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Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Saúde Coletiva Agrotóxicos em leite humano de mães residentes em Lucas do Rio Verde – MT Danielly Cristina de Andrade Palma Cuiabá 2011 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Área de concentração: Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Wanderlei Antonio Pignati Co-orientadora: Profa. Dra. Carolina Lourencetti Agrotóxicos em leite humano de mães residentes em Lucas do Rio Verde – MT Danielly Cristina de Andrade Palma Cuiabá 2011 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Área de concentração: Saúde Coletiva Orientador: Prof. Dr. Wanderlei Antonio Pignati Co-orientadora: Profa. Dra. Carolina Lourencetti Dados Internacionais de Catalogação na Fonte P171a Palma, Danielly Cristina de Andrade. Agrotóxicos em leite humano de mães residentes em Lucas do Rio Verde - MT / Danielly Cristina de Andrade Palma. – 2011. 103 f. : il. (algumas color.) ; 30 cm. Orientador: Wanderlei Antonio Pignati. Co-orientadora: Carolina Lourencetti. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Saúde Coletiva, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Cuiabá, 2011. Inclui bibliografia. 1. Agrotóxicos. 2. Leite humano – Contaminação por agrotóxicos. 3. Agrotóxicos – Lucas do Rio Verde – Mato Grosso. 4. Agronegócio. I. Título. CDU 612.664:632.95.024(817.2) Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099 Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte 4 "O que para uns é alimento, para outros será um veneno violento." (Lucrécio) Aos meus pais, Shirlei e José (in memoriam), por serem à base de tudo em minha vida. Agradecimentos A Deus, Senhor de todas as coisas e da minha vida, que tornou tudo possível. À minha mãe Shirlei, pelo exemplo de vida, de garra, de coragem, de determinação e perseverança. Por acreditar em meus sonhos e não medir forças para torná-los realidade. À minha irmã Grazy e meu cunhado Fabrício, por todas as palavras de encorajamento e carinho. Por acreditarem que mais esse sonho era possível e por fazerem parte do meu dia-a-dia. Aos meus “anjos” sem asas Ana Silvia, Bélin, Débora, Isabela, Juliana e Paula. Por estarem ao meu lado nos momentos mais difíceis. Pelos momentos de extrema alegria. Pela torcida. Pela amizade verdadeira. Obrigada sempre. Ao Anderson, por compartilhar comigo desse sonho. Obrigada pelo apoio, paciência, amor e carinho. À tia Irani e a minha avó Iracema, pelo amor incondicional de vocês. Pelo apoio constante, pelas palavras de força, de ânimo que sempre me ajudaram e muitas vezes me levantaram em minhas caminhadas. Ao professor Wanderlei Antonio Pignati pela orientação ao longo do curso. À professora Carolina Lourencetti (Carol), por toda ajuda durante essa jornada, mas principalmente pela sua amizade. Deixo aqui toda a minha admiração pela profissional e pessoa que você é. À professora Eliana Freire Gaspar de Carvalho Dores, por ceder o Laboratório de Análise de Resíduos de Biocidas (LARB) e por toda ajuda. Ao professor Alício Alves Pinto, pelas idas a campo, sua presença fez toda a diferença. Pela amizade e pelas conversas sempre animadas. À professora Marta Gislene Pignatti, pelas conversas e esclarecimentos. Ao professor Ageo Mário Candido da Silva, pela ajuda nas análises estatísticas, pela paciência e pelas palavras de encorajamento na reta final. Ao professor Paulo Roberto Bezerra de Mello, pelas trocas de ideias no início do projeto. Aos professores Josino Costa Moreira e Frederico Peres, por todo apoio durante a realização deste projeto. À professora Edna Lopes Hardoim, minha eterna “orientadora”, pela amizade em todos os momentos e aos sábios conselhos. À Marli Eliane Uecker, por toda ajuda desde o início do trabalho e pela amizade. À Ana Cristina Simões Rosa, pela ajuda na validação do método e todas as demais no decorrer do trabalho. À Thais Hernandes, pela ajuda na validação do método. À turma do mestrado em Saúde Coletiva 2009, pela convivência que foi gratificante. Aos colegas do LARB, pelos momentos divididos e divertidos. Ao Sandro, pela ajuda na revisão. Valeu. À Jurema e ao Hailton, por serem sempre prestativos. A todas as mães que aceitaram participar dessa pesquisa, sem a colaboração de vocês a realização deste projeto não seria possível. À Secretaria Municipal de Saúde de Lucas do Rio Verde, na pessoa do secretário, Pascoal de Oliveira Junior, por ter cedido dados e por ter autorizado a realização do projeto nas dependências dos PSF. À Barbara Marconi Thiago Ferreira, Fernanda Dotto, Jorge Vanini e Fábio Montanha por toda a atenção e ajuda. Sem a colaboração de vocês a realização desse projeto não seria possível. Muito obrigada. Às enfermeiras Vivian Favaro (PSF I), Franciele Carlo (PSF II), Cintia Primon (PSF III) Cristiane Souza (PSF V), Taís Garcia (PSF VI), Karime Souto (PSF VII), Daniela Lins Viana (PSF VIII), Heloísa Sartori (PSF X), Maria Aldina Meurer (PSF Rural) e a equipe do PSF IV por terem aderido e colaborado com o projeto. Às agentes comunitárias de saúde, por terem ajudado nas coletas residenciais. À Thais e a senhora Leo do PSF rural da comunidade São Cristovão, por toda a atenção e ajuda nas coletas residenciais nas fazendas. Ao senhor Nilfo e a senhora Idália, pelo empréstimo do alojamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Ao Banco de Leite do Hospital Universitário Julio Muller, na pessoa do seu diretor, Roberto Diniz Vinagre, pelas amostras cedidas e pela realização do crematócrito em suas dependências. À Universidade Federal de Mato Grosso, por possibilitar a