experimento: Um camundongo da linhagem B rejeitará um enxerto de um camundongo da linhagem A com uma cinética primária (de forma lenta, ou seja, o período entre o enxerto e a rejeição foi de 10 dias, por exemplo). Este mesmo camundongo, já sensibilizado previamente pelo primeiro enxerto da linhagem A (apresentando, portanto, uma memória adaptativa), ao receber um segundo enxerto da linhagem A, rejeitará o material com uma cinética secundária (de maneira bem mais rápida, com cerca de 3 dias, por exemplo). Um camundongo da linhagem B injetado com linfócitos de outro camundongo da linhagem B que rejeitou o enxerto da linhagem A, rejeitará o seu primeiro enxerto oriundo da linhagem A com uma cinética secundária, mesmo sem nunca ter tido contato prévio com o órgão transplantado, mas sim, com linfócitos que já foram expostos à proteínas deste enxerto. REJEIÇÃO Do ponto de vista imunológico, a rejeição corresponde à resposta imune adaptativa e especializada que acontece no advento do receptor contra o enxerto dotado de natureza estranha. O grau de rejeição aos enxertos limita o êxito dos transplantes. Isso demonstra que, embora seja um mecanismo de defesa para o organismo e de extrema importância para a própria vida, a resposta imune é totalmente inviável em casos de transplante. Além da rejeição, os principais limites do transplante de órgãos são: Técnica cirúrgica Escassez de órgãos (Vítimas de acidentes ou parentes dos pacientes) Portanto, a imunologia do transplante é importante por dois motivos. Primeiro, porque a rejeição imunológica do transplante ainda é uma das maiores barreiras ao transplante atualmente. Segundo, porque, embora um encontro com aloantígenos sejam pouco provável na vida normal de um organismo, a resposta imune a moléculas alogênicas é forte e tem sido, portanto, um modelo útil para o estudo dos mecanismos de ativação linfocitária. GENÉTICA DOS TRANSPLANTES O principal componente imunitário responsável pelo mecanismo da rejeição é o complexo principal de histocompatibilidade. O reconhecimento de células transplantadas como próprias ou estranhas é determinado por genes polimórficos herdados de ambos os pais e expressos de maneira co-dominante. Na ilustração ao lado, as duas diferentes cores de camundongos representam haplótipos do MHC. Alelos do MHC herdados de ambos os progenitores são expressos na pele de uma prole A x B e, portanto, estes camundongos são representado por ambas as cores. Enxertos singênicos não são rejeitados (quadro A), como na doação da linhagem A para a A. Aloenxertos, como o transplante de B Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 3 www.medresumos.com.br para A, são sempre rejeitados (quadro B). Enxertos de um progenitor A ou B não serão rejeitados pela prole (se um pai doar para um filho, que apresenta a metade de sua maquinaria genética, não vai sofrer rejeição; quadro C). Já enxertos da prole serão rejeitados por qualquer um dos progenitores (quando os filhos doam tecidos para os pais, devido ao fato de os filhos apresentarem uma metade de uma maquinaria da A e da B, é estranho para B e para A, respectivamente; quadro D). Esses fenômenos se devem ao fato de que produtos dos genes do MHC são responsáveis pela rejeição de enxertos; os enxertos são rejeitados somente se expressarem um tipo de MHC (representação por cor) que não é expresso pelo camundongo. Veremos agora todas as fases da resposta imune adaptativa (reconhecimento, ativação/proliferação dos LT, mecanismos efetores, eliminação do não-próprio; e por fim, tratamento) referente aos chamados aloenxertos, que são mais comuns de serem realizados e mais comuns de serem rejeitados. RECONHECIMENTO DOS ALOANTÍGENOS Como vimos anteriormente, o mecanismo do reconhecimento ou rejeição tem como elemento principal o MHC expresso de maneira co-dominante. Moléculas do MHC são responsáveis por quase todas as reações de rejeição forte (rápida). Vale lembrar que as moléculas do MHC desempenham um papel fundamental nas respostas imunes normais a antígenos estranhos, mediante a apresentação de peptídeos