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Ascite: Causas e Fisiopatologia

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Clínica Médica I: AULA 15 04/03/2018 – M5 
Professora Renata de Freitas
ASCITE
Introdução
Definição: “acúmulo de líquido na cavidade peritoneal, banha todos os órgãos intraperitoneais – fígado, baço, alças intestinais”.
Causas:
Hepatopatia crônica: cirrose – principal causa
Carcinomatose peritoneal: implantes metastáticos dentro do peritônio. São provenientes de outros órgãos como ovário, útero, pulmão, mama, e são metástases angiogênicas que produzem proteínas, interleucina, fator de necrose tumoral, linfa em alguns casos, citocinas, gerando um processo inflamatório dentro da cavidade abdominal.
Tuberculose: uma tuberculose pulmonar pode fazer disseminação hematogênia. No caso da disseminação intestinal, o bacilo pode ser deglutido e esse acessa o ílio terminal, onde temos as placas de Peyer, entra pelo espaço porta na absorção contaminando a cavidade abdominal. 
Insuficiência cardíaca descompensada: paciente em anasarca 
Síndrome nefrótica: hipoalbuminemia – perda de mais de 3,5g de albumina na urina, reduzindo a pressão oncótica e causando transudação de líquido para um terceiro espaço. 
Serosite imunológica: LES (reação inflamatória em pleura, vísceras – aumento da permeabilidade vascular nessas estruturas, gerando inflamação).
Síndrome de Budd Chiari: funciona como uma insuficiência cardíaca descompensada – obstrução da veia hepática, entre o fígado e o coração.
Pancreatite aguda: pâncreas é muito destruído, amilase e lipase caem dentro da cavidade abdominal gerando um processor inflamatório. 
Importância 
50% dos pacientes com cirrose desenvolverão ascite em 10 anos – doença crônica. O paciente que tem ascite é terminal, dessa forma já devemos pensar em transplante. 
50% dos pacientes com ascite morrerão em 2 anos
É indicador de mau prognóstico
Fisiopatologia da ascite na cirrose
Teoria da vasodilatação periférica
Há uma obstrução dentro da tríade portal, causando uma hipertensão porta nesse paciente. Quando ocorre a distensão da veia porta, há liberação de óxido nítrico pelas próprias células dessa veia e essa substância é um vasodilatador. Se temos um sistema com muita pressão, faz-se a dilatação para ocorrer redução da pressão interna. Isso é fisiológico, no sentido de compensar a pressão dentro do sistema porta e isso levará a uma vasodilatação esplâncnina na região de mesentério. Quando se faz essa vasodilatação, a PA sofre uma pequena redução. Numa fase inicial, nos primeiros 5 anos, esse processo é crônico – o doente não melhorou da cirrose e isso continua acontecendo por anos. No início a PA cai e o mecanismo compensatório inicial é o aumento da FC, para se aumentar o DC para tentar sustentar uma boa PA sem qualquer sintomatologia. Nos primeiros 10 anos o paciente não sente nada – ausência de palpitação, cansaço, entre outros.
Essa vasodilatação vai chegando a uma proporção que o ON mesmo dilatando não vai conseguir manter a vasodilatação. Todo cirrótico já com ascite tem pressão baixa – numa faixa 110x60mmHg/110x50mmHg. Se o paciente era hipertenso, deixa de ser e não precisa mais tomar todos aqueles medicamentos (quadro de hipotensão). O paciente deixa de sustentar a pressão e o próximo mecanismo a ser ativado é SRAA. Uma pressão mais baixa chega até o glomérulo, na região justaglomerular levando à ativação da renina. Essa renina terá como função a ativação do angiotensinogênio, produzido pelo fígado, em angiotensina I. essa substância é transformada em angiotensina II, no pulmão, pela ECA. A angiotensina II ativa a aldosterona que vai captar sódio e água no túbulo renal. O ADH será liberado pelo hipotálamo, que vai absorver água no túbulo contorcido distal. A angiotensina II também tem uma forte função vasoconstritora. O objetivo da ativação do SRAA é aumentar o volume intraplasmático. Quando se reabsorve muita água e sódio, devemos lembrar que não há muita albumina presente no plasma do cirrótico (fase tardia) pois a produção está escassa. A albumina segura o líquido dentro do vaso, mas nesse caso essa água vai para o terceiro espaço: cavidade abdominal, virando ascite. A ascite do cirrótico tem muita água e pouca proteína. Quando a água é passada para o terceiro espaço, o intravascular diminui e sua pressão cai – é um ciclo, absorve-se água e ela passa para o terceiro espaço, por isso o doente é hipotenso e taquicárdico. A ascite só vai aumentando.