realização desse trabalho. Ao CNPq, pelo financiamento, através da bolsa de estudos concedida durante estes dois anos e o financiamento do projeto “Avaliação do risco à saúde humana decorrente do uso de agrotóxicos na agricultura e pecuária na região Centro-Oeste” (CNPq n. 555193/2006-3), que foram, com certeza, imprescindíveis para a concretização deste trabalho. A todos que de alguma forma colaboraram na realização desse projeto. Resumo Os agrotóxicos são poluidores e podem causar agravos à saúde humana. Devido ao crescimento do agronegócio no Estado de Mato Grosso e no município de Lucas do Rio Verde-MT, calcula-se que a população do município está exposta a 136,35 litros de agrotóxicos habitante/ano, trinta e sete vezes maior que a média nacional. Parte desses produtos utilizados na lavoura atinge a “peste” alvo, parte dissipa-se no ambiente podendo acumular-se no organismo humano ocasionando malformações, abortos, interferentes endócrinos e alguns tipos de câncer e podem ser detectados no leite humano. Considerando esses aspectos, este trabalho teve como objetivo determinar resíduos de agrotóxicos em leite de mães residentes em Lucas do Rio Verde – MT. Dez substâncias (α-endossulfam,β-endossulfam, α-HCH, lindano, aldrim, p,p’-DDE, p,p’-DDT, cipermetrina, deltametrina e trifluralina) foram determinadas (n = 2) em amostras de leite materno (n = 62), coletada entre a 3ª e a 8ª semana após o parto, utilizando método analítico multirresíduo com extração por ultrassom e dispersão em fase sólida e identificação e quantificação por CG-DCE. Cem por cento das amostras analisadas (n = 62) apresentaram contaminação por p,p’- DDE (0,32 – 12,03 µg g-1 de gordura), 44% por β-endossulfam (0,54 – 0,61 µg g-1 de gordura) e 13% por o p,p’-DDT (2,62 – 12,41 µg g-1 de gordura). As demais substâncias analisadas foram encontradas abaixo do limite de quantificação do método (0,0013 – 0,108 μg mL-1). Deltametrina foi detectada em 37% das amostras, aldrim e α-endossulfam, ambos em 32%, α-HCH em 18%, trifluralina em 11% e lindano em 6%. Entre as variáveis estudadas, ter tido aborto foi uma variável que se manteve associada à presença de três agrotóxicos, β-endossulfam (RP = 2,05; IC 95%: 0,87 – 4,80), aldrim (RP = 2,18; IC 95%: 1,04 – 4,58) e deltametrina (RP = 1,92; IC 95%: 1,08 – 3,43), quando da realização dos modelos finais de regressão. Estes achados são concordantes com a literatura que menciona que alguns desses agrotóxicos apresentam efeitos adversos sobre o sistema reprodutivo e hormonal, podendo induzir o aborto. Além desses efeitos, a literatura menciona os possíveis efeitos teratogênicos, mutagênicos e cancinogênicos desses agrotóxicos. Descritores: Agronegócio; Contaminação; Agrotóxicos; Leite humano. Abstract Pesticides are polluting and can cause human health problems. Due to the growth of agribusiness in the state of Mato Grosso and the municipality of Lucas do Rio Verde- MT, it is estimated that the population of the city is exposed to 136,35 liters of pesticides inhabitant per year, thirty-seven times greater than average national. Part of these products used in the crop reaches the "plague" target portion dissipates in the environment can accumulate in the human body causing deformities, endocrine disruptors and some types of cancer and can be detected in breast milk. Considering these aspects, this study aimed to determine pesticide residues in milk from mothers living in Lucas do Rio Verde - MT. Ten substances (α-endosulfan, β-endosulfan, α- HCH, lindane, aldrin, p, p'-DDE, p, p'-DDT, cypermethrin, deltamethrin and trifluralin) were determined (n = 2) in breast milk samples (n = 62), collected between the 3rd and 8th week postpartum, using a multiresidue analytical method with ultrasonic extraction and solid-phase dispersion and identification and quantification by GC-ECD. One hundred percent of the analyzed samples (n = 62) showed levels of p,p'-DDE (0.32 – 12.03 μg g-1 lipid), 44% of β-endosulfan (0.54 – 0.61 μg g-1 lipid) and 13% of p,p'-DDT (2.62 – 12.41 μg g-1 lipid). The other analytes were found below the limit of method quantification (0.0013 – 0.108 μg mL-1). Deltamethrin was detected in 37% of the samples, aldrin and α-endosulfan, both in 32%, α-HCH in 18%, trifluralin in 11% and lindane in 6%. Among the variables studied, have had abortion was the variable that remained associated with the presence of three pesticides, β-endosulfan (RP = 2.05, 95% CI 0.87 – 4.80), aldrin (RP = 2, 18, 95% CI: 1.04 – 4.58) and deltamethrin (RP = 1.92, 95% CI 1.08 – 3.43) when completed the final regression models. These findings are consistent with the literature that mentions that some pesticides have adverse effects on the reproductive and hormone system, which can induce abortion. Apart from these effects, the literature mentions the possible teratogenic, mutagenic, and cancinogênicos these pesticides. Keywords: Agribusiness; Contamination; Pesticides; Breast milk. Lista de Tabelas Tabela 1: Produção agrícola (milhões hectares) e consumo de agrotóxico na agropecuária (milhões de litros) no Estado de Mato Grosso; 1998 a 2009. Tabela 2: Produção agrícola (mil hectares) e consumo de agrotóxico na agropecuária (milhões de litros) em Lucas do Rio Verde – MT; 1998 a 2009. Tabela 3: Média anual do consumo de agrotóxicos em litros, com maior utilização entre 2005 a 2009 por tipo de uso, classe toxicológica e forma de aplicação em Lucas do Rio Verde – MT. Tabela 4: Classificação toxicológica dos agrotóxicos em função da DL50. Tabela 5: Resultados de pesquisas sobre contaminação em leite humano por organoclorado. Tabela 