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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA LICENCIATURA PLENA ELISABETH OLIVEIRA LIMA DE SOUZA A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA EM SALA DE AULA NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR NATAL-RN 2016.1 ELISABETH OLIVEIRA LIMA DE SOUZA A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA EM SALA DE AULA NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR Monografia apresentada ao Curso de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciatura em Pedagogia, orientada pela Prof.ª Dr.ª Alessandra Cardozo de Freitas. NATAL-RN 2016.1 A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA NA SALA DE AULA NUMA PERSECTIVA INTERDISCIPLINAR POR ELISABETH OLIVEIRA LIMA DE SOUZA BANCA EXAMINADORA Orientadora Prof.ª Dr.ª Alessandra Cardozo de Freitas Universidade Federal do Rio Grande do Norte DEDICATÓRIA Ao Deus único e sábio, seja dada glória para sempre, por meio de Jesus Cristo! AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar minha gratidão é ao meu Deus que realizou o desejo do meu coração em tempo oportuno. Aos meus pais, seu Lima de dona Elza, que souberam transmitir valores inestimáveis. Ao meu esposo, Marivaldo, por compartilhar todos os momentos de incerteza até chegar a essa grande conquista. Às minhas filhas, Mariana e Marília, minhas motivações diárias. À minha orientadora, Alessandra Cardozo, que teve paciência, carinho, amizade e que acreditou que eu conseguiria. Aos inúmeros amigos, de infância, da juventude, de perto e de longe que me ajudaram na realização das diversas atividades do curso, vocês foram dez. Aos meus irmãos em Cristo de quem muito precisei de orações e fizeram muito mais com suas palavras. Ao trio mui querido ao qual fui presenteada neste curso: Milena, Pâmella e Williane. Levarei para sempre as recordações pelos dias de apresentação dos seminários, elaboração de relatórios, os lanches, nossas conversas regadas a muitas risadas, e os conselhos que pela minha experiência de vida pude transmitir a vocês. Quero somente agradecer! SUMÁRIO Resumo ........................................................................................................ 07 1.Introdução ................................................................................................. 08 1.1 Abordagem do tema ..................................................................... 08 1.2 Ponto de partida ........................................................................... 09 1.3 Delineando o percurso .................................................................. 12 2. De que forma a literatura é abordada na escola? ................................ 13 3. A literatura infantil e seu aspecto interdisciplinar ............................... 21 3.1 Desvendando a interdisciplinaridade ............................................ 21 3.2 Por dentro da literatura ................................................................. 25 3.2.1 O conto de fada e o seu aspecto interdisciplinar ....................... 29 3.2.2 Fábulas: efabular redes de significação .................................... 32 4. Alternativas didáticas interdisciplinares no trabalho pedagógico com a literatura ....................................................................................................... 36 4.1 Aprendendo a conhecer ............................................................... 36 4.2 Um caminho .................................................................................. 41 4.3 Exemplo de aula interdisciplinar ................................................... 45 5.Considerações .......................................................................................... 47 6.Referências ............................................................................................... 49 RESUMO Com a perspectiva de intensificar o diálogo entre as áreas de ensino no intuito de aproximá- las é que esta monografia vem abordar sobre o trabalho com a literatura em sala de aula sob um ponto de vista interdisciplinar. A escolha desse tema é decorrente de observação durante o período de estágio em uma escola municipal realizado durante o curso de Pedagogia que, evidenciou a fragmentação que ocorre no sistema educacional, o que torna um fato preocupante. O caminho percorrido para a construção deste trabalho foi realizado por meio de um estudo bibliográfico no qual se procurou estabelecer o diálogo com autores que abordam essa temática. Em cada etapa de construção os autores Soares (2011), Zilberman (2003), Resende (2013), Lück (2013), Morin (2014), Magnani (2001) foram proporcionando forma a este trabalho juntamente com outros autores que serão mencionados no decorrer do percurso. Foram destacados inicialmente a forma como a literatura figura na rotina escolar. Em seguida tratamos o que seria a abordagem interdisciplinar e os aspectos valorativos da literatura. Finalizamos com orientações didáticas e metodológicas para a realização do trabalho interdisciplinar com a literatura para a alfabetização. Pela pesquisa ampliou-se a compreensão de como é essencial o diálogo entre o processo interdisciplinar e a literatura. Palavras – chave: aprendizagem, literatura, interdisciplinaridade. 8 1 INTRODUÇÃO 1.1 Abordagem do tema Entendemos que a alfabetização numa perspectiva interdisciplinar constitui um processo que torna mais significativo o ensino e a aprendizagem do aluno. Compreendemos, ainda, que essa perspectiva pode ter como eixo articulador e motivador a leitura de literatura. Uma vez que entendemos que o processo de alfabetização se dá num contexto de complexidade de saberes e que seu aprendizado deve estabelecer uma relação de sentido, acreditamos que todas as práticas desenvolvidas devem dialogar entre si abrangendo os conteúdos estudados em sala de aula, visto que a apresentação de forma fragmentada traz prejuízo ao educando por causar distanciamento entre as áreas de ensino. A literatura infantil torna possível esse diálogo, pois sua natureza envolvente permite que o aprendiz desenvolva sua criatividade e estabeleça conexão com o seu mundo de pertencimento não ficando restringida, apenas, como um momento de uma simples leitura. Torna-se então, a literatura, como grande facilitador do processo de alfabetização, porque as crianças gostam de ouvir as narrativas que para elas representam um momento de descontração em que seu imaginário é despertado. Concordamos com Teles citando Coelho (1986) ao revelar que Literatura é arte, é um ato criativo que, por meio da palavra, cria um universo autônomo, realista ou fantástico, onde os seres, coisas, fatos, tempo e espaço, mesmo que se assemelhem ao que podemos reconhecer no mundo concreto que nos cerca, ali transformado em linguagem, assumem uma dimensão diferente: pertencem ao universo da ficção. A linguagem literária tem um encantamento próprio de envolver o leitor, pois cada leitura desperta um sentido único em quem está lendo por meio de suas associaçõese de experiências de leituras anteriores. Cabe ao professor, aproveitar esse momento e transformá-lo de forma que desperte no aluno um potencial criativo e rico de aprendizagem. 9 Partindo dessa perspectiva de que é possível estabelecer uma relação entre a literatura infantil e os conteúdos ministrados em sala é que este trabalho objetiva responder algumas indagações: de que forma a literatura é apresentada em sala de aula? É possível uma aproximação entre a literatura e os conteúdos estudados em sala de aula? De que forma é possível desenvolver atividades didáticas e pedagógicas em sala de aula tomando a literatura numa perspectiva interdisciplinar? Consideramos ser de extrema relevância a ligação entre todos os saberes e desta forma estruturamos o presente estudo. Este estudo ainda pretende proporcionar aos docentes uma contribuição para o bom desempenho de sua prática. 