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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO "A VEZ DO MESTRE" Alunos portadores de TDAH no cotidiano escolar das séries iniciais POR: NEIVA BASTOS DE ALENCAR ORIENTADOR Prof. Ms. Nilson Guedes de Freitas Rio de Janeiro JAN/2005 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO "A VEZ DO MESTRE" Alunos portadores de TDAH no cotidiano escolar das séries iniciais Apresentação de monografia como condição prévia para obter o título de Especialista do Curso Pós-Graduação "Lato Sensu" em Psicopedagogia – Terça / Noite – Campus Tijuca por Neiva Bastos de Alencar Rio de Janeiro 2005 3 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu filho Renan, portador de TDAH, razão da minha existência e que me mostrou a importância de educar aceitando as limitações dos outros. 4 AGRADECIMENTO • a Deus por mais esta oportunidade de crescimento; • aos meus pais e marido pelo apoio; • a Filomena, grande amiga e incentivadora; • a Profº Claudia Cristina pelo compromisso, pela busca de desafios e pelo amor dedicado ao meu filho. 5 RESUMO Enquanto mãe e educadora tive e tenho interesse em estudar o cotidiano do aluno portador de TDAH nas séries iniciais das escolas brasileiras, bem como a visão do educador ao ter crianças com características tão específicas em suas mãos. O TDAH continua sendo um dos transtornos menos conhecidos por profissionais da área de educação e mesmo entre os profissionais de saúde. O portador de TDAH está matriculado em nossas escolas, mas muitas das vezes mal consegue se alfabetizar. Sua situação sócio-econômica é desfavorável, seus pais são leigos no assunto e não há um acompanhamento médico adequado que possa emitir um laudo ou parecer coerente para o caso, e assim os anos vão passando. Esta criança “grita” por ajuda, mas ninguém a ouve. O educador que vê seus alunos pelas possibilidades e não pelas limitações tenderá a realizar um trabalho criativo e inteligente apesar das dificuldades. As estratégias e as relações teórico-práticas auxiliarão o educador a realizar o trabalho de aprendizagem e socialização, atendendo aos reais interesses de crianças tão especiais, que estão além de nosso tempo e de nosso conhecimento. Palavras Chave: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade; Formação do Educador; Cotidiano Escolar; Aliados dos Portadores de TDAH 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................... 07 1. Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade-O que é?................. 12 2. O Educador, sua formação e o contraste em sua realidade escolar....... 19 3. Política e Educação – Dois caminhos que não se cruzam................... 27 4. A Escola e o professor –Maiores Aliados dos portadores de TDAH........ 33 CONCLUSÀO ..................................................................................................... 40 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................ 45 ANEXOS ............................................................................................................. 47 ÍNDICE ................................................................................................................ 50 FOLHA DE AVALIAÇÃO.................................................................................... 51 7 INTRODUÇÃO O Sistema Educacional Brasileiro tem por finalidade oferecer educação de qualidade para a formação do cidadão. Assim sendo, todas as crianças têm direito de estarem matriculadas nas Unidades Escolares, inclusive as crianças portadoras de TDAH. Diante das dificuldades encontradas pelas crianças portadoras de TDAH nas escolas, principalmente nas séries iniciais faz-se necessário um estudo a respeito: ¾�De que forma as políticas educacionais vão intervir positivamente nos portadores de TDAH? ¾�Quando será que outros setores da sociedade formarão efetiva parceria com a educação, proporcionando soluções concretas para o atendimento a esta demanda? ¾�Quando será que o professor será adequadamente capacitado para lidar com tantas adversidades que atropelam o que aprendeu na teoria com sua prática pedagógica Entretanto, percebe-se que a matrícula nem sempre garante a permanência do aluno nas escolas e muito menos um ensino de qualidade, numa escola que insiste em caminhar a margem de uma sociedade que urge por mudanças, numa clientela altamente heterogênea em todos os aspectos, onde a pesquisa identifica novas síndromes, novas necessidades, nova formação para este educador que irá trabalhar com este alunado. Na expectativa de alcançar respostas para as questões levantadas, este estudo teve por objetivo apontar até que ponto a criança portadora de TDAH está realmente inserida no contexto escolar de acordo com a política educacional pública 8 vigente, e até onde o professor está capacitado para atender a esta cada vez mais crescente demanda de nossa sociedade atual. O educador, muitas vezes, não sabe o que fazer com crianças tão especiais, que não raramente ficam aquém de um processo por pura falta de informação adequada e metodologia específica, por faltas de parcerias, de um ambiente adequado, de um profissional qualificado que possa garantir a efetiva permanência deste aluno na escola com um ensino de qualidade, onde suas reais necessidades possam ser atendidas de forma a atingir os objetivos educacionais previstos de forma satisfatória, que reforcem formação do aluno-cidadão. O grupo social é o referencial a partir do qual o indivíduo cria e ajusta constantemente sua identidade pessoal. Esse ajuste é a própria essência do processo de socialização, que consiste em um acomodar das características do indivíduo aos padrões reconhecidos pelo grupo social.(GLAT, 1989: 15). Observa-se que o indivíduo manipula sistematicamente suas características pessoais para atender ao padrão, valorizado pelo grupo o qual interage através do relacionamento familiar que o indivíduo, desde o nascimento, aprende até que ponto é aceitável no mesmo mundo, que tipo de “concessões a fazer” e ajuda “necessita fazer”, assim como a qualidade das relações humanas que encontrará. O indivíduo busca a normalização para ser aceito como membro do grupo. O grupo espera determinado comportamento de um indivíduo, e este responde às expectativas do grupo. Quando é segregado do mesmo, escolherá outro grupo que o identifique e que seja por ele identificado.Assim encontramos os deficientes físicos, os negros, mulheres, pobres, e os portadores de TDHA. As pessoas estigmatizadas agem em função dos padrões de comportamentos esperados (os únicos que lhe foram ensinados), de acordo com o estereotipo específico, e como eles não se adequam a uma pré-moldagem, nem sempre são aceitos, ou quando aceitos não são trabalhados de forma a que suas necessidadessejam respeitadas e transformadas positivamente para seu crescimento individual. 9 O contexto escolar atual, principalmente nas escolas municipais que é a realidade a qual me reporto prova que a escola não sabe o que fazer com os alunos TDAH. A dificuldade inicia-se na demora na confirmação do diagnóstico, pois a precariedade dos sistemas de saúde em nosso país é gritante. A desinformação ou as “falsas informações” sobre o caso favorecem um acúmulo de dúvidas sobre o que fazer, onde fazer e como fazer com esse aluno. A prática docente, o comprometimento do professor com a tarefa de ensinar e promover a integração desses alunos ao grupo em que vivem pode-se destacar a cumplicidade que deveria envolver a relação entre a teoria e a prática, compreendendo que o avanço de uma enriquece a outra e vice-versa. Assim o trabalho adequado com as crianças portadoras de TDAH só acontece quando todos os envolvidos no processo acreditam e valoriza tanto o docente quanto o aluno.A ligação entre discurso e prática do professor enriquece as implicações do trabalho escolar. Não basta estudarmos os conceitos, diagnósticos ou fatores que caracterizem o aluno portador de TDAH. É necessário saber o que se faz com essa criança que está numa sala de aula que não oferece nenhum atrativo para ela, numa fileira onde à sua frente só é possível identificar várias cabeças, maiores do que a dela. Numa sala onde além dela, a professora precisa alfabetizar 30 alunos completamente diferentes entre si, alguns já naquela mesma turma por dois ou três anos... O professor sente-se incapaz, procura por ajuda, mas a ajuda não chega. Quando chega, o ano já está acabando, e o aluno está ali...todos os dias, olhando para ele.A busca de parceria junto aos responsáveis é fato praticamente utópico.O profissional capacitado para atuar diretamente com essa clientela não está na escola, está em algum pólo de atendimento ou em alguma clínica especializada que fica muito longe da realidade desses alunos.O que fazer então? Desistir? Jamais... 