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Genética e Qualidade de Vida 2lei mendel

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Genética e Qualidade de Vida
CONTEÚDO - Segunda Lei de Mendel
Autor
Davi Calazans
Mendel não apenas estudou isoladamente as características fenotípicas das ervilhas, mas também observou a transmissão combinada de duas ou mais características. Ele sabia que ervilhas originadas de sementes amarelas e lisas possuíam o fator dominante para cada um desses dois atributos. Já para sementes verdes e rugosas, elas apresentavam o fator recessivo. Esses dois tipos de plantas foram cruzados um com o outro. Juntos eles produziram, na geração F₁, apenas indivíduos com sementes amarelas e lisas.
A geração F₂ foi obtida por meio da autofecundação dos indivíduos de F₁. A F₂ demonstrou ter quatro variações de sementes: amarelas e lisas, amarelas e rugosas, verdes e lisas, além de verdes e rugosas. Mendel sempre ia mais a fundo em seus estudos e costumava também quantificar a frequência da ocorrência de cada característica. Dessa vez também não foi diferente; foram encontradas as seguintes razões: 9/16 amarelas e lisas; 3/16 amarelas e rugosas; 3/16 verdes e lisas; 1/16 verdes e rugosas. Isso quer dizer que a cada 16 plantas desse grupo, encontravam-se 9 amarelas e lisas, 3 amarelas e rugosas, 3 verdes e lisas e 1 verde e rugosa.
Tendo encontrado esses resultados, Mendel formulou a hipótese de que os alelos responsáveis pela cor da semente (V/v) se segregam independentemente dos alelos que determinam a textura das sementes (R/r). Em outras palavras, a transmissão de um alelo não influi na do outro. Se um gameta é portador do alelo V, ele pode ser tanto portador de R quanto de r. O mesmo também é verdade para gametas que carregam o alelo v: eles podem apresentar o alelo R como o r.
Dessa maneira, quando uma planta duplo-heterozigota VvRr (como uma da geração F₁) é autofecundada, são geradas 4 variações de filhas na seguinte proporção: 9 amarelas e lisas, 3 amarelas e rugosas, 3 verdes e lisas e 1 verde e rugosa. (Ver Fig. 1)
Figura 1. Exemplo da segunda lei de Mendel, a lei da segregação independente.
Fonte: elaborada pelo autor.
Essa segregação independente de fatores para duas ou mais características foi chamada por Mendel de segunda lei da herança, ou lei da segregação independente. Entretanto, mais tarde, ela ficou conhecida como a segunda lei de Mendel em reconhecimento ao cientista.
Como já pode ter sido percebido, a meiose apresenta um papel fundamental no processo de segregação independente (Ver a Fig. 2). A prole receberá um gameta de sua mãe e outro de seu pai. Durante a meiose em cada genitor, uma célula diploide (2n) apresenta 2 conjuntos de cromossomos (um destacado de vermelho e o outro de azul), que serão divididos para suas células-filhas durante a divisão I da meiose. E o grande segredo da segregação independente é que esses 2 conjuntos de cromossomos podem se misturar ou não. Talvez um cromossomo A (de vermelho) de um conjunto possa ser enviado para uma célula-filha juntamente com o cromossomo B (também de vermelho). Contudo, também pode ser que eles sejam enviados para células-filhas diferentes e fiquem separados. Isso quer dizer que existem duas possibilidades: ou ficam juntos (possibilidade 1) ou ficam separados (possibilidade 2).
Figura 2. Processo da segregação independente dos cromossomos durante a meiose.
Fonte: Elaborada pelo autor.
