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FAEL Curitiba 2014 Pesquisa e Prática Pedagógica Ana Cristina Gipiela Pienta Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 Pienta, Ana Cristina Gipiela P614p Pesquisa e prática pedagógica / Ana Cristina Gipiela Pienta. – Curitiba: Fael, 2014. 1x p.; x cm.; il. ISBN 978-85-60531-05-9 1. Prática pedagógica 2. Prática de ensino I.Título CDD 370.733 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Projeto Gráfico Sandro Niemicz Diagramação Katia Cristina Santos Mendes Capa Katia Cristina Santos Mendes Fotos da Capa Shutterstock Agradecimentos Aos meus alunos, que desde 1995, contribuem para minha formação profissional e pessoal. À professora Luciana De Luca, sempre presente e compreen- siva e muito competente em tudo que faz. Obrigada por acreditar em mim e em meu trabalho. À Faculdade Educacional da Lapa – FAEL, pelos nove anos de parceria e incentivo ao meu trabalho. Dedicatória Aos homens especiais: Francisco Pedro Paulo Lorival Com todo meu amor – 6 – Pesquisa e Prática Pedagógica Sumário 1 Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica | 11 2 Importância dos materiais e recursos didáticos na prática pedagógica atual | 41 3 Observação da prática pedagógica | 81 4 Sugestão e orientação de uso de materiais e recursos didáticos | 91 Referências | 131 Prefácio Entrego esse livro a vocês, acadêmicos e futuros educadores, com muito orgulho de tê-lo escrito (deixando um pouco a modéstia de lado). Início, afirmando isso, porque, ao produzir esse livro, fiz um grande apanhado em minhas memórias de professora de edu- cação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental (e lá se vão 19 anos desde que iniciei minha trajetória, aos 18 anos, como “professora concursada”). Todas as sugestões que estão apresentadas no livro fizeram parte de minha prática como professora, e senti-me orgulhosa ao puxar pela lembrança situações e momentos vividos que foram muito significativos e gratificantes. Justifico, ainda, a legitimidade desse material para professores em formação, tomando como base uma pesquisa que realizei há alguns anos sobre professores em início de carreira, a qual teve como resultado minha dissertação de Mestrado. Por ocasião da pesquisa, – 10 – Pesquisa e Prática Pedagógica entrevistei diversas professoras que estavam iniciando sua carreira no magisté- rio, e todas, sem exceção, relatavam suas inseguranças e a constante sensação de despreparo. Em suas análises, as professoras atribuíam as dificuldades à distância entre a formação acadêmica e a realidade da atuação do professor. Chamou-me a atenção o relato de uma professora que me disse que precisava de exemplos de práticas, não para reproduzi-los fielmente, mas para partir daquilo e desencadear seu próprio processo. Acredito, portanto, que esse livro poderá trazer essas orientações para os futuros professores, situações cotidia- nas, concretas, das quais eles poderão lançar mão em sua prática docente. Boa leitura, bom estudo, boas práticas! Seus alunos agradecerão sempre. Ana Cristina 1 Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica Historicamente, possuir um certo conhecimento formal era assumir a capacidade de ensiná-lo. Embora não se discuta que essa característica histórica seja necessária, atualmente, o domínio do conteúdo é insuficiente, uma vez que a profissão docente deixou de ser responsável, apenas, pela pura transmissão do conhecimento acadêmico, assumindo, portanto, importante papel na criação de espaços de participação, reflexão e formação dos educandos. O conhecimento do professor não é meramente acadêmico, racional, feito de fatos, noções e teorias, como, também, não é um conhecimento feito só de experiências. É um saber que consiste em gerir a informação disponível e adequá-la, estrategicamente, ao con- texto. É um saber agir em situação. – 12 – Pesquisa e Prática Pedagógica Esta nova abordagem exige do educador um repensar da prática peda- gógica, questionando-se se ela está atingindo todos os seus educandos, se a sua linguagem está adaptada à realidade do aluno. Freire (1997) afirma que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção, sendo o educador levado a perceber sua dimen- são do discente pois, ao formar, também se forma. O professor precisa conscientizar-se de que está em constante desenvol- vimento intelectual e que é isso que vai alimentar a sua prática e dar suporte para poder acompanhar a evolução tecnológica emergente. Isso é necessá- rio para que escola e sociedade andem juntas na formação dos profissionais. Segundo Freire: “por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (1997, p. 39). Para atender às exigências e aos desafios da sociedade moderna, as prá- ticas de formação de professores devem gerar reflexão sobre os conteúdos da escolaridade no sentido de possibilitar a transformação da compreensão sobre o vivido, oportunizando a construção de conhecimentos significativos, que se reorganizam na relação entre os conceitos cotidianos e científicos. Gadotti afirma que: O educador que se pretende formar para o próximo milênio, deverá ter consciência e atuar em favor de um planeta saudável onde todos possam viver com qualidade e em harmonia universal com todos os seres com os quais compartilhamos a terra (2000, p. 111). A formação do professor da sociedade atual deve torná-lo capaz de ultra- passar as visões clássicas que o situam no espaço restrito da sala de aula, para reconhecer-se, multidimensionalmente, como homem/cidadão/profissional, inserido e em ação na sociedade de seu tempo. 1.1 Educação em tempo de novos paradigmas Ao observarmos as transformações que vêm ocorrendo na sociedade contemporânea, percebemos que estas implicam diretamente na educação. Hoje, o conhecimento passou a ser considerado elemento fundamental para – 13 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica a produção de riquezas e na geração de qualidade de vida para os indivíduos, o que exige mudanças significativas nos modelos educacionais, pois as práti- cas pedagógicas desenvolvidas pelos professores, muitas vezes, não têm dado conta de atender aos desafios que o atual momento exige. A sociedade do conhecimento, também chamada de sociedade apren- dente, requer uma leitura diferenciada do mundo em que se vive. Isso, evi- dentemente, exige uma postura de desprendimento de velhos conceitos e velhas linguagens, dos paradigmas e práticas pedagógicas. Nas palavras de Veiga (2007, p. 60): [...] têm surgido cada vez mais críticas ao paradigma clássico e, junto, a possibilidade de outros paradigmas que ainda estão se construindo. São os chamados paradigmas emergentes, que abrem o caminho para a transdisciplinaridade que se opõe ao característico isolamento disciplinar do paradigma clássico. Nesse mesmo contexto, cabe destacar que pensar em educação, segundo Behrens (2000, p. 17): “[...] implica em refletir sobre os paradigmas que caracterizaram o século XX e sobre a projeção das mudanças paradigmáticas necessárias para o século XXI.” Ao tratar da prática pedagógica dos professores, Behrens (2000, p. 17) aponta que: “de maneira geral, os professores têm mantido uma ação docente assentada em pressupostos do paradigma conservador, que sofre forte influência do pensamento newtoniano-cartesiano”. Embora a autora não considere isso um problema, pois essepensamento constitui-se na evolução do pensamento humano. Para explicar sua afirmativa, Behrens destaca, ainda, que o processo pedagógico na atual conjuntura educacional assume duas dimensões: [...] uma assentada no paradigma newtoniano-cartesiano, que caracterizou um ensino fragmentado e conservador, que tem como foco central a reprodução do conhecimento. A prática pedagógica influenciada por esta visão conservadora caracterizou o paradigma tradicional, o paradigma escolanovista e o paradigma tecnicista. A outra dimensão, caracterizada como inovadora, tem como eixo central a produção do conhecimento. Designada como paradigma emergente [...] propondo uma ciência que supera a fragmentação em busca do todo e que contemple as conexões, o contexto e as inter-relações dos sistemas que integram o planeta (BEHRENS, 2000, p. 14). – 14 – Pesquisa e Prática Pedagógica Há que se admitir que o paradigma tradicional permanece vivo no cenário escolar brasileiro, caracterizado por uma postura pedagógica que valoriza demasiadamente um ensino humanístico e da cultura geral, em que o conhecimento advém dos grandes feitos realizados pela humanidade. A educação por esse enfoque desloca-se da realidade de mundo do educando, que passa a visualizá-la de forma idealizada, sem, contudo, entendê-la como aplicável ao seu cotidiano. Paradigma significa modelo, é a representação de um padrão a ser seguido. Segundo Kuhn (1970), paradigma é uma constelação de crenças comungadas por um grupo, ou seja, o conjunto das teorias, dos valores e das técnicas de pesquisa de determinada comunidade científica Como alternativa de superação de um modelo educacional mais conservador, os escolanovistas visaram reagir ao paradigma tradicional centrando as suas bases pedagógicas na biologia e na psicologia, como forma de romper com o humanismo e defender um pensamento cientificista. Reflita Quando falamos de um paradigma newtoniano-cartesiano, nos referimos a um pensamento baseado nas teorias de Isaac Newton e René Descartes, que falam de um mundo mecâ- nico, em que a natureza funciona como um relógio, o tempo é linear e o espaço tridimensional, ou seja, teorias que defen- dem que a natureza e todos os fenômenos podem ser meca- nicamente