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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 1 APELAÇÃO CÍVEL Nº: 0477421-71.2015.8.19.0001 APELANTE: CENTRO CULTURAL CORDÃO DA BOLA PRETA APELADO: SABURA BAR E LANCHONETE LTDA EIRELI DESEMBARGADORA RELATORA: MARCIA FERREIRA ALVARENGA APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO. CESSÃO DE USO DE IMÓVEL EM TROCA DA REALIZAÇÃO DE OBRAS PARA ATENDIMENTO DE EXIGÊNCIA DE TERCEIRO. PRIORIZAÇÃO DE OBRAS DE INTERESSE DO CESSIONÁRIO EM DETRIMENTO DAQUELAS VOLTADAS À SATISFAÇÃO DA PRÓPRIA FUNÇÃO DO CONTRATO. VIOLAÇÃO DO DEVER ANEXO DE COLABORAÇÃO IMPOSTO PELA BOA-FÉ. RESOLUÇÃO DO CONTRATO IMPUTÁVEL AO CESSIONÁRIO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DO AUTOR A SER COMPENSADA COM RESSARCIMENTO DAS BENFEITORIAS REALIZADAS PELO RÉU. DANOS MATERIAIS DEVIDOS. INEXISTÊNCIA DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. 1- Ainda que não houvesse cronograma expressamente firmado entre as partes, o princípio da boa-fé, a impor conduta cooperativa, justificava que se priorizassem as obras cuja inexecução levaria à perda da posse do imóvel, inviabilizando a razão de ser do contrato. Dessa forma, a responsabilidade pela inexecução das obras deve ser imputada ao réu, que falhou ao não realizar adimplemento adequado à função do contrato, na medida em que priorizou as obras que atendiam ao seu interesse particular de poder lucrar com o uso do imóvel, em detrimento das obras que atendiam mais diretamente à função do negócio firmado entre as partes. 2- Deve ser acolhida a pretensão à indenização dos danos decorrentes dos eventos, pois, nada obstante o próprio autor reconhecer que autorizou a realização dos eventos antes do fim das obras, foi o Bar Sabura que assumiu o risco de infração quanto à Lei do Silencio, bem assim a fixação indevida de propaganda de 1053 MARCIA FERREIRA ALVARENGA:000014052 Assinado em 29/09/2016 15:04:18Local: GAB. DES(A). MARCIA FERREIRA ALVARENGA Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 2 eventos, e outras despesas comprovadas, sendo cabível a pretensão indenizatória pelos danos materiais causados. 3- O mesmo não vislumbro quanto aos danos morais, eis que não há prova da lesão extrapatrimonial. 4- Afasta-se, também, a pretensão à aplicação da multa prevista na cláusula nona do contrato, eis que a multa em questão é prevista para incidir somente no caso de violação de cláusula contratual, enquanto, no caso, a rescisão foi imputada ao réu pelo descumprimento de dever anexo, decorrente da boa-fé, não previsto no contrato. 5- Quanto à participação nos lucros, o direito do autor é incontroverso, limitando-se o réu a invocar a compensação com valores que lhe seriam devidos, razão pela qual deve-se avaliar a legitimidade dos pedidos contrapostos do réu. Nesse ponto, ainda que se reconheça que o réu é responsável pela inexecução do contrato, isso não afasta, por si só, a pretensão de ressarcimento pelas benfeitorias realizadas, já que as obras priorizadas foram adequadamente realizadas e tinham sido contratadas pelo autor. Dessa forma, justifica-se seu direito a ser ressarcido pelas obras encomendadas e realizadas, em benefício do autor, sob pena de configurar-se enriquecimento sem causa. Consequentemente, a compensação pretendida deve ser verificada em sede de liquidação de sentença, mediante a avaliação da extensão do direito do autor à participação nos lucros dos eventos realizados e do direito do réu ao ressarcimento das benfeitorias úteis e necessárias executadas. 6- Enfim, quanto ao valor da causa, reputo restar clara a aplicação do artigo 259, V, do CPC/1973, então vigente, pois no processo em exame o autor pretende discutir exatamente o cumprimento do negócio jurídico firmado entre as partes, razão pela qual o valor da causa deveria corresponder ao valor do contrato. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Cível nº 0477421- 71.2015.8.19.0001, em que é apelante CENTRO CULTURAL CORDÃO DA BOLA 1054 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 3 PRETA e apelado SABURA BAR E LANCHONETE LTDA EIRELI, acordam os Desembargadores que integram a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação, para julgar procedente em parte o pedido autoral, a fim de rescindir o contrato firmado entre as partes, condenar o réu ao ressarcimento dos danos materiais, no valor de R$ 10.175,48, devidamente corrigidos monetariamente da data do ajuizamento da ação e juros de mora da citação, bem assim a pagar ao autor os valores devidos relativos à sua participação de 15% no lucro líquido dos eventos realizados no estabelecimento, e condenar o autor a ressarcir o réu, apenas, pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas no local previstas no contrato, devendo os valores serem compensados, conforme apuração, a realizar- se em sede de liquidação de sentença. Condeno, ainda, ao pagamento das custas e honorários advocatícios em 10% do valor da condenação. Assim, decidem na conformidade do relatório e voto do relator. RELATÓRIO Trata-se de ação proposta por CENTRO CULTURAL CORDÃO DA BOLA PRETA em face de SABURA BAR E LANCHONETE LTDA EIRELI, pela qual alega, em síntese, que firmou contrato com o réu para que este realizasse, com recursos próprios, obras na sua sede, que lhe são exigidas pelo terceiro (COMPANHIA DE TRANSPORTES SOBRE TRILHOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – RIOTRILHOS) que lhe deu a posse do imóvel em comodato. Aduz que, em contraprestação, cedeu ao réu o uso do local, para que, uma vez concluídas as obras, pudesse realizar eventos no local, auferindo o lucro da bilheteria e do consumo no bar, ressaltado, todavia, que parte desse lucro deveria ser repassado ao autor, assim como certo valor mensal. Sustenta que, embora tenha, por liberalidade, permitido que o réu fizesse uso do local antes mesmo da conclusão das obras, este vem descumprindo suas obrigações contratuais, pois não realizou as obras que lhe incumbia, atrasou sistematicamente o pagamento do valor mensal e nunca realizou o repasse do lucro líquido dos eventos. Assevera, ainda, que o réu vem descumprindo normas de ordem pública relativas à colocação indevida de anúncios e silêncio noturno, que culminaram com a interdição do local, e deixou 1055 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 4 de pagar a arquiteta que desenvolveu o projeto de reforma do imóvel. Pleiteia: (i) a resolução do contrato; (ii) a condenação do réu à indenização dos danos materiais sofridos, consistentes nas multas que teve que pagar às autoridades públicas e na parcela do lucro obtido nos eventos devida e não repassada; (iii) o pagamento, ainda, de indenização por danos morais, em razão da lesão à sua reputação pela interdição parcial do imóvel, com afixação de edital na porta dasede; (iv) condenação ao pagamento da cláusula penal prevista contratualmente, no valor de dez mil reais. Contestação do réu nas fls. 311/352, na qual impugna o valor dado à causa e alega ter sido surpreendido por diversas dívidas e irregularidades não informadas por ocasião da celebração do contrato, que teve que suportar para dar execução ao contrato. Aduz ter dado início à realização das obras, tendo quase concluído a parte interna, com investimento de cerca de trezentos mil reais, quando começou a ser boicotado pelo próprio autor, que turbou a realização de eventos, dificultou acesso a outras partes do imóvel e deixou de aprovar as reformas propostas. Afirma ser credor do autor em cerca de trinta mil reais, a serem compensados com a pretensão de cobrança de participação nos lucros dos eventos realizados. Sustenta que a interdição do imóvel foi parcial, não atingindo a área de produção de eventos, e foi causada por reclamações que datam de junho de 2010. Pleiteia a improcedência dos pedidos autorais e formula pedido contraposto para compensação dos valores indicados e para, caso ocorra a rescisão do contrato, ser indenizada pelas benfeitorias realizadas, com direito à retenção do bem. Laudo pericial em fls. 762/790. Oitiva de testemunhas às fls. 925/930. Em sentença de fls. 902/923, o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos contidos na peça preambular e, em consequência, procedente o pedido contraposto, para condenar a autora ao pagamento, a título de indenização por danos materiais, do valor de R$ 159.420,84, resguardando, ainda, seu direito de retenção pelas benfeitorias realizadas, o que, no entanto, reputou fugir ao seu poder decisório, em razão da decisão proferida no agravo de instrumento que 1056 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 5 considerou rescindido o contrato celebrado entre as partes, restituindo ao autor a posse direta do imóvel. Por força da sucumbência, condenou o autor ao pagamento das custas processuais, taxa judiciária, honorários periciais e advocatícios, sendo estes fixados em 15% sobre o valor atribuído à causa, que corrigiu para R$ 320.175,48, acolhendo a impugnação ao valor da causa, bem como de 15% sobre o valor objeto da condenação em razão do pedido contraposto. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação nas fls. 945/974, no qual requer a anulação da sentença, por ser citra petita, ao não abordar pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes dos eventos realizados pelo réu no local, e a reforma da sentença, alegando, em síntese: (i) a caracterização de inadimplemento do réu, em razão de ter preterido as reformas mais importantes em favor de benfeitorias voluptuárias para aumentar a arrecadação do bar; (iii) a improcedência do pedido contraposto, com base na impugnação à perícia não apreciada pelo juízo a quo; (iii) o valor da causa deve ser fixado com base no conteúdo econômico pretendido, não o valor fixado no contrato. Contrarrazões da parte ré em fls. 982/1025, prestigiando à sentença e requerendo a majoração de honorários recursais. É o relatório. VOTO A apelação é tempestiva e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade. Preliminarmente, afasto a alegação de nulidade da sentença, por ser citra petita, pois ao reputar que a imputabilidade pela inexecução do contrato incumbia exclusivamente à parte autora, isentando a ré de qualquer responsabilidade, a decisão impugnada afastou claramente qualquer pretensão indenizatória daquela, eis que não há responsabilidade sem imputabilidade. 1057 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 6 No mérito, verifica-se restar incontroverso o contrato firmado entre as partes, ainda que se controverta sobre sua qualificação, como comodato oneroso ou joint venture. Independente da denominação utilizada, o objeto do contrato é pacífico: o autor cede o uso do imóvel e permite sua utilização para a realização de eventos e, em troca, o réu realiza as obras necessárias à conservação da posse do imóvel, bem como paga quantia mensal, e repassa parcela do lucro obtido nos eventos. Igualmente incontroverso que o contrato foi executado somente em parte, gizando o litígio acerca da imputabilidade pelo insucesso do acordo. Como destacado pelo juízo a quo, o princípio da boa-fé tornou complexa e dinâmica a relação entre os contratantes, impondo não apenas que eles cumpram suas prestações, mas que o façam de forma leal e proba, adotando conduta colaborativa e ética, conforme deveres anexos de cuidado, cooperação e informação. A dificuldade, todavia, reside na identificação da manifestação e extensão desses deveres no caso concreto, já que são especialmente sensíveis às circunstâncias fáticas do contrato. É nesse ponto que peço vênia ao ilustre magistrado a quo para divergir da interpretação dada aos fatos trazidos a esses autos. A identificação e extensão dos deveres anexos impostos pelo princípio da boa-fé, bem como a limitação do exercício dos direitos contratuais, devem ser pautados pela função a ser desempenhada pelo contrato concreto, como leciona a melhor doutrina: “É certo, assim, que os deveres anexos impostos pela boa-fé objetiva se aplicam às relações contratuais independentemente de previsão expressa no contrato, mas seu conteúdo está indissociavelmente vinculado e limitado pela função socioeconômica do negócio celebrado. O que o ordenamento jurídico visa com o princípio da boa-fé objetiva – já se disse – é assegurar que as partes colaborarão mutuamente para a consecução dos fins comuns perseguidos com o contrato. Não se exige que o contratante colabore com o interesse privado e individual da contraparte” (TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. Os Efeitos da Constituição em Relação à cláusula da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003, p. 147-148) 1058 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 