derivados de antígenos proteicos em uma forma que pode ser reconhecida por células T. Moléculas do MHC alogênica são apresentadas para o reconhecimento pelas células T de um receptor de enxerto por duas vias fundamentais. Esta apresentação pode se dar de maneira direta ou indireta: Apresentação direta: envolve o reconhecimento de uma molécula do MHC intacta exibida por células apresentadoras de antígenos(APCs, que apresentam peptídeos do tecido transplantado) do doador no enxerto e é uma consequência da similaridade entre as estruturas de uma molécula do MHC estranha (alogênica) intacta e moléculas do MHC próprias. Portanto, a apresentação direta é exclusiva de moléculas do MHC estranha. Este mecanismo acontece quando o MHC do doador apresenta uma estrutura muito similar ao MHC do receptor, acontecendo a rejeição mais rapidamente. Apresentação indireta: envolve o processamento de moléculas do MHC do doador pelas APCs do receptor e a apresentação de peptídeos derivados das moléculas do MHC alogênicas em associação a moléculas próprias. Neste caso, a molécula do MHC estranha é tratada como qualquer antígeno proteico estranho, e os mecanismos de apresentação indireta de antígenos são indistinguíveis dos mecanismos de apresentação de um antígeno microbiano. Aloantígenos em um enxerto que não sejam moléculas do MHC também podem ser apresentados a células T do hospedeiro pela via indireta. Para um melhor entendimento do processo de apresentação, lembremos que existem moléculas de MHC (do tipo I) em todas as células nucleadas do organismo, assim como nas células transplantadas do órgão ou tecido na forma de enxerto. O MHC das células do enxerto (MHC alogênico) passa a expressar, portanto, proteínas que para o organismo de onde o enxerto é oriundo, são próprias, mas para o doador, são estranhas (chamadas de aloantígenos). O reconhecimento destes aloantígenos gera, portanto, uma resposta imune (indesejada do ponto de vista clínico). O LT reconhece um epítopo originado do processamento do MHC antagônico. Este epítopo é então apresentado ao LT por meio do MHC próprio. O LT reconhece o MHC oriundo do próprio enxerto, sem ser processado por uma APC. APRESENTAÇÃO DIRETA DE ALOANTÍGENOS A apresentação direta de moléculas do MHC estranhas é uma reação cruzada de um receptor de célula T normal (TCR), que foi selecionado para reconhecer uma molécula do MHC própria e um peptídeo estranho, com uma molécula do MHC alogênica e um peptídeo. Embora pareça intrigante, células T que são normalmente selecionadas para serem restritas a MHC próprio são capazes de reconhecer moléculas MHC estranhas. Uma molécula do MHC alogênica com um peptídeo ligado pode imitar o determinante formado por uma molécula do MHC própria mais um peptídeo estranho particular. Uma vez que a mesma célula T pode reconhecer complexos MHC Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 4 www.medresumos.com.br – peptídeo próprio/estranho e moléculas do MHC alogênicas ocorre que os determinantes formados por essas moléculas do MHC devem compartilhar características estruturais semelhantes. O peptídeo contribui para o determinante reconhecido pela célula T alorreativa, de forma idêntica ao papel dos peptídeos no reconhecimento normal de antígenos pelas células T restritas ao MHC próprio. Muitos dos peptídeos associados a moléculas do MHC alogênicas que estão envolvidas na apresentação direta são derivados de proteínas que são idênticas no doador e no receptor. Em outras palavras, são peptídeos próprios. Os mecanismos de indução de tolerância agem para eliminar ou inativar as células T que respondem contra complexos de peptídeos próprios mais moléculas do MHC próprias. Até 2% das células T de um indivíduo são capazes de reconhecer e responder diretamente a uma única molécula do MHC estranha, e esta alta frequência de células T reativas contra moléculas do MHC alogênicas é uma das razões pelas quais aloenxertos desencadeiam fortes respostas imunes. O fato de que cada molécula do MHC alogênica é reconhecida por ter TCRs diferentes pode ser devido a diversos