explicados. O aluno, então visto como sujeito do processo ensino-aprendizagem, adquire autonomia sobre a sua própria aprendizagem, o papel do professor – 15 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica passa a ser o de facilitador. Embora houvesse uma tendência de implementação nos estabelecimentos de ensino, os professores continuaram mantendo uma postura tradicional, por falta de conhecimento metodológico e de equipamentos adequados à prática de ensino científico. Por outro lado, esse movimento não se descaracterizou, pois contribuiu para o enriquecimento dos conteúdos científicos. O rompimento com os paradigmas conservadores, desencadeado pelo movimento da Escola Nova, deflagrou a necessidade de uma nova compreensão sobre o conhecimento. De acordo com Aranha, o ideal escolanovista resultou da tentativa de superar a escola tradicional – “excessivamente rígida, magistrocêntrica e volta da para a memorização dos conteúdos” (2006, p. 246) –, na busca por uma escola mais realista, que se adequasse ao mundo em constante transformação. Saiba mais O filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859- 1952) foi, sem dúvida, um dos nomes mais marcantes na divul- gação dos princípios da Escola Nova. Marcado pelos efeitos da Revolução Industrial e pelo ideal da democracia, Dewey queria preparar o aluno para a sociedade do desenvolvimento tecno- lógico e formar o cidadão para a convivência democrática. Seus mais notórios seguidores e difusores do ideário escolanovista foram William Kilpatrick, Maria Montessori, Ovide Decroly e Celestin Freinet; Tentando superar o viés estritamente intelectualista do paradigma tradicional, surgem outros paradigmas, com mais ênfase nos processos do conhecimento sob diferentes enfoques do que no produto final. Destacamos, aqui, os pressupostos da visão holística, da abordagem progressista e do ensino com pesquisa no cerne de um “paradigma emergente”, adequado às necessidades da produção de conhecimento da sociedade pós-moderna. – 16 – Pesquisa e Prática Pedagógica Em respeito a isso, Behrens (2000, p. 61) defende “uma aliança entre os pressupostos da visão holística, da abordagem progressista, do ensino com pesquisa e produção do conhecimento”. Para a autora, essas abordagens se expressam de forma interconectada e, por isso, podem contribuir significativamente no exercício da prática pedagógica. Complementando esse conceito, a visão holística enfatiza a superação do conhecimento fragmentado e lança o desafio de resgatar o ser humano em sua totalidade. O pressuposto holístico requer um constante diálogo com o mundo e com a vida, bem como um posicionamento diferente diante desses, visualiza uma formação sistêmica e plena, cujo conhecimento se dá de forma gradativa e integral. Busca-se aqui superar o conhecimento fragmentado, propondo o resgate do ser humano em sua totalidade. Contemplam-se práticas pedagógicas interativas, promotoras do senso crítico, ético e transformador das realidades sociais presentes na contemporaneidade. Holístico, na natureza da palavra que vem do grego holos, pode ser compreendido como todo ou por inteiro. E é assim que se entende o “paradigma holístico”, o estudo do todo, dentro de uma metodologia humanista e natural. Na abordagem progressista, o centro da ação consiste em pressupostos teóricos voltados ao diálogo e à discussão coletiva como elementos propulsores de uma aprendizagem significativa. Destaca-se, assim, uma parceria e participação crítica e reflexiva entre alunos e professores, no sentido de desenvolver atividades que possam contribuir para a produção do conhecimento. Ainda, possibilita estabelecer o intercâmbio entre sujeito e objeto a serem conhecidos e busca a formação do homem real, concreto, situado no tempo e no espaço, conforme declara Mizukami (1986, p. 87): “O homem é um ser que possui raízes espaço-temporais: é um ser situado no e com o mundo.” Mediante essa compreensão, a prática do ensino com pesquisa passa a ser considerada como uma possibilidade que permite ir além da imitação dos conhecimentos já produzidos, ampliando a autonomia, o espírito – 17 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica investigativo e a criatividade. Desperta, também, uma prática pedagógica capaz de dar conta dos desafios da sociedade moderna. Desse modo, fica evidenciado que, para formar cidadãos criativos, inovadores, capazes de enfrentar as novas situações do mundo contemporâneo, é necessário uma educação inovadora, com profissionais preparados. Gadotti (1997, p. 33) declara que, diante da crise paradigmática que atinge a escola, “esta deve se perguntar sobre si mesma sobre qual é seu papel numa sociedade caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e cultura e do pluralismo político”. Isso requer uma redefinição do papel da escola, da formação do professor e do próprio conhecimento mediante uma sociedade cada vez mais interconectada e influenciada pelas novas tecnologias. Para Stahl (2001, p. 299), “as exigências feitas à educação pela era da informação constituem-se também em grandes e específicos desafios para os professores”, destaca-se aqui a necessidade de entendermos a ordem social dessa nova era da informação, exigente de habilidades que nem sempre são desenvolvidas durante o processo de formação profissional. Assim, vale destacar que a aquisição do conhecimento propiciada pelas novas tecnologias implica numa prática diferenciada. Segundo Libâneo (1998, p.52), “há uma exigência visível de mudança da identidade profissional e nas formas de trabalho dos professores”, o que significa dizer que a formação de profissionais que atendam às exigências do mundo contemporâneo requer, necessariamente, uma formação de qualidade dos professores. A sociedade atual, profundamente exigente, encontra-se marcada por dilemas sociais, políticos, econômicos e de sentido da própria existência, que forjam admitir que educar é interagir, conhecer juntos, constituir-se sujeito político e socialmente emancipado. São essas inquietações contemporâneas que requerem a construção de uma prática pedagógica permeada por condutas inovadoras, descor- tinando novos caminhos e sentidos para as ações pedagógicas no campo da aprendizagem. Para tanto, há a necessidade de se compreender que o aprender é um processo contínuo e complexo. O ser humano deve ser considerado como – 18 – Pesquisa e Prática Pedagógica sujeito ativo na construção do conhecimento, e que esse aprender somente se dá a partir da ação do sujeito sobre a realidade. Diante desse quadro de mudanças no campo educacional e profissional, Brunner (apud TEDESCO, 2004, p. 17) contribui significativamente na reflexão ao destacar que: A educação vive um momento revolucionário, carregado, por isso mesmo, de esperanças e incertezas. Isso se manifesta claramente na aproximação entre educação e novas tecno- logias da informação e da comunicação [...] existe hoje um verdadeiro fervilhar de conceitos e iniciativas, de políticas e práticas [...] as esperanças se misturam com as frustrações, as utopias, com as realidades. Por conseguinte na medida em que ocorrem rápidas e profundas modificações no mundo contemporâneo, a educação se encontra em permanente tensão. Isso contribui para ampliar as possibilidades de conhecimento em uma sociedade marcada pela forte presença da informação e da tecnologia cada vez mais sofisticada. Nesse contexto, e de acordo com Brunner (apud TEDESCO, 2004, p. 34), “[...] a educação é mais do que apenas a transmissão de conhecimentos e a aquisição de competências valorizadas no mercado, envolve valores, forja o caráter”. Isso porque o sujeito não é um mero depositário de conhecimentos, ele pensa e reage a cada nova situação que se lhe apresenta e estabelece relações humanas e sociais capazes de gerar novas formas de interação entre os sujeitos. Em outra perspectiva, Delors oferece uma visão prospectiva de uma educação voltada para o desenvolvimento de competências, afirmando que: Não basta que cada qual acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que se possa abastecer indefinidamente. É, antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enri- quecer esses conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança. Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais, que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os ins- trumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder – 19 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as ati- vidades humanas; aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (2001, p. 89-90). Depreende-se, portanto, da necessidade de construir caminhos para os professores se apropriarem criticamente de novas práticas. E isso requer incentivo à autonomia individual, à solidariedade, espírito científico, condições consideradas essenciais para o desenvolvimento humano integral, entendendo que o conhecimento não é constituído de verdades estáticas, mas em uma dimensão processual dinâmica, que acompanha a vida humana e serve como guia da ação dos sujeitos. O sistema educacional vê-se, assim, confrontado com requisitos cada vez mais elevados ao nível da criatividade, da aplicação e disseminação da informação, da transferência e adaptação de conhecimentos a novas situações socialmente relevantes e exigentes. Portanto, a preparação para responder a tais exigências coloca a educação, em todos os níveis e modalidades, diante de situações que exigem uma reconstrução dos métodos e técnicas de ensino. Existe certa concordância quanto à importância da presença da inovação e das práticas de investigação no contexto das instituições educacionais, bem como a necessidade do desenvolvimento de competências para essas atividades nos processos de formação básica e permanente das pessoas. Trata-se, então, não de uma técnica ou de mais um saber, mas de uma capacidade de mobilizar um conjunto de recursos, conhecimentos, esquemas de avaliação e de ação, ferramentas e atitudes, a fim de enfrentar com eficácia situações complexas e inéditas. A educação é o resultado do trabalho de milhares de pessoas que, interagindo, ensinam e aprendem, podendo-se considerar a atividade educativa como uma responsabilidade das famílias, da sociedade e do Estado. Quanto às famílias, enfatiza-se sua função socializadora e o dever de buscar todos os meios para que os seus integrantes possam ter acesso aos bens culturais e às ofertas que cada sociedade disponibiliza aos seus cidadãos. Ao Estado é confiada a responsabilidade de oferecer possibilidades concretas para que todos tenham acesso à educação, permaneçam na – 20 – Pesquisa e Prática Pedagógica escola e alcancem os melhores resultados em cada contexto. Às sociedades solicita-se, de maneira difusa, que apostem tanto na instrução como na formação de valores, por intermédio dos meios de comunicação e das mais diversas formas de cooperação. Assim, pode-se entender que a missão da educação, na sociedade atual, reside em permitir que sejam exploradas e desenvolvidas metodologias que levem os jovens a olhar a escola como um local de aprendizagem e que, uma vez cumprido o ciclo básico, possam a ela regressar para continuar aprofundando e compartilhando novos saberes, indo além das fronteiras impostas pelas transformações da sociedade contemporânea do conhecimento, construindo novos significados para a vida. Isso porque a sociedade do conhecimento em construção obriga a todos que busquem a melhoria da qualidade da educação. A escola, vista então como local prazeroso de aprendizagem, descolada da obrigatoriedade de cumprimento de ciclos promocionais com fechamento e rompimento com o conhecimento que se constrói no cotidiano social, deve ser objeto de reflexão para a construção de projetos de formação de professores. Isso requer um dissipamento com visões mecanicistas e muitas vezes ingênuas, no sentido de perceber as relações existentes entre educação e sociedade e as estruturas que permeiam. Essa compreensão é fundamental para que se possa entender a prática pedagógica presente no exercício profissional e desenvolver uma ação pedagógica contextualizada transformadora. Daí a necessidade de se construir práticas pedagógicas alicerçadas em paradigmas inovadores, uma vez que esses possibilitam maior viabilidade em atender aos desafios da sociedade do conhecimento. 1.2 Constituindo a práxis pedagógica entre a criação e a repetição A ideia de práxis relaciona-se, diretamente, com os conceitos de teoria e prática. A relação da teoria com a prática educacional é revelada, por diversos autores, como problema básico da ciência da educação. – 21 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica Entende-se por prática toda atividade humana diferenciada de qualquer comportamento natural. Logo, a prática não é uma atividade espontaneísta, “justamente porque a prática não ocorrede modo imediato e sem intermediação, requerendo uma decisão coerente, acaba sempre incluindo elementos teóricos” (SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 20). Vázquez (1977, p. 185), em sua obra Filosofia da práxis, afirma que “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”, apenas a atividade consciente, intencional, que tem como finalidade um resultado efetivo. Para o autor, a atividade que se caracteriza como práxis é: [...] uma atividade material, transformadora e ajustada a objetivos. Fora dela, fica a atividade teórica que não se materializa, na medida em que é atividade espiritual pura. Mas, por outro lado, não há práxis como atividade puramente material, isto é, sem a produção de finalidades e conhecimentos que caracteriza a atividade teórica (VÁZQUEZ, 1977, p. 108). Assim sendo, a atividade práxica é uma forma de ação específica, propriamente humana, só se verifica quando atos dirigidos a um objeto para transformá-lo se iniciam com um resultado ideal, ou finalidade, e terminam com um resultado ou produto efetivo, real. Práxis, portanto, é uma atividade humana sempre intencional, com uma finalidade definida. A esse respeito, Marx (1983, p. 201-202) ressalta o papel da finalidade no trabalho humano: Ao final do processo de trabalho, surge um resultado que antes de começar o processo já existia na mente do operário: ou seja, um resultado que já tinha existência ideal. O operário não se limita a fazer mudar de forma a matéria que lhe ofe- rece a natureza, mas, sim, ao mesmo tempo, realiza nela sua finalidade, finalidade que ele sabe que governa como uma lei as modalidades de sua atuação, e à qual ele tem que sujeitar sua vontade. Isso porque o trabalho humano é uma ação transformadora da realidade e do próprio indivíduo: dirigida por finalidades conscientes, transforma a natureza, adaptando-a às necessidades dos grupos sociais, e desenvolve as faculdades do indivíduo-trabalhador. O homem, ao reproduzir técnicas já usadas e inventar outras novas por meio do trabalho, produz sua existência. – 22 – Pesquisa e Prática Pedagógica Na definição de Schimied-Kowarzik (1983, p. 21), práxis significa [...] o processo social global da afirmação humana da vida na natureza e na história, que a teoria precisa refletir em suas leis objetivas, cuja utilização consciente permite ao homem chegar a um planejamento e um domínio científicos das forças naturais e da convivência social. De acordo com Vázquez (1977), existem formas fundamentais de práxis: produtiva, artística e científica. A produtiva diz respeito ao trabalho, à relação material e transformadora, da criação de um mundo de objetos úteis para satisfazer determinadas necessidades. A práxis artística envolve a criação de obras de arte, para satisfação da necessidade humana de expressão e objetivação, elevada a um grau superior. Já a práxis científica satisfaz necessidades de investigação teórica, experimental. Além das formas fundamentais, o autor descreve tipos de práxis cujo objeto é o próprio homem: a social e a política. À práxis social relacionam-se os atos orientados na direção da transformação do ser social. Em um sentido amplo, pretende mudar as relações econômicas, políticas e sociais. Na práxis política, inserem-se os atos de grupos ou classes sociais para transformar a organização e a direção da sociedade. Contempla, em sentido restrito, a luta de classes. Refletir sobre o conceito de práxis é refletir, necessariamente, sobre a relação entre teoria e prática. Na história do pensamento científico, é possível identificarmos acepções diferentes relativas à relação teoria e prática. Em algumas compreensões, a teoria submete-se à prática, em outras, postula-se o contrário. Em uma compreensão dialética, teoria e prática constituem-se reciprocamente. Nesse entendimento, como afirma Rays (1996, p. 36), “a evolução da teoria corresponde à evolução da prática que ocorre sempre ligada à evolução da teoria. Esse princípio de identidade faz com que teoria e prática sejam dinâmicas”. Toda atividade humana consciente, segundo Rays (1996, p. 35), é guiada pela união da teoria e da prática. Essa união, de acordo com o autor, “[...] não – 23 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica caracteriza apenas a atividade consciente do homem, mas o próprio homem. Assim, toda ação humana realizada com base no princípio da vinculação teoria-prática ocupa posição científica na atividade consciente do homem”. A atividade educacional é uma forma específica de práxis e deve ser compreendida como tal. O professor é o agente da práxis na atividade educacional e para tal necessita de uma sólida formação pedagógica. Reflita Uma sólida formação pedagógica articula os conhecimentos teóricos acadêmicos à atividade docente, ou seja, reflete teori- camente acerca das reais problemáticas do ensino. Uma forma- ção que integra, coerentemente, teoria e prática, sem privilegiar uma dimensão em detrimento de outra. A esse respeito, Pimenta (1997) escreve que a atividade docente é práxis. Segundo a autora, a essência da atividade (prática) do professor é o processo ensino-aprendizagem, que envolve, necessariamente, o conhecimento do objeto, o estabelecimento de finalidades e a intervenção no objeto para que a realidade seja transformada. Como indicado anteriormente, apenas a atividade consciente, que tem como finalidade um resultado efetivo, é práxis. A finalidade imediata da educação, que dá sentido próprio e a caracteriza como práxis, é tornar possível um maior e mais rigoroso grau de consciência, compreensão e conhecimento da realidade da qual fazemos parte e na qual atuamos teórica e praticamente. Desse ponto de vista, a ação prática do professor é uma atividade humana consciente que pressupõe, necessariamente, as dimensões teórica e prática, portanto, a atividade docente é práxis. A relação dialética entre essas dimensões é o que constitui a práxis pedagógica. Por meio da relação dialética e recíproca entre teoria e prática, o trabalho docente não ocorre de modo arbitrário. Nas palavras de Rays (1996, p. 39), “[...] o trabalho docente realizado com base nessa perspectiva torna-se, de fato, um trabalho em permanente construção, feito e desfeito num tempo – espaço específico, pela – 24 – Pesquisa e Prática Pedagógica mediação da teoria e da prática”. Entretanto, a