10 As dificuldades presentes, a credibilidade na criança TDAH e a formação profissional são pontos que fundamentam a ação educativa de qualidade.O professor tem papel fundamental no processo de aprendizagem e na saúde mental das crianças com TDAH. É fato também a complexidade e a dificuldade do trabalho do professor em sala de aula.Cada aluno tem sua necessidade, dificuldades e áreas de potencial. É difícil dar a atenção extremamente individualizada de que estas crianças muitas vezes necessitam, além disso, as escolas, especialmente as públicas, não dispõem de ambiente adequado a isso. A proposta de ensino da escola deixa pouco espaço para implementação de qualquer estratégia nova e mais flexível.Freqüentemente o professor recebe alunos provenientes de famílias em que as questões de limite não são adequadamente manejadas, confundindo a falta de limites com TDAH, o que agrava ainda mais o caso, pois geralmente os responsáveis não aceitam a fala do educador. Isso impõe ao professor uma dupla tarefa para cada criança, ou seja, ensinar e educar. São vidas que a cada ano ficam mais a margem de um processo educativo que privilegia as minorias em detrimento dos demais. São crianças que a cada ano ficam mais propensas a serem utilizadas pela sociedade que marginaliza e discrimina, não dando oportunidades de ao menos serem ouvidas. São crianças que sofrem com o descaso, que por falta de uma política efetiva são aprovados automaticamente até que percebem que de nada adiantou tal aprovação se os conceitos básicos de cidadania não foram construídos e então eles saem da escola. O estudo foi desenvolvido através de referências bibliográficas, exemplos do cotidiano escolar e através de minha própria experiência como educadora onde buscou-se esclarecer fatos em torno do TDAH que possibilitará a consideração de possíveis alternativas para um melhor atendimento a esta criança. Para tanto, no primeiro capítulo foi priorizada a definição a cerca do TDAH, bem como as principais características do portador, além da importância do diagnóstico adequado para que as intervenções necessárias com ou sem uso de medicação 11 possam ser feitas de maneira correta. Foram para isso utilizadas leituras da área de neurociências e principalmente com os autores ROHDE, & BENCZIK que detalhadamente caracterizam os tipos de TDAH, causas, conseqüências, diagnósticos e intervenções necessárias. No capítulo seguinte enfatizou-se a formação do professor que não acompanha a realidade atual e que devido a metodologias inadequadas acabam por fazer da escola um ambiente completamente despreparado para receber o portador de TDAH,onde autores como Philippe Perrenoud ,Elvira Lima e Marta Koll através dos comentários a cerca da obra de Vygotsky esclareceram pontos chave para a adequada formação do professor de forma a atender este aluno. A temática do terceiro capítulo ressalta a falta de apoio dos órgãos públicos no tratamento do portador de TDAH e a total falta de parceria junto à escola, onde a falta de profissionais tanto na área da saúde como a inclusão de alguns profissionais como psicopedagogo nas escolas , o que torna a situação ainda mais difícil, além do contraste do discurso sobre a educação de qualidade e da escola inclusiva. Finalmente considerações a respeito de como o professor deve assumir o lugar de pesquisador de forma a conscientizar-se que ele é o maior aliado do aluno portador de TDAH, onde novas estratégias de ensino e um esforço para a revisão das leis educacionais atuais possam favorecer integralmente a criança com TDAH, de forma a garantir efetivamente uma escola de qualidade para todos. 12 1. Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade: O que é? O Transtorno do Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDAH) é, considerado, atualmente, um dos transtornos psíquicos infantis mais estudados. Caracteriza-se essencialmente pela desatenção, hiperatividade e impulsividade na criança, que causam prejuízo no funcionamento familiar, social e escolar. Constitui-se num transtorno neurobiológico, multifatorial, que pode ser causado tanto por fatores genéticos, como ambientais.Pesquisas científicas indicam que a presença de uma disfunção na área do cérebro conhecida como córtex pré-frontal devido a uma alteração no funcionamento de um sistema de substâncias químicas chamadas neurotransmissores, principalmente a dopamina e a noradrenalina, que passam informações entre as células nervosas, chamadas neurônios. O córtex pré- frontal envia sinais inibitórios para outras áreas do cérebro, promovendo um certo equilíbrio aos estímulos vindos do meio ambiente de forma a facilitar a concentração. No caso do portador de TDAH, o córtex pré-frontal permanece hipoativo, não realizando o equilíbrio necessário e como resultado, os estímulos são recebidos em demasia, propiciando a inquietude e a distração. No entanto, de acordo com as leituras feitas, não há uma única teoria que comprove que apenas o córtex pré-frontal seja responsável pelo TDAH, visto que o cérebro é um órgão que possui partes interligadas. Assim outras áreas que possuam conexão com a região frontal podem não estar funcionando adequadamente, levando aos sintomas de TDAH, de onde se conclui que este transtorno poderá ocorrer em diferentes pontos interligados do cérebro. 13 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, julho 2003), podemos considerar três grupos de crianças portadoras de TDAH: ¾� Crianças que apresentamhiperatividade e desatenção (tipo combinado) ¾� Crianças que apresentam predominantemente a hiperatividade ¾� Crianças que apresentam predominantemente a desatenção. As crianças inclusas no terceiro grupo, por quase não chamarem a atenção de seus familiares ou de seus professores, geralmente são diagnosticadas tardiamente, prejudicando seu tratamento adequado. Mas é muito importante termo em mente que um “certo grau” de desatenção e hiperatividade ocorre normalmente nas pessoas, mas nem por isso elas devem ser diagnosticadas como portadoras de TDAH. Para isso os sintomas precisam ocorrer necessariamente na escola e em casa. Crianças com TDAH têm dificuldade de manter a atenção e o esforço durante períodos de tempo prolongados. Sua atenção tende a vagar e freqüentemente se desligam da tarefa, pensando ou fazendo coisas diferentes da tarefa a ser realizada. Freqüentemente essas crianças conseguem focar sua atenção em coisas que são bonitas, novas, altamente estimulantes, interessantes ou até mesmo assustadoras. Essas coisas estimulam o córtex pré-frontal, de modo que ela consiga focalizar sua atenção e se concentrar. Uma criança portadora do TDAH pode se sair muito bem em uma situação pessoal inusitada, e não conseguir terminar a sua simples tarefa de aula em sua sala com 30 alunos. Tais crianças têm dificuldade em ater-se em assuntos longos, rotineiros, cópias, lições de casa, etc, pois se constituí de uma opção nada desejada por elas, pois elas precisam de excitação e interesse para acionar suas funções do córtex pré-frontal. A criança com TDAH, em sua maioria, até sabem o que deveriam fazer, mas devido à inabilidade de controlar-se, geralmente não cumprem suas tarefas, agem 14 antes de pensar! Vale dizer que elas sabem que deveriam prestar atenção na aula, mas não prestam, levantam-se apesar de saberem que não deveriam levantar. O TDAH não afeta a inteligência da criança, mas a sua aprendizagem. Na maioria dos casos as crianças e adolescentes tem uma boa ou até mesmo excelente condição de aprendizagem, fato que se dissocia das produções escolares que chegam a ser medíocres, em muitas situações. Se for dados um exercício com uma seqüência de operações, muito possivelmente ela consiga fazer as duas primeiras e depois não veja as próximas, ou esqueça um sinal. Na leitura de um enunciado, ao chegar ao final não lembre do que leu e afirme não ter entendido, ou ainda, que esqueceu o que leu. Se for impulsivo, responde algo que lhe vem, na mente naquele momento. Em uma avaliação escrita, poderá responder às questões da página e entregar sem perceber que continuava na parte de trás da folha. Basta uma mosca passar pela janela que ele perde a sua concentração naquela estória que a professora contava. E quando a criança se dá conta, já fez o que prometeu não fazer, já perdeu a explicação que precisava tanto, já brigou, enfim, deu tudo errado novamente. O TDAH é reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde. Em alguns países, como nos Estados Unidos, portadores de TDAH são protegidos pela lei quanto a receberem tratamento diferenciado na escola.