6: Caracterização da amostra (n=62) de nutrizes de Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Tabela 7: Caracterização domiciliar da amostra (n=62) de nutrizes de Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Tabela 8: Exatidão, precisão e limites de detecção e quantificação do método analítico utilizado. Tabela 9: Comparação de métodos da literatura com o método atual para determinação de agrotóxicos em leite humano. Tabela 10: Número de substâncias detectadas em leite humano em amostra (n=62) de nutrizes residentes em Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Tabela 11: Total de amostras detectadas e frequência de detecção de agrotóxicos analisados em leite humano em amostra (n=62) de nutrizes residentes em Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Tabela 12: Níveis de resíduos de agrotóxicos em leite humano em amostra (n=62) de nutrizes residentes em Lucas do Rio Verde-MT em µg mL-1 de leite, 2010. Tabela 13: Níveis de resíduos de agrotóxicos em leite humano em amostra (n=62) de nutrizes residentes em Lucas do Rio Verde-MT em µg g-1 de gordura, 2010. Tabela 14: Modelo Final de Poisson - Razões de prevalência de contaminação do leite humano por β-endossulfam, Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Tabela 15: Modelo Final de Poisson - Razões de prevalência de contaminação do leite humano por aldrim, Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Tabela 16: Modelo Final de Poisson – Razão de prevalência de contaminação do leite humano deltametrina, Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Lista de Figuras Figura 1: Comportamento e destino dos agrotóxicos no meio ambiente. Figura 2: Estrutura química do α-endossulfam, β-endossulfam e sulfato de endossulfam . Figura 3: Estrutura química γ-HCH. Figura 4: Estrutura química aldrim e dieldrim. Figura 5: Estrutura química do p,p’DDT e o,p’DDE. Figura 6: Chrysanthemum cinerariaefolium e Chrysanthemum coccineum Figura 7: Estrutura química da cipermetrina. Figura 8: Estrutura química da deltametrina. Figura 9: Estrutura química da trifluralina. Figura 10: Mapa de localização do município de Lucas do Rio Verde-MT. Figura 11: Fluxograma do processo de análise multirresíduo de agrotóxicos em leite humano Figura 12: Tempo de residência em Lucas do Rio Verde-MT. Figura 13: Distribuição espacial das residências das nutrizes doadoras de leite humano na zona urbana de Lucas do Rio Verde-MT, 2010. Figura 14: Imagem via satélite de Lucas do Rio Verde-MT. Lista de Abreviaturas ACE Acetilcolinesterase ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária ATSDR Agency for Toxic Substances and Disease Registry BLH-IFF Banco de Leite Humana – Instituto Fernandes Figueira CEP Comitê de Ética em Pesquisa CG Cromatografia gasosa CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNS Conselho Nacional de Saúde CPRC Carcinogenicity Peer Review Committee DCE Detector de captura de elétrons DDD Diclorodifenildicloroetano DDE Diclorodifenildicloroetileno DDT Diclorodifenitricloroetano DEA Desitilatrazina DIA Desisopropilatrazina DL Dose letal ECE European Commission Environment EPA Environmental Protection Agency EXTOXNET Extension Toxicology Network FIOCRUZ FundaçãoOswaldo Cruz HCB Hexaclorociclobenzeno HCH Hexaclorociclohexano HSDB Hazardous Substance Data Bank HUJM Hospital Universitário Julio Muller IARC International Agency for Research on Cancer IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IgM Imunoglobulina M IPCS International Programme on Chemical Safety MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MMA Ministério do Meio Ambiente MS Ministério da Saúde MT Mato Grosso NC Nível de confiança NPTN National Pesticide Telecommunications Network OMS Organização Mundial da Saúde OPAS Organização Pan-Americana da Saúde PCB Bifenilas policloradas, do inglês, Polychlorinated biphenyls PCDD Dibenzodioxinas policloradas, do inglês, Polychlorinated dibenzo-p- dioxins PCDF Dibenzofuranos policlorados, do inglês, Polychlorinated dibenzofurans PMLRV Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde POP Poluentes Orgânicos Persistentes PPDB Pesticide Properties DataBase PSF Programa de Saúde da Família RDC Resolução da Diretoria Colegiada SCPOP Stockholm Convention on Persistent Organic Pollutants SNAD Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária UFMT Universidade Federal de Mato Grosso SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 15 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 29 2.1 AGROTÓXICOS E MEIO AMBIENTE 29 2.2 AGROTÓXICOS: CARACTERÍSTICAS, INTERAÇÕES E BIOACUMULAÇÃO 33 2.3 PROPRIEDADES E TOXICIDADE DOS GRUPOS DE AGROTÓXICOS ESTUDADOS (ORGANOCLORADOS, PIRETRÓIDES E DINITROANILINAS) 36 2.3.1 Organoclorados: origem, propriedades e estrutura química 37 2.3.2 Organoclorados: mecanismo de ação tóxica no homem 41 2.3.3 Piretróides: origem, propriedades e estrutura química 45 2.3.4 Piretróides: mecanismo de ação tóxica no homem 47 2.3.5 Dinitroanilina: origem, propriedades e estrutura química 48 2.3.6 Dinitroanilina: mecanismo de ação tóxica no homem 50 2.4 CONTAMINAÇÃO POR AGROTÓXICO EM LEITE HUMANO 50 3. OBJETIVOS 56 3.1 OBJETIVO GERAL 56 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 56 4. MATERIAL E MÉTODO 57 4.1 LOCAL DE ESTUDO 57 4.2 SELEÇÃO DAS SUBSTÂNCIAS ANALISADAS 58 4.3 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO 59 4.4 POPULAÇÃO DE ESTUDO 59 4.5 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 60 4.6 ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO 60 4.7 COLETA E ARMAZENAMENTO DAS AMOSTRAS DE LEITE HUMANO 61 4.8 