A Figura 2 mostra as duas possibilidades da meiose de uma célula duplo-heterozigota AaBb. Na possibilidade 1, o cromossomo possuidor do alelo A se dirige ao mesmo polo que o cromossomo que carrega o alelo B, portanto, o do alelo a fica junto com o do b. Já na possibilidade 2, o cromossomo portador do alelo A não migra para o mesmo polo que o cromossomo B e, por isso, ele se junta ao alelo b. Consequentemente, o alelo a se junta ao B. A possibilidade 1 resulta em gametas AB e ab, na 2 obtêm-se gametas Ab e aB.  Sabendo que as chances de ocorrer a possibilidade 1 e a 2 são as mesmas, um indivíduo duplo-heterozigoto deve produzir gametas AB, ab, Ab e aB na mesma proporção.
Note um detalhe importante: a segregação independente só é válida para alelos encontrados em cromossomos distintos. Caso eles estejam localizados no mesmo, a segunda lei de Mendel não se aplica.
Mendel foi além e estudou simultaneamente também 3 pares de características. Ele observou que os genótipos encontrados na geração F2 foram de 27 : 9 : 9 : 9 : 3 : 3 : 3 : 1. Em casos de cruzamentos de triplo-heterozigotos, cada genitor poderia produzir 8 tipos diferentes de gametas. Logo, se a mãe pode oferecer 8 possibilidades e o pai também 8, então temos 8 x 8 = 64 genótipos possíveis na prole.
Baseado nisso, podemos dizer que para se determinar a quantidade de tipo de gametas para um genótipo específico, devemos usar a expressão 2n, na qual n representa o número de pares de alelos em condição de heterozigose. (Ver Tab. 1)
Tabela 1. Legenda da Tabela
Genótipo
AA
Aa
AaBB
AaBb
AABbCCDd
AABbCcDd
AaBbCcDd
AaBbCcDdEe
Valor de n
0
1
1
2
2
3
4
5
2ⁿ
2⁰
2¹
2¹
2²
2²
2³
2⁴
2⁵
Nímero de gâmetas
1
2
2
4
4
8
16
32
Fonte: Disponível aqui. Acesso em: 18 set. 2017.
Vimos até o momento genes em cromossomos diferentes resultando em duas características independentemente. No entanto, na natureza, encontramos diversos casos de dois genes ou mais (às vezes até mais de cem) sendo responsáveis por apenas uma característica. E esses genes podem estar ou não localizados no mesmo cromossomo. Situações como essas, em que fatores genéticos interagem entre si, são chamadas de interação gênica.
Periquitos australianos, por exemplo, possuem a cor de suas penas codificada por dois genes, cada um com dois alelos A/a e B/b, que são encontrados em cromossomos distintos. Os padrões de coloração de sua plumagem são bem diversos, mas podemos dizer que a sua cor dominante é encontrada em quatro variações: verde, azul, amarela e branca. Os indivíduos que portam pelo menos um alelo dominante de cada (AaBb, AABb, AaBB ou AABB) são verdes; os que possuem pelo menos um alelo A dominante (Aabb ou AAbb) são azuis; os que possuem pelo menos um alelo B dominante (aaBb ou aaBB) são amarelos; e os que não possuem nenhum alelo dominante (aabb) são brancos. Se cruzarmos dois periquitos verdes duplamente heterozigotos obteremos a seguinte proporção de cores na prole: 9/16 verdes; 3/16 azuis; 3/16 amarelos e 1/16 brancos. (Ver Fig. 3)
Figura 3. Determinação genética da coloração da plumagem em periquitos australianos.
Fonte: Elaborada pelo autor.
A cor das penas nessas aves é condicionada por dois genes que atuam na determinação da pigmentação em duas regiões diferentes nas penas, e o resultado de cada uma interage entre si para formar o resultado final que podemos observar. O alelo A é responsável pela presença de melanina, um pigmento escuro, no interior das penas, de modo que agindo sozinho resulta em uma pena azul. O alelo a é simplesmente uma cópia desse mesmo gene que não gera a produção de melanina. O alelo B é um alelo encarregado de realizar o acúmulo de um pigmento amarelo conhecido como psitacina na porção mais exterior da pena, que a deixa dessa mesma cor. O alelo b é uma versão desse mesmo gene que não gera esse acúmulo de psitacina.