relação entre teoria e prática nem sempre ocorre de maneira dialética; é possível identificarmos ações que priorizam uma ou outra dimensão, quebrando o processo ideal de influência mútua, em que uma depende da outra. As diferentes formas de relação entre teoria e prática caracterizam níveis distintos de práxis, como afirma Vázquez (1977): a práxis criadora e a práxis repetitiva ou reiterativa. De acordo com Veiga (1989, p. 16), “a prática pedagógica é uma dimensão da prática social que pressupõe a relação teoria-prática”, o que caracteriza, portanto, a prática pedagógica como práxis. Também na prática pedagógica do professor iniciante é possível identificarmos traços ora de uma prática repetitiva, ora de uma práxis criadora. Ao trazer à tona essa discussão, não pretendemos categorizar a práxis pedagógica dos professores em um ou outro nível de práxis citado por Vázquez. Antes, propomos analisar a prática dos docentes à luz da caracterização proposta pelo autor para compreendê-la, e não julgá-la. A prática da reflexão tem contribuído para o esclarecimento e o aprofundamento da relação dialética prática-teoria- prática; tem implicado um movimento, uma evolução, que revela as influências teóricas sobre a prática do professor e as possibilidades e/ou opções de modificação na realidade, em que a prática fornece elementos para teorizações que podem acabar transformando aquela prática primeira. Daí, a razão de ser um movimentona direção da prática-teoria- prática recriada. O processo de conscientização inicia-se com o desvelamento da realidade. E só se torna completo quando existe uma unidade dinâmica e dialética entre a prática do desvelamento da realidade e a prática da transformação da realidade (PICONEZ, 2007, p. 25). A prática pedagógica nunca é exclusivamente criadora ou repetitiva. Isso ocorre porque, mesmo a práxis sendo essencialmente criadora, entre uma e outra ação o professor reitera uma práxis já estabelecida (criada anteriormente), caracterizando sua práxis, portanto, “por esse ritmo alternado do criador e do imitativo, da inovação e da reiteração” (VÁZQUEZ, 1977, p. 248). Sendo assim, a prática pedagógica do professor oscila entre a repetição e a criação, ora privilegiando uma, ora outra. Uma das características da práxis, ou prática pedagógica repetitiva, é a imutabilidade do produto ideal, ou seja, as ações a serem efetivadas em sala – 25 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica de aula são prescritas de antemão como um caminho a ser seguido fielmente, que não deve ser afetado pelas vicissitudes da realidade. Nas palavras de Veiga (1989, p. 18): “[...] tem por base leis e normas preestabelecidas, bastando ao professor subordinar-se a elas, uma vez que já está definido o que se quer fazer e como fazer.” Em uma prática pedagógica reiterativa, fazer é repetir ou imitar outra ação, e como nessa circunstância se conhece a priori a lei que rege a ação, “basta repetir o processo prático quantas vezes se queira e obter tantos produtos análogos se desejam” (VÁZQUEZ, 1977, p. 258). Ao simplesmente repetir e imitar, transpondo ações previamente determinadas de uma realidade para outra, o professor nega todo e qualquer sentido social em sua ação pedagógica. Não problematiza, não reflete a partir dos condicionantes sociais de cada realidade, “ele é convertido em manipulador de instrumentos” (VEIGA, 1989, p. 18). Quando demonstra seu anseio por modelos preestabelecidos, o professor centraliza sua preocupação no ato pedagógico, isolando-o do contexto social mais amplo (VEIGA, 1989, p. 19). Uma práxis pedagógica reiterativa, portanto, fragmenta o fazer pedagógico ao dissociar teoria e prática, planejamento e execução, ideal e real. A fragmentação do trabalho, na práxis reiterativa, segundo Vázquez: [...] leva a um trabalho extremamente simples, não quali- ficado, mecânico e o mais impessoal e inconsciente possí- vel, porquanto a intervenção da consciência, tão necessária quando se trata de escolher entre várias alternativas, isto é, numa situação problemática, converte-se num obstáculo quando propriamente não há alternativas, quando se trata de percorrer um só e único caminho, e não sobra margem alguma para o imprevisível (1977, p. 268). O professor ao repetir ou imitar ações já estabelecidas, “tem por base uma práxis criadora já existente, da qual toma a lei que a rege” (VÁZQUEZ, 1977, p. 259), no entanto, reproduz com suas ações uma práxis pedagógica que não produz uma nova realidade. Ao não transformar de forma criadora, acaba não produzindo mudanças qualitativas na realidade em que se insere. O que ele faz é ampliar a área do que já foi criado, multiplicando quantitativamente mudanças qualitativas já produzidas. Ao agir de modo repetitivo, reforça – 26 – Pesquisa e Prática Pedagógica uma práxis que “não cria, não faz emergir uma nova realidade humana, e nisso reside sua limitação e sua inferioridade em relação à práxis criadora” (VÁZQUEZ, 1977, p. 259). Embora a atividade prática imitativa tenha aspectos positivos, na medida em que tem sua raiz em uma práxis pedagógica criadora, ela gera consequências negativas para o fazer pedagógico, uma vez que fecha o caminho para uma verdadeira criação. Entretanto, alguns professores, em um primeiro momento, optam pela repetição da prática de terceiros, mas logo substituem essa postura por uma práxis pedagógica de criação. É possível ainda que o professor, em sua prática pedagógica, oscile entre a práxis repetitiva e a práxis criadora. Nas palavras de Vázquez (1977, p. 248): Uma vez encontrada uma solução, não lhe basta repetir ou imitar o que ficou resolvido; em primeiro lugar, porque ele mesmo cria novas necessidades que invalidam as soluções encontradas, e, em segundo lugar, porque a própria vida, com suas novas exigências, se encarrega de invalidá-las. Mas as soluções alcançadas têm sempre, no tempo, certa esfera de validade, daí a possibilidade e a necessidade de generalizá-las e entendê-las, isto é, de repeti-las enquanto essa validade se mantenha. Com efeito, esse é um grande desafio que se coloca ao professor: criar soluções para as novas situações com que se depara em sua atividade docente. Cabe, também, ao professor perceber que existem ações já estabelecidas que podem atender às suas necessidades, uma vez que a repetição se justifica enquanto a própria vida não reclama uma nova criação. Como nos lembra Vázquez (1977), o homem não vive em constante estado de criação, por isso cabe ao professor analisar e problematizar constantemente sua prática, a ponto de saber identificar as necessidades que exigem a criação de novas estratégias. Assim, na perspectiva da práxis pedagógica criadora, o professor precisa criar para se adaptar a novas situações ou para satisfazer novas necessidades. Portanto, repetir enquanto não surge a necessidade de criar novamente (VÁZQUEZ, 1977, p. 248). A práxis pedagógica criadora se reconhece inserida em um contexto social maior, do qual sofre influências. Em virtude dessa compreensão, entende que as ações do professor não podem ser preestabelecidas e prescritas por terceiros, uma vez que a prática em si sempre é modificada em virtude – 27 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica de circunstâncias que não podem ser previstas. A imprevisibilidade e a indeterminação do processo e do resultado são, portanto, características da prática pedagógica criadora, em que a ação do professor não é mera duplicação de algo preconcebido idealmente. Desse ponto de vista, as expectativas que o professor cria durante a sua formação inicial não se concretizam porque, em uma práxis pedagógica criadora, as expectativas anteriormente criadas devem se modificar adequando-se ao enfrentamento da realidade escolar, gerando uma constante peregrinação do ideal ao real. Assim como na criação artística, a atividade docente é um processo incerto e imprevisível, o que pode ser um fator de angústia para o professor. Tanto o artista como o professor, quando começam “propriamente sua atividade prática, partem de um projeto inicial que desejam realizar; mas esse modelo interior só se determina e [se] torna preciso no próprio curso de sua realização. Da mesma maneira, o resultado se apresenta ao artista como incerto e indeterminado” (VÁZQUEZ, 1977, p. 256). A práxis pedagógica criadora supõe a elevação da atividade da consciência do professor, que deve agir autonomamente na atividade de criação frente às necessidades. A práxis pedagógica criadora pressupõe ainda, segundo Veiga (1989, p. 21-22): • o vínculo da unidade indissolúvel entre teoria e prática, entre finalidade e ação, entre o saber e o fazer, entre concepção e execu- ção – ou seja, entre o que o professor pensa e o que ele faz; • acentuada presença da consciência; • ação recíproca entre professor, aluno e realidade; • uma atividade criadora (em oposição à atividade mecânica, repe- titiva e burocratizada); • um momento de análise e crítica da situação e um momento de superação e de proposta de ação. Apesar de a práxis pedagógica determinante necessitar ser a criadora, vale lembrar que os níveis de práxis pedagógica discutidos – repetitiva e criadora – não se encontram separados por umabarreira absoluta, uma vez que, na prática pedagógica cotidiana, inovação e tradição, criação e repetição se alternam e condicionam mutuamente. – 28 – Pesquisa e Prática Pedagógica Ainda, convém acentuar que os programas de formação – inicial e continuada – de professores têm papel fundamental na constituição da práxis pedagógica deles, podendo incentivar, na formação do professor, um ou outro nível da práxis pedagógica aqui apresentada, ou, ainda, mostrar a possível e desejável alternância e interação entre ambas. 