DETERMINAÇÃO DO TEOR DE GORDURA 61 4.9 VALIDAÇÃO DE MÉTODO ANALÍTICO PARA DETERMINAÇÃO DE AGROTÓXICOS EM LEITE HUMANO 61 4.10 ANÁLISE DOS DADOS 65 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 66 5.1 ANÁLISE DESCRITIVA DOS DADOS DO QUESTIONÁRIO 66 5.2 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA AMOSTRA NO MUNICÍPIO 69 5.3 RESÍDUOS DE AGROTÓXICOS NO LEITE HUMANO 71 5.3.1 Validação do método analítico proposto 71 5.3.2 Detecção de resíduo de agrotóxico no leite humano 75 5.3.3 Níveis de resíduo de agrotóxico no leite humano 76 5.5 FATORES DE ASSOCIAÇÃO 78 6. CONCLUSÃO 83 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 86 Anexo A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 99 Anexo B: Questionário aplicado 100 Anexo C: Modelo do laudo apresentado 103 16 1. INTRODUÇÃO A influência do ambiente sobre a saúde humana é inquestionável e consequentemente os estudos destas relações é objeto do campo da Saúde Pública. Essas relações incorporam todos os elementos e fatores que potencialmente afetam a saúde, incluindo, entre outros, desde a exposição a fatores específicos como substâncias químicas, elementos biológicos ou situações que interferem no estado psíquico do indivíduo, até aqueles relacionados com aspectos negativos do desenvolvimento social e econômico dos países (TAMBELLINI e CÂMARA, 1998; PORTO, 2007). O processo de desenvolvimento econômico é apontado como um dos principais fatores da degradação ambiental, influenciando as alterações dos perfis de saúde da população humana (PIGNATI e MACHADO, 2007). O Brasil começou a utilizar agrotóxicos em larga escala a partir da década de 70, quando eles foram incluídos nos financiamentos agrícolas juntamente com os adubos e os fertilizantes químicos (ARAÚJO et al., 2007). Atualmente o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo (PACHECO, 2009). Dentro do cenário nacional o Estado de Mato Grosso se destaca como um dos grandes produtores agrícolas e consumidores de agrotóxicos, tendo Lucas do Rio Verde como município destaque na produção de soja, milho safrinha e grande consumidor de agrotóxicos dentro do estado (PIGNATI et al., 2007). O uso intensivo de agrotóxicos tem sido impulsionado para atender a crescente demanda de produção agrícola. Isso tem colocado em risco a saúde dos produtores, dos trabalhadores, do meio ambiente e dos consumidores (ARAÚJO et al., 2007). Nos países em desenvolvimento, especialmente aqueles com economias baseadas no agronegócio, como é o caso do Brasil, a extensiva utilização de agrotóxicos e fertilizantes químicos representa um grave problema de saúde pública. Os agravos à saúde relacionados à utilização desses químicos, em Mato Grosso, constituem uma situação que tem ultrapassado os limites das grandes fazendas de monocultura, atingindo toda a população regional onde há o desenvolvimento do agronegócio (PIGNATI e MACHADO, 2007). 17 No Brasil, a adoção do pacote tecnológico recomendado pela chamada de Revolução Verde, permitiu a implantação em larga escala de sistemas monoculturas com emprego intensivo de fertilizantes e agrotóxicos, além de ter proporcionado a abertura de um imenso mercado de máquinas, sementes e insumos agrícolas (AGUIAR e MONTEIRO, 2005). A escolha desse modelo central implicou na predominância quase absoluta das culturas de ciclo curto. Esse e outros fatores exigem das culturas brasileiras uma intensa utilização de insumos químicos, para garantir uma alta eficiência produtiva e retorno econômico. Esse modelo implica também em desmatamento e mecanização intensivos que, por sua vez, desencadeiam outros processos problemáticos. Um deles é a compactação do solo, que, junto com os sistemas de revolvimento das áreas de cultivo contribui para acentuar a erosão causada pelas chuvas e/ou eólica (NOVAIS, 2001; AGUIAR e MONTEIRO, 2005). No caso do cerrado que vem passando por uma ampla expansão da atividade agrícola, a característica de possuir um solo pouco fértil para a agricultura, intensifica o uso de fertilizantes e agrotóxicos para atingir a alta produtividade que vem sendo obtida nessas áreas de solo mais pobre, ocasionando sérios problemas ambientais (SOARES e PORTO, 2007). Mas, o uso de agrotóxico não gera somente impacto ambiental gera também impactos sociais e sanitários consequentes das atividades produtivas que geram produtos e serviços (SOARES e PORTO, 2007). Esses impactos são agravados pela ampla utilização desses produtos, o desconhecimento dos riscos associados a sua utilização, o desrespeito às normas de segurança, a livre comercialização, a pressão comercial por parte das empresas produtoras e distribuidoras e os problemas sociais presentes no meio rural (MOREIRA et al., 2002). No Estado de Mato Grosso as aplicações de agrotóxicos nas monoculturas são realizadas através de pulverizações por tratores e aviões agrícolas, e as névoas de agrotóxicos produzidas, além de atingirem os alvos (inseto, fungo ou erva daninha), também atingem os trabalhadores o ar/solo/água, os moradores, os animais e outras plantas que estão no entorno das lavouras. Como na maioria dos municípios matogrossenses predomina o processo produtivo denominado de “agricultura moderna”, o cotidiano da populaçãoé a convivência com tratores, pulverizadores e seus ruídos e com os odores dos fertilizantes e agrotóxicos (PIGNATI et al., 2007). 