A interação das cores dessas duas regiões da pena determina a sua cor. Caso haja pigmento amarelo e ausência de melanina (Aabb ou AAbb), a cor será  amarela. Se houver ausência de pigmento amarelo e presença de melanina (aaBb ou aaBB), a cor será  azul. Se houver ausência dos dois (aabb), a cor será branca. Se houver a presença dos dois (AaBb, AABb, AaBB ou AABB), a cor será verde. Note que se misturamos as duas tintas, uma amarela e outra azul, encontramos exatamente uma de cor verde. Você mesmo pode tentar isso em casa! (Ver Fig. 4)
Figura 4. Cortes transversais nas penas de periquitos australianos.
Fonte: Elaborada pelo autor.
Nem todas as interações gênicas ocorrem dessa forma. Às vezes um gene pode literalmente atrapalhar a expressão de outro que pode estar ou não no mesmo cromossomo. Esse acontecimento é conhecido como epistasia,no qual o gene que causa a inibição é chamado de epistático e o que sofre a inibição é chamado de hipostático. O gene epistático pode causar a inibição com apenas um alelo, ou seja, o gene causador é dominante. Nessa situação falamos de epistasia dominante. Entretanto, o gene epistático pode causar a inibição somente com dois alelos, ou seja, o gene causador é recessivo. Nessa situação falamos de epistasia recessiva.
A coloração da pelagem de camundongos é um exemplo de epistasia recessiva, em que os alelos A/a são hipostáticos e os P/p são epistáticos. Esses genes estão localizados em cromossomos diferentes. Nessa espécie encontramos três variações de cores: aguti (castanho-acinzentada), preta e albina (branca). Os indivíduos que carregam pelo menos um alelo A dominante e um P dominante (AaPp, AApPp, AaPP ou AAPP) são aguti; os que não possuem nenhum alelo A dominante, mas possuem pelo menos um P dominante (aaPp ou aaPP) são pretos; e os que não possuem nenhum alelo P dominante (AApp, Aapp ou aapp) são albinos. Se cruzarmos dois camundongos aguti duplamente heterozigotos obteremos a seguinte proporção de cores na prole: 9/16 aguti; 3/16 preto e 4/16 albino. (Ver Fig. 5)
Figura 5. Determinação genética da coloração da pelagem em camundongos.
Fonte: Elaborada pelo autor.
A cor dos pelos é condicionada por dois genes que atuam em duas partes diferentes no processo bioquímico de fabricação da pigmentação da pelagem. A enzima 1 codificada pelo alelo P dominante é responsável pela transformação do precursor 1 no precursor 2. O alelo p recessivo simplesmente deixa essa enzima 1 inativa, não gerando, assim, o precursor 2. A enzima 2 codificada pelo alelo A dominante é responsável pela transformação do precursor 2 no pigmento final. O alelo a recessivo simplesmente deixa essa enzima 2 inativa, não gerando, portanto, o pigmento final.
Note que, caso o indivíduo possua duas cópias do alelo p recessivo, ele não produzirá a enzima 1. Isso quer dizer que mesmo que ele possua uma cópia do alelo A dominante (e tenha uma enzima 2 ativa), não haverá o precursor 2 no organismo para ser convertido no pigmento final. Por isso camundongos Aapp, AApp e aapp serão albinos. Contudo, se houver pelo menos uma cópia do alelo P dominante, então o precursor 2 será gerado. Isso faz com que a presença dos alelos A/a faça a diferença no resultado final. Se houver a presença do alelo A dominante, a cor será aguti; caso contrário, será preta. (Ver Fig. 6)
Figura 6. Reações bioquímicas responsáveis pela coloração da pelagem em camundongos.
Fonte: Elaborada pelo autor.