fatores: A natureza altamente polimórfica do MHC implica que as moléculas do MHC alogênicas irão diferir de moléculas MHC próprias em muitos resíduos de aminoácidos. Porém, como muitos dos resíduos polimórficos estão concentrados em regiões que se ligam ao TCR, cada resíduo diferente pode contribuir para um determinante distinto, reconhecido por um clone diferente de células T restritas ao MHC próprio. Diferentes peptídeos podem se combinar a um produto do gene do MHC alogênico, produzindo determinantes que são reconhecidos por diferentes células T por reação cruzada. Todas as moléculas do MHC e uma APC são estranhas para um receptor e podem, portanto, ser reconhecidas por células T. Ao contrário, nas APCs próprias, a maioria das moléculas do MHC próprias exibem peptídeos próprios, e qualquer peptídeo estranho provavelmente ocupe 1% ou menos do total de moléculas do MHC expressas. Muitas das células T alorreativas que respondem à primeira exposição a uma molécula do MHC alogênica são células T de memória que foram geradas durante uma exposição prévia a outros antígenos estranhos. APRESENTAÇÃO INDIRETA DE ALOANTÍGENOS Moléculas do MHC alogênicas podem ser processadas e apresentadas por APCs do receptor que penetram nos enxertos, e as moléculas do MHC processadas são reconhecidas por células T como antígenos proteicos estranhos convencionais. Como as moléculas do MHC alogênicas diferem estruturalmente das do hospedeiro, podem ser processadas e apresentadas da mesma maneira que qualquer antígeno proteico estranho, gerando peptídeos estranhos associados a moléculas do MHC próprias na superfície das APCs do hospedeiro. A apresentação indireta pode resultar em um alorreconhecimento via MHC II com células T CD4+ assim como podem se dar via MHC I com células T CD8+. Como o MHC alogênico é diferente do MHC próprio, tudo acontece semelhantemente a uma apresentação antigênica microbiana. ATIVAÇÃO DE CÉLULAS T ALORREATIVAS E REJEIÇÃO DE ALOENXERTOS A ativação de células T alorreativas depende da apresentação de aloantígenos por APCs derivadas do doador, eventualmente presentes no enxerto (apresentação direta de antígenos) ou por APCs do hospedeiro que captam, processa o MHC alogênico e apresentam aloantígenos do enxerto (apresentação indireta). A maior parte dos órgãos contém APCs residentes, tais como células dendríticas. O transplante desses órgãos para um receptor alogênico fornece APCs que expressam moléculas do MHC do doador, assim como co-estimuladores. Presumivelmente, essas APCs do doador migram para órgão linfoides secundários (como linfonodos regionais) e são reconhecidas pelas células T do receptor que circulam por estes órgãos (via direta). Células dendríticas do receptor também migram para o enxerto, ou aloantígenos do enxerto podem trafegar para os linfonodos, onde são capturados e apresentados por APCs do receptor (a via indireta). Células T alorreativas no receptor podem se ativadas por ambas as vias, e estas células T migram para os enxertos e causam a sua rejeição. Células T CD4+ auxiliares alorreativas se diferenciam em células efetoras produtoras de citocinas que lesam os enxertos mediante reações que se parecem com a hipersensibilidade retardada. Células T CD8+ alorreativas ativadas pela via direta se diferenciam em LTcitotóxicos que destroem as células nucleadas no Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 5 www.medresumos.com.br enxerto que expressam as moléculas alogênicas MHC da classe I. Os LTc CD8+ que são gerados mediante a via indireta são restritos ao MHC próprio, portanto, não podem destruir diretamente as células estranhas no enxerto. OBS³: A importância das moléculas do MHC na rejeição de aloenxertos de tecidos foi estabelecida por estudos que demonstram que a rejeição rápida geralmente precisa de diferenças no MHC da classe I ou II entre o doador e o receptor do enxerto. No transplante clínico, minimizar as diferenças no MHC entre o doador e o receptor melhora a sobrevivência do enxerto, conforme discutiremos mais adiante. OBS 4 : Além do reconhecimento de antígenos, a