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8 questões para pensar as torcidas organizadas de futebol
Bernardo Borges Buarque de Hollanda 
Há razão que explique a violência nas torcidas?
Fenômeno complexo e multifacetado, não se pode falar em uma única razão para a violência nas torcidas. Para refletir sobre essa questão, é preciso ponderar que existe uma dimensão da violência na sociedade que se reflete no futebol, nos estádios e nas torcidas – um truísmo que os próprios torcedores costumam repetir –, pois estas últimas arregimentam grupos sociais, cujos valores e padrões de comportamento estão também presentes na sociedade.
Existe outra dimensão da violência nas torcidas que pode ser associada à particularidade do futebol como prática esportiva profissional, de alto rendimento, regida por critérios agonísticos de disputa, de emulação e de competição entre duas partes contendoras, que estabelece a assimetria de vencedores e perdedores. A violência torcedora mimetiza parte desse âgon hierarquizador e constitutivo do profissionalismo futebolístico.
A partir dessas duas fontes de proveniência, o fenômeno da violência – física e simbólica, social e estrutural – se autonomiza, se dissemina e adquire uma lógica própria entre as centenas de agrupamentos e de associações de torcidas organizadas. Estas, como se sabe, são predominantemente masculinas e juvenis, em alguns casos compostas por milhares de associados, distribuídos por sua vez em boa parte dos bairros e das zonas urbanas das grandes cidades brasileiras. Uma torcida como a Gaviões da Fiel, por exemplo, conta formalmente com 100 mil associados, dos quais 10 mil são sócios ativos, que viajam nas caravanas, pagam mensalidade, frequentam festas na quadra e votam a cada dois anos nas eleições diretas do grêmio.
Como diferenciar os grupos violentos dos demais que querem apenas ver o jogo e comemorar ou reclamar do resultado do time?
Esse é um grande desafio quando se pensam estratégias de combate à violência. Grosso modo, os grandes clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro têm cerca de 6 torcidas organizadas por time. Estas torcidas podem ser consideradas de grande porte (uma por clube), de médio porte (duas por clube) e de pequeno porte (três por clube). Quanto às pequenas, é menos frequente haver propensão à violência, embora muitas vezes se veem instadas, por força das circunstâncias, a tanto. Entre as médias, pode haver, mas deve-se estudar caso a caso. O problema reside nas grandes torcidas, pois o crescimento dificulta a identificação dos potenciais violentos. Segundo o sociólogo Maurício Murad, de 5 a 7% dos torcedores organizados dessas grandes torcidas são de fato perigosos, embora o dado nos parece de difícil mensuração generalizável. O importante da estatística é que ela nos informa ser uma minoria, não uma maioria, a que realmente requer cautela e preocupação, devendo ser contida e combatida sob a égide da repressão. Conforme o levantamento estatístico que fizemos no Rio e em São Paulo no ano de 2014 e 2015, esse número aumentou, mas ainda assim deve-se investigar e banir os violentos individualmente, e não generalizar de maneira indiscriminada, como se tem feito mais recentemente no Brasil.
Qual é o perfil dessas torcidas violentas?
O grande crescimento de algumas torcidas – em geral, uma por clube, como dito acima – fez com que a divisão interna se ramificasse nos bairros e na periferia. Assim, mesmo que o núcleo central da torcida tente conter comportamentos vandálicos ou beligerantes, é comum que essa dispersão territorial favoreça atos violentos, pois não há como supervisionar todo o território e todas as subdivisões internas. Este é o maior desafio contemporâneo: criar mecanismos de inteligência que investiguem os confrontos premeditados por subgrupos que ocorrem longe do local de realização dos jogos. 
Como se dá a associação delas com o narcotráfico e grupos do crime organizado? 
Esse ponto também não deve ser generalizado nem superestimado. Como entidades associativas populares, tais como Escolas de Samba e Associações de Moradores, há casos em que, por contágio e proximidade territorial, absorvem-se indivíduos com vínculos com os grupos acima citados. O ambiente juvenil também é fator a ser considerado, mostrando que não se trata de elemento estrutural nem essencial tampouco exclusivo às TOs, mas um dado conjuntural e circunstancial. No caso das torcidas, que reúnem largos contingentes juvenis, isso é, pois, quase inevitável no contexto da vida urbana atual. Para endossar nosso ponto de vista: seria um acinte macular a imagem das torcidas sob esse viés, pois são ações pontuais que refletem o meio social, e não relações estruturais inerentes a tais grupos.
As organizadas dos clubes de São Paulo se uniram em homenagem à Chapecoense. Em encontro inédito, as torcidas de Santos, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Portuguesa e Santo André tremularam juntas as suas bandeiras na Praça Charles Miller. Foto: Fábio Soares/Futebol de Campo.
Como essas torcidas se sustentam?