1.2 Ponto de partida O despontar dessa investigação decorreu das vivências em sala de aula durante o período relativo a dez dias do Estágio obrigatório do curso de Pedagogia na turma do primeiro ano do Ensino Fundamental I. Esse estágio foi realizado numa escola da rede municipal de ensino localizada na zona norte de Natal. A turma era composta por 25 alunos, 14 meninas e 11 meninos, com idades de 6 a 7 anos. As inquietações se deram após observar a prática da professora diante daquela turma, pois a maneira de exercer sua prática remetia a um ensino tradicional. A abordagem tradicional parte do pressuposto que o saber está centrado no professor sendo ele o detentor do conhecimento, e o papel do aluno é o de absorver as informações (MIZUKAMI,1986). Observei que ao chegarem à sala os alunos de imediato pegavam seus cadernos para copiar a rotina do dia e esta tarefa durava a primeira parte da aula, porém alguns não conseguiam terminá-la. Muitos deles questionavam o porquê de realizarem aquelas cópias, porque não entendiam seu significado, porém não obtinham resposta da professora e continuavam a copiar sem que compreendessem o que estavam escrevendo. A rotina escrita no quadro descrevia as atividades que seriam executadas naquele dia, mas constatei que esta não ocorria de fato. 10 Este procedimento remetia a concepção bancária de ensino nomeada por Paulo Freire, pois não despertava no aluno o interesse em produzir conhecimento. Nessa concepção O educador é o que educa, os educandos, os que são educados; o educador é o que sabe, os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa, os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra, os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que disciplina, os educandos, os disciplinados; o educador é o que opta e prescreve sua opção, os educandos, os que seguem a prescrição; o educador é o que atua, os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; o educador escolhe o conteúdo programático, os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos, estes devem adaptar-se às determinações daquele; o educador, finalmente, é o sujeito do processo, os educandos, meros objetos (FREIRE, 1987, p. 59). O quadro acima descrito não é mais satisfatório para as novas exigências educacionais visto que os alunos é que são os sujeitos da educação e seus pontos de vista devem ser considerados. Na escola, em que foi realizada a observação, uma das metas do Projeto Político Pedagógico está centrada na formação de leitores competentes, visto o baixo desempenho apontado pela instituição no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). E para promover a elevação desse índice uma das medidas adotadas foi implantar um projeto de leitura. Neste projeto cada sala recebia nome de autores literários e cada professor apresentava aos alunos as obras destes autores a fim de que contribuísse na formação dos pequenos leitores. Porém, o momento que era destinado à leitura se resumia somente a leitura do texto sem quaisquer questionamentos que pudessem aproximar o que era lido da realidade do aluno. As obras trabalhadas na sala eram de Ana Maria Machado. Passado o período de observação e analisadas as dificuldades foi possível elaborar um plano de intervenção de maneira a contemplar as dificuldades encontradas: aproximar a literatura ao contexto de vida do aluno articulando aos outros conteúdos disciplinares. Nos dias destinados a regência foi utilizada práticas que promoveram uma aproximação entre a literatura e os conteúdos estudados, chegando-se a identificar determinadas ocorrências na sala de aula. No geral, as crianças obtiveram uma maior compreensão, pois conseguiram estabelecer relação de sentido e um dos 11 fatores foi que não houve uma ruptura na sequência ministrada, ou seja, a leitura permeou por todas as disciplinas daquele dia. Por conseguinte, essa experiência possibilitou um confronto entre duas práticas em sala de aula: a que caracterizo como, tradicional, regida pela professora titular da sala e uma mais próxima da concepção interdisciplinar, experimentada durante os dez dias de regência. Foi constatada, no que pese os poucos dias vivenciando a regência, que alguns resultados foram visíveis quanto ao processo de articulação da literatura às demais disciplinas; como Matemática e Língua Portuguesa. Diante dessa experiência surgiu a pergunta: Por que utilizar a Literatura como fonte de possibilidades desse aprendizado? Porque sua linguagem lúdica e inspiradora atrai porque a infância é o momento onde as brincadeiras fluem e nesse ato de brincar o aprender está associado. Como afirma Amarilha (2009, p.56): Brincar é coisa muito séria, e além de tudo a atividade lúdica que a literatura oferece desenvolve na criança uma atitude positiva para com a aprendizagem, com a sala de aula, com a escola, pois o lúdico é estimulante, apaixonante, envolvente, mobilizador. Ainda segundo a autora a criança no ato da leitura de literatura consegue estabelecer relação com o texto organizando seu presente e projetando seu futuro transformando em várias possibilidades vivenciadas na interação com o texto e isso é resultado de um trabalho coletivo baseado no diálogo. Segundo Fazenda (2008, p.87), “o processo pedagógico precisa se fundamentar no diálogo, tanto entre as pessoas quanto entre as disciplinas”, e nesse sentido o trabalho interdisciplinar aparece como eixo consolidador dos saberes em sala de aula, pois na medida em que os alunos compreendem que o fragmento faz parte do todo surge a curiosidade e necessidade de unir as partes a fim de que possam chegar a totalidade do conhecimento. Ivani Fazenda (2002) conceitua a interdisciplinaridade como “uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão”. Não obstante, oportuniza ao aluno ser o protagonista no processo ensino- 12 aprendizagem fazendo com que ele faça as ligações necessárias para a transformação de sua realidade. A formação integral do aluno é de fundamental importância e o trabalho interdisciplinar contribui de maneira significativa, pois o alfabetizar não está restrito apenas a decodificação, pois conforme Soares (2003), a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, sendo assim compreendida no contexto de interação de vida do aprendiz. 1.3 Delineando o percurso Esta pesquisa preocupa-se em estudara contribuição da literatura na sala de aula para além do aspecto da leitura e assim evidenciar sua importância no processo de alfabetização numa perspectiva interdisciplinar analisando-a como um contributo da aprendizagem. O caminho percorrido para a construção deste trabalho foi realizado por meio de um estudo bibliográfico no qual se procurou estabelecer o diálogo com autores que abordam essa temática. Em cada etapa de construção os autores Soares (2011), Zilberman (2003), Resende (2013), Lück (2013), Morin (2014), Magnani (2001) foram proporcionando forma a este trabalho juntamente com outros autores que serão mencionados no decorrer do percurso. Estruturamos este trabalho monográfico do seguinte modo: No primeiro capítulo há introdução ao tema abordando como surgiu o interesse por essa pesquisa; No segundo capítulo fazemos uma apresentação sobre a forma como a literatura é abordada na escola e quais suas implicações; No terceiro capítulo investigamos quais características interdisciplinares são encontradas na literatura; No quarto capítulo trazemos alternativas didáticas no que concerne ao trabalho interdisciplinar com a literatura e por fim apresentamos nossas considerações sobre o estudo como forma de colaborar com a prática literária em sala de aula e despertar novas inquietações. 13 2 DE QUE FORMA A LITERATURA É ABORDADA NA ESCOLA? De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9.394/96, um dos objetivos do Ensino Fundamental é “o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo”. Em concordância os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1997) orientam ao educador que esse aprendizado deve representar algum significado para o educando, e no que compete ao ensino de literatura orienta que “é importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula” (PCN, 1997, p. 29). Para refletir sobre o trabalho literário na sala de aula iremos pontuar algumas questões abordadas por Magda Soares (2011), em que apresenta alguns equívocos quanto ao modo como a literatura é abordada na e pela escola, que, na concepção da autora, em muitas ocasiões a literatura é utilizada erroneamente de maneira a afastar os leitores por se apresentar distante das práticas sociais de leitura. A autora destaca os seguintes equívocos: Há predominância de gêneros narrativos e poemas; Recorrência dos mesmos autores e obras; Descaracterização da obra literária; A literatura se apresenta na escola de forma fragmentada; Partindo desses pontos citados acima conferimos que na maioria das vezes o suporte escolhido para exposição do texto literário é o livro didático por este ser uma ferramenta adotada pela escola, e segundo Pinheiro (2006) apud Dalvi “o livro didático costuma guiar as práticas de leitura realizadas na sala de aula”, porém o livro didático é um produto da indústria cultural cujos conteúdos estão condensados ocorrendo um direcionamento quanto a sua finalidade, nele o público alvo é tratado de forma homogênea sendo induzidos a pensar e agir de um mesmo modo. Entretanto, segundo Zilberman (2003), é preciso agir criticamente diante das obras nele apresentadas. 