No tratamento do paciente com ascite, deve-se bloquear a aldosterona – diurético poupador de potássio. 
Devemos sempre investigar a causa da ascite, se é por hipertensão porta ou por outra causa. No caso de uma mulher com câncer de ovário com muitas metástases para a cavidade abdominal, com muita produção de proteína, inflamação, células angiogênicas, a ascite será rica em proteínas. Essa proteína acaba puxando a água para fora do vaso, pois causa alterações na permeabilidade dos vasos que irrigam o peritônio. Não adianta ficar usando diuréticos nesse caso, pois o SRAA não se encontra ativado. ASCITE = PARACENTESE, para se investigar o conteúdo do líquido. 
Diagnóstico clínico
Macicez de decúbito – volume > 1,5 
Sinal de Piparote – volume
Exames complementares
Ascite em fases iniciais podem não ser notadas pelo exame físico, por isso devemos fazer exames de imagem. 
USG abdominal: a partir de 100 ml
TC abdominal: procura da causa – neoplasia, cirrose, pancreatite 
RNM abdominal
Estudo do liquido ascético
Aspecto:
Amarelo citrino: cirrose com ausência de infecção – líquido com muita água e pouca proteína
Hemorrágico: pode ter havido acometimento de algum vaso (se for isso, o sangue na seringa irá coagular pois há presença de fatores de coagulação), quando não é no vaso não ocorre coagulação. As possibilidades de líquido hemorrágico é neoplasia e em alguns casos pode ser tuberculose. 
Turvo: infecção bacteriana ou fúngica (não há infecção viral dentro da cavidade abdominal). 
Leitoso: tuberculose e linfoma – presença de quilomícron/triglicerídeo. Nesse caso há obstrução do ducto torácico, com extravasamento de linfa. 
Bioquímica:
Amilase: suspeita de pancreatite aguda – ascite pancreática. Nesse caso, pensaríamos em uma pancreatite com fístula pancreática para dentro da cavidade drenando amilase. 
Glicose: é esperado que esteja semelhante a glicose sérica – equilíbrio do meio. Se for muito diferente da glicose sérica, suspeitamos de tuberculose. O bacilo consome a glicose. 
Nesse caso da tuberculose encontramos um líquido turvo com pouca glicose e celularidade com polimorfonucleares.
Albumina: muito importante dosar, é o componente mais importante. Gradiente albumina sérica e albumina do líquido ascítico: é uma subtração – 1.1 (marcador comum). Um gradiente maior que 1.1, pensa-se em hepatopatia crônica pois há pouca proteína no líquido ascítico. Caso contrário (gradiente menor que 1.1), o problema encontra-se na cavidade abdominal, ou seja, há muita inflamação/metástase. É crucial no diagnóstico da etiologia da ascite, principalmente relacionada à hipertensão portal. 
Desidrogenase lática: está presente em qualquer célula, participando de várias reações bioquímicas. Quando essa enzima está aumentada no sangue, houve apoptose/morte celular – casos de leucemias, linfomas, tumores, necroses. Quando presente no líquido ascítico, houve morte celular na cavidade abdominal, podendo ser causada principalmente por neoplasias (principalmente) ou infecções graves. 
Quilomícron: líquido leitoso 
BAAR (bacilo álcool ácido resistente): paciente com suspeita clínica de tuberculose 
Adenosina Deaminase (ADA): enzima que participa da formação das cadeias dos aminoácidos. Os linfócitos quando ativados, liberam grandes quantidades dessa enzima no meio circulante (líquido pleural, sangue, plasma). Nesse caso, suspeita-se de tuberculose. Tem uma boa positividade, com sensibilidade de 80-90%.
Gram e cultura: se suspeitamos que o líquido está turvo, pedimosPesquisa de células neoplásicas: procura de adenocarcinoma, linfoma, espinocelular, entre outros. 
Celularidade:
Total e específica
PMN (polimorfonucleares): infecção bacteriana
MN (mononucleares): tuberculose e câncer 
É definido que acima de 250 células por mm3 considera-se uma peritonite – líquido turvo ou hemorrágico. 
Peritonite Bacteriana Espontânea
Realiza-se a coleta do líquido ascítico e observa-se a presença de >250 polimorfonucleares. Temos um paciente cirrótico, que não tinha nenhuma queixa e de repente começa a apresentar febre, dor abdominal, perda de apetite, pequeno crescimento do seu abdome, desorientação, queixa-se de cansaço. Ao procurar o pronto-socorro, faz-se a punção e observa-se a presença de polimornucleares (>250) no seu líquido ascítico. Dizemos então que esse paciente tem uma PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA. Fazemos o cultivo do líquido.