( Fonte: OMS, julho 2003). De acordo com Rohde & Benczik (1999: 39) uma criança apresenta desatenção, a ponto de ser considerado um transtorno, quando possui a maioria dos seguintes sintomas ocorrendo a maior parte do tempo em atividades: ¾� Freqüentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras; ¾� Com freqüência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades recreativas; 15 ¾�Com freqüência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais, não chegando ao final das tarefas; ¾�Freqüentemente tem dificuldade na organização de suas tarefas e atividades; ¾�Com freqüência evita, antipatiza ou reluta em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante(como tarefas escolares ou deveres de casa); ¾�Freqüentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades ¾�É facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa principal que está executando; ¾�Com freqüência apresenta esquecimento em atividades diárias. Os mesmos autores Rohde e Benczik (1999: 40) diagnosticam como portadora do transtorno de hiperatividade quando a maioria dos seguintes sintomas torna-se uma ocorrência constante em seu cotidiano: ¾�Freqüentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira ¾�Com freqüência abandona sua cadeira em sala de aula ou em outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; ¾�Freqüentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isso é inapropriado; ¾�Com freqüência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer ¾�Dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas ¾�Com freqüência tem dificuldade para aguardar sua vez 16 Os problemas na área afetivo-emocional geralmente estão associados ao insucesso escolar e à dificuldade de relacionamento com outras crianças já que possuem mais dificuldades em aguardar a sua vez e não resistem à intromissão freqüente em assuntos alheios. Daí a importância do diagnóstico correto, com profissional capacitado de forma a evitar que a criança fique estigmatizada desnecessariamente.Além do mais o diagnóstico impede que a criança fique durante anos com o desenvolvimento prejudicado na escola e na sua vida social, atrasado em relação aos outros colegas, nesta sociedade cada vez mais competitiva. O desinteresse em uma sala de aula pode decorrer em conseqüências de altas habilidades em comparação aos demais colegas de classe, de aulas tradicionais pouco atrativas, de traumas sofridos, de incompatibilidade com o professor ou com a escola, enfim outros fatores que não caracterizam necessariamente o TDAH. O tratamento adequado minimiza conseqüências futuras do problema, como a atração ao uso de drogas (muito freqüente em adolescentes), sintomas de depressão, alterações no humor e transtornos de conduta. O caminho até um profissional competente no TDAH muitas vezes leva meses ou até anos.Os rótulos inadequados, a dificuldade do professor e dos responsáveis em detectar o problema e o modismo atual das síndromes onde erroneamente profissionais desinformados atribui qualquer problema que, por ventura a criança possa apresentar em hiperatividade, fazem com que este caminho fique longo, onde se perde um precioso tempo durante o qual a criança é quem mais sofre as conseqüências, que não são poucas.Os meninos tendem a apresentar tal transtorno com mais freqüência, mas o que não faz do caso uma regra. O diagnóstico geralmente é feito por um neurologista ou neuropediatra, que recorre a exames mais elaborados e testes psicológicos para o acompanhamento adequado do tratamento, que poderá incluir algum tipo de medicação controlada.As medicações mais testadas em estudos e mais usadas em tratamento clínico são os chamados estimulantes, com a substância metilfenidato, no Brasil comercializado com 17 o nome de Ritalina. Outras substâncias como a nortriptilina e a imipramina tem sua eficácia pouco testada e quase não são utilizadas nestes casos.Essas medicações estimulam a função das áreas cerebrais responsáveis pelo comportamento inibitório, por isso tendem a estimular a seleção de estímulos que deixa de ser feita pelo córtex pré-frontal, devido à falta da dopamina ou da noradrenalina, aumentando a disponibilidade dos neurotransmissores deficitários nessa área. Mesmo assim a opção pelos estimulantes deve ser avaliada individualizadamente pelo neurologista responsávelpelo caso e é importante saber que os riscos do uso de uma medicação têm de ser comparados aos riscos da não utilização da mesma, em termos de conseqüências do transtorno na vida familiar, social e escolar do indivíduo. O uso de medicamentos em portadores de TDAH pode e deve ser visto como uma ferramenta a mais na busca de uma melhor qualidade de vida. O cérebro deste indivíduo pode ter seu funcionamento facilitado por meio da medicação, contribuindo para que o indivíduo vivo de maneira menos desgastante. Assim o uso de medicamentos costuma produzir resultados eficazes na grande maioria dos casos, contribuindo para uma considerável mudança na vida destas pessoas. Para que isso ocorra, é fundamental que se definam os sintomas causadores de maior desconforto, em cada caso ou situação, da forma mais objetiva possível. Definir o que se deseja melhorar no comportamento vital de um portador de TDAH é essencial na escolha mais adequada de um medicamento. O fundamental no tratamento da criança portadora de TDAH é o acompanhamento de sua família e de seus professores, formando uma parceria concreta de forma a transmitir mais segurança a essa criança que precisa de auxílio para reestruturar seu ambiente, reduzindo sua ansiedade. Os pais também sofrem muito com a angustia deste quadro e também precisam de ajuda para reconhecerem neste caso permissividade ou falta de limites, bem como as longas e saturadas punições de nada auxiliarão no desenvolvimento da criança. Ao invés disso um modelo claro e previsível de recompensas e punições, baseado em terapias comportamentais, e o respeito ao ritmo próprio da criança e suas limitações, ajudarão 18 e muito seu desenvolvimento, minimizando os estigmas aos quais as crianças portadoras de TDAH ficam vulneráveis. É fato que a avaliação é necessária para que se possa entender e atender com competência a criança com TDAH, no entanto não é raro a escola ou a família receber o diagnóstico e não saber o que fazer com ele. Não basta ter o diagnóstico em mãos, é necessário avaliar a situação sob o ponto de vista biológico, social e acadêmico. È importante destacar que o TDAH tende a perdurar ao longo da vida, ou seja, ela pode ser controlada, mas os adolescentes e adultos também sofrem as suas manifestações, principalmente se não forem tratadas. Assim o insucesso escolar fica vinculado à compreensão que se tem do papel da escola. Se o papel da escola for de construir conhecimentos com “todos” os alunos, certamente os profissionais desta escola procurarão formas de promover aprendizagens. A rigidez da escola poderá gerar, além do fracasso escolar e do sentimento de incapacidade, uma situação emocional desfavorável à aprendizagem, gerando baixa auto –estima e dificultando ainda mais a aprendizagem desta criança. Igualmente importante e, talvez até mais determinante, é a rigidez da família ao não aceitar seu filho como ele é e entender que cada um de nós tem suas dificuldades e pontos a serem superados. Uma família ou escola que tem uma criança com TDAH, não tem um problema, e sim uma situação para administrar. Respeitar e apoiar a criança em seus propósitos de desenvolver-se é fundamental. 19 II - O educador, sua formação e o contraste em sua realidade escolar. A discussão sobre a formação docente é antiga e, ao mesmo tempo, atual; antiga, pois, em toda a história da Educação tem sido questionada a maneira como são formados nossos professores; atual porque, nos últimos anos, a formação do professor tem se apresentado como fator principal das refeições sobre qualidade do ensino, evasão e reprovação; atual ainda, por seu significado de ampliação do universo cultural e científico daquele que ensina, dadas às necessidades e exigências culturais e tecnológicas da sociedade. As questões atuais mostram aos resultados nada animadores, destaca a angústia do educador e sua formação ao longo da história. Programas são definidos, cursos são desencadeados, conferências são proferidas, mas não se questiona para quem são dirigidos, quais as necessidades dos que deles participam, em que medida influencia os professores a quem são destinados e como são traduzidos posteriormente em ações concretas nas escolas, em que medida o sistema usufrui e se desenvolve em razão das atividades formativas dese4ncadeadas e, posteriormente, utilizadas. É importante, além de saber o que os docentes aprendem; verificar que condições eles têm em sua escola, para integrar o aprendido às suas práticas cotidianas. O entusiasmo e o interesse dos colegas de trabalho, as condições materiais e organizacionais da escola, a disponibilidade da direção da escola para as inovações são fatores que podem facilitar, dificultar ou mesmo impedir a inclusão de novas práticas em sala de aula, como conseqüência de sua formação. 20 Múltiplas são as possibilidades. As diferentes metodologias poderão originar resultados consistentes neste contexto, pensar, desenvolver e avaliar, no âmbito acadêmico ou não, propostas de formação docente significa um compromisso com uma educação que tenha como projeto à formação de profissionais capazes de articular competência técnica, cidadania e ética. No cotidiano educacional atual encontram-se docentes que não tiveram a preparação adequada para atuar. A formação inicial não tem propiciado, em boa parte dos casos, o desenvolvimento de habilidades e conhecimentos necessários para que o professor tenha uma atuação consciente e conseqüente em sala de aula. Para que esses aspectos necessários para atuar se desenvolvam, Esteves (1993: 41) considera que a formação inicial deve: ¾�“incluir formas de apoio e de orientação aos professores no início da carreira, no sentido de lhes facilitar a transição do período de formação para o emprego propriamente dito; ¾�prepará-los para responder aos desafios que o trabalho futuro na escola lhes colocará; ¾�dotá-los de meios que lhes permitam escolher os conhecimentos essenciais perante a massa informativa disponível; ¾�incidir num mínimo de conhecimentos relativos à investigação pedagógica, à informação e orientação, à educação intercultural, às novas tecnologias, ao ensino especial, aos direitos do homem e da democracia...”