14 A sala de aula é um espaço adequado para ampliação dos saberes, é também o primeiro contato que grande parte dos alunos estabelece com o texto literário e o trabalho com a literatura torna-se primordial, portanto, a diversidade de gêneros, autores e obras deve ser explorada adequadamente uma vez que cada obra provoca no leitor um ganho específico que o professor não é capaz de mensurar. É importante confrontar os alunos com a diversidade do literário (cujo conhecimento afina os julgamentos de gosto): diversidade dos gêneros: ao lado de gêneros tradicionais (romance, teatro, poesia, ensaio), os novos gêneros (autoficção, história em quadrinhos, álbum); diversidade histórica: obras canônicas, fundadas em valores nos quais uma sociedade se reconhece, obras contemporâneas, literatura viva que lança um olhar sobre o mundo de hoje; diversidade geográfica: literatura nacional, literatura estrangeira, principalmente as grandes obras traduzidas do passado e do presente que se abrem para outras culturas e constituem lugares de compartilhamento simbólico na era da globalização (ROUXEL apud REZENDE, 2013, p. 23-24). A limitação desses elementos favorece, por um lado, a escola quanto ao ato de moldar seu trabalho educativo tornando-o mais fácil, pois na medida em que há uma seleção de gêneros, autores e obras passa a existir uma mecanização da prática que interfere diretamente na execução das atividades que, na maioria das vezes, são apresentadas de forma fechada já posta no texto; por outro lado, compromete o aluno em seu descobrimento pelo gosto da leitura, porque também transmite uma visão distorcida de que a literatura está restringida aquele grupo específico (SOARES, 2011). O direcionamento que é dado à literatura na escola preocupa-se em atingir objetivos encerrados em si onde é imposta ao aluno uma atitude passiva. Diante dessa conduta é importante não restringir o uso da literatura em sala de aula uma vez que se compreende que o papel da escola é contribuir na formação do leitor então, se faz necessário fazê-lo com seriedade já que isso implica em ganhar ou perder novos leitores. Em continuidade a crítica de Soares (2011), no que confere ao aspecto sobre a descaracterização da obra literária, a autora recomenda que sejam observados critérios de forma a não alterar as características do texto, conferindo às informações que apontam a autoria da obra, das imagens, isto é, de todo o corpo do texto literário, pois, é recorrente a ocultação desses dados e em decorrência disso o autor do livro didático é quem recebe os créditos pela autoria de todo conteúdo reforçando 15 aquilo que é percebido: há uma (des)“apropriação” do texto literário pelo uso indevido onde a literatura é utilizada como “uma disciplina, um conteúdo, um veículo de transmissão de valores” (PARREIRAS, 2012, p. 188), isto é o que Soares (2011) nos chama atenção: que essa modificação que ocorre ao se transportar o conteúdo do livro de literatura para o livro didático ocasiona uma deformação do sentido do texto. O texto literário possui identidade/forma e ao ser incluído no livro didático deve vir acompanhado dos elementos que caracterizam como uma obra tendo a apresentação de título, autor tanto da obra quanto das ilustrações e tantas outras informações pertinentes a ele. Esse trabalho deve ser executado em sala assim como pensa Parreiras (2012, p. 196) “já que o livro é um objeto cultural que tem sido apropriado pela escola para o trabalho de conteúdos, de criações, podemos fazer com que a aproximação entre aluno e livro seja agradável e instigante”. Isso quer dizer que embora muitas informações não estejam aparentes cabe ao mediador do ensino procurar alternativas que preencham as lacunas deixadas pelo livro. Muito embora o livro didático transmita uma sensação de completude na verdade “compõe-se de fragmentos de livros, que, reunidos, tomam a forma de um livro integral” (ZILBERMAN, 2003, p. 258), pois é um produto que tem suas limitações. Para ratificar esse pensamento trazemos aqui o comentário que Zabala (1998, p. 182) fez a respeito do livro didático: O livro didático é útil como compêndio do saber, como lugar onde se encontram resumidos ou ampliados os conhecimentos que são trabalhados ou podem ser trabalhados em classe, como meio para aprofundar, fundamentalmentecomo material de consulta. Por outro lado, a construção do conhecimento necessário para a aprendizagem dos conceitos e dos princípios requer outras atividades e, portanto, outros materiais. Por mais que o livro didático descaracterize, condicione ou se aproprie da obra literária, é papel da escola fazer conhecido o lugar que a literatura ocupa na vida do sujeito de maneira tal que o leitor fique ciente que ela, a literatura, não atua como coadjuvante no processo de ensino e aprendizagem. O último ponto que destacamos dos questionamentos feitos por Soares (2011) é sobre a fragmentação que se faz da literatura e este ponto também será retomado no próximo capítulo por compreender o tema dessa pesquisa. 16 Podemos perceber no decorrer desta análise que a literatura na sala de aula tem sido penalizada a ponto de perder sua característica de obra que evoca o saber e com isto o afastamento dos leitores se torna inevitável. Ela é apresentada no suporte do livro didático justificando as alterações porque passa, já que ocorre uma adequação ao conteúdo que se quer abordar neste suporte, que, implica de modo direto na fragmentação da obra literária. A fragmentação está presente no modelo educacional, em consequência da especialização das áreas de ensino onde cada profissional cria uma blindagem em torno do seu saber agindo como se fosse único e suficiente. Em se tratando do ensino literário por parte da escola podemos localizar no contexto do livro didático o reforço a fragmentação, pois constatamos que é suprimido do texto literário diversas informações que modificam seu sentido. Conforme o trecho a seguir Quando se lança mão de um fragmento de texto de literatura infantil, muito frequentemente não se cuida de que o fragmento apresente, também ele, textualidade, isto é, que apresente as características que fazem com que uma sequência de frases constitua, realmente, um texto (SOARES, 2011, p.31). Nesta fala a autora faz alusão de que ao ser exposto no livro didático apenas parte do texto literário alguns elementos de compreensão se perdem deixando a narrativa incompleta ocasionando implicações de interpretação por parte do leitor, pois, não existe um critério de continuidade na explanação das obras, os fragmentos que nela aparecem são extraídos tanto do início, quanto do meio e fim da história a depender da finalidade proposta no livro. Isso se dá porque há uma intencionalidade por parte das editoras em direcionar o olhar do leitor para as atividades que serão contempladas. Portanto, esperar que os alunos compreendam a integralidade do texto a partir do fragmento é ilusório. Quanto a isto Soares (2011, p. 36) ainda afirma [...] a literatura infantil faz-se frequentemente de forma inadequada e, mais que isso, prejudicial mesmo, pois abala o conceito que a criança tem, intuitivamente, da estrutura narrativa, dá-lhe uma ideia errônea do que é um texto e pode induzi-la a produzir ela mesma pseudotextos, já que estes é que lhe são apresentados como modelo. Logo essa inadequação causada pela fragmentação do texto projeta um leitor que vê o texto apenas como um objeto a serviço do livro didático, que tem uma 17 finalidade única de preencher campos para respostas lógicas localizadas no livro, haja vista ser essa a função do texto percebida no livro didático. Ainda refletindo sobre o modo como a literatura é apresentada em sala de aula outros aspectos aparecem: a leitura literária que se faz em sala influencia na escolha da leitura feita fora da escola. Isto ocorre por inúmeros motivos a começar pelo acesso a literatura que os alunos têm onde a porta de entrada é a escola e, por conseguinte, o livro didático é o fio condutor desse processo e como já pontuamos há um controle sobre o leitor em que são dadas coordenadas sobre o que se espera dele, são leituras sempre direcionadas criando assim uma dependência (DALVI, 2013). Outro aspecto seria o distanciamento causado pela falta de sentido no trabalho com a literatura. Pois, na medida em que a literatura é utilizada como uma matéria para resolução de exercícios programados do trabalho com a língua onde só se exige uma decifração óbvia torna-se uma atividade cansativa e transmite ao aluno/leitor a sensação de que ele nunca irá utilizar aquele tipo de linguagem, não existe o diálogo entre a leitura e seu estilo de vida. Isso vem refletir em todo processo educativo em que ano após ano os alunos ficam condicionados à reprodução e quando se deparam com algum questionamento não conseguem opinar por não agir criticamente sobre o texto. A exposição oral também é algo muito recorrente em sala de aula, neste tipo de atividade o que é exigido do aluno é que ele reproduza as palavras com objetivo único de verbalizar com eloquência sem considerar o sentido da palavra; a atividade perde, então, o sentido sendo reforçado o entendimento que literatura é algo de nível elevado, restrito a um grupo seleto de indivíduos, algo para gente genial. Neste sentido, deve-se “tornar o texto literário “acessável” e acessível: é necessário que a literatura não apenas esteja disponível em todos os lugares da escola, mas que seja tornada compreensível, discutível, próxima” (DALVI, 2013, p. 81). O trabalho com a literatura passa pelas experiências de leitura do professor. O professor é concomitantemente, alguém que participa ativamente desse processo; alguém que estuda, lê e expõe sua leitura e seu gosto, tendo para com o texto a mesma sensibilidade e atitude crítica que espera de seus alunos. Para seu trabalho prático, os critérios de seleção de textos devem ser, entre outros, aqueles decorrentes da sua “frequentação de leitura” (MAGNANI, 2001, p. 139). 