co-estimulação de células T por moléculas B7 (sinal 2) nas APCs é importante para a ativação de células T. A rejeição de aloenxertose a estimulação de células T alorreativas podem ser inibidas por agentes que se ligam e bloqueiam as moléculas B7. Estimular a CTLA-4, que é um inibidor modulatório do B7, também mostra resultados desejáveis. MECANISMOS EFETORES DA REJEIÇÃO DE ALOENXERTOS Até este momento, foram descritos apenas as bases moleculares do reconhecimento de antígenos e as células envolvidas no reconhecimento e resposta dos aloenxertos. Agora, nosso estudo será voltado a uma consideração dos mecanismos efetores utilizados pelo sistema imune para rejeitar os aloenxertos. A rejeição de enxertos é classificada com base nas características histopatológicas ou no curso temporal da rejeição após o transplante. Os principais padrões histopatológicos são chamados de hiperagudos, agudos ou crônicos. REJEIÇÃO HIPERAGUDA A rejeição hiperaguda se caracteriza pela oclusão trombótica da vasculatura do enxerto que se inicia minutos ou horas após a anastomose entre os vasos sanguíneos do hospedeiro e do enxerto, e é mediada por anticorpos preexistentes na circulação do hospedeiro que se ligam aos antígenos endoteliais do doador. A ligação de anticorpos ao endotélio ativa o complemento, e anticorpos e complemento induzem diversas alterações no endotélio que promovem a trombose intravascular. A ativação do complemento leva à lesão celular endotelial e à exposição de proteínas da membrana basal subendotelial que ativam as plaquetas além da liberação de fatores (como o de Willembrand) que mediam a adesão e a agregação plaquetárias. Esses processos contribuem para trombose e oclusão vascular, e o órgão enxertado sofre lesão isquêmica irreversível. Nos primeiros dias após o transplante, a rejeição hiperaguda á frequentemente mediada por aloanticorpos IgM preexistentes. Os melhores exemplos conhecidos de tais aloanticorpos são aqueles dirigidos contra os antígenos dos grupos sanguíneos ABO expressos pelas hemácias. Conforme discutiremos mais adiante, a rejeição hiperaguda causada por anticorpos naturais é a maior barreira ao xenotransplante e limita o uso de órgãos animais para o transplante humano. Atualmente, a rejeição hiperaguda ao aloenxertos, quando ocorre, é em geral mediada por anticorpos IgG dirigidos contra aloantígenos proteicos, tais como moléculas do MHC estranhas. Tais anticorpos geralmente surgem como resultado de uma exposição prévia a aloantígenos mediante transfusão sanguínea, transplante prévio ou gestações múltiplas. REJEIÇÃO AGUDA A rejeição aguda é um processo de lesão vascular e parenquimatosa mediada por células T e anticorpos que geralmente inicia após a primeira semana de transplante. Células T efetoras e anticorpos que medeiam a rejeição aguda se desenvolvem durante poucos dias ou semanas em resposta ao enxerto, a partir do momento de início da rejeição aguda. O padrão histológico dessa forma de rejeição é necrose transmural da parede dos vasos do enxerto com inflamação aguda, que é diferente da oclusão aguda sem necrose da parede dos vasos vista na rejeição hiperaguda. As células T ativadas causam a lise direta das células do enxerto ou produzem citocinas que recrutam e ativam as células inflamatórias, que lesam o enxerto. A endotelite endovascular é um achado precoce frequente em episódios de rejeição aguda. Se não tratada previamente, resultará em falência aguda do enxerto. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 6 www.medresumos.com.br A destruição de células alogênicas em um enxerto é altamente específica, uma marca características da destruição por LTcitotóxicos. Células T CD4+ podem ser importantes na mediação da rejeição do enxerto por secretarem citocinas e mediadores que induzirem reações similares. Anticorpos também podem mediar a rejeição aguda se um receptor do enxerto montar uma resposta imune humoral contra antígenos da parede dos vasos. REJEIÇÃO CRÔNICA É a principal forma de rejeição de aloenxertos. A rejeição crônica é caracterizada por fibrose e anormalidades