. Sem o preparo para atuar, o professor ingressa na carreira sem a noção da dinâmica de uma sala. No período inicial da carreira docente todo o referencial teórico aprendido na graduação é posto à prova. É nesta passagem da teoria para a prática é que em muitos momentos o jovem docente não consegue resolver os problemas que se apresentam no cotidiano escolar, sentindo dificuldade de transpor toda sua teoria 21 para a prática. E como agravante da situação, a sociedade atual faz com que este professor atue em duas ou mais escolas, dificultando seu trabalho, tanto no que se refere ao desgaste físico como também no tempo de preparo de suas atividades. A dificuldade em conduzir o processo de ensino-aprendizagem, considerando as etapas de desenvolvimento de seus alunos de acordo com as teorias aprendidas na formação e o conteúdo a ser desenvolvido pré-estabelecido por normas por vezes tão distantes de seu contexto, os problemas sociais e econômicos que o faz conviver com indisciplina, violência e até situações de risco, além dos alunos com necessidades especiais, alunos estes que talvez uma ou duas disciplinas teóricas ao longo de sua formação se propuseram a caracterizá-las superficialmente e que agora estão ali a sua frente a espera de respostas que ele não sabe ou não pode dar.Sem ter com quem compartilhar suas dúvidas, seus acertos e seus erros, o professor acaba apoiando sua prática emações que vivenciou na época de estudante, reproduzindo a prática de seus antigos professores, o que dificulta sua transformação na busca de uma atuação mais significativa e inovadora em sua atividade docente. A sala de aula é um ponto de encontro das diferentes histórias dos diferentes percursos, dos diferentes saberes. Mas é lá que começa o descompasso, de desencontro, quando as dificuldades de aprendizagem “e os problemas de comportamento”, distúrbios, síndromes e transtornos começam a aparecer. Observando a situação das séries iniciais das escolas, encontramos uma sala de aula com trinta e cinco alunos, onde muitos não cursaram a educação infantil. A agitação é geral, muitos são agressivos, não demonstram conhecimento específico sobre a linguagem escrita, mas revelam experiências com a escrita. É fato também, o problema sócio econômico como a higiene, saúde e as condições precárias da vida fora da escola que revelam as condições de trabalho na escola. Sem questionar tais condições de trabalho e de vida, no entanto, espera-se que a professora alfabetize a turma e que todos os alunos terminem o ano sabendo ler e escrever. A escola falha na sua tarefa pedagógica porque desconhece como lidar com a nova clientela que dela precisa. Os professores sobrecarregados e desinformados não 22 conseguem lidar com assuntos como TDAH e outros fatores que possam levar às dificuldades de aprendizagem com o número de alunos que cada turma possui, em torno de 30 a 35, é muito difícil o professor conseguir dar atenção individualizada e conseguir acompanhar de perto as dificuldades de cada um. As limitações impostas pelo TDAH, quando não é corretamente diagnosticada e tratada, atrapalha tanto a vida dos pais quando dos filhos. Chega-se ao cúmulo de não raramente o responsável receber um “sutil” convite para trocar a escola da criança. As crianças com TDAH não se adaptam às instituições de ensino tradicionais e que tenham um código disciplinar muito rígido.Na rede pública a situação é ainda mais grave. Lá, as crianças não possuem recursos para um tratamento como as da rede particular. Com a política da progressão continuada em que o aluno é aprovado automaticamente, mesmo que o aprendizado não tenha sido satisfatório, muitos alunos só têm os seus casos diagnosticado na quinta série e sequer sabem ler. Se a escola tratasse o portador de TDAH numa perspectiva Vygotskyana, veria que o diagnóstico tradicional tende a aumentar o que deve ser visto como processo neste aspecto, a deficiência fica cristalizada e a conseqüência do diagnóstico, orientado somente para a “falta” e para o “não”, estabelecendo limites para o desenvolvimento do sujeito. Ao contrário de Vygotsky que prioriza aquilo que o aluno sabe em detrimento do que ele não sabe e propõe alternativas para que essa criança atinja os objetivos propostos. Na perspectiva tradicional originam-se os resultados negativos na esfera educacional e social, ao invés disso, o diagnóstico deveria propiciar conhecimento sobre as possibilidades ou potencialidades de funcionamento, para assim, reverter às metas e constituir condições sociais de superação e formação de capacidades. Não há uma solução pronta para administrar o problema dos portadores de TDAH na sala de aula ou em casa.Pequenas mudanças na forma de lidar com eles ou no que se espera deles podem ser a diferença essencial em sua melhoria. A eficácia de qualquer tratamento vai depender do conhecimento e da persistência de quem lida com esse tipo de criança. 23 Algumas dicas são importantes para o trato com essas crianças: ¾�O melhor especialista para dizer como a criança aprende é a própria criança. É assustadora a freqüência com que suas opiniões são ignoradas ou não são solicitadas. ¾�Essas crianças necessitam de estruturação. Elas precisam estruturar o ambiente externo, já que não podem se estruturar por si mesmas. Elas necessitam de algo para fazê-las lembrar das coisas, de repetições, de diretrizes, de limites e organização. ¾�Elas necessitam de um apoio especial para encontrar prazer na sala de aula. Domínio ao invés de falhas e frustrações. É essencial prestar atenção às emoções envolvidas no processo de aprendizagem. ¾�Os fatores que possam levá-las à distração devem ser diminuídos. Elas precisam sentar-se em lugares calmos, próximos a um bom modelo. De preferência próximas ao professor. ¾�As crianças com TDAH precisam ouvir regras, diretrizes e orientações mais de uma vez. Se não conseguirem cumprir, volte e comece novamente. ¾�Olhe sempre nos olhos. Um olhar poderá tirar uma criança do seu devaneio ou dar-lhe liberdade para fazer uma pergunta ou apenas dar-lhe segurança silenciosamente. ¾�Limites deverão ser administrados com calma, nunca de modo punitivo. Longas discussões são apenas diversão. Aja com firmeza, mas nunca repreenda esta criança perante o grupo. ¾�Associe crítica a elogios, não esquecendo de reforçar cada pequena melhora, evitando chantagens, ameaças ou medos. Isso só iria desencadear mais 24 ansiedade e comportamentos cada vez mais renitentes. A negociação é sempre o melhor caminho. ¾�Preveja o máximo que puder. Prepare as mudanças com a maior antecedência possível. Avise o que vai acontecer e repita os avisos à medida que a hora for se aproximando. ¾�Propicie uma espécie de válvula de escape como, por exemplo, sair de sala de aula por alguns instantes, mas com tempo determinado. Se isto puder ser feito dentro das regras da escola, poderá permitir à criança “recarregar” suas baterias de atenção e ela voltará recarregada para prestar mais atenção novamente. ¾�Procure a qualidade ao invés de quantidade dos deveres de aula e de casa. Crianças com TDAH necessitam de uma carga reduzida, pois ficam entediadas rapidamente e acaba por não cumprir o esperado. Permita um tempo extra para o cumprimento das tarefas e provas. Dê uma tarefa de cada vez. ¾�Monitore o progresso freqüentemente. Crianças com TDAH se beneficiam muito com o retorno do seu resultado. Isto ajuda a mantê-las na linha, possibilita saber o que é esperado e se eles estão atingindo as suas metas, e pode ser muito encorajador. ¾�Divida as tarefas em tarefas menores. Mescle as tarefas ruins com as boas.Através da divisão de tarefas em tarefas mais simples, cada parte é mais fácil de ser trabalhada, e a criança foge da sensação de incapacidade.Assim o professor pode permitir à criança que demonstre a si mesma a sua capacidade e isto pode ajudar muito a evitar acessos de fúria pela frustração antecipada. ¾�Permita-se brincar, ser criativo. Crianças com TDAH adoram novidades. Elas respondem as novidades com entusiasmo, e isto as ajudam a manterem a atenção. 