Presença de >250 polimorfonucleares no líquido ascítico
Cultura do liquido ascítico positivo
Principal agente etiológico (na cirrose) é a E. coli – essa bactéria é absorvida no íleo e posteriormente penetra no sistema porta, e será filtrada no fígado pelas células de Kupfer – macrófago. Quando o sangue é jogado na supra-hepática, cairá na cava e é um sangue limpo, livre de bactérias. No entanto, o fígado cirrótico está obstruído e a filtração não acontece, pois além disso a veia porta encontra-se distendida – muita circulação colateral. A veia porta ainda tem uma estase vascular e dessa forma as bactérias translocam para o líquido ascítico, levando a uma autoinfecção (o próprio paciente não consegue se proteger). Então, há um translocamento das bactérias do intestino para o vaso e do vaso para o líquido ascítico. Não houve nenhum outro fator além desse, como apendicite, diverticulite (causas inflamatórias que poderiam infectar o líquido – peritonite bacteriana secundária). 
Ausência de patologias inflamatórias/infecciosas intra-abdominais 
Líquido turvo
Tratamento com antibióticos para esterilização do líquido – pode haver reinfecção. 
O paciente cirrótico NÃO deve estar/ficar constipado: deve defecar todos os dias, pois caso contrário há oportunidade para translocação bacteriana. Pacientes terminais são mais propensos à peritonite bacteriana espontânea. Probióticos têm sido usados para serem colocadas boas bactérias no intestino, a fim de reduzir a translocação. Quanto menos células de Kupfer, menos defesa dentro do fígado e maiores as chances de infecção. A melhor forma de evitar a PBE é fazendo o paciente evacuar todos os dias e usando probióticos. 
Diagnóstico diferencial:
Gradiente albumina sérica – albumina liquido ascítico > 1.1 = Hipertensão Porta
Contagem de polimorfonucleares acima de 250 células por mm3 = Peritonite espontânea
Contagem de linfócitos acima de 250 células por mm3, GASA < 1.1, ADA + = Tuberculose 
Amilase presente = Fístula pancreática
LDH presente = neoplasia ou tuberculose 
GASA
A dosagem do GASA é crucial no diagnóstico da etiologia da ascite, principalmente relacionada à hipertensão portal
GASA é a diferença entre a albumina do soro e a albumina da ascite, por isso deve ser colhido simultaneamente
GASA 1.1
Hipertensão portal
HP sinusoidal (cirrose hepática): proteína < 3
HP pós-sinusoidal (insuficiência cardíaca): > 3 – aumenton da pressão hidrostática, com passagem apenas de líquido 
Cirrose 
Hepatite alcóolica
Trombose da veia porta
Síndrome de Budd-Chiari
Metástases hepáticas
GASA 1.1
Doença peritoneal: carcinomatose (depois de ascite, é muito comum), tuberculose
Síndrome nefrótica: pouca proteína no sangue, com toda uma clínica relacionada 
Ascite pancreática
Ascite biliar: bile na cavidade abdominal – muito cáustica (o paciente apresenta muita dor)
Serosite: LES
Quando há muita metástase dentro do fígado, mesmo que não haja cirrose, há destruição das células hepáticas: há insuficiência hepática. 
Paracentese
Cuidados para a paracentese: ambiente estéril (não precisa ser em centro cirúrgico), campo, luva, gaze. É necessário tomar cuidado pois pode ser introduzida através da agulha, uma bactéria da pele. Num exame de imagem, procuramos a ascite (preta) entre o fígado e o gradil costal – o fígado normalmente fica colado no gradil costal. 
Depois de ser colhido, o líquido é colocado em diversos tubos para a realização dos exames. Não são todos os casos que se pode realizar paracentese em pacientes cirróticos, pois já podem ter distúrbios de coagulação. Se ele tiver um INR entre 1.5-1.9 (acima 1.9 não se deve fazer em hipótese alguma), pode ser feita, mas com muita cautela. Se o tempo de pró-trombina estiver em torno de 24-40% também não deve ser feito – nos diz que o paciente tem distúrbio de coagulação e se um vaso for atingido ele ficará sangrando sem parar. O paciente cirrótico tem deficiência dos fatores de coagulação ligados à vitamina K, então tem um TAP alargado e INR também alargado. Antes de realizar qualquer paracentese, não podemos esquecer de pedir TAP com INR – é o primeiro fator que nos impede de realizar uma paracentese. Um outro fator é a plaquetopenia abaixo de 50.000, a menos que se realize uma transfusão de plaqueta quase no momento da realização do exame – as plaquetas se destroem rapidamente e de 8-12h após as plaquetas transfundidas já não serão mais úteis. Entre 50.000 e 100.000 fazemos com um pouco mais de cuidado, se for imprescindível. Fazemos a transfusão de plaquetas e depois fazemos o exame. 