1.3 A Formação inicial e a prática pedagógica do professor A investigação acerca do processo de aprendizado de ser professor passa, necessariamente, pela discussão a respeito da formação inicial desse profissional. Mesmo com o curso de graduação concluído, no caso de muitos profissionais, as inúmeras dúvidas, inseguranças e a constante sensação de despreparo caracterizam a prática profissional. Ludke (1997, p. 113) faz alguns questionamentos pertinentes a essa discussão: o que fica da formação inicial recebida na escola normal ou licenciatura? Que contribuição (ou não) as disciplinas desses cursos dão e os estágios práticos que oferecem? Que força os bons (e os maus) professores têm como modelos marcantes para o trabalho do futuro professor? Como fica a delicada relação entre teoria e prática na passagem do estudante pelas escolas de formação? A tarefa de formar professores na sociedade em que vivemos não é um caminho fácil de ser percorrido. Nas palavras de Candau (1997, p. 32), a formação de professores em um país em que a educação é desvalorizada socialmente e não é tratada como prioridade, “onde a vontade política não se compromete seriamente com as questões básicas da educação-alfabetização, escolarização primária para todos e de qualidade, formação para a cidadania, entre outras, é tarefa por muitos considerada fadada ao fracasso”. A formação profissional inicial, de acordo com Imbernón (2002, p. 57), é o momento para a aquisição do conhecimento profissional básico, necessário no período de iniciação à profissão. A formação inicial deve, segundo o autor, fornecer as bases para poder construir o conhecimento pedagógico especializado, que é estreitamente ligado à ação. A esse respeito, Gatti (1997, p. 47) escreve: – 29 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica Um curso que tem finalidades profissionalizantes deve asse- gurar a formação e o desenvolvimento de um conjunto de habilidades nos alunos, que lhes permitam iniciar sua car- reira de trabalho com um mínimo de condições pessoais de qualificação. [...] a capacitação básica a ser desenvolvida seria a de ensinar, subsidiada pelas habilidades de compre- ender os alunos situadamente, selecionar e utilizar proce- dimentos de ensino, elaborar e utilizar procedimentos de avaliação, de interação com as crianças, de estabelecimento de objetivos contextualizados. Desse ponto de vista, em uma situação ideal, os cursos de formação inicial de professores deveriam atuar não apenas na transmissão e promoção do conhecimento profissional, mas de todos os aspectos da profissão docente, comprometendo-se com o contexto e a cultura em que essas se desenvolvem. Deveriam ser instituições promotoras de mudança e inovação. Essa formação, como afirma Imbernón (2002, p. 63), deve repensar tanto os conteúdos da formação como a metodologia com que esses são transmitidos, já que o modelo aplicado pelos formadores dos professores atua também como uma espécie de “currículo oculto” da metodologia. Os modelos com os quais o docente aprende perpetuam-se com o exercício de sua profissão, já que esses modelos se convertem, até de maneira involuntária, em pauta de sua atuação. Gatti (1997, p. 49) afirma que as instituições de Ensino Superior formadoras de professores têm se revelado distantes do problema do exercício do magistério, sobretudo dos anos iniciais, e dos problemas concretos da rede escolar como um todo. O que se constata é que a formação ofertada está afastada da realidade e inadequada para o enfrentamento dos problemas postos pela prática nas escolas do sistema, de modo especial as públicas. A articulação da formação com a atuação profissional é essencial a todo processo de formação e deve ocorrer necessariamente no relacionamento, sempre conflitivo porque é dialético, das instituições formadoras com as instituições de ensino. Nas palavras de Marques (2000, p. 55): O enfrentamento permanente com as situações vividas e desafios postos no contexto da atuação profissional e o contato sistemático com os grupos sociais e instituições nele presentes devem incorporar-se, de forma orgânica, ao processo formativo tanto quanto a reflexão crítica, a busca – 30 – Pesquisa e Prática Pedagógica de mais consistente embasamento teórico e a reconstrução sempre retomada dos mecanismos formais da formação, sob a égide de visão política em permanente discussão entre educadores, educandos, profissionais e usuários dos serviços, ativos na definição da qualidade deles. É comum encontrarmos, em instituições formadoras, professores que não têm clareza sobre suas concepções de educação, persistindo na ideia do ecletismo, não conseguindo expressar articuladamente uma perspectiva ou proposta de trabalho. Em muitos casos, essa situação, segundo Gatti (1997, p. 46): [...] mostra a falta de uma tomada de posição face à forma- ção de educadores, e de uma perspectiva compartilhada que norteie o desdobramento do currículo em sua prática, além daquilo que todos sabemos sobre o funcionamento das esco- las e cursos no país: não há projetos, não há metas comparti- lhadas, não há direção competente. Percebe-se, também, uma crescente descaracterização dos cursos de formação de professores, seja em nível médio ou superior, face à sua organização ambígua: a formação apresenta-se fragmentada, sem a articulação conveniente entre disciplinas de conteúdos básicos e disciplinas de conteúdos pedagógicos. Candau (1997, p. 31) ressalta que essa necessária articulação deve superar a visão de mera justaposição, por sucessão ou concomitância, entre o conteúdo específico e o pedagógico, visão essa dominante nas nossas licenciaturas. O que se verifica, na maioria das vezes, é que a formação do professor em nível superior tem sido fortemente compartimentada, uma vez que as licenciaturas apresentam-se como cursos fragmentados em que a parte dos conteúdos específicos não se articula com as disciplinas de cunho pedagógico. Nessa estrutura desarticulada, não há como identificar uma perspectiva unificada que balize e articule todo o conteúdo. Os estudos de Gatti (1997) retratam essa compartimentalização na formação do professor. Nas palavras da autora: A concepção de que é preciso primeiro dar ao aluno, no nosso caso o futuro professor, a teoria, e depois, então, dar a ele uma instrumentalização para aplicar o que aprendeu. Criamos com isto um quadro curricular em que de modo estanque oferecemos, quiçá muito precariamente, noções de sociolo- gia, biologia, psicologia, etc., acreditando que assim o aluno – 31 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica fará sua síntese e daí tirará, a partir de métodos discutidos nas práticas de ensino, as aplicações pertinentes estabelecendo as relações necessárias. Ou, damos as disciplinas de conteúdo específico em seu modelo científico, de um lado, e teorias pedagógicas e informações sobre a estrutura do ensino, de outro, supondo que o aluno, com isto, está instrumentali- zado para ser professor, para ensinar. Mas, como esses alunos poderão fazer as pontes necessárias para uma prática que deve integrar, sob nova síntese, técnicas de comunicação e ensino com conteúdos que têm sua própria lógica, se toda sua for- mação foi feita sob a formade “vasos não comunicantes”, onde seu professor também não faz as pontes e onde o sen- tido da realidade, que é totalizadora, está ausente? Uma visão mais integradora, sem perda, no entanto, do específico, está faltando nesse ensino. E isto precisa ser incorporado primeiro pelos próprios docentes desses cursos, os quais, em geral, não têm uma perspectiva concreta em relação ao profissional que estão formando [sic] (GATTI, 1997, p. 56). Para Candau (1997), a formação do professor supõe um enfoque multidimensional, em que o científico, o político e o afetivo devem estar intimamente articulados entre si e com o pedagógico. Entretanto, essa articulação epistemológica dificilmente está presente nos programas de formação dos professores. Muitas vezes, essas dimensões não são todas explicitamente trabalhadas ou, quando o são, um ou outro elemento é focalizado de modo isolado, independente dos outros. “Propõe-se trabalhá- los de modo articulado, procurando-se as implicações de uns em relação aos outros, construindo-se, assim, uma visão unitária e multidimensional do processo de formação de professores.” (CANDAU, 1997, p. 47). Sendo assim, resta aos professores depositar suas expectativas nos cursos de formação continuada, acreditando que os mesmos possam oferecer algum tipo de orientação. Em razão disso, discutiremos a seguir acerca da contribuição desses cursos na construção da práxis pedagógica do professor. 