25 ¾�Esforce-se e não se dê por satisfeito, tanto quanto puder. Estas crianças convivem com o fracasso, e precisam de tudo de positivo que você puder oferecer. O fracasso não pode ser super – enfatizado;estas crianças precisam e se beneficiam com os elogios. Elas adoram o encorajamento. Elas absorvem e crescem com isto. Sem isto elas retrocedem e murcham.Alimente-as com encorajamento e elogios. O carinho deve ser associado aos limites. ¾�Tarefas mais difíceis devem ser dadas no início da aula, pois estão mais atentos e menos cansados. ¾�Simplifique as instruções. Simplifique a programação. O palavreado mais simples será mais facilmente compreendido. Use uma linguagem mais colorida, mais leve, menos formal. Assim como as cores, a linguagem colorida prende a atenção. ¾�Um sistema de recompensas é uma possibilidade de mudar o comportamento. Crianças com TDAH respondem muito mais às recompensas e incentivos. Possuímos áreas de recompensas cerebrais. Océrebro tende a perpetuar o que nos dá prazer, por isso a importância dos reforços positivos. ¾�Seja o reforço positivo ou negativo, faça acontecer logo depois que o comportamento aconteça. Esta é a melhor maneira de minimizar o fracasso ao relatar a conseqüência da atitude. ¾�Fique atenta a integração. Estas crianças precisam se sentir enturmadas, integradas. Assim sentir-se-ão motivadas e ficarão mais sintonizadas. ¾�Prepare-se para altos e baixos e trabalhe a mentira (estimular a falar a verdade, mesmo errando). Seja firme, com delicadeza. ¾�Experimente um caderno escola-casa-escola. Isto pode contribuir realmente para a comunicação pais-professores e evitar reuniões de crises. Isto ajuda ainda o freqüente retorno de informação que a criança precisa. 26 ¾�Lembre-se que essas crianças possuem atenção seletiva (atenção no que gosta) e por isso irá ter melhor desempenho em certas atividades, pois quando faz o que gosta ativa melhor certa área do cérebro conseqüentemente alcançando um desenvolvimento global melhor nesta hora. ¾�Exercícios físicos constituem-se num dos melhores tratamentos para este tipo de criança. Ginástica e esportes, principalmente os coletivos como futebol ajudam a liberar o excesso de energia, ajudam a concentrar a atenção, estimulam certos hormônios e neurônios que são benéficos ao seu quadro. ¾�Trabalhe a inclusão sempre. Se ele for tratado igual aos outros alunos irá prejudicar a si e aos outros sem resultados educacionais. Explique a turma que alguns alunos precisam de atendimentos diferenciados por necessidade, e que está agindo daquela maneira para que o aluno se concentre e conquiste ganhos educacionais, peça a turma para alerta-lo quando estiver sendo inconveniente e “puxar” por ele quando estiver desatento, mas tende dar o tratamento normal o máximo possível a fim de evitar a discriminação. ¾�Lembre-se que: esta criança se pudesse, certamente agiria diferente. 27 3. Política e Educação - Dois caminhos que não se encontram Vários fatores contribuem para a deficiência do ensino brasileiro, que vão desde a superlotação nas salas de aula e má remuneração dos professores até a crise financeira numa economia globalizada e os rotineiros cortes de verba no ensino público. Se associarmos esse panorama a uma criança que, freqüentando uma escola qualquer numa classe com cerca de 40 alunos, sofra também daquilo que classificamos como Transtorno do Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH), percebe-se então a gravidade da situação escolar nas séries iniciais. Na maioria das escolas, a criança em geral se torna um complicador a mais numa classe já tumultuada. E, provavelmente, não só deixará de receber atenção adequada, como também ficará à margem de todo processo pedagógico. Isto ocorre por uma série de motivos. Em primeiro lugar, notamos que a formação dos educadores brasileiros ainda é deficitária e, em função disso, a maioria deles não está preparada para diagnosticar e/ou encaminhar adequadamente as crianças com TDAH. Nem mesmo os pais estão culturalmente preparados para aceitar que seus filhos possam ter esse tipo de problema. Mas nos casos onde os pais aceitam procurar ajuda é que começa o drama, pois na maioria das vezes, não temos profissionais de saúde habilitados a fazer esse tipo diagnóstico e dar segmento eficaz principalmente na rede pública, pois nosso sistema de saúde, no que se refere ao atendimento neurológico infantil, ainda é precário, e insuficiente para atender a tantos casos de TDAH na rede. 28 Muitas vezes o diagnóstico pouco criterioso de TDAH serve como atenuante para alguma comodidade ou incapacidade da escola para lidar com processos e métodos de aprendizagem. Não é segredo que a maioria das escolas, principalmente as públicas está longe de cumprir sua tarefa de instruir e educar, envolvidas que estão por ditames políticos demagógicos, ou técnicos utilitaristas.Percebe-se, com certa facilidade, que algo está muito errado e que, nem sempre, o erro é exatamente das crianças. Apesar de estudos e teorias a respeito do TDAH, observa-se que na prática muito pouco é feito na escola, onde o transtorno fica mais evidenciado. Na rede particular seguem-se duas vertentes: uma ainda enraizada nos moldes tradicionais, com características conteudistas priorizando apenas os resultados, não possui a flexibilidade necessária para lidar com este tipo de criança e então após inúmeras idas e vindas da criança e do responsável aos diversos setores da escola, acaba muito sutilmente sugerindo ao responsável que ele procure outra escola; a outra vertente mostra uma escola tida como moderna, construtivista ou outras denominações similares que divulga uma metodologia baseada na formação integral do aluno, com uma série de atrativos modernos que uma escola possa oferecer e que certamente destina-se tanto quanto a outra escola citada anteriormente a uma clientela reduzida e elitizada. Nos dois exemplos a criança atendida nesta escola possui um meio favorável para que as conseqüências do TDAH sejam minimizadas. Médicos renomados, psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, atividades extras como esportes e lazer, estão ao alcance desta criança, o que se corretamente encaminhado favorecerá o seu aprendizado; mas apesar do discurso diferenciado, a necessidade do cumprimento de um programa, de avaliações bimestrais, de médias para aprovação continua sendo um fantasma para esta criança que justamente por possuir todas as oportunidades já descritas, “não podem” fracassar, porque a sociedade não está preparada para lidar com as diferenças e exatamente por pertencerem a uma classe privilegiada com diversas oportunidades, é duplamente “cobrado” por não atenderem aos anseios da família. Passam por diversas escolas, inúmeros especialistas e sofrem com isso. 29 Já na rede pública a situação chega a beira do caos. A criança com TDAH, passa por inúmeros rótulos até que o responsável encontra um neurologista para diagnosticar o caso. Daí por diante, todos as barreiras crescem ao redor desta criança. O Sistema Único de Saúde desprovido de profissionais adequados, de medicação de baixo custo ou gratuitos, a falta de acompanhamento familiar que ocorre nem sempre por negligência dos pais, a carência de escolas com recursos disponíveis, de turmas com número adequado de alunos, de profissionais que precisam de algo além da competência e do compromisso profissional, pois aquele aluno não é exclusividade dele, ele é de responsabilidade de toda rede pública que muito pouco faz por ele. E assim os anos passam, muitos ficam retidos por não conseguirem seguir o fluxo normal do cotidiano escolar, que também prega o discurso da valorização, do crescimento global, da escola ciclada, da inclusão, mas que lá no final da curva retém aqueles que saíram do padrão da normalidade como os portadores de TDAH. E assim, este aluno sofre tanto quanto o outro da rede particular que também não atendeu às exigências de uma sociedade que vergonhosamente exclui aqueles que fogem de um padrão pré-estabelecido por uma elite, que está longe da realidade do Brasil atual. O contraste do discurso sobre educação de qualidade e a falta de interesse do poder público fica explícito a cada estória de responsáveis e professores da rede pública que vêem os anos passarem e aquela criança ali, na mesma escola, vendo suas dificuldades aumentando, e com elas a sua exclusão do sistema escolar e a sua inclusão no grupo dos que não deram certo. A História mostra que mudanças no Brasil possuem um tempo próprio, e muito longo para acontecerem. Já em 1979, no México foi assinado por iniciativada UNESCO (relatório UNESCO, Espanha, 1995) o Projeto Principal de Educação, onde se buscava uma escola que atendesse à todos. Este projeto tinha por objetivo definir e adotar algumas medidas capazes de combatera elitização da escola nos países da América Latina. Outros documentos se sucederam, entre eles a Declaração de Salamanca assinada em 1994. Foi essa declaração que oficializou o termo inclusão no campo da educação. 