18 Se em sua trajetória como leitor o professor aprendeu a agir criticamente sobre o texto certamente a mediação a partir de suas vivências conduzirá o aluno na busca pelo significado da leitura literária, isto é, o comprometimento desse professor é de suma importância para o processo de formação de leitores competentes. Na escola um espaço privilegiado para exposição de textos literários é a biblioteca, lugar que convida o leitor a mergulhar no mundo das letras onde ele pode projetar seus anseios, intenções sobre o texto, envolver-se ativamente e sem restrições por se tratar de um ambiente favorável à leitura. A biblioteca exige uma postura de quem a frequenta, pois as obras ali expostas tomam um significado sagrado, o tratamento dado ao livro é de grandeza excelente. O acesso é livre, porém, nela devem ser observados os cuidados necessários para o manuseio dos livros, respeitar o ambiente com silêncio – para que a leitura seja fluida – as obras obedecem a uma classificação como critério de organização, o que caracterizamos com ponto positivo. A Lei Federal nº 12.244/2010 tornou obrigatório a instituição de bibliotecas nas escolas e estas devem contar com no mínimo um título em seu acervo por cada aluno matriculado, incluindo a presença do profissional bibliotecário. Porém, essa realidade ainda não ocorre na grande maioria das escolas tomamos como exemplo a escola de onde originou essa pesquisa. A biblioteca da escola conta com um acervo expressivo de obras variadas, ambiente convidativo à leitura com tapetes, puffs, almofadas, livros organizados por gênero, tudo bem identificado. Essa preocupação em criar um ambiente agradável não foi em decorrência da lei, mas sim de uma observação feita pela equipe pedagógica que durante o intervalo notou que muitos alunos ficavam sem opção de recreação; enquanto alguns corriam ou inventavam alguma brincadeira, outros ficavam isolados sem entretenimento porque não havia outro atrativo.Partindo então da necessidade do aluno a equipe pedagógica procurou saber o que os agradaria fazer e ficou constatado que eles gostariam de utilizar a biblioteca durante os intervalos, e isto foi o ponto de partida para a criação de um projeto: “Recreio Literário”. No período da criação deste projeto a escola contava com uma funcionária que atuava na biblioteca, e não encontrou dificuldades para implementação. Na biblioteca os alunos recebiam boa acolhida, a funcionária 19 realizava contação de histórias, como também os deixava manusear os livros de sua escolha; enfim, era um momento prazeroso. Tudo transcorria muito bem até o dia em que a funcionária se aposentou, e desde então não foi enviado um substituto para o cargo e em virtude desse acontecimento o projeto teve que ser paralisado deixando os pequenos leitores frustrados, pois durante o intervalo eles pedem para acessar a biblioteca, perguntam se podem fazer empréstimos de livros; é visível a procura do livro pelo prazer de ler. Para não paralisar o acesso à biblioteca a escola optou por limitar as visitas, que ocorrem por turma durante o período da aula sob a orientação do professor das respectivas salas. Esse fato é corriqueiro nas escolas, pois os funcionários destinados a ficar nas bibliotecas são em sua maioria pessoas em final de carreira do serviço público ou que precisam ser readaptados – como o exemplo citado - nisto concordamos com Macedo (2005) quando afirma que não há interesse por parte dos órgãos públicos o provimento de concursos para preencher as vagas de bibliotecário. Nota-se que entre sancionar uma lei e cumpri-la existe uma grande lacuna, pois é [...] necessário por parte dos empregadores e dos administradores de organismos governamentais de cúpula, um mínimo de conhecimento sobre as dificuldades e obstruções ao desenvolvimento do ensino, bem como a devida atenção aos relatórios e projetos dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia que lhes são dirigidos, cobrando apoio ao trabalho profissional do bibliotecário (MACEDO, 2005, p.237). Desta forma, cria-se um impasse para um problema, aparentemente, simples de ser resolvido e o déficit literário só aumenta. Diante de tais apontamentos se torna preocupante a forma de utilização da literatura infantil na escola, pois a criança para se tornar um leitor competente necessita de elementos que possibilitem a construção do conceito do texto, conhecer a literatura em sua totalidade. Para que isso aconteça se faz imprescindível “que sejam respeitadas as características essenciais da obra literária, que não sejam alterados aqueles aspectos que constituem a literariedade do texto” (SOARES, 2011, p.37), ou seja, a literatura deve ser apresentada de forma que não seja omitida a constituição da obra, pois o trabalho com o texto literário possui caráter formador com objetivos específicos conforme o trecho a seguir. 20 O “estudo” que se desenvolve sobre o texto literário, na escola, é uma atividade intrínseca ao processo de escolarização, como já foi dito, mas uma escolarização adequada da literatura será aquela que se fundamente em respostas também adequadas às perguntas: por que e para que “estudar” um texto literário? O que é que se deve “estudar” num texto literário? Os objetivos da leitura e estudo de um texto literário são específicos a este tipo de texto, devem privilegiar aqueles conhecimentos, habilidades e atitudes necessários à formação deu um bom leitor de literatura (SOARES, 2011, p.43). Entendemos assim que o aluno deve sentir-se motivado à leitura para que os objetivos sejam alcançados; ele enquanto leitor deve ter liberdade de interação com o texto concordando ou discordando do autor, obter respostas aos seus questionamentos, analisar o texto sob seu ponto de vista num exercício de contínua reflexão. Mas, infelizmente o que acontece em sala de aula com o trabalho literário é a apresentação compartimentada, que podemos ver a partir do suporte onde a obra literária se faz: o livro didático, uma ferramenta elaborada para instrumentalizar o professor porém, utilizada como elemento principal de aprendizagem cujo conteúdo se sobrepõe a todas as outras ferramentas. Em consequência desta compartimentação do texto outros equívocos (que já foram apontados) vão se agregando e reforçando a concepção de que a literatura não faz parte do universo do leitor e, portanto, vai causando grande afastamento deixando de conquistar novos leitores. Contudo, esse quadro poderá ser mudado quando houver um resgate que restitua o valor que a literatura ocupa para os fins da aprendizagem e para a vida, é necessário que haja uma reforma do pensamento afirmado por Morin. 21 3 A LITERATURA INFANTIL E SEU ASPECTO INTERDISCIPLINAR 3.1 Desvendando a interdisciplinaridade Neste capítulo iremos averiguar alguns aspectos sobre a literatura que não são abordados na escola, tomando como ponto de partida o seu aspecto interdisciplinar. Para tanto se faz necessário que primeiro compreendamos o que trata a abordagem interdisciplinar. A interdisciplinaridade não é uma ideia recente, parte da compreensão de um conhecimento global que se perdeu com o tempo e que vem causando desajuste no processo de aprendizagem pelo distanciamento que há da realidade cotidiana dos alunos com relação ao conhecimento e ao modo como é ensinado na escola. Esse distanciamento é semelhante ao que, por muito tempo, se convencionou o modo de produção de trabalho em que a divisão do processo era garantia de eficiência, pois havia a compreensão de que quanto mais particularizado fosse o ofício maior produção haveria. Esse tipo de produção trouxe, por um lado, além do controle, lucros expressivos aos seus idealizadores, porém, por outro lado, causaram prejuízos aos que executavam a ação, o sistema funcionava mecanicamente e por meio de ações repetitivas que não exigiam qualquer conhecimento além para a sua execução, ou seja, não era estimulada a produção do conhecimento global pela ocorrência da especialização do serviço. E foi essa especialização que acarretou uma diluição dos saberes, a educação, sofreu perdas consideráveis, posto que os conhecimentos se compartimentaram. Entretanto, as novas exigências de um mundo globalizado necessitam de um ser pensante em sua totalidade que saiba articular pensamento e ação e desta forma transformar sua realidade. Nesse sentido Lück (2013, p.41) nos assegura que A educação, enquanto se propõe a formar o cidadão para viver uma vida em sentido mais pleno de modo que possa conhecer e transformar sua situação social e existencial marcada pela complexidade e globalidade, mostra necessidade de adotar o paradigma da interdisciplinaridade. 