1.3.1 O papel da formação continuada na construção da práxis docente Em virtude da expectativa dos professores frente aos cursos de formação continuada, consideramos importante discutir sucintamente o papel e as – 32 – Pesquisa e Prática Pedagógica possibilidades de contribuição dessa formação na construção da práxis pedagógica do professor. Para encaminhar as reflexões, Freire (1999, p. 55) chama nossa atenção para o necessário reconhecimento do “inacabamento do ser humano”. Essa perspectiva remete-nos à necessidade da constante formação, no sentido de buscar o aperfeiçoamento, a aprendizagem permanente, pressuposto da formação continuada. A formação continuada de professores tem ocupado espaço significativo entre os estudiosos da área da educação, especialmente aqueles que tratam da formação de professores. Alarcão (1998, p. 100), por exemplo, define formação continuada como o processo dinâmico por meio do qual, ao longo do tempo, um profissional vai adequando sua formação às exigências de sua atividade profissional. Segundo a autora (1998, p. 106), a formação continuada dos profissionais do magistério deve visar ao desenvolvimento das potencialidades profissionais de cada um, ao que não é alheio o desenvolvimento de si próprio como pessoa. Tal desenvolvimento, ocorrendo na continuidade da formação inicial, deve desenrolar-se em estreita ligação com o desempenho da prática educativa. Sacristán (1992) afirma que a formação continuada pode ajudar a configurar uma nova profissionalização, ao estimular a cultura profissional dos professores e a cultura organizacional das escolas. A formação continuada de professores, segundo Pires (1991), é a formação recebida por formandos já profissionalizados e com uma vida ativa, tendo por base a adaptação contínua a mudanças dos conhecimentos, das técnicas e das convicções de trabalho, o melhoramento das suas qualificações profissionais e, por conseguinte, a sua promoção profissional e social. É possível afirmar, nas palavras de Santos (1998), que a formação do docente tem início antes de seu ingresso nos cursos de preparação para o magistério. Para Santos (1998, p. 124): Antes de seu ingresso nesses cursos, os alunos tiveram, em sua experiência escolar, oportunidades de refletir sobre os pro- fessores e sobre a escola, suas tarefas e funções. Assim, esses estudantes chegam aos cursos de formação profissional com conceitos e representações sobre o papel do professor. [...] durante o exercício da profissão, o professor vai adquirindo – 33 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica novas competências sobre seu ofício, provenientes da própria prática em que está imerso. [...] poderíamos dizer que a for- mação do docente pressupõe a reelaboração ou a recriação dos saberes dados pelos cursos, feita com base nas experiên- cias vivenciadas tanto como aluno, antes e durante o curso de formação inicial, como também, posteriormente adquiridas no desempenho da atividade profissional. Sobre isso, Candau (1997, p. 52) faz referência à predominância de um modelo de formação continuada clássica, em que a ênfase é posta na reciclagem dos professores. Como o próprio nome indica, reciclar significa refazer o ciclo, voltar e atualizar a formação recebida, que pode ser por meio do retorno à universidade, com cursos de diferentes níveis, ou ainda através da frequência a cursos promovidos pelas próprias secretarias de educação e/ ou a participação em simpósios, congressos, encontros orientados que, de alguma forma, destinam-se ao seu desenvolvimento profissional. Entretanto, a autora apresenta alguns questionamentos pertinentes, que põem em cheque esse modelo de formação. Assim ela se expressa: Que concepção de formação continuada está presente nesta perspectiva? Ela não está informada por uma visão em que se afirma que a universidade corresponde à produção do conhe- cimento, e aos profissionais do ensino de primeiro e segundo graus cabe a sua aplicação, socialização e transposição didá- tica? Esta é a primeira perspectiva que queremos reforçar na área de educação em geral, e especialmente, na área de ensino? Se o conhecimento é um processo contínuo de cons- trução, é construção, desconstrução e reconstrução, estes pro- cessos também não se dão na prática pedagógica cotidiana reflexiva e crítica? Por trás dessa visão considerada “clássica” não está ainda muito presente uma concepção dicotômica entre teoria e prática, entre os que produzem conhecimento e os que estão continuamente se atualizando e os agentes sociais responsáveis pela socialização destes conhecimentos? (CANDAU, 1997, p. 54-55). Referindo-se à formação continuada de professores, Alarcão (1998) defende uma formação como processo permanente no tempo, ajustada às necessidades dos respectivos atores, construtiva de saberes e da pessoalidade, na interação com seus pares. São programas de formação com uma tripla vertente. A vertente pragmática (de ação, de projeto, de resolução de problemas e inovação) associa-se com a vertente participativa (com a – 34 – Pesquisa e Prática Pedagógica protagonização dos formandos) e da continuidade. É uma formação de tipo reflexivo, construtivo, funcional. Nela, o sujeito encontra um espaço de formação interior, individual, e um espaço de formação social, partilhada. É possível identificar, nas definições de autores diversos, distintas modalidades e finalidades de formação continuada. Entretanto, é conveniente questionar que dimensão essa formação deve assumir. Nas palavras de Alarcão (1998, p. 107), “deverá acentuar a dimensão acadêmica do conhecimento? A de dimensão pedagógico-comunicativa? A dimensão verdadeiramente profissional em que as duas se interpenetram? E que papel deverá desempenhar na formação continuada a experiência profissional?”. Entende-se que um programa de formação de professores voltado apenas à atualização científica, pedagógica e didática do profissional, reflete-se desvinculado e descomprometido com a realidade, gerando o existente descompasso entre a formação e o campo de trabalho e reforçando a dicotomia entre teoria e prática. Conforme Nóvoa (1995), os espaços de formação continuada dos profissionais devem caracterizar-se por momentos de reflexão da prática e da própria formação. Portanto, falar sobre formação do educador implica, inicialmente, em definir o que se entendepor formação. Nesse sentido: Vislumbramos um conceito de educação que se abre rapi- damente para um enfoque mais amplo: com efeito, já não basta hoje trabalhar com propostas de modernização da educação, trata-se de repensar a dinâmica do conhe- cimento no seu sentido mais amplo e as novas funções do educador como mediador deste processo (GOMES; KULLOK, 2000, p. 124). Nessa perspectiva, a formação também servirá de estímulo crítico ao se constatar as enormes contradições da profissão e ao se tentar trazer elementos para superar as situações perpetuadoras que se arrastam há tanto tempo: a alienação profissional, as condições de trabalho, a estrutura hierárquica, etc. E isso implica, mediante a ruptura de tradições, inércias e ideologias impostas, formar o professor na mudança e para a mudança por meio do desenvolvimento de capacidades reflexivas em grupo, e abrir caminho para uma verdadeira autonomia profissional compartilhada, já que a profissão docente deve compartilhar o conhecimento com o contexto. – 35 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica Com efeito, o conhecimento do professor não é meramente acadêmico, racional, feito de fatos, noções e teorias, como também não é um conhecimento feito só de experiência. É um saber que consiste em gerir a informação disponível e adequá-la estrategicamente ao contexto da situação formativa em que, a cada instante, situa-se sem perder de vista os objetivos traçados. É um saber agir em qualquer situação. Em virtude dessa multidimensionalidade, Candau (1997, p. 67) alerta para a necessidade dos programas de formação continuada articularem, dialeticamente, as dimensões da profissão docente: os aspectos psicopedagógicos, técnicos, científicos, político-sociais, ideológicos, éticos e culturais. Entretanto, o que se constata, por meio do contato direto com os professores, é que grande parte dos docentes saem das universidades com uma formação predominantemente científica, que preconiza o domínio de conteúdos específicos que deverão ser transmitidos futuramente, sem a devida articulação com os conhecimentos pedagógicos e metodológicos; e esse mesmo enfoque é reforçado nos cursos de formação continuada. Travassos (1991, p. 75) destaca a importância da dimensão pedagógica e didática na formação inicial e continuada de professores para o desempenho de suas funções, “é uma formação para a ação e uma ação para a formação e para uma mais eficaz intervenção educativa na escola ou na sala de aula”. É assumir a formação continuada, assim como o próprio processo educativo, como um processo multidimensional, em que cada uma das dimensões se interpenetra nas outras e só adquirem sentido pleno no todo que as integra. Demailly (1992) identifica quatro modelos formais de educação con- tinuada: 2 forma universitária – se caracteriza por ter como finalidade a trans- missão do saber e da teoria; 2 forma escolar – em que se encontram todos os cursos organizados por um poder legítimo e os formadores não são os responsáveis pelos programas, que são definidos pelos organizadores; 2 forma contratual – caracteriza-se pela negociação entre dife- rentes parceiros ligados por uma relação contratual do progra- ma pretendido; – 36 – Pesquisa e Prática Pedagógica 2 forma interativa reflexiva – presente nas iniciativas de formação ligadas à resolução de problemas reais, com a ajuda mútua entre formandos e uma ligação à situação de trabalho. Ainda que o autor afirme que esses modelos são sempre híbridos, as três primeiras formas são mais comumente encontradas e priorizadas em detrimento do modelo interativo reflexivo. Podemos afirmar, inclusive, que grande parte do insucesso dos programas de formação continuada deve-se ao fato da não articulação com os problemas práticos da profissão docente. Por outro lado, quando as propostas de formação continuada partem de demandas feitas pelos próprios professores, atuando no sentido de sanar diferentes tipos de dificuldades diagnosticadas na prática docente e tendo como referência fundamental o saber docente por meio do