30 A inspiração para o encontro em Salamanca, na Espanha, foi reafirmar o direito de todas as pessoas à educação, conforme a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. A Declaração de Salamanca é conseqüência de todo um processo em torno da igualdade em educação e uma educação de qualidade, onde Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência, assinado em 1993 e publicado em 1994, onde de acordo com estas normas, os estados são obrigados a garantir que a educação de pessoas com deficiência seja parte integrante do sistema educativo. Foi assim, com o objetivo de promover uma educação para todos, que se reuniram na Espanha, em junho de 1994, a convite do governo espanhol e da UNESCO, mais de 300 representantes de 92 governos e de 25 organizações internacionais. O Brasil, convidado oficialmente com todas as despesas pagas, não enviou um representante (relatório UNESCO, Espanha 1995). Apesar do interesse da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e do Desporto, a participação brasileira não se efetivou. Dessa conferência mundial saiu a Declaração de Salamanca. Por ela firma-se a urgência de ações que transformem em realidade uma educação capaz de reconhecer as diferenças, promover a aprendizagem e atender às necessidades de cada criança individualmente. A Declaração de Salamanca recomenda que as escolas se ajustem às necessidades dos alunos quaisquer que sejam suas condições físicas, sociais, e lingüísticas, incluindo aquelas que vivem nas ruas, as que trabalham, as nômades, as de minorias étnicas e sociais, além das que se desenvolvem à margem da sociedade. Mesmo não tendo participação efetiva na Conferência, o Brasil vem tentando adequar-se às exigências mundiais. Acontece que baseia-se o atendimento no princípio da normalização, utilizando a integração e a inclusão como sistemas organizacionais. Normalizar uma pessoa não significa torna-la normal. Significa dar a ela o direito de ser diferente e ter suas necessidades reconhecidas e atendidas pela sociedade. Na área da educação, normalizar é oferecer ao aluno com necessidades 31 especiais, recursos profissionais e institucionais adequados para que ele desenvolva seu potencial como estudante, pessoa e cidadão. No sistema educacional da inclusão cabe à escola se adaptar às necessidades dos alunos e não aos alunos se adaptarem ao modelo da escola. Daí parte a chave para o aprendizado não só dos portadores de Síndrome de Down, deficiência visual ou auditiva, dos comprometidos com paralisia cerebral ou qualquer outro tipo de paralisia, mas também com os nossos portadores de TDAH, que não chegam nem perto da prioridade para atendimento, das adequações curriculares, onde deveriam ser atendidos numa inclusão séria, num comprometimento com o desenvolvimento desta criança e de suas habilidades, encarando o problema como algo que precisa ser tratado, adequadamente, o quanto antes, pois a cada dia ele cresce em nossas escolas. Importante ressaltar que não há psicopedagogos na rede pública, pois nunca foi realizado um concurso público para o provimento deste cargo, o que é inaceitável na realidade escolar atual. Profissionais como psicólogos e fonoaudiólogos fazem parte do quadro de funcionários da saúde, e, portanto não podem ser desviados para o atendimento escolar. Os postos de saúde não atendem a demanda e a criança não é atendida. Os poucos lugares no Rio de Janeiro onde o atendimento aos portadores de TDAH é realizado gratuitamente como o GEDA (Grupo de Estudos de Déficit de Atenção) localizado no Instituto de Psiquiatria na UFRJ na Avenida Venceslau Brás em Botafogo e o grupo da Santa Casa da Misericórdia, coordenado pelo Dr Fábio Barbirato, estão com inscrições suspensas até o segundo semestre de 2005 (Santa Casa da Misericórdia, RJ, novembro/2004). Uma criança com poucos recursos financeiros não poderá aguardar meses ou até anos para conseguir uma consulta, que não garantirá a continuidade do tratamento, muitas vezes por conta da distância de sua residência e as despesas com transporte e medicação. Como o ano letivo não aguardou este retorno, pois o tempo não pára, foi mais um ano perdido. Para que, não só os alunos portadores de TDHA, como os demais que necessitam de uma escola que lhes proporcionem oportunidades iguais, não há outro caminho que não seja a conscientização dos órgãos governamentais para que novos 32 investimentos sejam feitos, na formação do educador, na inclusão de fonoaudiólogos, psicopedagogos e psicólogos no sistema educacional seja a nível federal, estadual ou municipal, pois a lentidão de todo este processo de mudança e inclusão é no mínimo criminosa, pois um ano perdido não se recupera. Os anos passam, mas a escola permanece inerte. Não acompanha às exigências da sociedade atual do país onde a miséria e a violência contribui para uma elitização dos mais favorecidos, que também não ficam imunes às conseqüências da falta de tratamento para o TDAH. Estuda-se Piaget, discursa-se sobre Vygotsky, mas deixam para o professor arcar sozinho com as adversidades de sua sala de aula. É um alento saber que a sede de mudança vem aumentando entre um grande número de profissionais, que procuram esclarecimentos, especializações como a psicopedagogia, mas frustra-se ao saber que não será reconhecido no sistema ao qual é vinculado. Sistema este, que exige o cumprimento de um currículo, num tempo que seu aluno não conseguirá alcançar se não for ajudado. 33 4. A escola e o professor Maiores aliados dos portadores de TDAH Diante de sucessivas buscas de como adequar a criança portadora de TDAH nas séries iniciais, pergunta-se: Qual é a escola apropriada para atender este aluno? E o que se pode entender por apropriado? Apropriada não é a escola que apenas aceita o aluno. Apropriada é a escola que tem condições para assumir um compromisso; que disponibiliza recursos de auxílio a alunos com dificuldades, que é receptiva ao projeto de parceria com os pais e com os profissionais responsáveis pelo acompanhamento do aluno; que investe na formação do seu corpo docente. Apropriada é a forma como a escola trabalha com o conhecimento, que respeita as diferenças individuais e que é capaz de avaliar um aluno pelos progressos que alcança e não só comparativamente com o restante do grupo. Entre o ensinante e o aprendente abre-se um campo de diferenças onde se situa o prazer de aprender. O ensinante entrega algo, mas para poder apropriar-se daquilo o aprendente necessita inventá-lo de novo. È uma experiência de alegria, que facilita ou perturba, conforme se posiciona o ensinante. Ensinantes são os pais, os irmãos, os tios, os a avós e demais integrantes da família, como também os professores e os companheiros na escola. (FERNANDEZ, A. 2001: 29) Desta forma, é interessante destacar que não apenas a criança sofre de um Transtorno, um Déficit ou uma Síndrome, mas também quem são os ensinantes dessa criança. Esse dado é fundamental para que se trace um plano de ação psicopedagógico que se estenda À família, à escola e aos outros profissionais que podem estar envolvidos no processo. Escolasque ou não conhecem o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e não parecem dispostas a conhecê-lo, e/ou negam sua existência, acreditando que “se ele fizer uma forcinha vai conseguir”, podem ser descartadas de imediato. Escolas que aceitam mais de 25 alunos por turma também. É preciso ficar 34 atento a este critério porque, às vezes, em algumas escolas particulares pouco confiáveis, as turmas têm poucos alunos por alguma circunstância como, por exemplo, a falta de procura por vagas. Saber quantos alunos com, dificuldades são aceitos por classe é muito importante, porque a presença de mais de 2 ou 3 alunos nestas condições, pode inviabilizar o trabalho do professor, que é em última e em primeira instância, a pessoa mais importante de todo o processo. Ele é o maior diferencial. È a atuação competente do professor que vai fazer toda a diferença. A escola que melhor atende as necessidades dos portadores de TDAH é aquela cuja preocupação maior está em desenvolver o potencial específico de cada aluno, em atender às suas características únicas, em perceber seus pontos fortes e tentar superar seus pontos fracos, porque eles irão precisar de apoio e intervenção acadêmica com mais intensidade. Treinamento e conhecimento sobre TDAH são essenciais para que os professores estejam conscientes que o problema é fisiológico e biológico por natureza. Essa criança não está deliberadamente tentando incomodar. Seu comportamento não é planejado para nos deixar louco. Essa conscientização ajuda a manter a paciência e a habilidade em lidar com comportamentos indesejáveis de uma maneira positiva. Conhecendo o Transtorno e as técnicas de manejo em sala de aula, o professor é capaz de provocar mudanças significativas na relação do aluno com a aprendizagem. Mobilizado, o aluno também utiliza-se de novos recursos que, muitas vezes, eram desconhecidos pelos próprios especialistas, para dar conta dos desafios em sala de aula, para que o professor sinta orgulho dele. Portanto, é o professor que deve ser preparado para conhecer e atuar de forma mais eficiente. È nele que devem ser feitos os investimentos tanto por parte da família quanto da escola e dos especialistas. Uma sala de aula eficiente para crianças com TDAH deve ser organizada e estruturada. A estrutura supõe regras claras, um programa previsível e carteiras separadas. Os prêmios devem ser coerentes e freqüentes. Um programa de reforço baseado em ganho e perda deve ser parte integral do trabalho da classe. A avaliação 35 do professor deve ser freqüente e imediata. Interrupções e pequenos incidentes tem menores conseqüências se ignorados. O material didático deve estar adequado à habilidade da criança. Estratégias cognitivas que facilitam a auto-correção, assim como melhoram o comportamento nas tarefas, devem ser ensinadas. As tarefas devem variar, mas