Quando realizamos uma paracentese, mesmo com todos os cuidados, há uma chance de sangramento de algum vaso do peritônio muito pequena, mas existe. O plasma fresco é usado para repor os fatores de coagulação: se o paciente tem INR alto/alargado e precisamos muito da paracentese, faz-se o plasma fresco na véspera – de rotina não é feito. 
COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA: uma alteração catastrófica da coagulação em que há total desequilíbrio entre coagulação e fibrinólise, havendo sangramento por todos os lugares (enterorragia, SNC, gengiva, urina). O cirrótico perde esse equilíbrio, podendo desenvolver esse distúrbio. Nem todo INR aumentando leva a esse quadro. No caso desse distúrbio, tanto a via intrínseca como extrínseca alteradas. Normalmente acontece quando o paciente está em sepse. O tratamento é anticoagulante – o paciente consumiu todos os fatores de coagulação dentro da circulação então ele faz trombose e fibrinólise o tempo todo. Diagnóstico é clínico e laboratorial. 
CONTRAINDICAÇÕES FORMAIS: se o paciente tem um cordão varicoso na parede, fugimos dessa região, assim como locais em que há inflamação na parede – fugimos de locais com alteração da coagulação. 
CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS: gravidez – gestante com cirosse: ascite (não é tão incomum). É necessário observar, primeiramente, se há outros métodos que levem ao mesmo objetivo pois quando a paracentese é realizada nesse caso, o parto pode ser induzido. 
Hepatomegalia e esplenomegalia: muito cuidado ao realizar o procedimento, que deverá ser guiadado por um USG. 
Síndrome de obstrução intestinal: também deve ser guiado por um USG, evitando perfuração de alça. 
Aderências: nesse caso, a ascite fica septada e a paracentese deve ser guiada também por um USG para não haver perfuração de nenhuma alça. 
MATERIAIS: gaze, seringa, luva, máscara, campo fenestrado, xilocaína (para anestesiar) sem vasoconstritor. Jelko de 14-16 onde são feitas fenestrações de ambos os lados: aumento da superfície de contato do líquido com o próprio cateter. 
Não podemos esquecer do consentimento assertivo: autorização do paciente, pois é um procedimento que possui riscos (perfuração, sangramentos). 
LOCAIS: infraumbilical e nas regiões inferiores ao flanco – na região inguinal. Não deve ser feita no meio, pois é onde passa a artéria epigástrica (fugimos do reto abdominal). Fugimos também do ceco – pode ter localizações diferentes de paciente para paciente. 
PROCEDIMENTO
Primeiramente faz-se a localização da loja
Preparação: realiza-se a antissepsia e assepsia
Coloca-se o campo fenestradoAnestesia local com xilocaína sem vasoconstritor: atinge o peritônio – normalmente quando fazemos a anestesia sempre vamos um pouco além para sabermos que estamos na cavidade abdominal. Pode voltar líquido ascítico na seringa e a partir disso sabemos mais ou menos a distância existente entre a pele e a cavidade (quanto do jelko deve ser penetrado). 
Penetração do Jelko: devemos deslocar a pele um pouco para baixo e introduzimos a agulha a 90 graus. Dessa forma os orifícios de entrada e de saída ficarão em níveis diferentes, reduzindo as chances de extravasamento. Tiramos a parte cortante e deixamos apenas a parte de plástico
Colhe-se o líquido: fazemos uma adaptação – coloca-se o equipo de soro e põe em sifonagem. São colocados em vidros para análise. 
Curativo 
Devemos sempre aferir a pressão do paciente (antes, durante e depois), pois se houver drenagem de mais de 5 litros num paciente com cirrose, pode haver alguma alteração causando hipovolemia – descompensação cardiovascular. 
COMPLICAÇÕES
Infecção do sítio de punção, hematoma na região ou vazamento – são as complicações mais prevalentes. Pode haver sangramento, trauma orgânico ou acometimento da epigástrica. 
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