22 Eis aí um grande desafio da educação que vê na interdisciplinaridade uma possibilidade de aproximação entre ação e pensamento. Mas o que é interdisciplinaridade? “Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e o engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global de mundo, e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realidade atual” (LÜCK, 2013, p.47). Este conceito foi elaborado a partir do levantamento de proposições que um grupo de professores do Paraná concluiu ao pesquisar sobre o tema. Para eles a interdisciplinaridade: fazia elo entre as disciplinas, tornavapossível a associação do ensino à realidade, estava acima da fragmentação, estabelecia uma linguagem em comum entre os professores e formava o aluno de maneira global. A interdisciplinaridade promove uma mudança de paradigma sobre o conhecimento, pois ela consegue congregar os saberes e através dessa integração muitos questionamentos da realidade humana encontram respostas. Para compreender a interdisciplinaridade é necessário refletir sobre o pensamento filosófico que sempre se preocupou em obter respostas acerca do mundo, sobre o sentido das coisas e qual a relação que estabelecia com a existência humana. As primeiras explicações foram de ordem mítica, as respostas que os homens procuravam sobre o acontecimento das coisas eram atribuídas a divindades, e por meio delas tudo se explicava. Mas, não foi suficiente para explicar tudo pois, a explicação advinha do sobrenatural e chegou momento que a filosofia começa a olhar para o interior das coisas e por meio da razão encontrar o significado, dando início ao modo metafísico de pensar. Mas com o passar do tempo, a consciência filosófica não acreditava somente na explicação racional e outros pensadores, os cientistas, passaram a argumentar e creditar o sentido das coisas pela ciência e isto perdurou por um tempo até que outra perspectiva foi constituída superando as concepções anteriores. A concepção dialética sintetiza e integra os aspectos positivos das correntes de pensamento 23 anteriores mas, desta feita mais próxima da realidade, pois coloca em evidência que o sujeito e o objeto se instituem mutuamente e além disso, cada modo de pensar tem sua importância. Nisto traçamos um paralelo com o pensamento interdisciplinar que não dissocia crença, razão e ciência, o que existe é tentativa de resgatar o pensamento lógico da totalidade e encontrar respostas a partir de observações feitas de um objeto em diferentes ângulos. É o que nos afirma Ferreira A interdisciplinaridade perpassa todos os elementos do conhecimento, pressupondo a integração entre eles. Porém, é errado concluir que ela é só isso. A interdisciplinaridade está marcada por um movimento ininterrupto, criando o recriando outros pontos para discussão [...] Apesar de não possuir definição estanque, a interdisciplinaridade precisa ser compreendida para não haver desvio na sua prática. A ideia é norteada por eixos básicos como: a intenção, a humildade, a totalidade, o respeito pelo outro, etc. (FERREIRA, 1999, p.34) Nisto converge o trabalho coletivo posto que os profissionais precisam sair de suas zonas de conforto e deslocar-se para um ponto em comum a fim de que possam realizar um trabalho interdisciplinar em que o diálogo é o elemento chave. Lück (2013. p. 59) vem corroborar com este pensamento quando afirma que Não há receitas para a construção interdisciplinar na escola. Ela se constitui em um processo de intercomunicação de professores que não é dado previamente e, sim, construído por meio de encontros e desencontros, hesitações e dificuldades, avanços e recuos, tendo em vista que, necessariamente, se questiona a própria pessoa do professor e seu modo de compreender a realidade no processo. Conforme afirmamos anteriormente, o diálogo é um elemento de muita importância para a prática interdisciplinar, pois através dele os pensamentos vão sendo revelados a partir do momento em que as “caixinhas” de ideias vão se abrindo e possibilitando a oportunidade de tecer tudo em conjunto, permitindo a integração de conhecimentos revelando que o significado surge quando as peças se juntam. Portanto, “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une” (MORIN, 2014, p.89). A abordagem interdisciplinar preocupa-se na formação integral do indivíduo, que Morin chama de “Uma cabeça bem feita”, em que o indivíduo possui competência para lidar com os problemas, organizando-os de maneira tal que o 24 armazenamento faça sentido através de suas conexões e não resulte somente num acúmulo de informações. No entanto, para que se chegue nessa condição é necessário um grande envolvimento dos profissionais da educação no trabalho interdisciplinar, pois, este ainda é um campo desconhecido chegando muitas vezes a ser confundido com “trabalho cooperativo e em equipe, visão comum do trabalho, pelos participantes de uma equipe, integração de funções, cultura geral, justaposição de conteúdos e adoção de um único método de trabalho por várias disciplinas” (LÜCK, 2013, p.39- 40). Esta confusão se dá porque sempre se está pensando a educação como peças separadas que podem se unir mas, sem a realização de uma reflexão sobre onde se pretende chegar. A interdisciplinaridade se coloca no âmbito do saber em movimento contrário à fragmentação. A prática de ensino há muito realizada pela escola condicionou o aluno a fazer reproduções fazendo com que ele tivesse uma visão incompleta, pois nessa concepção se compreendia que para melhor conhecer era necessário dividir. Já na prática interdisciplinar o aluno é livre para problematizar sobre sua realidade onde estabelece um vínculo de aprendizagem com o professor, que é fundamental no avanço da “realização da ligação dos conhecimentos” (MORIN, 2014, p. 32). No modelo de aula disciplinar de língua Portuguesa, por exemplo, o professor prioriza a transmissão de pequenas partículas de uso gramatical a partir de um texto sem fazer interlocução com o todo da produção escrita. Os conteúdos são apenas repassados pelo professor e aglomerados pelo aluno que exerce uma atitude passiva e o principal, que são as várias formas de comunicação da língua enquanto interação fica a parte. Exclui-se a reflexão do uso da língua sobre o que o aluno irá pôr em prática e para quê após apreender as regras gramaticais. No modelo de aula interdisciplinar a língua é vista como uma prática social que circula por todos os meios, portanto, consegue estabelecer relação entre as disciplinas. O conteúdo de Língua Portuguesa pode ser somado à outra disciplina a partir de um tema gerador que atenda o interesse do aluno. Isso não quer dizer que os professores precisam atuar juntos, mas procurar seguir uma sequência lógica de sua prática traçando um diálogo entre as disciplinas que por sua vez irá derivar motivação por parte dos alunos. 25 Em suma, a interdisciplinaridade situa-se no conceito da orientação das ações pedagógicas no sentido de aproximar os conhecimentos através do diálogo, que embora, aparentemente, opostos partem de um mesmo princípio e deve convergir ao sujeito da aprendizagem, o aluno, de maneira a situá-lo no mundo. A partir do entendimento de como se orienta a prática na perspectiva interdisciplinar e por considerá-la um fator de transformação para o ensino na atualidade, pois reaproxima os saberes, consideramos que esta abordagem promova um salto qualitativo frente aos problemas encontrados na ministração da literatura na sala de aula. 3.2 Por dentro da literatura A literatura contribui para a aprendizagem significativa no processo de alfabetização. David Ausubel definiu a teoria da aprendizagem significativa como o conhecimento prévio que o aluno possui que serve de base para estruturar novos conhecimentos, ou seja, há uma organização das informações que o indivíduo recebe e integra ao seu desenvolvimento cognitivo. Esta aprendizagem pode ser por recepção – quando o aluno recebe uma informação pronta e dela consegue fazer associações atribuindo significado – ou por descoberta – quando o aluno constrói novos conhecimentos a partir das estruturas que possui. A aprendizagem significativa por recepção epor descoberta contrapõe ao que Ausubel chamou de uma aprendizagem mecânica, que é muito veiculada pela escola, neste tipo de aprendizagem o aluno é condicionado a memorizar, repetir as ações, sem haver qualquer ancoragem que permita a compreensão e uma eventual progressão. Sendo a literatura constituída por vivências há o pressuposto de utilizar conhecimentos anteriores e nisto reflete a aprendizagem significativa, porque se não houvesse uma base o trabalho com texto literário seria apenas um ato mecânico. São aspectos como estes que acreditamos possuir a literatura e que serão aqui ressaltados. A apreensão da literatura passa pela formação do leitor, pois só através da prática da leitura é que vão ser construídas as conexões para uma leitura que exija 26 do leitor o desejo de conhecer mais profundamente a linguagem literária. E este processo deve ter início já nos primeiros anos de vida, quando a criança ouve histórias que são contadas por repetidas vezes, pois estas causam admiração, prazer, satisfação. Quando a criança se apropria do processo de leitura e escrita passa a realizar a leitura por si mesma e, se ela já estabeleceu a relação de sentido que a leitura causa – age de forma interpretativa sobre o texto – continuará a desenvolver mecanismos que lhe permitirão envolver-se com o texto literário, já que a leitura invoca uma participação ativa do leitor. Nisto vemos que “a atividade de leitura propicia, a expansão do leque de experiências do sujeito, que passa a interagir com novas ideias e sentimentos, novas formas de conceber o mundo e as relações humanas” (AGUIAR, 2013, p.154). Ainda segundo a autora são os textos literários que favorecem a ampliação de sentido que o leitor adquire no ato da leitura. A literatura por sua vez é a arte da palavra. É uma arte em que o conhecimento é dilatado estando a serviço do leitor num processo de construção do saber para a vida e, é através do jogo com as palavras que o leitor traça uma linha favorável a comunicação. Porém, é necessário conhecê-la um pouco mais. Em sua estrutura, a literatura, é compreendida por divisões que são nomeadas de gênero, estes por sua vez apresentam subdivisões. Tomaremos como base a categorização adotada por Coelho que concebe como gênero: a poesia, ficção e o teatro. Para a autora Gênero (ou forma geradora) é a expressão estética de determinada experiência humana de caráter universal: a vivência lírica (o eu mergulhado em suas próprias emoções, cuja expressão essencial é a poesia; a vivência épica (o eu em relação com o outro, com o mundo social), cuja expressão natural é a prosa, a ficção; e a vivência dramática (o eu entregue ao espetáculo da vida, no qual ele próprio é personagem), cuja expressão básica é o diálogo, a representação, isto é, o teatro (COELHO, 2000, p.163). A autora expressa um entendimento de gênero vinculado à experiência humana, geradora de vivências diferenciadas com a palavra. São vivências que exploram mais as emoções, como a poesia; ou que abordam a dimensão épica do viver, como a prosa; e por fim, vivências que tematizam o dramático, como o teatro. 