vasculares, com perda da função do enxerto ocorrente durante um período prolongado. Acontece em entre 6 meses a 1 ano após o transplante. A fibrose da rejeição crônica pode resultar de reações imunes e da produção de citocinas que estimulam os fibroblastos, ou pode representar a reparação de feridas após a necrose celular parenquimatosa da rejeição aguda. As principais citocinas mediadoras deste processo são as liberadas por macrófagos: TGF-β (fator de crescimento tumoral β) e o PDGF (fator de crescimento derivado de plaqueta). Talvez a principal causa da rejeição crônica de enxertos de órgãos vascularizados seja a oclusão arterial, como resultado da proliferação de células musculares da camada íntima. Este processo é chamado de arterosclerose acelerada (ou do enxerto). Esta aterosclerose é vista em aloenxertos cardíacos e renais malsucedidos. TRANSFUSÃO SANGUÍNEA A transfusão sanguínea é uma forma de transplante na qual o sangue total ou células sanguíneas de um ou mais indivíduos são transferidos por via intravenosa para a circulação de um hospedeiro para substituir o sangue perdido por hemorragia ou para corrigir defeitos causados pela produção inadequada de células sanguíneas. A principal barreira ao sucesso das transfusões sanguíneas é a resposta imune contra moléculas da superfície celular que diferem entre os indivíduos. O sistema de aloantígenos mais importantes na transfusão sanguínea é o sistema ABO. Antígenos ABO são expressos em todas as células, incluindo as hemácias. Indivíduos que não apresentam um antígeno particular de grupo sanguíneo podem produzir anticorpos IgM naturais contra aquele antígeno, provavelmente de respostas de reação cruzada contra antígenos expressos por bactérias que colonizam o intestino. A lise das hemácias estranhas resulta em reações transfusionais, que podem ameaçar a vida do paciente. A hemoglobina das hemácias que sofrem lise é liberada em quantidades que potencialmente tóxicas para as células renais, provocando necrose aguda de células tubulares renais e insuficiência renal. Podem ocorrer febre alta, choque e coagulação intravascular disseminada, sugestivos de liberação massiva de citocinas (TNF, IL-1, etc.). A coagulação intravascular disseminada consome os fatores de coagulação mais rapidamente do que podem ser sintetizados, e o paciente pode, paradoxalmente, morrer por hemorragia na presença de coagulação disseminada. O quadro abaixo, resumidamente, esquematiza as possibilidades entre os alelos para determinação do sistema ABO. TIPO SANGUÍNEO GENÓTIPO ESTRUTURA DO GLICOCÁLIX AGLUTINOGÊNIO (na membrana das hemácias) AGLUTININA (no plasma) A I A I A ou I A i R – Glc – Gal – GalNac – Gal - GalNac | Fuc A Anti-B B I B I B ou I B i R – Glc – Gal – GalNac – Gal - Gal | Fuc B Anti-A AB I A I B R – Glc – Gal – GalNac – Gal - GalNac | Fuc R – Glc – Gal – GalNac – Gal - Gal | Fuc AB - O ii R – Glc – Gal – GalNac – Gal | Fuc - Anti-A e Anti-B Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 7 www.medresumos.com.br COMPATIBILIDADE NO SISTEMA ABO E TRANSFUSÃO DE SANGUE Este sistema se caracteriza pela presença ou ausência de dois antígenos (A e B) – chamados aglutinógenos –, isolada ou simultaneamente, em cada indivíduo. A grande maioria dos seres humanos (excetuados os lactantes até uma idade aproximada de 3 a 6 meses, e eventualmente os indivíduos que apresentam imunossupresão ou outras circunstâncias especiais) apresenta também anticorpos naturais ou aglutininas, dirigidos contra o(s) antígeno(s) que cada indivíduonão possui, estabelecendo assim as conhecidas regras de compatibilidade sanguínea para este grupo: Indivíduos do grupo O não possuem nenhum dos dois antígenos, portanto possuem anticorpos anti-A e anti-B; podem receber apenas sangue do grupo O, mas podem doar para todos os grupos. Indivíduos do grupo A possuem apenas o antígeno A, e portanto apresentam os anticorpos anti-B; podem receber sangue dos grupos O e A, e doar para os grupos A e AB. Indivíduos do grupo B possuem apenas o antígeno B, e portanto apresentam os anticorpos anti-A; podem receber