18 O Estado de Mato Grosso se destaca como um dos grandes produtores agrícolas e consumidores de agrotóxicos no Brasil, tendo Lucas do Rio Verde como município destaque na produção de soja, milho safrinha e grande consumidor de agrotóxicos dentro do estado (PIGNATI et al., 2007; MOREIRA et al., 2010). Os dados apresentados nas Tabelas 1 e 2, mostram a produção agrícola e o consumo de agrotóxico, em uma série histórica de doze anos, do Estado de Mato Grosso e do município de Lucas do Rio Verde, respectivamente. Esses dados demonstram a evolução da produção agrícola e junto com ela o aumento no consumo de agrotóxicos. Tabela 1 - Produção agrícola (milhões hectares) e consumo de agrotóxico na agropecuária (milhões de litros) no Estado de Mato Grosso; 1998 a 2009. Mato Grosso 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Soja (em grão) 2,6 2,6 2,9 3,1 3,8 4,4 5,3 6,1 5,8 5,1 5,5 5,9 Milho (em grão) 0,5 0,5 0,6 0,5 0,7 0,9 0,9 1,1 1,1 1,7 1,8 2,0 Algodão herbáceo 0,1 0,2 0,3 0,4 0,3 0,3 0,5 0,5 0,4 0,6 0,5 0,5 Outros* 0,6 0,9 0,9 0,8 0,7 0,7 1,1 1,2 0,6 0,6 0,8 1,1 Total 3,9 4,4 4,8 5,0 5,7 6,5 8,0 9,1 8,1 8,0 8,7 9,5 Agrotóxicos 33 30 42 42 49 55 64 72 75 87 92 105 Fonte: IBGE (2009); INDEA-MT (2009). Outros: arroz, borracha, cana-de-açúcar, feijão (em grãos), sorgo (em grãos). De acordo com a Tabela 1 observa-se que em 1998 utilizava-se 8,46 milhões de litros de agrotóxicos por milhões de hectares plantados. Já em 2009 utilizou-se 11,05 milhões de litros de agrotóxicos por milhões de hectares plantados, ou seja, houve um aumento de 23% no consumo de agrotóxico para a mesma quantidade de área cultivada. 19 Tabela 2 - Produção agrícola (mil hectares) e consumo de agrotóxico na agropecuária (milhões de litros) em Lucas do Rio Verde – MT; 1998 a 2009. Lucas do Rio Verde 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Soja (em grão) 140 153 160 175 180 201 216 222 224 216 226 237 Milho (em grão) 36 63 71 78 123 140 100 146 147 175 161 147 Algodão herbáceo 3 12 10 11 6 5 15 10 7 15 11 8 Outros* 6 41 18 11 6 12 10 5 2 6 12 18 Total 185 269 259 275 315 358 341 383 380 412 410 410 Agrotóxicos 1,9 2,4 2,4 2,6 3,0 3,3 3,3 3,7 4,2 4,1 4,2 4,5 Fonte: IBGE (2009); INDEA-MT (2009). Outros: arroz, borracha, cana-de-açúcar, feijão (em grãos), sorgo (em grãos). Analizando a mesma relação de dados para o município de Lucas do Rio Verde (Tabela 2), observa-se que houve um acréscimo de 6% no consumo de agrotóxico para a mesma quantidade de área cultivada. O aumento no consumo de agrotóxico é maior que o aumento de área agricultável, tanto do Estado de Mato Grosso como em Lucas do Rio Verde. O que prova a intensificação do uso de agrotóxico. O aumento no consumo de agrotóxico faz surgir alguns questionamentos: onde foi parar essa quantidade de agrotóxico? Qual fração se dissipou em cada compartimento ambiental (água, ar, solo, biota)? A exposição da população brasileira aos agrotóxicos é de 3,66 litros/habitante. A população de Mato Grosso está exposta a 29,80 litros/habitante, uma exposição oito vezes maior que a média da população brasileira. Quando se fala em exposição da população residente em Lucas do Rio Verde-MT, a população está exposta a 136,35 litros/habitante, uma exposição cinco vezes maior que a média do estado e trinta e sete vezes maior que a média nacional (MOREIRA et al., 2010). A Tabela 3 apresenta a média anual de consumo dos agrotóxicos (princípio ativo) mais utilizados no município de Lucas do Rio Verde. Dos pricipios ativos em destaque 40% são classificados como extremamente tóxicos, e 15% altamente tóxico a saúde, somando, mais da metade dos princípios ativos apresentam alto risco à população e meio ambiente. Além da diversidade, pois são mais de vinte princípios ativos, cada um com suas particularidades químicas, físicas, biológicas, o que lhe conferem. 20 Tabela 3 - Média anual do consuno de agrotóxicos em litros, com maior utilização entre 2005 a 2009 por tipo de uso, classe toxicológica e forma de aplicação em Lucas do Rio Verde - MT. Agrotóxico (principio ativo) Uso Classe Toxicológica 1 Média de consumo anual2 GLIFOSATO Herbicida IV - POUCO TÓXICO 1.261.957 ATRAZINA Herbicida III - MEDIANAMENTE TOXICO 390.061 METAMIDOFÓS Inseticida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 381.438 ENDOSSULFAM Inseticida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 216.950 2,4-D Herbicida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 184.970 DIQUAT Herbicida III - MEDIANAMENTE TOXICO 141.005 S-METACLORO Herbicida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 87.120 PARATIONA METÍLICA Inseticida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 77.497 ACEFATO Inseticida III - MEDIANAMENTE TOXICO 73.280 CLORPIRIFÓS Inseticida II - ALTAMENTE TÓXICO 47.145 PARAQUATE Herbicida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 28.643 TRIFLURALINA Herbicida III - MEDIANAMENTE TOXICO 23.094 PERMETRINA Inseticida III - MEDIANAMENTE TOXICO 22.985 CIPERMETRINA Inseticida II - ALTAMENTE TÓXICO 19.636 MALATIONA Inseticida III - MEDIANAMENTE TOXICO 11.911 MSMA Herbicida III - MEDIANAMENTE TOXICO 9.860 FIPRONIL Inseticida II - ALTAMENTE TÓXICO 8.047 MONOCROTOFOS Inseticida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 4.792 CARBOFURAN Inseticida I - EXTREMAMENTE TÓXICO 3.981 DELTAMETRINA Inseticida III - MEDIANAMENTE TOXICO 1.179 OUTROS Vários VÁRIOS 1.333.935 TOTAL GERAL 4.329.486 Fonte: 1 ANVISA (2011); 2 INDEA-MT (2010). A saúde humana pode ser afetada pelos agrotóxicos diretamente, por meio do contato direto com estas substâncias. Não somente os moradores do meio rural estão sujeitos a contaminação humana e ambiental, os do meio urbano também se encontram sob risco, devido à contaminação ambiental e dos alimentos. A avaliação da contaminação ambiental é de fundamental importância para a compreensão da contaminação humana