reconhecimento e valorização desse saber, os resultados são mais valorizados pelos professores em formação. Para tanto, a formação continuada, de acordo com Nóvoa (1991), deve alicerçar-se em uma reflexão da prática e sobre a prática, por meio de dinâmicas de investigação-ação e de investigação-formação, valorizando os saberes de que os professores são portadores. Nesse sentido, o autor faz um alerta e uma crítica à ênfase dos programas de formação continuada existentes: É forçoso reconhecer que a profissionalização na área das ciências da educação tem contribuído para desvalorizar os saberes da experiência e as práticas dos professores. A pedago- gia científica tende a legitimar a razão instrumental: os esfor- ços da racionalização do ensino não se concretizam a partir de uma valorização dos saberes de que os professores são por- tadores, mas sim, através de um esforço para impor novos saberes ditos “científicos”. A lógica da racionalidade técnica opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma práxis reflexiva (NÓVOA, 1991, p. 27). Em decorrência do desinteresse dos sistemas de ensino pelos conhe- cimentos produzidos pelos professores, explicitado na desarticulação entre os programas de formação continuada e a prática concreta da sala de aula, ocorre uma resistência dos professores ao que é transmitido, resultando em pouca ressonância daquilo que é discutido nos cursos de formação continu- ada na prática diária dos professores. Os profissionais mostram-se resistentes a “pacotes” idealizados por pessoas que se encontram, geralmente, distantes – 37 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica da realidade escolar. A esse respeito, Nascimento (1997) aponta fatores que mostram a insuficiência da formação continuada ofertada atualmente para uma mudança nos professores e nas instituições. Nas palavras da autora: A descontinuidade das ações que têm sido postas em prática; a perspectiva fragmentada entre teoria e prática e entre estas e os sentimentos, os valores, etc.; a atitude normativa e pres- critiva em relação aos professores; o custo oneroso dos cursos, seminários, etc; a realização destas ações fora do local e do horário de trabalho; a desarticulação com projetos coletivos e/ou institucionais; a concepção de formação como recicla- gem e atualização de professores e não como oportunidade de desenvolvimento profissional em suas múltiplas dimensões; a distância entre os que concebem as propostas e a prática escolar. Os professores não são considerados como os sujei- tos de sua formação, não são chamados a planejarem e sele- cionarem os conteúdos e metodologias destas propostas; o clima de confrontação entre os sistemas e os professores, dada a negação de salários justos e condições de vida e trabalho satisfatórias; a visão da formação como uma obrigação, dada a sua organização e implementação de forma desarticulada da prática escolar; a desconfiança por parte das autoridades com relação aos conhecimentos produzidos pelos professores (NASCIMENTO, 1997, p. 81-82). Em vista disso, para que a formação continuada traga contribuição efetiva para a constituição da práxis do professor, é importante levar em conta, e até mesmo tomar como ponto de partida, os problemas postos pela prática pedagógica dos professores envolvidos no processo. Embora se entenda que a mera instrução pragmática do como fazer, da “receita infalível”, não seja o modelo necessário, nem apropriado, para o processo de formação do professor, também julgamos ser necessária a articulação dialética entre a teoria e a prática nos cursos de formação continuada. Há que se considerar, ainda, as necessidades específicas do professor em diferentes fases profissionais. A esserespeito, Candau faz considerações ao tipo de prática que desconhece a necessidade da fase profissional do professor. Nas palavras da autora: Para um adequado desenvolvimento da formação continu- ada é necessário ter presente as diferentes etapas do desen- volvimento profissional do magistério; não se pode tratar do mesmo modo o professor em fase inicial do exercício pro- – 38 – Pesquisa e Prática Pedagógica fissional, aquele que já conquistou uma ampla experiência pedagógica e aquele que já se está situando em relação à aposentadoria; os problemas, necessidades e desafios são dife- rentes, e os processos de formação continuada não podem ignorar esta realidade promovendo situações homogêneas e padronizadas, sem levar em consideração as diferentes etapas do desenvolvimento profissional (CANDAU, 1997, p. 56). E a autora acrescenta: [...] se trata de um processo heterogêneo. Tomar consciência de que as necessidades, os problemas, as buscas dos profes- sores não são as mesmas nos diferentes momentos do seu exercício profissional e que muitos dos esquemas de forma- ção continuada ignoram esse fato. Eles são os mesmos, seja para o professor iniciante, para o professor que já tem uma certa estabilidade profissional, para o professor numa etapa de enorme questionamento de sua opção profissional e para o professor que já está próximo da aposentadoria. [...] Esta preocupação com o ciclo de vida profissional dos professores apresenta para a formação continuada o desafio de romper com modelos padronizados e a criação de sistemas diferen- ciados que permitam aos professores explorar e trabalhar os diferentes momentos de seu desenvolvimento profissional de acordo com suas necessidades específicas (CANDAU, 1997, p. 63-64). Direcionar as propostas de formação continuada de acordo com as necessidades do profissional significa direcionar o processo de formação às expectativas dos sujeitos a quem elas se destinam, dando voz e vez ao profissional docente, sem transformá-lo em mero receptor de informações. Nóvoa (1991) afirma que só haverá credibilidade nos programas de formação continuada quando eles se estruturarem em torno de problemas e de projetos de ação, e não em torno de conteúdos acadêmicos. Muitos estudos vêm defendendo a importância de conceder aos professores o poder de tomar em suas mãos sua própria formação, e às escolas a capacidade de avaliar as necessidades de formação de seu corpo docente, o que não significa descomprometer os sistemas, mas dar voz e vez aos principais interessados. Alarcão (1998, p. 119), por exemplo, defende: Uma formação verdadeiramente profissional, alicerçada na corresponsabilidade, na colegiabilidade, na capacidade e no – 39 – Pesquisa e formação do professor: desafios da prática pedagógica poder dos professores de cada uma das escolas, instituídos em grupos de reflexão do tipo círculo de estudos e organizados em torno de projetos de formação-ação-investigação. Já Nascimento (1997, p. 83) escreve: [...] defender uma formação de professores centrada nas escolas não significa conceber esta instância como um espaço isolado e fechado ao conhecimento produzido no âmbito da investigação universitária. [...] um sistema de recursos a ser- viço dos projetos de escolas centrados na resolução dos pro- blemas aí identificados e como apoio à inovação. [...] cabe à escola o papel de protagonista na formação dos professores em serviço. Desse ponto de vista, as diretrizes dos processos de formação continu- ada dos profissionais docentes devem assumir como pressuposto uma nova forma do fazer pedagógico, o qual toma o conhecimento como fruto de uma elaboração em que o aprender resulta de um processo de construção. Con- forme Freire (1977, p. 21), “o homem, como um ser histórico, inserido num permanente movimento de procura, faz e refaz constantemente o seu saber”. As redes de formação constituídas nas próprias escolas, caracterizadas pela interação entre os profissionais que discutem suas práticas e trocam experiências entre si, baseadas nas problemáticas enfrentadas na escola, mostram-se, por vezes, mais produtivas que os programas de formação oficiais. Assim sendo, faz-se necessário que a formação continuada de professores deixe de lado seu enfoque prescritivo para aprender, com aqueles que já estão na prática, suas iniciativas e estratégias, caracterizando a escola como o primeiro espaço de formação continuada do professor; um centro de formação para todos os que nela convivem, e que ela esteja organizada para desenvolver em conjunto o projeto de formação de seus docentes. Essa perspectiva de formação pode se caracterizar como um rico instrumento na constituição da práxis pedagógica do professor, auxiliando-o a superar as dificuldades com que se depara nos caminhos de sobrevivência e descoberta da atuação docente. – 40 – Pesquisa e Prática Pedagógica 2 Importância dos materiais e recursos didáticos na prática pedagógica atual Vivemos em um período caracterizado por novas formas de representação do conhecimento que afetam a própria maneira como se criam e se organizam os conteúdos, bem como, as muitas formas de distribuição dos conhecimentos. O uso de materiais e recursos para a educação, entendida como uma nova forma de apresentar conteúdos e conhecimentos, é uma realidade eminente do cotidiano educacional. A metamorfose da linguagem educacional, por meio da introdução de diversos materiais e recursos, é capaz de produzir a comunicação de conhecimentos de uma maneira sintética, sensual e mais natural, utilizando objetos, imagens, sons, textos, gráficos, ani- mações e interações virtuais. Nesse sentido, os materiais e recursos didáticos diversos se aproximam mais da experiência da cotidiani- – 42 – Pesquisa e Prática Pedagógica dade, o que traz um aumento na capacidade de retenção da informação e uma melhoria nos resultados pedagógicos. 