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A ilegitimidade do espólio para questionamentos acerca do ITCMD

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A ilegitimidade do espólio para questionamentos acerca do ITCMD 
Bernardo Cordeiro Kaufmann
A sucessão causa mortis, ou em razão da morte, existe desde a criação dos grupos 
familiares e da própria comunidade, sendo vista, até mesmo, como um “prolongamento 
natural”1 das relações humanas. Hoje, após a consagração do droit de saisine na alta 
Idade Média2, há uma transmissão direta dos bens aos sucessores legítimos e 
testamentários simultaneamente à morte do autor da herança.
Porém, tal transmissão é uma ficção jurídica, pois, para constituir propriedade de outrem, 
além da sua aceitação, é necessária a especificação do patrimônio do falecido. Assim, 
tem lugar o procedimento especial do inventário e da partilha, no qual são descritos 
todos os bens que eram de propriedade daquele que não mais vive e, depois, é feita a 
divisão do acervo hereditário.
Nesse contexto, até a completa individualização e adjudicação das coisas, há a figura do 
espólio, que consiste num conjunto de bens, direitos e obrigações de titularidade do 
autor da herança. Até a partilha, portanto, o espólio é indivisível e universal, tudo por 
força de lei (artigo 1.791, do Código Civil).
No Brasil, o artigo artigo 155, I, da Constituição Federal, legitimou os estados para a 
cobrança do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Dessa 
maneira, o sistema tributário define como fato jurígeno a transmissão de quaisquer bens 
e direitos por ocasião da morte.
Mais do que isso, os fatos geradores são tantos quantos herdeiros houver. O parágrafo 
único do artigo 35 do Código Tributário Nacional, expressamente, dispõe isso. Aliomar 
Baleeiro3 acrescentaria que isso ocorre porque se adotou o referido imposto como de 
caráter direto e pessoal (sobre o herdeiro), não como imposto real sobre o monte.
Então, os contribuintes do mencionado imposto, até por força do artigo 42, desse 
mesmo diploma legal, somente podem ser os herdeiros, vez que o autor da herança não 
é parte na obrigação tributada: enquanto vivo, não se cogitava do tributo; morta, a 
pessoa não é mais dotada de capacidade para contrair obrigações.
Salienta-se que a doutrina não tem divergido desse entendimento:
Na ausência de dispositivo constitucional a respeito, o legislador da entidade 
tributante tem relativa liberdade para definir o contribuinte desse imposto 
[ITCMD]. Em se tratando de herança, logicamente deve ser contribuinte o 
herdeiro, ou legatário. Em se tratando de doação, o contribuinte pode ser, em 
princípio, tanto o doador como o donatário.
(MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: 
Malheiros Editores, 2008. p. 359)
Aliás, nem mesmo pode-se reputar responsável o espólio: o Código Tributário Nacional 
dispõe, no artigo 131, III, que ele é responsável pelos tributos devido pelo falecido e 
apenas em relação àqueles vencidos até a data abertura da sucessão (ou da própria 
morte, como já se disse). Além de, então, não ter ocorrido o fato gerador quando vivo 
era, o autor da herança não é seu contribuinte, afastando, de duas formas, a 
responsabilidade do espólio nesse pagamento.
Parece claro, assim, que a legitimidade processual para questionar o tributo seja dos 
herdeiros ou legatários. Afinal, são eles o sujeito passivo do imposto e o ordenamento 
jurídico pátrio veda a discussão, em nome próprio, de direito alheio (artigo 18, do Código 
de Processo Civil).
A jurisprudência, porém, tem apontado em direção oposta. No Tribunal de Justiça de 
Minas Gerais, por exemplo, inúmeros são os julgados reconhecendo a legitimidade ativa 
do espólio para questionar o tributo em análise: os magistrados têm se apoiado no fato 
da indivisibilidade da herança até que seja feita a partilha.
Entretanto, o ITCMD não é exigível até que se homologue seu valor (enunciado 114, 
Súmula do STJ). Logo, a partir do momento em que puder ser cobrado, após as últimas 
declarações, já se saberá o montante cabido a cada um dos sucessores ou, melhor 
dizendo, o quinhão com que cada um ficará da partilha.
Exatamente por essa razão é que o artigo 638, do Código de Processo Civil, deu a “as 
partes” o ônus de se manifestar sobre os cálculos do tributo. O espólio não é parte no 
processo de inventário e nem poderia sê-lo, pois não é dotado de personalidade jurídica. 
Quanto à sua personalidade judiciária, nesses casos não é aplicável por faltar-lhe 
interesse.
Além disso, o espólio não se confunde com a herança. Ora, aquele é o patrimônio antes 
do abatimento das dívidas e pode ser constituído, inclusive, de bens pertencentes à 
eventual meação do cônjuge supérstite. Por isso mesmo, consiste em um “monte-mor”, 
enquanto esta é, definitiva e exclusivamente, integrada pelos bens passíveis de 
sucessão.
A bem da verdade, o espólio pode conter coisas de titularidade do falecido que não 
integravam seu patrimônio porquanto afetas à relação condominial constituída a partir do 
casamento. Logo, o espólio nem mesmo pode ser responsável pelo pagamento do 
ITCMD porque pode afetar o consorte sobrevivente cujo acréscimo patrimonial é objeto 
tão somente do Imposto de Renda.
Felizmente, para fazer jus ao tribunal mineiro, há alguns casos em que se seguiu a linha 
de pensamento aqui exposta e nos quais se primou pela melhor técnica, na opinião e 
compreensão deste intérprete. Apenas para citar uma ementa recente, mas sem ignorar 
o inteiro teor de outros acórdãos interessantes, vale-se de um julgado, unânime, de uma 
turma da 2ª Câmara Cível:
Agravo de instrumento - Ação de inventário - ITCMD - Sujeição passiva dos 
herdeiros ou legatários - Ilegitimidade ativa do espólio - Preliminar acolhida. 
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) somente pode 
ser questionado, em juízo, pelos próprios contribuintes, motivo pelo qual o 
espólio, na condição de mero conjunto de bens, direitos e obrigações do autor 
da herança, não possui legitimidade ativa.
(TJMG. Agravo de instrumento 1.0671.10.001219-2/001. Relator 
desembargador Marcelo Rodrigues. Julgamento em 03/10/2017)
Concluindo, de todos os ângulos analisados, verifica-se que o ITCMD não é atribuível ao 
espólio de maneira alguma, razão suficientemente pela qual não cabe a ele discutir o 
montante do imposto apurado. Assim não o fosse, haveria verdadeira confusão entre 
patrimônio do falecido e a própria herança, além da outorga de legitimidade 
extraordinária não prevista em lei.
1: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões. 6. v. 
33. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 2.
2: OLIVEIRA, Euclides de. Direito de herança: a nova ordem da sucessão. 2. ed. São 
Paulo: Saraiva, 2009. p. 16.
3: BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 18. ed. Rio de Janeiro: 
Forense, 2012. p. 485.

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