Até período recente, e ainda hoje, variando caso a caso, há apoio da direção dos clubes às torcidas, sob a forma logística, como a organização de caravanas e a cota de ingressos. No passado, estes eram ora doados ora custeados parcialmente, com pagamento de meia-entrada, por exemplo. Hoje, com a transformação das arenas e o encarecimento dos ingressos, essa ajuda se reduziu de maneira substantiva, embora não tenha desaparecido de todo, já que as torcidas são partes componentes da micropolítica interna dos clubes.
Além disso, a vigilância da opinião pública e os casos de violência fizeram com que parte dos dirigentes de clube tenham modificado sua relação com as torcidas, como, por exemplo, foi o caso da experiência de Paulo Nobre, à frente do Palmeiras, ou de Bebeto de Freitas, à frente do Botafogo, décadas atrás. Hoje, muitas torcidas têm potenciais condições de autonomia para se custear, arrecadando dinheiro com as viagens, com as festas e com a venda de material da torcida – adesivos, roupa e demais adereços. No caso de São Paulo, há ainda a atividade desenvolvida no Carnaval, que provê recursos da prefeitura de São Paulo e das empresas patrocinadoras da festa carnavalesca. 
Há algum paralelo que possamos traçar entre os torcedores no Brasil e os de outros países, como Inglaterra, Alemanha, França?
Esse é um tema importante, pois as torcidas são um fenômeno global na atualidade, existentes em todos os países e quadrantes que adotaram a prática do futebol profissional. Caracterizam-se em âmbito internacional como subgrupos juvenis, muitos deles vinculados, direta ou indiretamente, à contracultura, com a marca da rebeldia dos jovens de final dos anos 1960, e à problemática da violência urbana. Assim, há semelhanças e diferenças estruturais em diversos países do mundo, com a característica mais evidente da agressividade masculina e da afirmação identitária em detrimento, menosprezo ou até aniquilamento do ‘outro’, que pode ser tanto o grupo rival quanto o clube oponente. Em termos históricos, as torcidas propagaram-se a partir dos anos 1960, tendo por base três matrizes: os hooligans ingleses, os ultras italianos e as barras argentinas.
Entre todas as medidas propostas até agora para combater a violência, quais foram eficientes?
Temos duas experiências básicas adotadas para lidar com o fenômeno: uma, oriunda da Inglaterra, a partir do Taylor Report, redigido após as tragédias de Heysel (1985) e de Hillsborough (1989). A estratégia adotada pelas autoridades inglesas foi a reformulação integral da arquitetura dos estádios, seguindo o princípio dos all-seated, para conter deslocamentos de massa no interior das arenas. Junto a isto, somou-se a tecnologia de segurança, com câmeras de monitoramento para detectar infratores; o encarecimento exponencial dos ingressos, para dificultar a entrada das classes populares e das chamadas “classes perigosas”; e, por fim, os programas de fidelização, como o sócio torcedor no Brasil, que permite o cadastro dos frequentadores.
Essa experiência britânicaficou associada a estratégias de elitização, de repressão e de exclusão dos estádios e vem sendo adotada mais recentemente no Brasil. Outra experiência é a alemã, que desde os anos 1980, adotou a via preventiva e repressiva, por meio do chamado “Fan Project”. Na Alemanha, desenvolveram-se programas de assistência social e de acompanhamento pedagógico constante das torcidas, dentro e fora dos estádios, tanto em dias de jogo quanto no dia a dia de suas atividades.
Os alemães estimulam aspectos positivos das torcidas, com a “festa” e a “cultura” das arquibancadas, a exemplo dos mosaicos e da pirotecnia feita em determinados setores das tribunas. O espaço físico atrás dos gols foi preservado para as torcidas, sem a presença de cadeiras, o que torna mais atraente a aglutinação dos torcedores e sua gesticulação corporal e visual. Assim, os alemães propõem políticas públicas, em que os agentes do Estado e da sociedade colocam-se como mediadores entre a torcida e a política, para arbitrar e minimizar os conflitos. Tal modelo vem sendo incorporado, ainda que parcial e limitadamente, na Colômbia, mediante o programa Goles en Paz.
Existe algum tipo de ranking que hierarquize as principais torcidas organizadas no Brasil?
Há diversos rankings feitos por jornalistas esportivos e pelos próprios torcedores organizados, com divulgação encontrável nas redes sociais. É evidente que isto depende do critério a ser adotado: tamanho e grau de importância (quantitativo e qualitativo); história do agrupamento (tempo de existência); organização e capacidade de promover a “festa nos estádios”; reputação associada a brigas (graus de violência). Estes, pode-se dizer, são alguns dos critérios norteadores e, levando esse conjunto de itens em conta, eu tenderia a listar as seguintes associações, com a consciência dos seus limites e de sua arbitrária seletividade:
Gaviões da Fiel (Corinthians)
Mancha Verde (Palmeiras)
Independente (São Paulo)
Torcida Jovem (Santos)
Raça Rubro-Negra (Flamengo)
Força Jovem (Vasco)
Young-Flu (Fluminense)
Fúria Jovem (Botafogo)
Galoucura (Atlético Mineiro)
Máfia Azul (Cruzeiro)
Geral do Grêmio
Guarda Popular (Internacional)