A coloração da plumagem de galinha é um exemplo de epistasia dominante, em que os alelos C/c são hipostáticos e os alelos I/i são epistáticos. Nesse caso a presença do alelo C dominante faz com que as penas sejam coloridas, e do alelo c recessivo faz com que elas sejam brancas. Entretanto, se houver pelo menos um alelo I dominante, a plumagem será branca. Isso quer dizer que os genótipos CcIi, CcII, ccIi, ccII, CCIi ou CCII resultarão em indivíduos brancos, enquanto que os genótipos CCii ou Ccii resultarão em indivíduos coloridos. Se cruzarmos dois duplos heterozigotos teremos a seguinte proporção de cores na prole: 13/16 branca e 3/16 colorida. (Ver Fig. 7)
Figura 7. Determinação genética da coloração da plumagem em galinhas.
Fonte: Elaborada pelo autor.
Muitas características que encontramos em organismos na natureza correspondem ao resultado do efeito cumulativo dos genes, gerando vários fenótipos intermediários entre os extremos. Esse fenômeno é chamado de herança quantitativa ou poligênica. Por exemplo, existem pessoas de vários tamanhos; entre as muito altas e as muito baixas, existem as de tamanhos intermediários, cada uma variando um pouco de altura para a outra. A cor da pele humana também se encaixa nesse padrão. Existem pessoas muito pretas e muito brancas e também as de tonalidades intermediárias. Contudo, tanto a altura como a cor da pele humana sofrem com uma grande interferência do ambiente. Ele pode fazer alguém ser tanto consideravelmente mais alto ou baixo como substancialmente mais preto ou branco. Por isso vamos analisar uma situação onde não há tanta influência externa: a cor do trigo.
A coloração do trigo é um exemplo de herança quantitativa. Esses genes estão localizados em cromossomos diferentes.  Nessa espécie, são encontradas cinco variações de cores: vermelho-escuro, vermelho-médio, vermelho, vermelho-claro e branco. Cada cor pode ser representada pela quantidade de genes dominantes presentes no indivíduo, ou seja, quanto mais genes dominantes (não importando se são alelos A/a ou B/b), mais escura será a tonalidade de vermelho. As plantas que carregarem quatro genes dominantes (AABB) serão vermelho-escuras; as que carregarem três genes dominantes (AaBB ou AABb) serão vermelho-médias; as que carregarem dois genes dominantes (AAbb, AaBb ou aaBB) serão vermelhas; as que carregarem um gene dominante (Aabb ou aaBb) serão vermelho-claras; e as que não carregarem nenhum gene dominante (aabb) serão brancas. Se cruzarmos dois trigos vermelhos duplamente heterozigotos obteremos a seguinte proporção de cores na prole: 1/16 vermelho-escuro; 4/16 vermelho-médio; 6/16 vermelho; 4/16 vermelho-claro e 1/16 branco. (Ver Fig. 8)
Figura 8. Determinação genética da coloração do trigo.
Fonte: Disponível aqui. Acesso em: 30 out. 2015.
Com base nesse conhecimento, se fizéssemos um gráfico para representar a distribuição da cor em uma população de trigo, encontraríamos uma curva em forma de sino, pois os fenótipos mais comuns seriam próximos do vermelho simplesmente porque haveria mais opções de genótipos dentro dessa cor (três genótipos: AAbb, AaBb ou aaBB), enquanto que os fenótipos mais incomuns seriam o vermelho-escuro e o branco, porque haveria menos opções de genótipos dentro dessa cor (respectivamente um genótipo para cada: AABB e aabb). (Ver Fig. 9)
Figura 9. Distribuição de cores em uma população de trigo.
Fonte: Elaborada pelo autor.
Nem sempre uma herança quantitativa será baseada em 4 alelos. Às vezes poderão ser mais. Para saber da quantidade correspondente de fenótipos diferentes em cada situação, a seguinte fórmula deverá ser aplicada: número de alelos + 1. Sendo assim, no caso do trigo com 4 alelos temos 5 classes fenotípicas. Se houver 6 alelos, teremos 7; se houver 8 alelos, teremos 9; e assim por diante.
Referência
AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Biologia das populações 3. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2005.

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