27 São mencionadas vivências com a palavra que considero como categorias centrais a poesia, a prosa. A autora simplifica os conceitos congregando-os em blocos mobilizando o sentido para a ação do eu em relação a si mesmo e ao outro, ou seja, o significado do que é gênero parte da comunicação que o texto propõe; com isto evita-se o enrijecimento de definição das partes subsequentes que ficam reunidas conforme suas formas. Em relação à poesia podemos elencar o soneto, ode, hino como parte de sua composição pelos aspectos de exaltação que possuem. No campo da ficção está o conto, romance, novela e também a literatura infantil, entre outras narrativas. A representação através da farsa, tragédia e comédia caracterizam o teatro. Essa classificação de gêneros retoma as considerações de Aristóteles em Arte Retórica e Arte Poética (1882). Esclarecidas essas definições podemos prosseguir com o entendimento que a literatura perpassa por caminhos diversos operando através da emoção, imaginação, atuação, oralidade, cognição, espaço, tempo, etc., não é uma construção de pensamentos fechados, ela é fruto de uma produção de sentido de tanto de quem a idealiza quanto daquele que lê. E se ela é fruto das vivências de um autor/criador que se faz representar por meios de palavras também deverá ter como produto um leitor/criador que terá como missão desbravar as letras ali representadas, isso é possível devido a autonomia que é permitida na obra literária. Pois, na medida em que a literatura é feita por vivências, tanto autor quanto leitor se permitirão representar através das letras. “Por isso, pode-se dizer que o texto literário é plurissignificativo, permitindo leituras diversas justamente por seus aspectos em aberto” (BORDINI e AGUIAR, 1993, p.15). A literatura desperta muitos saberes que são construídos a partir do entrecruzamento de possibilidades de mundo que não estão aparentes no texto o leitor é que vai preenchendo as lacunas, seguindo pistas deixadas ou não pelo autor da obra. E podemos conferir esse pensamento com a fala de Rezende ao citar Rouxel quando fala que O leitor investe no texto a partir de sua experiência de mundo e da literatura e se afigura o universo ficcional com imagens mentais que lhe são próprias. Ao mesmo tempo, a incompletude do texto suscita no leitor uma forte atividade inferencial: inferências lógicas, resultantes do sistema linguístico, inferências pragmáticas que convocam saberes enciclopédicos (2013, p. 25). 28 Nisto percebemos que a literatura é um grande investimento a se fazer em todo percurso escolar, pois sua leitura exige uma grande atividade mental exigindo do leitor grandes articulações que para fazê-las é necessário que ele tenha consigo algumas vivências. Sendo a literatura uma arte de palavras em movimento ela de fato possui características de cunho interdisciplinar? A literatura possui aspecto interdisciplinar porque comporta uma multiplicidade de sentidos, isto é, permite uma abertura para várias leituras. O próprio modo de categorização não está fechado em si, antes, dispõe de vários significados. A literatura põe em evidência o “eu”, não no sentido egocêntrico da palavra, mas enquanto sujeito reflexivo, e este “eu” pode ser quem quiser se apresentar como tal, isto é, autor e leitor não ficam no campo de doador e receptor, pelo contrário juntos travam um embate de luta pelo significado. A literatura é transformadora. Monteiro percebe que a atividade com a literatura vai além do ensino disciplinar, pois para ele As palavras literárias estão habitadas por um grau de complexidade que um ensino disciplinar não tem condições de perceber tampouco evidenciar. A literatura é uma criação da mente humana e a linguagem também é uma criação da mente humana. A mente humana é complexa e a linguagem literária, sendo uma de suas invenções, também o é. Um ensino disciplinar não compreende que tudo é criação da mente do homem, visto que acredita que o objeto é alheio ao sujeito, que o objetivo é alheio ao subjetivo (2007, p. 127). Portanto, abordar o ensino literário de forma disciplinar é penalizar todo um processo de construção simbólica que tem como pano de fundo o mundo real. É também querer responsabilizar uma área para dar respostas que necessitam dialogar com outros conhecimentos tamanha complexidade que a literatura exige. “A criação literária será sempre tão complexa, fascinante, misteriosa e essencial, quanto a própria condição humana” (COELHO, 2000. p. 28). E por ser tão complexaé que deve ser apresentada a partir do período da infância para seguir numa sequência gradativa de inserção. A infância é caracterizada por ser uma fase que a linha entre o real e o imaginário é bastante tênue, através das brincadeiras a criança representa seu mundo, a ficção, portanto, faz parte desse momento de aprendizagem. No universo 29 literário constata-se a identificação desses pequenos com os contos e as fábulas. Que características interdisciplinares há nesses dois gêneros? 3.2.1 O conto de fada e o seu aspecto interdisciplinar Quem nunca ouviu uma criança pedir para contar uma história e ouvi-la dizer: era uma vez... Estas palavras já estão imbricadas no inconsciente das crianças que as pronunciam de maneira automática quando se debruçam a contar uma história. Os olhos acendem quais faróis e a atenção remete a uma hipnose. Este é o momento que inicia o transporte para o imaginário. O conto tem origem milenar, no período em que a religião era parte muito importante da vida das pessoas e os ensinamentos eram transmitidos através da oralidade. Os autores mais conhecidos por reunir essas narrativas são Charles Perrault, irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. As versões que cada um escreveu trazem consigo influências da época em que foram escritos. A princípio as histórias não eram voltadas às crianças. Seu conteúdo sofreu alterações para atender ao público infantil, e com isso são disponibilizadas inúmeras adaptações. De linguagem metafórica os contos possibilitam várias interpretações, fazem a criança lidar com a vida real através da ficção como também a lidar com os conflitos, pois o seu conteúdo apresenta relação direta com os dilemas enfrentados ao longo do processo de amadurecimento do indivíduo que são os medos, perdas, alegrias, conquistas e outros. É uma história curta, com poucos personagens, ocorrem em tempo determinado curto. Ao final cada história traz um final feliz. No conto estão em confronto: o bem e o mal, fortes e fracos; situações que são vivenciadas pelas crianças, por isso sua identificação com as narrativas. Os contos transmitem o encantamento, a possibilidade de se transportar para o mundo mágico que é o que a criança precisa para fortalecer a sua relação com o enfrentamento dos conflitos que surgem no dia a dia. São também decisivos para a formação da criança em relação a si mesma e ao mundo que a cerca. Analisando os contos de fadas Amarilha entende que Os contos de fada, com seu rico referencial simbólico, ressaltam o papel que a literatura deve ter para a criança. O de tornar acessível ao leitor 30 experiências imaginárias que sejam catalisadoras dos problemas do desenvolvimento humano e assim proporcionar autoconfiança sobre o seu próprio crescimento (2009, p.74). A autora ainda afirma que o texto ficcional atua como suporte para que o indivíduo consiga superar suas dificuldades. Quando a leitura é interessante é comum que as crianças peçam para repeti- la ao ponto de elas mesmas executarem a narração, isso se dá porque houve ali um processo de identificação. É o que podemos concluir com esta afirmação de Parreiras Quando a criança pede para repetirmos a leitura de um conto de fadas infinitas vezes, há algo ali a ser elaborado por ela. Não faz mal ler de novo, contar mais uma vez. Ao ouvir a história ou lê-la novamente, a criança tenta entender seus conflitos. Isso é feito de uma maneira absolutamente inconsciente (2012, p. 150). Como pode se ver o argumento acima traduz que no conto a criança encontra a porta de escape para saber agir no mundo, ela faz uso das narrativas para resolver situações reais sem, portanto, trazer nenhum desconforto, pois sabe que a situação se passa no mundo imaginário e que ela ao final da história voltará a sua realidade. Podemos verificar aspectos interdisciplinares no conto “Cinderela” que também podem vir com o título de “Gata Borralheira”. Por ser uma obra de domínio público possui muitas adaptações. A adaptação que escolhemos é da coleção: Clássicos inesquecíveis. 