2.1. Pra começo de conversa: sociedade, tecnologia e educação Ao observarmos as transformações que vêm ocorrendo na sociedade contemporânea, percebemos que elas implicam, diretamente, na educação. Hoje, o conhecimento passou a ser considerado fundamental para a produção de riquezas, o que exige mudanças significativas nos modelos educacionais, isso porque as práticas pedagógicas desenvolvidas, muitas vezes, não têm dado conta de atender os desafios que o atual momento exige. Neste sentido, cabe destacar que pensar em educação, segundo Behrens (2000, p. 17): “implica em refletir sobre os paradigmas que caracterizaram o século XX e sobre a projeção das mudanças paradigmáticas necessárias para o século XXI”. Gadotti (1997, p. 33), declara que diante da crise paradigmática que “atinge a escola esta deve se perguntar sobre si mesma qual é seu papel numa sociedade caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura e do pluralismo político”.Isso requer uma redefinição da sua função na escola e do próprio conhecimento mediante uma sociedade cada vez mais interconectada pelas tecnologias da informação e da comunicação. Para Stahl (1997, p. 299), “as exigências feitas à educação pela era da informação constituem-se também em grandes e específicos desafios para os professores”. Destaca-se, aqui, a necessidade de entendermos a nova ordem social desta nova geração, denominada como a era da informação, a qual é exigente de habilidades que nem sempre são desenvolvidas durante o processo de formação profissional. Assim, vale destacar que a aquisição do conhecimento, propiciada pelas novas tecnologias, implica numa prática pedagógica diferenciada. Os tempos atuais, profundamente exigentes, encontram-se marcados por dilemas sociais, políticos, econômicos e de sentido da própria existência, que nos forçam a admitir que educar é interagir,conhecer juntos, fazendo do educando sujeito político e socialmente emancipado. – 43 – Importância dos materiais e recursos didáticos na prática pedagógica atual A Sociedade do Conhecimento, também chamada de Sociedade da Aprendizagem, requer uma leitura diferenciada do mundo em que se vive. Isso, evidentemente, exige uma postura de desprendimento de velhos conceitos e velhas linguagens, dos paradigmas e práticas pedagógicas. Há necessidade de se entender que aprender é um processo complexo, onde o ser humano deve ser o sujeito ativo na construção do conhecimento, e que este, somente, se dá a partir da ação consciente do sujeito sobre a realidade. Diante desse quadro de mudanças no campo educacional e profissional, Brunner (apud Tedesco) contribui, significativamente, na reflexão, ao destacar que, A educação vive um momento revolucionário, carregado, por isso mesmo, de esperanças e incertezas. Isso se manifesta cla- ramente na aproximação entre educação e novas tecnologias da informação e da comunicação... Existe hoje um verdadeiro fervilhar de conceitos e iniciativas, de políticas e práticas (...) as esperanças se misturam com as frustrações, as utopias, com as realidades (2004, p. 17). Nesse contexto, a educação escolar precisa ser mais do que, apenas, a transmissão de conhecimentos e a aquisição de competências valorizadas no mercado. Isso, porque o sujeito não é um mero depositário de conhecimentos, ele pensa e reage a cada nova situação que lhe é apresentada e estabelece relações humanas e sociais capazes de gerar novas formas de interação entre os sujeitos. Frente a essa nova configuração, surge a necessidade de construir caminhos para os sujeitos se apropriarem, criticamente, das novas tecnologias. E isso requer incentivo à autonomia individual, à solidariedade, ao espírito científico, condições consideradas essenciais para o desenvolvimento humano integral. Entendendo que o conhecimento não é constituído de verdades estáticas, mas que acontece em uma dimensão processual dinâmica, a qual acompanha a vida humana e serve como guia da ação dos sujeitos. O sistema educacional vê-se, assim, confrontado com requisitos cada vez mais elevados ao nível da criatividade, da aplicação e da disseminação da informação, da transferência e da adaptação de conhecimentos a novas situações socialmente relevantes e exigentes. Portanto, a preparação para res- ponder a tais exigências coloca a educação, em todos os níveis e modalidades, – 44 – Pesquisa e Prática Pedagógica diante de circunstâncias que exigem uma reconstrução dos métodos e técni- cas de ensino. Existe uma certa concordância quanto à importância da presença de práticas inovadoras no contexto das instituições educacionais, bem como, à necessidade do desenvolvimento de competências para estas atividades nos processos de formação básica e permanente das pessoas. Trata-se, portanto, não de uma técnica ou de mais um saber, mas de uma capacidade de mobilizar um conjunto de recursos, conhecimentos, esquemas de avaliação e de ação, ferramentas e atitudes, a fim de enfrentar, com eficácia, situações complexas e inéditas. 2.2. Materiais e recursos didáticos nos processos educacionais Inseridas no atual contexto de inovações, a produção e utilização de materiais didáticos nos processos pedagógicos assume uma importância gradativamente maior. Em uma sociedade cada vez mais informatizada, as relações presentes no processo pedagógico necessitam ser redimensionadas, entre elas, a relação professor – aluno – conhecimento, relação essa que, em grande medida, é mediatizada pelo material didático e por meio dos recursos didáticos utilizados pelo professor. É importante esclarecer que usaremos, nessa obra, as denominações “material didático” e “recurso didático” como termos equivalentes. Os materiais e recursos didáticos nessa nova perspectiva de sociedade, escola e processos de aprendizagem, tomam para si uma função capaz de provocar ou garantir a necessária interatividade do processo ensino- aprendizagem, onde, de acordo com Andrade (2003, p. 137 e 138), o professor passa a exercer o papel de condutor de um conjunto de atividades que procura levar a construção do conhecimento. – 45 – Importância dos materiais e recursos didáticos na prática pedagógica atual Entretanto, por toda a transformação a que a prática pedagógica é submetida, o professor, sempre é a figura central. Nas palavras de Tomaz: Todo e qualquer suporte didático deve ser visto como apoio e nunca como substituto do professor. A escola, os alunos, todos interagem no processo didático, mas o professor quem pode melhor avaliar como e quando o conteúdo vai ser ensinado e é ele portanto, quem pode decidir que instrumentos e recursos poderão fazer com que esse conteúdo seja interpretado e apren- dido de maneira adequada e significativa. (2005, p. 38) Nos programas de educação à distância, por exemplo, os materiais didáticos têm uma considerável importância, uma vez que subsidiam e apóiam a aprendizagem, servindo como o elo de ligação entre o aluno, o professor e o conhecimento. São eles, na maioria dos modelos de programas de EAD, o ponto de referência para o aluno: onde, em determinado momento do processo de ensino e aprendizagem, assumem o lugar de ponto de partida, de estímulo e desafio para o ato de aprender e, ora, assumem o lugar de ponto de chegada, apresentando as convergências do processo. Nesse processo, torna-se oportuno e necessário conceituar o que é material e recurso didático. A essa discussão, agregam-se algumas questões: tudo pode ser didático? O material deve ser concebido e produzido especialmente para ser didático? O que é didático, o material ou o seu uso? A definição mais geral e abrangente afirma que materiais didáticos são suportes de que os sujeitos se valem no trabalho de ensinar e de fazer aprender os objetos de conhecimento. Ossana, Bargelline e Laurino (1994, p. 08) chamam a atenção para o uso de diferentes nomenclaturas para designar materiais didáticos, também diferentes, em virtude de sua inserção na atividade pedagógica. Segundo os autores, as divergentes denominações e conceitos são os seguintes: 2 Materiais Didáticos como equivalentes a recursos didáticos: quando ambos designam o conjunto de “objetos” (diretos ou repre- sentativos) a serem usados no processo de ensino. 2 Materiais didáticos como equivalentes a materiais auxiliares: nesse caso, é necessário reconhecer a diferença na ênfase de cada expressão; ou seja, didáticos são os materiais primordiais e sig- – 46 – Pesquisa e Prática Pedagógica nificativos no processo de ensino, podendo dizer que formam parte essencial e habitual do trabalho de classe, são vistos como parte do processo. Auxiliares são aqueles que recorremos ocasio- nalmente. São vistos como “auxiliares”, uma “ajuda” em grande medida prescindível. Na perspectiva dos autores citados, a diferença reside no grau de inserção desses materiais no processo educativo. Zúgaro (1976), citado por Ossana et AL (1994), considera que material didático auxiliar é todo elemento estranho à aula e às atividades cotidianas e habituais dos alunos, e que servem para complementar o processo de ensino/aprendizagem. Isso, porque o referido autor utiliza o termo material didático em uma concepção mais restrita, com mais de um sentido. Para ele, os materiais didáticos podem ser classificados em permanentes ou não permanentes. Os primeiros são aqueles sem os quais não concebemos o trabalho na escola, ou seja, que são utilizados todos os dias, entre eles, o autor destaca o giz, as palavras do docente e os livros de texto, ou livros didáticos. Os não permanentes são os materiais que podem ser mais ou menos habituais, entretanto, não são imprescindíveis, pois pode haver ensino