sangue dos grupos O e B, e doar para os grupos B e AB. Indivíduos do grupo AB possuem ambos os antígenos, e nenhum anticorpo. Podem receber sangue de qualquer grupo, mas doam apenas para o grupo AB. Da combinação entre o Sistema ABO e do Fator Rh, podemos encontrar os chamados doadores universais (O negativo) e receptores universais (AB positivo). Estas regras não levam em conta o raríssimo O Bombay – o qual somente pode receber sangue de outro indivíduo O Bombay – nem os subgrupos de A e B – os quais não representam interferência na maioria das circunstâncias clínicas. OBS 5 : O sangue do tipo O possui anticorpos contra A e B (anti-A e anti-B) e mesmo assim é considerado doador universal pois a quantidade de anticorpo total que é transferido é muito menor que o volume de sangue (o sangue é muito diluido). Por isso que não se podem prescrever transfusões para grupos sanguíneos diferentes com volumes maiores que ¼ do volume total de sangue. Além disso, deve-se pedir bolsas sanguíneas com concentrados de hemácias, com o mínimo possível de plasma e anticorpos. OBS 6 : Em resumo, segue-se que indivíduos AB podem tolerar transfusões de todos os doadores potenciais e são, portanto, chamados de receptores universais. Da mesma forma, indivíduos do tipo toleram transfusões somente de doadores tipo O, mas podem fornecer sangue para todos os receptores, sendo chamado de doadores universais. OBS 7 : O antígeno Rh é outro importante antígeno de hamácias que pode ser responsável por reações transfusionais. Embora não haja anticorpos naturais contra antígenos Rh, indivíduos que não expressam o antígeno Rhesus D (Rh -) podem ser sensibilizados contra este antígeno se receber transfusões a partir de um doador que expressa Rh (Rh + ). TRANSPLANTES DE MEDULA ÓSSEA O transplante de medula óssea é o transplante de células hematopoiéticas pluripotentes, mais comumente coletadas por aspiração. Após o transplante, as células-tronco repovoam a medula óssea com a sua progênie em diferenciação. Clinicamente, o transplante da medula óssea pode ser usado para tratar defeitos adquiridos apresentados pelo sistema hematopoiético, corrigir deficiências hereditárias ou anormalidades enzimáticas, tratamento de doenças malignas da medula óssea e tumores sólidos disseminados. Algumas doenças malignas em que a medula não estiver envolvida pelo tumor, a própria medula óssea do paciente poderá ser coletada e perfundida depois da quimioterapia. Este procedimento, chamado de transplante autólogo de medula óssea, não apresenta muitos dos problemas imunológicos associados ao transplante alogênico e não será discutido. Antes de se transplantar a medula óssea, os receptores frequentemente devem ser “preparados” com radiação e quimioterapia para depletar suas próprias células medulares e deixar vagos os sítios para permitir que as células-tronco transplantadas colonizem a medula óssea e se estabeleçam no ambiente apropriado. O receptor e o doador devem ter sua compatibilidade cuidadosamente testada para todos os polimórficos do MHC. Além disso, é com frequência necessário suprir fortemente o sistema imunitário do receptor para permitir o transplante de medula óssea efetivo. Tal supressão é realizada por radiação e quimioterapia. Admite-se que o papel das células NK na rejeição de medula seja o mais pronunciante, sendo ele o mais estudado em animais experimentais. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 8 www.medresumos.com.br EFEITOS COLATERAIS Doença do Enxerto versus Hospedeiro (GVHD): a GVHD é causada pela reação de células T maduras no inoculo da medula contra aloantígenos presentes no hospedeiro. A GVHD também pode se desenvolver quando órgãos sólidos que contêm números significativos de células T são transplantados, tais como intestino delgado, pulmão e fígado. A GVHD é a principal limitação contra o êxito do transplante de medula óssea e, de a acordo com seus padrões histopatológicos, pode ser classificada nas formas aguda e crônica: GVHD aguda: é caracterizada por morte de células epiteliais na pele, no fígado (epitélio