7 No caso dos autos resta claro que a função do contrato é viabilizar a manutenção da posse do imóvel por meio da realização das obras exigidas pela terceira comodante, a RIOTRILHOS. Foi esta a razão que levou à aproximação das partes e que é pressuposto da manutenção de qualquer vínculo entre elas, pois sem as obras e, consequentemente, privadas da posse do bem, ambas as partes seriam prejudicadas. Nesse sentido, observa-se que, dentro do objeto do contrato, encontram-se dois grupos: as obras exigidas para este fim, mas também outras obras, voltadas ao aumento da aptidão do imóvel para a realização de eventos. Percebe-se, igualmente, que as obras realizadas foram, prioritariamente, aquelas pertencentes ao segundo grupo, tendo sido relegadas as obras que se voltam à própria razão de ser do contrato. O laudo pericial indica que, entre as obras do primeiro grupo, estavam a retirada de entulho, a recuperação e pintura das portas, a colocação do telhado com telhas térmicas e acústicas, e a recuperação e pintura da fachada dos imóveis. Dessas obras, somente ocorreua retirada do entulho e, em parte, a recuperação das portas, mas não houve a colocação do telhado, nem a pintura da fachada da frente. De outro lado, como recuperação interna do imóvel para a realização de eventos, deveria ser feito, o nivelamento do piso, a melhoria de instalações hidráulicas e elétricas, a reforma da cozinha e do bar, e a informatização da portaria. Essas, ao que indica o laudo, foram realizadas de forma mais extensa. O laudo é categórico quanto à prioridade das obras voltadas à realização dos eventos lucrativos no local: “as ações da ré tiveram o objetivo de proporcionar mais conforto e segurança ao público participante” (fls. 789). Ainda que não houvesse cronograma expressamente firmado entre as partes, o princípio da boa-fé, a impor a conduta cooperativa indicada, justificava que se priorizassem as obras cuja inexecução levaria à perda da posse do imóvel, inviabilizando a razão de ser do contrato. Tampouco entendo haver prova nos autos de que a não realização da obra no telhado tenha decorrido de omissão do autor em aquiescer com o projeto. Embora a celebração do contrato sem um 1059 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 8 plano de obras e um cronograma detalhado tenha gerado enorme insegurança e incerteza sobre o objeto do contrato, reputo que a contratação e pagamento de projeto arquitetônico cumpria ao réu, já que pressuposto à sua obrigação de realizar a obra. Dessa forma, reputo que a responsabilidade pela inexecução das obras deve ser imputada ao réu, que falhou ao não realizar adimplemento adequado à função do contrato, na medida em que priorizou as obras que atendiam ao seu interesse particular de poder lucrar com o uso do imóvel, em detrimento das obras que atendiam mais diretamente à função do negócio firmado entre as partes. Justifica-se, assim, a resolução do contrato por culpa do réu. Quanto aos pleitos indenizatórios autorais, todavia, verifica-se não estarem relacionados ao atraso da obra em si, mas à realização de eventos, pelo réu, durante o período de vigência do contrato. Os eventos, que levaram à violação de normas públicas, teriam ensejado danos materiais ao autor, em decorrência das multas cominadas, bem como danos morais, em razão da interdição parcial do estabelecimento. Além disso, pleiteia o repasse de sua participação nos lucros dos eventos. Quanto aos danos decorrentes dos eventos, o próprio autor reconhece que autorizou a realização dos eventos antes do fim das obras. Nada obstante estar ciente de que ainda não havia sido concluído o isolamento acústico e demais procedimentos, foi o Bar Sabura que assumiu o risco de infração quanto à Lei do Silencio, bem assim a fixação indevida de propaganda de evento, e outras despesas comprovadas, sendo cabível a pretensão indenizatória pelos danos materiais causados. O mesmo não vislumbro quanto aos danos morais, eis que não há prova cabal de lesão extrapatrimonial. Afasto, ainda, a pretensão à aplicação da multa inserida na cláusula nona do contrato, eis que a multa em questão é prevista para incidir somente no caso de violação de cláusula contratual, enquanto, no caso, a