continuar sendo interessantes para os alunos. Os horários de transição, bem como os intervalos e reuniões especiais, devem ser supervisionados.Os professores precisam estar atentos à qualidade de reforço negativo do seu comportamento. As expectativas devem ser adequadas ao nível de habilidade da criança e deve-se estar preparado para mudanças. Os professores devem ter conhecimento do conflito inabilidade X desobediência, e aprender a discriminar entre os dois tipos de problema. È preciso desenvolver um repertório de intervenções que deve ser desenvolvido para educar e melhorar as habilidades deficientes da criança com TDAH. Ajustar as expectativas familiares quanto ao rendimento acadêmico é outro aspecto a ser considerado para que as conquistas possam ser reconhecidas. O desempenho escolar do portador de TDAH é significativamente menor quando comparado a um grupo de estudantes da mesma idade e com o mesmo potencial intelectual. Quanto à retenção escolar são necessárias algumas considerações. Como ponto de partida, é preciso se questionar qual a função da repetência, Isto é, para que servirá. Se a metodologia de ensino for à mesma do ano anterior, não vai acrescentar nada ao aprendizado do aluno. Se por outro lado a escola acreditar que em um ano ele vai amadurecer e, por isso, debelar as características do TDAH, a retenção não passará de uma punição para aquela criança, que no mínimo, perderá o seu grupo de amigos, tão dificilmente conquistado. Mais do que resultados do boletim, acompanhar a vida escolar de uma criança portadora de TDAH, é acompanhar as ocorrências, as oscilações para poder analisa- las junto à escola e aos profissionais responsáveis pelo atendimento. Antes de partir para qualquer solução, antes de se desesperar, é importante que se defina qual é o problema com todos os seus contornos para promoção de alternativas que deverão 36 ser discutidas por todos. Só assim, a vida escolar desses estudantes poderá ser menos fragmentada, menos sofrida e causar menos danos à auto-estima.Todos temos capacidades e habilidades que precisam ser definidas e estimuladas. Ser intuitivo, criativo e entusiasmado podem ser características do portador de TDAH. Aproveita-las no projeto de ensino, através da adoção de diferentes estratégias, amplia as possibilidades de aprendizagem. Somente saber sobre a dificuldade não é suficiente para promover a ação educativa. Pode até servir de mais um argumento para a não – aprendizagem. O importante é identificar o estilo da aprendizagem, as competências, o caminho a seguir. È a partir daí que todo o processo educativo será direcionado. Portanto, a escolha de uma escola para esta criança deve atender às necessidades dela, necessidades estas que demandam da escola mais do que um simples acolhimento. Demandam serviços educacionais, investimento no professor, tempo para que os professores se reúnam e planejem adequadamente, turmas de tamanho adequado às necessidades e auxílio técnico apropriado. Não se trata de uma responsabilidade única da escola. Incluem todos aqueles que estão presentes na vida desse estudante, para que a inclusão seja bem sucedida. Não há regras pré-definidas. Há necessidades a serem atendidas desde que identificadas. O TDAH é reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde. Em alguns países, como nos Estados Unidos, portadores de TDAH são protegidos pela lei quanto a receberem tratamento diferenciado na escola. (OMS, julho 2003). O fator complicador a todo este discurso é que como no Brasil, o TDAH não possui amparo para tratamento diferenciado na lei, o sistema não se interesse em favorecer investimentos para um acompanhamento adequado a esta criança. Além da escola, outros profissionais precisam fazer parte deste elo, onde a criança será realmente ajudada. A rede pública de ensino não atende à necessidade de reduzir o número de alunos devido a grande procura por vagas, a rede particular vincula o lucro ao número de alunos matriculados e as poucas que possuem um número adequado de alunos para esta criança, apresenta custos onerosos muito distante da realidade da 37 maioria. Enquanto isso, o sistema público de saúde, agonizante, não dá conta nem dos casos mais complexos e emergenciais, que dirá de acompanhamento ao portador de TDAH. O desnível social proporciona as desigualdades de oportunidades e tratamento, e o que poderia ser tratado adequadamente, fica restrito a poucos e a maioria de nossas crianças permanece à margem do processo.Valorizar as diferenças dos alunos e ajudar a ressaltar seus pontos fortes. Propiciar muitas oportunidades para que eles possam demonstrar aos colegas aquilo que fazem bem. A profissionalização não avançará se não for deliberadamente estimulada por políticas concertadas que digamrespeito à formação dos professores, a seu contrato, à maneira como eles prestam conta de seu trabalho ao estatuto dos estabelecimentos e das equipes pedagógicas. Não avançará muito mais se essas políticas não encontrarem atitudes, projetos, investimento de pessoas ou grupos.( Perrenoud, 2000: 178) E assim os cursos de formação insistem em formar para educar aqueles que aprendem. Estratégias e intervenções para lidar com as complexidades deste aluno, ficaram como responsabilidade do professor que busca em todas as teorias que aprendeu na formação uma luz para na prática saber lidar com esta criança portadora de TDAH e que nas teorias estudadas apesar de em alguns casos encontrar um certo embasamento, ficam a mercê de toda problemática que o caso exige. Estratégias de ensino criativas, atraentes e interativas, que mantêm os alunos envolvidos e interagindo com seus colegas, são muito importantes. Todos os alunos precisam e merecem um currículo rico, motivador, que utilize variedade de métodos. O professor precisa ser capacitado em estratégias multisensoriais, aprendizagem participativa, estilos de aprendizagem ou na teoria das múltiplas inteligências, além de atualizar seu conhecimento para a sala de aula do presente. Não se deve esperar que os professores eduquem e trabalhem com essas crianças sem ajuda. É necessário um diagnóstico adequado. Com vários alunos portadores de TDAH, um tratamento médico é crucial para permitir seu funcionamento na escola. Os problemas sociais/comportamentais que eles freqüentemente apresentam pedem orientação adequada. 38 Faz-se necessário uma revisão na lei educacional, onde se possa instituir como função o psicopedagogo, ao nível de educação pública, contratado através de concurso público, para que ele possa atuar junto com o professor com o seu aluno portador de TDAH e de outras deficiências principalmente nas séries iniciais. O professor sozinho não possui meios e tempo disponíveis para fazer as intervenções necessárias aquela criança, de forma que não só a prejudique como também não prejudique os demais alunos da turma. A Psicopedagogia preocupa-se, portanto, como a criança aprende, daí a necessidade da inclusão deste profissional no quadro de funcionários da rede pública. È absurdo a forma omissa que a educação encara o número cada vez maior de alunos com necessidades especiais de diversas origens, além do portador de TDAH, e que nada de concreto acontece na grande maioria das escolas segregando essas crianças a um futuro não muito promissor pois além de sua dificuldade, ainda é obrigado a conviver com a omissão de uma sociedade injusta e demagoga. Contribuir para o crescimento dos processos da aprendizagem e auxiliar no que diz respeito a qualquer dificuldade em relação ao rendimento escolar, também é do âmbito da Psicopedagogia, bem como de educadores em geral. Ter conhecimento de como o aluno constrói seu conhecimento, compreender as dimensões das relações com a escola, com os professores, com o conteúdo e relacioná-los aos aspectos afetivos e cognitivos, permite uma atuação mais segura e eficiente. As dificuldades de aprendizagem como conseqüência do TDAH, tendem a agravar-se na medida em que não são diagnosticados precocemente. Assim a atuação da Psicopedagogia tem como base o pensar, a forma como a criança pensa e não propriamente o que aprende. Ter um olhar psicopedagógico de um processo de aprendizagem é buscar compreender como eles utilizam os elementos do seu sistema cognitivo e emocional para aprender. É também buscar compreender a relação do aluno com o conhecimento, a qual é permeada pela figura do professor e pela escola. A escola por muitos anos destacou o que o aluno não conseguia fazer, evidenciando suas dificuldades com as reprovações. Hoje, dentro da nova realidade, é 39 preciso que a escola respeite aquilo que o aluno não consegue fazer ou aquilo que ele leva um tempo maior do que os outros para realizar, porque isso é uma conseqüência de algo que ele não consegue dominar. Assim, o pedido é outro: é preciso conhecer o que o aluno faz, potencializando a sua aprendizagem. O pensar sobre aquilo que foi aprendido na formação do professor e os estilos utilizados na hora de ensinar é o que pode impulsionar o caminho da mudança mais efetiva e competente em educação. 