31 Era uma vez uma linda menina chamada Cinderela que morava com a madrasta e suas duas irmãs de criação. Apesar de ter poucos direitos e muitos deveres, Cinderela vivia feliz e fazia todos os serviços com alegria. A chegada de um convite para uma festa no palácio deixou a casa agitada: roupas novas, enfeites e muitos preparativos, porque o príncipe ia escolher uma das convidadas para ser sua noiva. E chegou o grande dia! A madrasta e suas filhas saíram para a festa, enquanto Cinderela cuidava dos serviços domésticos. De repente, uma fada apareceu no meio da sala e disse: - Cinderela, você também vai a essa festa! Com sua varinha mágica, transformou Cinderela: vestido de baile, penteado, sapatinhos de cristal, uma carruagem, tudo lindo, lindo! Mas avisou que aquele encantamento acabaria à meia-noite. Ao chegar ao castelo, foi vista pelo príncipe que, encantado por aquela linda moça, não deu atenção a mais ninguém. Dançaram felizes e apaixonados por longas horas. 32 Ao ouvir a primeira badalada da meia-noite, Cinderela lembrou-se do aviso da fada e correu em direção à carruagem. Na pressa, perdeu um dos sapatinhos no meio da escadaria. O príncipe não pôde alcançá-la, mas recolheu o sapatinho de cristal e anunciou que se casaria com a pessoa que conseguisse calçar aquele sapato. Representantes do príncipe experimentaram o sapato em todas as moças do reino, mas o sapato não serviu em nenhuma delas. Quando chegou a vez de Cinderela, a surpresa foi geral. Ninguém podia imaginar que ela era a verdadeira dona do sapatinho de cristal. Desfeito o mistério, Cinderela foi levada para o castelo. Após muitos preparativos, aconteceu o tão esperado casamento e os noivos viveram felizes por muitos e muitos anos. Tecendo fios que identifiquem aspectos interdisciplinares neste conto podem surgir temas que abordem sobre a constituição das famílias, que como consta na história de Cinderela constata-se que em seu núcleo familiar havia uma madrasta e duas meia-irmãs, também podemos abordar sobre os direitos e deveres das crianças, pois Cinderela era explorada a realizar atividades exaustivas, e também é possível explorar o estilo de vida da família real que na história está expresso na figura do príncipe. Tudo numa linguagem acessível à faixa etária do aluno. O professor tem a oportunidade de fazer muitas leituras a partir deste conto, leituras que dizem respeito à realidade de vida do aluno. 3.2.2 Fábulas: efabular redes de significação De igual modo há o encantamento das crianças pelas fábulas, narrativas cujos personagens protagonistas são os animais que vivenciam situações no plano das vivências humanas. Autores como Esopo e La Fontaine estão entre os mais lidos. As fábulas também trazem experiências para as crianças, e algumas fábulas são bastante conhecidas. A cigarra e a formiga, uma fábula clássica escrita por La Fontaine, conta que nos dias quentes do verão a cigarra ficava a aproveitar o calor do dia enquanto a formiga trabalhava armazenando alimento para quando o inverno chegasse. A 33 formiga aconselhou que a cigarra fizesse o mesmo, porém, ela não lhe deu ouvidos. Quando o inverno chegou a cigarra não tinha o que comer enquanto a formiga tinha fartura de alimento por haver estocado. A lebre e a tartaruga, é de autoria atribuída a Esopo, conta que a lebre vivia caçoando da lerdeza da tartaruga, até que um dia a tartaruga, cansada das gozações, resolve desafiar alebre para uma corrida. A lebre não hesitou em aceitar, achou que ganharia fácil da lenta tartaruga. A corrida iniciou a lebre saiu bem à frente porém, sua presunção fez com que ela parasse para dar um cochilo. E foi então que a lenta tartaruga passou e ganhou a corrida. A raposa e as uvas narra que uma raposa faminta ao passar por um pomar viu um cacho de uvas e então, fez de tudo para alcançá-las, mas não conseguiu e se convenceu de que era inútil ficar tentando, por isso, acabou desistindo de comê- las. E para justificar seu insucesso saiu pelo caminho dizendo consigo mesma que as uvas estavam estragadas. Nas fábulas os animais ali representados têm uma característica de comportamento específica como, por exemplo: a lebre representa agilidade, a raposa representa a esperteza, a tartaruga representa a lentidão, estas são características dos seres humanos; o seu objetivo é transmitir uma lição de moral ao fim da narrativa como podemos perceber nos exemplos citados. A moral trazida pela história da cigarra é que: quem quiser passar bem pelo inverno, enquanto for jovem, deve aproveitar melhor o tempo, ou seja, existe tempo para tudo. Na história da lebre a moral apresentada é que devagar se vai ao longe, por maior que seja o desafio o importante é não desistir. Já na história entre a raposa e as uvas a reflexão que se faz é que devemos aceitar nossas limitações. Ler ficção é, portanto, duplamente gratificante. Quando entramos em contato com o conhecido, temos a satisfação de encontrar a nós mesmos no próprio texto, num processo rápido de identificação que facilita a acomodação. Na experiência com o desconhecido, acontece a descoberta de modos alternativos de ser e de viver (AGUIAR, 2013, p. 160). São através de leituras como essas que ocorrem as transformações necessárias visto que essas leituras carregam aspectos do cotidiano, pois, estas versam sobre a vida. 34 O gênero da ficção relatado acima não atua com único elemento capaz de despertar o conhecimento dos alunos em processo de alfabetização, pelo contrário, quanto mais mantiverem contato com todas as circulações dos gêneros literários, mais rico será o aprendizado. O detalhe é que para se compreender a literatura é necessário gostar do que se está lendo, daí justificasse a introdução através dos contos, fábulas que são de linguagem mais próxima da realidade das crianças. Nesse contexto a formação por meio da literatura apoiada na interdisciplinaridade se confirma, torna-se satisfatória já que a literatura consegue transpor as barreiras entre as disciplinas. Em histórias como estas exemplificadas, há pontos em comum que as áreas de ensino devem considerar e, é isto que caracteriza um trabalho interdisciplinar. Em entrevista a revista Nova Escola Teresa Colomer menciona que a “literatura é um conteúdo que precisa ser ensinado nas escolas porque possibilita refletir sobre o mundo, criar realidades, ampliar o repertório de linguagem e formar comunidades que se identificam com um determinado conjunto de obras, entre outras habilidades”. Portanto, são muitas as funções da literatura e resumi-la a um conteúdo linguístico com a proposição de exercícios sem significado é um ato de desonestidade para com o leitor. Como vemos a literatura aplicada à infância contribui na formação intelectual dos leitores, porque o leitor percebe que faz parte de um contexto quando se vê representado nas histórias, mudam apenas os nomes dos personagens, mas as situações de vidas são as mesmas e isto independe da idade de quem está lendo, a literatura é capaz de captar todos os anseios. O que se tem a fazer com o uso literário em sala de aula é empenhar esforços para conquistar os leitores e assim mostrar que na literatura estão reunidos vários elementos que nos dão prazer assim como música e artes, todos esses elementos dão sentido a nossa vida. Assim sendo, a literatura, possui elementos suficientes que possibilitam a realização de um trabalho interdisciplinar. Tomando as narrativas citadas anteriormente como exemplo a criança pode realizar várias inferências diante do texto estando em qualquer aula, basta tão somente que haja uma contextualização da atividade proposta que permita a criação 35 por parte do aluno e isso não acontece quando numa atividade o aluno é direcionado a dar uma resposta única. Na fábula “A raposa e as uvas” o aluno pode ser questionado sobre qual atitude tomaria no lugar da raposa, procurar outra história parecida, citar exemplo da sua vida real, enfim as possibilidades de se trabalhar com o texto literário são inúmeras. De igual modo, na fábula “A lebre e a tartaruga”, vários conteúdos podem ser abordados tais como artes, ciências, educação física. Em artes pode-se incluir a música que também é componente lúdico para a faixa etária de alfabetização ou fazer os alunos reproduzirem a história por meio de desenhos. As características dos animais (aquáticos, terrestres, etc.) também podem ser abordadas no conteúdo de ciências. O conhecimento do esquema corporal, as brincadeiras e modalidades de esportes são alguns conteúdos para a Educação Física. Já em “ A cigarra e a formiga”, o conteúdo pode até abranger a disciplina de geografia abordando sobre as estações do ano. Enfim, tudo irá depender do engajamento dos educadores de fazer com que uma simples história culmine em uma aula significativa. 