por agrotóxicos (MOREIRA et al., 2002), uma vez que os seres humanos podem receber resíduos provenientes de matrizes ambientais contaminadas, como água e ar. O uso de agrotóxicos na agricultura nas últimas décadas proporcionou um grande benefício para a produção de alimentos. Entretanto, em paralelo a esses 21 benefícios, surgiu o efeito potencial de resíduos de agrotóxicos remanescentes nos alimentos, sendo a ingestão de alimento contendo agrotóxicos uma das principais rotas de exposição humana (MELLO, 1999). O homem se encontra no final da cadeia alimentar, o que faz com que possa ingerir toda sorte de substâncias químicas, inclusive os agrotóxicos estáveis que foram se acumulando ao longo de toda a cadeia. Ainda os recebe dos resíduos provenientes de contaminação das águas e do ar. Os agrotóxicos são agentes poluidores e podem resultar em problemas de saúde para o homem. Assim, a questão da qualidade ambiental é um aspecto de investigação com ênfase no que se refere ao seu impacto na saúde da população (NUNES e TAJARA, 1998). O uso de agrotóxico gera externalidades no meio ambiente e na saúde humana, sendo que muitos desses impactos ainda são desconhecidos a longo prazo. (SOARES e PORTO, 2007). Indivíduos que trabalham diretamente com os agrotóxicos estão sujeitos a riscos diferentes da população em geral. A população em geral pode estar exposta aos agrotóxicos através da ingestão de alimentos contaminados (carne, peixe, laticínios, frutas e vegetais), por exposição dérmica após aplicações domésticas ou pulverizações em culturas ou ambientes públicos ou inadvertidamente por inalação durante a aplicação de spray (NUNES e TAJARA, 1998).A elevada estabilidade de alguns grupos de agrotóxicos à degradação ambiental, associada a outras propriedades físicas e químicas, que favorecem suas distribuições pelos diferentes compartimentos ambientais, suas propriedades de bioacumulação em tecidos ricos em lipídios e uso intenso, são fatores que colocam os agrotóxicos como importantes contaminantes ambientais. Estudos atuais têm relatado associações estatísticas positivas entre a exposição humana a agrotóxicos e problemas de saúde, tais como aumento de certos tipos de câncer de mama e/ou do trato reprodutivo, redução da fertilidade masculina, anormalidades no desenvolvimento sexual entre outros (MEYER et al., 1999). Alguns agrotóxicos atuam como interferentes endócrinos. Segundo a União Européia, os interferentes endócrinos podem: danificar diretamente um órgão endócrino; alterar diretamente a função de um órgão endócrino; interagir com um receptor de hormônios ou, alterar o metabolismo de um hormônio em um órgão 22 endócrino (ECE, 2010). As substâncias sintéticas que apresentam essa ação são geralmente persistentes no ambiente podendo se acumular ao longo da cadeia trófica. Além disso, MEYER et al. (1999), assinalam que muitas destas substâncias são excretadas através do leite materno, constituindo uma fonte de contaminação de recém-nascidos. Os agrotóxicos não são as únicas substâncias que possuem a capacidade de afetar o sistema endócrino. Substâncias sintéticas, também denominadas xenoestrogênios, como (alquilfenóis, ftalatos, policlorados de bifenilas (PCD), bisfenol A, substâncias farmacêuticas, entre outras) e substâncias naturais (estrogênios naturais e fitoestrogênios), também possuem essa capacidade (BILA e DEZOTTI, 2007; GHISELLI e JARDIM, 2007). KOIFMAN et al. (2002), verificaram correlação positiva entre a exposição da população aos agrotóxicos consumidos na década de 1980 e os distúrbio reprodutivos observados na década de 1990. O estudo realizado em 11 estados brasileiros observou coeficientes de correlação moderado e alto entre venda de agrotóxicos e mortalidade por câncer de mama, principalmente entre as mulheres de 50-69 anos de idade em 1995-1997 e mortalidade por câncer de ovário. Alguns estudos toxicológicos com animais apresentam evidencias que altas doses de alguns agrotóxicos podem alterar a função reprodutiva e produzir malformações congênitas (HEEREN et al., 2003; CALVERT et al., 2007). Na África do Sul, mulheres expostas aos agrotóxicos apresentaram um risco sete vezes maior de ter filhos com alguma malformação congênita do que mulheres não expostas a essas substâncias, sugerindo uma relação entre a exposição aos agrotóxicos e o nascimento de crianças com malformações congênitas (HEEREN et al., 2003). Foi verificado na Espanha (REGIDOR et al., 2003), a existência de associação entre a exposição paterna durante o primeiro trimestre da gravidez a agrotóxicos e o risco de morte fetal a partir de malformações congênitas. COOPER et al., (2006), verificaram que mães expostas a inibidores da acetilcolinesterase (ACE) no primeiro trimestre de gravidez tinham um risco 2,7 vezes maior de ter filhos com alguma malformação congênita do que mães não expostas a essas substâncias. 