40 CONCLUSÃO Ao longo deste estudo a respeito sobre crianças portadoras de TDAH ficou comprovado que este é um distúrbio neuro-comportamental, que vem merecendo estudos e pesquisas no mundo inteiro. Este transtorno continua sendo um dos transtornos menos conhecidos por profissionais da área da educação e mesmo entre os profissionais de saúde, o que de acordo com a precária situação social, principalmente das crianças matriculadas nas escolas públicas, atrasa e prejudica consideravelmente o tratamento desta criança que como conseqüência apresenta sérios problemas na escola, prejudicando o seu aprendizado. De acordo com o descrito no capítulo 1, o TDAH caracteriza-se essencialmente pela desatenção, hiperatividade e impulsividade na criança, que causam prejuízo no funcionamento familiar, social e escolar. È um distúrbio químico que apresenta uma disfunção na área do cérebro conhecida como córtex pré-frontal devido a uma alteração no funcionamento de um sistema de substâncias chamadas neurotransmissores. No caso do portador de TDAH, o córtex pré-frontal permanece hipoativo, não realizando o equilíbrio necessário e como resultado, os estímulos são recebidos em demasia, propiciando a inquietude e a distração.Para os alunos portadores de algum tipo de deficiência, Vygotsky (apud. Marta Kohl,1993:28) afirmou que “A educação para estas crianças deveria se basear na organização especial de suas funções e em suas características mais positivas, ao invés de se basear em seus aspectos mais deficitários”. Daí a necessidade do profundo conhecimento por parte do educador, das fases do desenvolvimento mental da criança e suas adversidades, propondo estratégias educacionais que possam atender a alunos portadores de TDHA de forma que a escola represente mais um espaço de aquisição de conhecimentos e não um espaço onde o aluno fica a margem do processo educativo.Não devemos reduzir as possibilidades deste aluno, mas num processo de interação constante 41 descobrirmos as suas “vias de acesso” à constituição de conhecimentos e valores, para que se possibilite seu aprender, sem que previamente determinemos até onde terá condições de caminhar. Assim o trabalho com esta criança principalmente nas séries iniciais, onde o transtorno fica mais evidenciado, requer do professor um compromisso ético com o desenvolvimento daquele aluno, que ao invés de ser rotulado como incapaz, deveria ser acompanhado mais de perto, com novas práticas, onde a escola proporcionasse a ele um ambiente prazeroso e não a primeira porta para sua exclusão. A falta de parceria junto aos órgãos governamentais, onde as Universidades continuam formando professores que mal estão preparados para atuarem com crianças que não apresentam nenhum distúrbio aparente e consequentemente espera- se que não apresentarão problemas ao longo de sua vida escolar, e que ao chegarem na sala de aula deparam-se com uma realidade totalmente diferente do que lhe foi passado na formação. Turmas numerosas nas escolas públicas, profissionais tradicionais nas escolas particulares, necessidade de cumprimento de um currículo que não atende a este aluno com TDAH, e que é prejudicado pela fragilidade e falta de transparência de um sistema que continua atendendoa poucos em detrimento de muitos. Conforme visto nos capítulos 2 e 3 a criança portadora de TDAH, necessita de intervenções adequadas, acompanhamento médico, psicológico e psicopedagógico para que o seu quadro venha a apresentar êxito a médio e em longo prazo. Não se pode esperar de um portador de TDAH, respostas precisas em curto prazo. È um caminho longo o aluno, o professor, a escola e sua família precisam percorrer juntos, onde a cada tropeço um certamente apoiará o outro para que as conquistas não se percam ao longo do trajeto. A falta de habilidade e conhecimento para lidar com a criança portadora de TDAH, a falta de parceria e acompanhamento de outros profissionais que possam auxiliar aos professores a traçarem qual melhor caminho a seguir, investindo nas capacidades de cada um ao invés da prioridade às deficiências, o respeito ao ritmo 42 individual e a valorização de sua “bagagem cultural” que certamente facilitará todo o trabalho do educador que estará embasado em políticas educacionais que possibilitem a real inclusão não só dos portadores de TDHA como aqueles que possuem outras necessidades ainda mais complexas. O aluno é incluído quando ele é aceito, quando ele faz parte de todo um processo, quando ele acompanha aquilo que a escola tem para oferece-lo e não quando ele faz parte de um quadro quantitativo que é utilizado em diversas situações, menos naquela que privilegia o verdadeiro sentido de educação. O Sistema Educacional urge por mudanças. O perfil da sociedade atual , onde o ambiente também favorece o surgimento de novas síndromes e distúrbios, precisam ser levados em conta de forma real e precisa. A escola não pode ficar a mercê da desinformação, e do “coquetel de métodos e teorias” que não atendem aqueles que estão entrando para a vida escolar. Também a generalização do TDAH, onde quando mal diagnosticado pode encobrir um carência de limites por parte da família, ou o excesso de medicação por muitas vezes desnecessária ou em dosagens não ideais, só servem para agravar o fato,onde de uma forma ou de outra esta criança ficará estigmatizada. A criança portadora de TDAH necessita de um olhar carinhoso e especial. Ela precisa ser aceita com suas particularidades em seu grupo, e jamais deverá ficar no fundo da sala a espera do término do ano letivo, onde o professor irá comunicar a seu responsável, que infelizmente não foi possível aprová-lo. É um crime não buscar mudanças que possam ajudar aqueles que precisam. Esta criança não aceita na escola, certamente buscará mais tarde um outro grupo que certamente a aceitará e assim a sociedade vai aumentando as suas estatísticas quanto ao número de delinqüentes, analfabetos e dependentes de drogas. “Educar, exige reflexão crítica sobre a prática” (Paulo Freire, 1996:42) e enquanto educadores, não podem fugir a responsabilidade que temos no sentido buscarmos práticas pedagógicas eficientes para que possamos atender a esta clientela que cresce a cada dia em nossas escolas. A inclusão de profissionais como 43 psicólogos e psicopedagogos em todas as escolas, auxiliariam o professor e o seu aluno portador de TDAH, realizando as intervenções necessárias junto ao aluno e a família, construindo juntos caminhos possíveis para se chegar lá. Confirma-se então a hipótese que a escola precisa ajustar-se às transformações da sociedade, incluindo crianças em seus diferentes aspectos, habilidades e competências, onde o educador adequadamente formado e atualizado verá seus alunos pelas possibilidades e não pelas limitações, realizando um trabalho criativo, inteligente, contextualizado apesar das dificuldades que possam surgir. Políticas educacionais voltadas para o real crescimento do aluno, proporcionarão novas estratégias e parcerias para o ensino. A relação entre a teoria e a prática auxiliará o professor a realizar seu trabalho, atendendo aos reais interesses de crianças tão especiais, que estão além do nosso tempo e conhecimento. Sugiro maior aprofundamento nos estudos relativos a neurobiologia, pois estes constituem-se de grande valia para o profissional que sente a necessidade de atualização e a busca de novos caminhos. A Neurobiologia auxiliará este profissional no entendimento de determinadas causas e conseqüências de inúmeras disfunções que surgem no cotidiano escolar. Outra sugestão pertinente é o estudo sobre a Legislação Educacional Brasileira dentro dos diferentes contextos históricos, onde raramente o aluno constitui-se em prioridade sem que houvesse interesses obscuros em seus diferentes discursos. Estudos relativos ao perfil daquele que se propõe a ser um educador, também se constituí de uma boa sugestão que irá pontuar ao longo do tempo, quem são estes profissionais e por quais motivos escolheram a educação como profissão, se foi por vocação ou por ser um dos caminhos mais fáceis para se obter um emprego ou um diploma. Assim talvez seja possível encontrar mais respostas que sejam consistentes e coerentes com triste quadro da educação brasileira. Enquanto mãe de portador de TDAH percebe-se a necessidade deste estudo, pois se vê bem de perto, o que o estigma, a escola inadequada, o diagnóstico tardio e a não aceitação no grupo prejudicaram meu filho no passado, o que hoje, graças ao 44 elo formado com minha família, amigos, estudos, busca por profissionais competentes e atualizados na área, a inclusão numa escola pública e de qualidade onde apesar de toda carência que a própria estrutura a obriga, o compromisso é o que rege a rotina desta escola, e o encontro com um profissional que escolheu sua profissão por vocação e amor, está conseguindo reverter este quadro, a passos pequenos, mas com grandes vitórias, que fez com que esta criança acreditasse em sua capacidade e principalmente tivesse a certeza de que é muito amada por todos nós. 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTOS, F, Bueno, M. Tudo sobre Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade. 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