36 4 ALTERNATIVAS DIDÁTICAS INTERDISCIPLINARES NO TRABALHO PEDAGÓGICO COM A LITERATURA 4.1 Aprendendo a conhecer Pontuamos durante todo este trabalho sobre o uso da literatura na sala de aula, destacamos sua função, importância e atribuições como também verificamos que conjugá-la ao contexto interdisciplinar logra êxito junto ao processo de ensino e aprendizagem. Neste capítulo buscaremos por alternativas que direcionem para o seu uso competente em sala de aula de forma a preencher as lacunas encontradas no transcurso de nossa pesquisa. No contexto que temos analisado a literatura está sofrendo grande ameaça, pois no modo como tem sido veiculada pela escola é percebido que sua finalidade está sendo equiparada a um produto utilitário uma vez que deveria estar situada como um manifesto da vida pela palavra. Esse modo de proceder está completamente equivocado, pois não se concebe ensinar literatura em caráter puramente pedagógico. O professor, por ser o mediador do ensino, carrega consigo grande responsabilidade em modificar esse quadro, pois é ele quem lida diretamente com os alunos. Deve então, através de sua prática, buscar meios que possibilitem o reconhecimento do uso da literatura como ferramenta indispensável à vida e ao ensino. As palavras de Bordini e Aguiar (1993) respaldam essa afirmação, pois para elas “se o professor está comprometido com uma proposta transformadora de educação, ele encontra no material literário o recurso mais favorável à consecução de seus objetivos” (1993, p. 18). No entanto, um professor comprometido, precisa elaborar sua prática cuidadosamente, deve antes de tudo conhecer os alunos e possuir um repertório de histórias e poesia a contar, saber que tipo de literatura estão aptos a receber, qual obra será mais bem indicada e para quais faixas etárias, visto que em cada período da vida o indivíduo constitui suas preferências, sendo deste modo, necessário conhecer o processo de desenvolvimento do leitor. 37 Bordini e Aguiar (1993) fazem distinção de cinco fases de leitura definidos por Richard Bamberger, cujas fases destacaremos a seguir: A primeira fase é a idade dos livros de gravuras e dos versos infantis (de 2 a 5 ou 6 anos) – fase das primeiras aprendizagens, a criança é egocêntrica, não consegue se colocar no lugar do outro. O auxílio de gravuras simples que a façam distinguir objetos é recomendável para essa faixa etária. A segunda fase é a idade dos contos de fadas (5 a 8 ou 9 anos) – fase em que a criança elabora suas vivências através da fantasia, o faz-de- conta é fundamental para resolução de conflitos. A terceira fase é a idade da história ambiental e da leitura factual (9 a 12 anos) – fase que ainda possui atração pelo mundo da fantasia, mas que já começa uma aproximação pelas histórias mais realistas. A quarta fase é a idade da história de aventuras ou fase de leitura apsicológica, orientada para as sensações (12 a 14 anos) – período de grandes descobertas por ser a fase da pré-adolescência cuja personalidade se solidifica. O leitor dessa faixa é mais atraído por leituras sensacionalistas, sentimentais e de personagens perversos. Na quinta fase são os anos da maturidade (14 a 17 anos) – o leitor tem um gosto mais apurado voltado para leitura de conteúdo intelectual, livros de viagens, romances, histórias de amor, biografias leituras que o aproximam da vida adulta. O entendimento dessas fases auxilia o professor ao tipo de suporte que deve dar ao aluno no processo de leitura, pois, na medida em que compreende que tipo de literatura é mais apropriada ao aluno, melhores serão os resultados obtidos para 38 que este avance as etapas seguintes. A combinação de objetivos e compreensão do nível de maturação do leitor resulta em consolidação da aprendizagem. Além de observar a fase que o leitor se encontra para escolha das obras o professor também deve considerar qual o nível de leitura do aluno, visto que o domínio da leitura depende de outros mecanismos além da idade, vai considerar também na visão de Coelho (2000), o amadurecimento biopsíquico-afetivo- intelectual, ou seja, compreende o desenvolvimento do sujeito em sua totalidade. E isto implica em alguns princípios norteadores para a escolha de livros a serem trabalhados em sala em conformidade com cada categoria de leitor. Estas categorias se definem a medida que o leitor avança no processo de alfabetização. Coelho classifica cinco níveis de leitura baseados em um padrão normal de desenvolvimento. Pré-leitor – abrange a primeira e segunda infância período em que se dá início a organização da linguagem. A criança manipula o que está ao seu redor caracterizando suas primeiras conquistas, depois passa à fase egocêntrica até adquirir confiança passar a explorar mais o mundo exterior. Neste nível as letras não trazem muito significado são as imagens que predominam e estas devem indicar à criança algo significativo para ela. Para este leitor os livros mais indicados são os que estimulam os sentidos, portanto, a criança deve manusear os livros feitos de materiais como plástico, pano, emborrachado, em formas diversas, por ser uma fase de descoberta e nesses livros deve conter textos curtos e que explorem bastante as imagens. O livro atua como brinquedo e a criança precisa desse objeto para estabelecer comunicação entre o mundo e a fantasia. Leitor iniciante – fase de aquisição do processo de escrita onde a criança já faz diferenciação entre números e letras reconhecendo a representação da escrita, tem grande capacidade de memorização. Nesta fase a criança necessita de muito estímulo por ser um processo de muitas descobertas do universo letrado. Para este leitor ainda deve 39 haver a predominância das gravuras, histórias curtas, com elementos que estimulem seus sentimentos, dando possibilidade de ampliação de sua aprendizagem. Leitor em processo – nesta fase já há o domínio do processo de leitura e escrita e a criança sente-se atraída pelos desafios. Portanto, os textos para este leitor serão aqueles em que haja solução de algum desafio. As narrativas ainda devem ser de simples compreensão com características de humor, que permitam reflexão, em situações reais ou imaginárias. Leitor fluente – nesta fase o leitor já consegue fazer o uso competente da leitura com algumas ressalvas, seu poder de concentração é maior o que lhe permite uma maior interação com o texto. É capaz de fazer suas próprias inferências sobre o texto, pois já possui um equilíbrio emocional. Diferente das fases anteriores, a presença do adulto para lhe dar o suporte já não é necessária. Os textos que lhe atraem são aqueles com heróis, com linguagem mais elaborada, e nessa fase há uma expansão de interesse por gêneros como conto, crônicas, novelas, mitos e lendas carregados de muita aventura. Leitor crítico – fase de pleno domínio da leitura onde o pensamento reflexivo e crítico são acentuados. Nesse período deve-se iniciar o leitor a um conhecimento básico de teoria literária a fim de que possa permitir uma maior criticidade por parte desse leitor, pois a leitura será realizada por prazer mais também por muitos questionamentos. Portanto, para este leitor os textos que o atrairão serão os de interesse a problemas sociais, ou seja, que reflitam a sua realidade. Estas categorias não estão engessadas, são apenas fios condutores de aplicação da literatura fundamentada no desenvolvimento do leitor. Tomadas essas medidas de adequar a literatura à faixa etária dos alunos e assim fazer a seleção adequada de material para a realização da leitura vai viabilizar um trabalho efetivo com o uso da literatura em sala de aula. Seguindo essas orientações o professor 40 não irá incorrer no erro de utilizar o texto literário em fragmentos ou somente para fins didáticos através do ensino de conteúdos, seguindo um padrão tradicional e inexpressivo. Como explica Rouxel apud Rezende O professor do Ensino Fundamental I busca primeiro, mediante questões abertas, compilar a leitura dos alunos, identificar zonas de incompreensão ou de dificuldades, para submetê-las ao debate interpretativo. Ele também pode guiar a atenção para o texto e fazer com que os alunos levantem hipóteses e cheguem a interpretações aceitáveis ou satisfatórias (2013, p.29). Nesta proposição também se insere o confronto com textos mais densos, pois a medida que o aluno avança o professor propõe novos desafios por meio do jogo que é proposto no texto literário, o professor convida o leitor a participar de uma exploração maior do texto fazendo com que este ganhe maturidade. Percebemos o quanto é importante a participação do professor para atingir a finalidade do ensino. Em suma o relacionamento entre professor e aluno deve ser transparente e coerente com a intenção educativa, pois segundo Zabala (1998), para que o aluno compreenda o que faz dependerá em grande parte da ajuda do professor. Zabala faz menção de algumas funções que o professor deve propor em sua prática a fim de promover a aprendizagem. a) Planejamento – elaboração de meios e estratégias que contemplem a dinâmica da aula atendendo as necessidades dos alunos; b) Levar em conta as contribuições dos alunos tanto no início das atividades como durante o transcurso das mesmas; c) Ajudar os alunos a encontrar sentido no trabalho que irão realizar; d) Estabelecer metas que sejam alcançáveis; e) Oferecer ajuda através de intervenção e suporte pedagógico; f) Promover atividade mental de forma que o aluno consiga consolidar os conhecimentos; g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações que facilitem a autoestima e o autoconceito; h) Promover canais de
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