biliar) e no trato gastrintestinal. Manifesta-se na forma de icterícia, diarreia, hemorragias e exantemia. GVHD crônica: é caracterizada por fibrose e atrofia de um ou mais dos mesmos órgãos pré-citados, sem evidência de morte celular aguda. Imunodeficiência após o transplante: a imunodeficiência clínica causada por inúmeros fatores pré e pós- transplante tornam os receptores dos transplantes suscetíveis a infecções virais, especialmente por citomegalovírus, e a muitas infecções bacterianas. GRAVIDEZ E ALOANTÍGENO FETAL Como o feto pode expressar antígenos semi-alogênicos (devido à metade de sua maquinaria genética co- dominante ter sido originada do pai), deste ponto de vista, o feto passa a ser potencialmente capaz de gerar uma rejeição. Para que isto não ocorra, o organismo materno lança mão de mecanismos que impedem uma possível rejeição materna contra os antígenos semi-alogênicos do feto. Admite-se que na mãe, durante a gravidez, acontece um desvio da resposta Th1 (vírus e bactérias intracelulares) para a Th2 (helmintos e alérgenos) durante a gestação. Por este motivo, explica-se o fato de mães que, antes da gestação nunca foram alérgicas, apresentam sinais de hipersensibilidade pós-gestação. Hormônios como o estradiol e a progesterona aumentam as citocinas liberadas durante a resposta Th2, diminuindo ainda mais a resposta Th1. Esta baixa de resposta Th1 desfavorece a rejeição fetal, uma vez que a grande parte dos mecanismos da rejeição envolve os mecanismos desta resposta Th1 (inclusive suas citocinas). Além disso, a ausência de MHC I e MHC II no trofoblasto desfavorece o reconhecimento e destruição destas células pelos LT maternos. Outro fator é a diminuição da expressão de FasL pelas células da placenta, ainda mediante a estimulação hormonal durante a gravidez. Admite-se ainda que o aumento do HLA-G esteja ligado a supressão das células NK. PREVENÇÃO DA REJEIÇÃO DOS TRANSPLANTES Se o receptor de um aloenxerto apresenta um sistema imune plenamente funcional e responsivo, o transplante será rejeitado. A imunossupressão geral tem se mostrado eficaz na prevenção da rejeição, obtendo este fato por meio da indução da tolerância específica. IMUNOSSUPRESSÃO PARA PREVINIR OU TRATAR A REJEIÇÃO DE ALOENXERTOS Drogas imunossupressoras que inibem ou destroem os linfócitos T são o principal regime de tratamento para a rejeição de enxertos. O mais importante agente imunossupressor na prática clínica é a ciclosporina (peptídeo cíclico produzido por uma espécie de fungo) capaz de inibir a transcrição de certos genes nas células T, principalmente aqueles que codificam citocinas tais como a IL-2. A ciclosporina se liga com alta afinidade a uma proteína celular universalmente chamada de ciclofilina. O complexo ciclofilina/ciclosporina se liga e inibe a atividade enzimática da proteína fosfatase calcineurina (que por sua vez, é ativada por cáclio/calmodulina). Como a função da calcineurina (quando ativada pelo cálcio/calmodulina) é ativar a transcrição do fator NFAT (fator nuclear de células T ativadas), a ciclosporina bloqueia a ativação do NFAT e a transcrição da IL-2 e outros genes de citocinas. O resultado final é que a ciclosporina bloqueia o crescimento dependente de IL-2 e adiferenciação em células T. Um outro agente imunossupressor com diferente mecanismo de ação é o antibiótico rapamicina, cujo principal efeito é inibir a proliferação das células T independente de Cálcio, mas por meio da inibição dos receptores de IL-2. A rapamicina se liga a proteína FKBP, formando um complexo que não inibe a calcineurina, mas outra proteína Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 9 www.medresumos.com.br celular chamada de alvo da ripamicina em mamíferos (MTOR). O mecanismo pelo qual a rapamicina inibe o crescimento de células T não é bem conhecido. OBS 8 : Combinações de ciclosporina (que bloqueia a síntese de IL-2) e rapamicina (que bloqueia a proliferação induzida por IL-2, reduzindo a expressão de seus receptores) são inibidores potentes das respostas das células T. Toxinas metabólicas que destroem as células