rescisão foi 1060 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 9 imputada ao réu pelo descumprimento de dever anexo, decorrente da boa-fé, não previsto no contrato. Se a cláusula penal, avençada por mútuo acordo entre as partes, foi prevista para incidir somente no caso de descumprimento de uma das obrigações previstas nas outras cláusulas no contrato, e considerando que, no caso, se concluiu que nenhuma cláusula contratual previa prazo ou cronograma para as obras, sendo a prioridade de certas obras uma decorrência somente do princípio da boa-fé, não se justifica a cominação da multa por descumprimento desse dever anexo de colaboração. Quanto à participação nos lucros, o direito do autor é incontroverso, limitando-se o réu a invocar a compensação com valores que lhe seriam devidos, razão pela qual deve-se avaliar a legitimidade dos pedidos contrapostos do réu. De fato, ainda que se reconheça que o réu é responsável pela inexecução do contrato, isso não afasta, por si só, a pretensão de ressarcimento pelas benfeitorias realizadas, úteis e necessárias. No entanto, deve-se ter em mente que, no contrato inicial, o réu assumiu a obrigação de realizar as obras ali convencionadas às suas próprias expensas. Ele não poderia cobrar nada do autor por essas obras, limitando-se a ser remunerado com 85% do lucro dos eventos que iria realizar. Alguns eventos foram realizados, tendo o réu retido 100% do lucro obtido, e outros somente não foram realizados por conta do litígio que se instaurou, e que, como observado, deve ser imputado ao fato do réu não ter atendido às exigências impostas pelo princípio da boa-fé. Dessa forma, cumpre distinguir as benfeitorias realizadas pelo réu, cujo ressarcimento se justifica, das obras que constavam do contrato, e cujo custo fora desde o início assumido pelo réu. Assim, quanto às obras contratadas, descabe qualquer pretensão ressarcitória. No entanto, quanto às benfeitorias, necessária ou úteis, não contratadas, justifica-se seu direito a ser ressarcido, sob pena de configurar-se enriquecimento sem causa. Consequentemente, a compensação pretendida deve ser verificada em sede de liquidação de sentença, mediante a avaliação da extensão do direito do autor à participação nos lucros dos eventos realizados e do direito do réu ao ressarcimento das benfeitorias úteis e necessárias executadas e não incluídas entre as obras contratadas. 1061 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Décima Sétima Câmara Cível Secretaria da Décima Sétima Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37 – Lâmina III, Sala 234 Centro – Rio de Janeiro/RJ – CEP 20010-010 10 Enfim, quanto ao valor da causa, reputo restar clara a dicção do artigo 259, V, do CPC/1973, então vigente: Art. 259. O valor da causa constará sempre da petição inicial e será: [...] V - quando o litígio tiver por objeto a existência, validade, cumprimento, modificação ou rescisão de negócio jurídico, o valor do contrato; No processo em exame o autor pretende discutir exatamente o cumprimento do negócio jurídico firmado entre as partes, razão pela qual o valor da causa deveria corresponder ao valor do contrato. Justifica-se, portanto, a impugnação do valor da causa acolhida pela sentença. Ante o exposto, dar parcial provimento ao recurso de apelação, para julgar procedente em parte o pedido autoral, a fim de rescindir o contrato firmado entre as partes, condenar o réu ao ressarcimento dos danos materiais, no valor de R$ 10.175,48, devidamente corrigidos monetariamente da data do ajuizamento da ação e juros de mora da citação, bem assim a pagar ao autor os valores devidos relativos à sua participação de 15% no lucro líquido dos eventos realizados no estabelecimento, e condenar o autor a ressarcir o réu, apenas, pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas no local previstas no contrato, devendo os valores serem compensados, conforme apuração, a realizar-se em sede de liquidação de sentença. Condeno, ainda, ao pagamento das custas e honorários advocatícios em 10% do valorda condenação. Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2016. MARCIA FERREIRA ALVARENGA DESEMBARGADORA RELATORA 1062
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