T em proliferação também são usadas para tratar a rejeição de enxertos. São exemplos deste grupo de drogas: Azatioprina: diminui a síntese de DNA das células T. Micofenolato mofetil (MMF): é metabolizado em ácido micofenólico, que bloqueia uma isoforma específica para linfócitos da inosina monofosfato desidroxigenase, enzima necessária para a síntese de novo de nucleotídeos de guanina. É utilizado em combinação com a ciclosporina Ciclofosfamida: também relacionado com a diminuição na síntese de DNA pelas células T. Anticorpos que reagem com estruturas de superfície das células T e depletam ou inibem as mesmas são usados para tratar episódios de rejeição aguda. (Mecanismo: + Sist. Complemento, ADCC, Opsonização). São exemplos: Anticorpos anti-CD3 (OKT3): específico para a molécula de CD3 humana, reduz a reatividade das células T. Ele funciona como um anticorpo lítico por ativar o sistema complemento para eliminar as células T ou opsonizar as mesmas para a fagocitose. Anticorpos anti-CD4, anti CD8: estão relacionados com a depleção de LT Anticorpos anti-CD25: depleção dos receptoes de IL-2 Anticorpos anti-receptores de citocinas. Agentes anti-inflamatórios também são usados rotineiramente para a prevenção e o tratamento da rejeição de enxertos. Os anti-inflamatórios mais potentes disponíveis são os corticosteroides, que além de apresentar função anti- inflamatória, antálgica e antitérmica, desencadeiam função imunossupessora importante. O mecanismo de ação proposto para esses hormônios naturais e seus análogos sintéticos é o bloqueio da síntese e secreção de citocinas, incluindo TNF e a IL-1 pelos macrófagos (reduzindo a ativação celular endotelial do enxerto e o recrutamento de leucócitos inflamatórios). Os corticosteroides podem também bloquear outros mecanismos efetores dos macrófagos, tais como a geração de prostaglandinas, intermediários reativos do oxigênio e óxido nítrico. Em resumo, a utilização dos corticoisteroides busca a: Redução da PLA2 (prostanoides) Redução das citocinas pró-inflamatorias (IL-1, IL-6, TNF-α) Redução dos produtos reativos do oxigênio (NO e ROIS) MÉTODOS PARA REDUZIR A IMUNOGENICIDADE DE ALOENXERTOS No transplante humano, a principal estratégia para reduzir a imunogenicidade de enxertos tem sido minimizar as diferenças aloantigênicas entre doador e receptor, mediante a seleção rigorosa de doadores. Para evitar a rejeição hiperaguda, a seleção dos doadores deve ser baseada na compatibilidade ABO e MHC. Este exame é realizado para pesquisar se o receptor apresenta anticorpos da classe IgG dirigidos contra antígenos HLA Classe I do doador. Em caso positivo, contraindica o transplante. No transplante renal, por exemplo, quanto maior o número de alelos do MHC compatíveis entre o doador e o receptor, melhor será a sobrevivência do enxerto, especialmente no primeiro ano após o transplante. MÉTODOS PARA INDUZIR A TOLERÂNCIA OU SUPRESSÃO ESPECÍFICAS CONTRA O DOADOR A rejeição de aloenxertos pode ser prevenida, tornando-se o hospedeiro totalmente tolerante aos aloantígenos do enxerto. Tolerância, neste contexto, significa que o hospedeiro não lesa o enxerto apesar da ausência ou retirada dos agentes imunossupressores, mas por causa da incapacidade de gerar resposta imune contra os peptídeos do enxerto. Os métodos mais aceitos são: Bloqueio de co-estimuladores: como é o caso do B7 presente na APC e do CD28 dos linfócitos, gerando um déficit no chamado sinal 2. Aumento da expressão de CTLA-4: esta é uma molécula que se liga ao B7 e modula, de maneira inibitória, a co- estimulação emitida por este marcador. A CTLA-4 impede a interação das moléculas B7 nas APCs com o CD28 das células T e impede sua interação com o CD40 nas APCs. OBS 9 : Em alguns experimentos, o bloqueio simultâneo de B7 e CD40 parece ser mais efetivo que o de qualquer outro isoladamente na promoção da sobrevivência do enxerto. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● IMUNOLOGIA 10 www.medresumos.com.br OBS 10 : Principais métodos de imunossupressão:
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