23 Os dados obtidos em diferentes estudos sobre a relação entre os resultados reprodutivos adversos e ocupação dos pais na agricultura são inconsistentes. Enquanto alguns estudos mostram que filhos de agricultores têm uma maior frequência de morte fetal e/ou mortalidade perinatal do que filhos de não- agricultores, provavelmente devido à exposição a pesticidas, outros estudos não encontraram diferenças (REGIDOR et al., 2003; LEITE et al., 2007). Conforme REGIDOR et al. (2003), uma possível explicação para esses resultados inconsistentes é que as principais causas de óbito fetal e morte perinatal são diferentes de um lugar para outro. SERGEEV e CARPENTER (2005) avaliaram as taxas de hospitalização por doenças coronarianas e infarto agudo do miocárdio e a proximidade da residência de áreas contaminadas por poluentes orgânicos persistentes (POP) e outros poluentes no Estado de Nova Iorque nos Estados Unidos. Uma análise realizada no sangue e na urina de moradores da zona urbana e rural de Lucas do Rio Verde-MT mostra a contaminação por agrotóxicos das duas populações. A pesquisa observou que substâncias como o glifosato, muito utilizado na região, e piretróides foram detectados nos dois grupos pesquisados. Porém, os níveis de glifosato encontrados na população rural foram duas vezes superiores aos níveis da população urbana. Já os níveis de piretróides, essa relação se inverte, indicando uma possível influência dos agrotóxicos domissanitários. Os níveis de organoclorados foram maiores da população rural, quando comparados com a população urbana (MOREIRA et al, 2010). As crianças são particularmente vulneráveis à exposição a agentes químicos presentes no ambiente devido as suas características fisiológicas. Sendo assim, quaisquer agentes químicos presentes no ar, água, solo e alimentos têm probabilidade maior de ser absorvidos por crianças do que por adultos (LANDRIGAN et al., 2004). A criança que se alimenta do leite humano está no ápice da cadeia alimentar e assim pode receber uma maior carga de contaminantes eliminados por esta via, principalmente aqueles capazes de sofrerem o fenômeno da biomagnificação (MELLO, 1999). O leite humano é um veículo importante para eliminação de xenobióticos do organismo e pode se constituir em uma fonte de contaminação para o lactente (CAMPOY et al., 2001). A grande preocupação com a contaminação do 24 leite materno deve-se ao fato dele ser a única fonte de alimentação dos recém- nascidos até aproximadamente os seis meses de idade bem como ao fato das crianças apresentarem maior vulerabilidade devido a imaturidade de seus sistemas vitais dentre os quais o imunológico. O leite materno pode se constituir em uma importante fonte de transferência de resíduos de agrotóxicos, em adição à transferência placentária, para as crianças em fase de lactação (MELLO, 1999). O risco de exposição a agentes químicos inicia ainda na vida intra-uterina. O termo barreira placentária revelou-se totalmente inapropriado desde os eventos relacionados à talidomida e ao dietilstilbestrol nos anos 1950 e 1960. Estudos demonstram que agrotóxicos lipofílicos como os organoclorados se acumulam na gordura da mãe, passam do seu sangue ao do feto através da placenta e são mobilizados nos depósitos de gordura durante a lactação para serem excretados pelo leite materno (NUNES e TAJARA, 1998; MELLO, 1999; MELLO-DA-SILVA e FRUCHTENGARTEN, 2005). O leite humano é produzido pela ação de hormônios e reflexos. Durante a gravidez os hormônios preparam o tecido glandular para a produção de leite. O tecido glandular se desenvolve mais e as mamas ficam maiores. O tamanho das mamas está relacionado com a quantidade de tecido mamário e depósitos de gordura intra e inter lobular, mas não reflete a sua capacidade funcional. Logo após o parto, os hormônios fazem com que a mama comece a produzir leite (MS, 2001; ORFÃO e GOUVEIA, 2009). A glândula pituitária, localizada na base do cérebro, produz a prolactina, um hormônio que estimula as células glandulares da mama a produzir leite. Cada vez que a criança suga, estimula as terminações nervosas do mamilo, que levam o estímulo para a parte anterior da glândula pituitária. Através da circulação sanguínea a prolactina atinge as mamas que produzem o leite (MS, 2001; ORFÃO e GOUVEIA, 2009; WAGNER, 2010). A prolactina atua depois que acriança mama e produz leite para a próxima mamada. A glândula pituitária produz mais prolactina durante a noite do que durante o dia. Portanto, o aleitamento materno à noite ajuda a manter uma boa produção de leite. A prolactina juntamente com outros hormônios inibe os ovários, retardando o retorno da fertilidade e da menstruação (MS, 2001). 25 O leite é ejetado por pequenas células musculares, situadas ao redor do tecido glandular, que se contraem e jogam o leite para fora. O hormônio ocitocina é responsável pela contração dessas células, é produzido na parte posterior da glândula pituitária e vai através da corrente sanguínea para as mamas. A ocitocina atua enquanto a criança está sugando e faz o leite descer durante a mamada. A ocitocina faz com que o útero se contraia o que auxilia na eliminação da placenta. O aleitamento materno pode ajudar a parar o sangramento após o parto e reduzir o tempo em que a mulher perde os lóquios (MS, 2001; ORFÃO e GOUVEIA, 2009; WAGNER, 2010). Apesar da prolactina agir de forma independente da ocitocina, em diferentes receptores celulares, suas ações combinadas são essenciais para o sucesso da lactação (WAGNER, 2010). O leite materno nem sempre tem exatamente a mesma composição. Há algumas modificações importantes e normais com o passar do tempo. A composição do leite também apresenta pequenas variações com a alimentação da mãe, mas essas alterações raramente têm algum significado (MS, 2001). A secreção láctea apresenta diferentes fases. O colostro, secretado até o 5º dia após o parto, contém um alto teor de proteínas, principalmente imunoglobulinas e lactoferrina, e contém pouca gordura (2%) em relação ao leite maduro (3,5%). O colostro é também rico em fatores de crescimento que estimulam o intestino imaturo da criança a se desenvolver. O fator de crescimento prepara o intestino para digerir e absorver o leite maduro e impede a absorção de proteínas não digeridas. O colostro é laxativo e auxilia a eliminação do mecônico (primeiras fezes muito escuras). Isto ajuda a evitar a icterícia. (MS, 2001; SILVA e GIOIELLI, 2009). Se a criança recebe leite de vaca ou outro alimento antes de receber o colostro, estes alimentos podem lesar o intestino e causar alergias. No leite de transição, secretado entre o 6º e o 15º dia após o parto, há um aumento na quantidade de lactose, gordura e vitaminas hidrossolúveis, e diminuição na quantidade de imunoglobulina (SILVA e GIOIELLI, 2009). O leite maduro, secretado após o 15º dia de lactação, é comparado ao colostro. É uma secreção mais fina e aquosa. A secreção aquosa, secretada no início na mamada, tem a função de suprir a sede e as necessidades líquidas do bebê. Nesse período, o leite é rico em proteínas, lactose, vitaminas, minerais e água. O leite do 26 final da mamada tem quatro vezes mais gordura que o leite inicial, com a função de fornecer calorias ao lactente. Ele fornece mais da metade da energia do leite materno (MS, 2001; SILVA e GIOIELLI, 2009). Quanto às proteínas, o leite humano possui 80% de lactoalbumina, sendo a relação soro/caseína de aproximadamente 80/20. Essa baixa concentração de caseína facilita a digestão por formar um coalho gástrico mais leve. O leite humano contém altas concentrações de cistina e taurina, aminoácidos essenciais de alto valor biológico, fundamentais para o crescimento do sistema nervoso central. O principal carboidrato no leite humano é a lactose, que facilita a absorção de cálcio e ferro e promove a colonização intestinal com Lactobacillus bifidus. No colostro, a concentração de lactose é cerca de 4% e no leite maduro de 7% (SILVA e GIOIELLI, 2009). De acordo com MULLER (2003), o aleitamento materno, do ponto de vista ecológico, pode ser considerado sob alguns aspectos. O primeiro diz respeito à própria ecologia, lembrando que o gênero humano pertence à classe Mammalia, seres animais que mamam. Amamentar é próprio da natureza humana e possui raiz ecológica. O segundo aspecto desta questão é a saúde ambiental, ou do meio onde vive a nutriz, que pode afetá-la com contaminações complexas. Na amamentação, os contaminantes podem passar para a criança e causar danos tanto graves como permanentes, inclusive pelo potencial câncerígeno de alguns poluentes. O terceiro aspecto da questão destaca um aspecto cultural, onde as mães assumem que a amamentação artificial é um modernismo desejável. A propaganda incutiu a mamadeira, prática e conveniente, e minou a confiança de muitas mães na sua capacidade de alimentar os filhos. Finalmente, o quarto aspecto refere-se à questão agrária e industrial que envolve todo o processo da produção do leite em pó. A amamentação é a melhor maneira de proporcionar o alimento ideal para o crescimento saudável e o desenvolvimento dos recém-nascidos, além de ser parte integral do processo reprodutivo, com importantes implicações para a saúde materna (OPAS, 2003). O aleitamento materno fortalece a imunidade, mantém o crescimento e desenvolvimento normais, melhora o processo digestivo no sistema gastrointestinal, favorece o vínculo mãe-filho e facilita o desenvolvimento emocional, cognitivo e do sistema nervoso (LANDRIGAN et al., 2002; SILVA et al., 27 2007). Crianças em aleitamento materno têm menos quadros infecciosos porque o leite materno é estéril, isento de bactérias e contém fatores anti-infecciosos que incluem leucócitos, imunoglobinas, fator bífado e lactoferrina (MS, 2001). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todas as crianças sejam alimentadas exclusivamente com o leite materno até os seis meses de idade. Depois dos seis meses, com o objetivo de suprir suas necessidades nutricionais, a criança deve começar a receber alimentação complementar segura e nutricionalmente adequada, juntamente com a amamentação, até os dois anos de idade ou mais (OPAS, 2003). Entre os fatores determinantes da saúde infantil, as condições ambientais são responsáveis por uma parcela significativa, já que situações desfavoráveis contribuem para a morbidade e mortalidade significativa de crianças (MELLO-DA- SILVA e FRUCHTENGARTEN, 2005). O relacionamento da criança com o seu ambiente tem importância que transcende à verificada para o adulto, tendo em vista a característica ímpar dos seres vivos jovens, o crescer e o desenvolver, a partir de um ponto de vulnerabilidade máxima (ao nascimento) decrescente ao longo do processo de crescimento: quanto mais jovem a criança, mais dependente do ambiente (MARCONDES, 1982). O risco de exposição a agentes químicos inicia ainda na vida intra-uterina, uma vez que o termo barreira placentária revelou-se totalmente inapropriado desde os eventos relacionados à talidomida e ao dietilstilbestrol (ETZEL et al., 2003). Estudos demonstram que agrotóxicos lipofílicos como os organoclorados se acumulam na gordura da mãe, passam do seu sangue ao do feto através da placenta e são mobilizados dos depósitos de gordura durante a lactação para serem excretados pelo leite materno (MELLO, 1999; MELLO-DA-SILVA e FRUCHTENGARTEN, 2005). Alguns processos fundamentais, como o desenvolvimento do sistema nervoso, ocorrem predominantemente na vida fetal e durante os primeiros anos de vida. No período neonatal, observa-se um maior risco de absorção de agentes químicos através da pele, pois a queratinização só se completa por volta do quinto ao oitavo dia de vida. As vias de biotransformação de agentes químicos que ingressam no organismo não estão completamente desenvolvidas ao nascimento e durante os 28 primeiros meses de vida. Em muitos casos,como na exposição ao chumbo e a inseticidas organofosforados, as crianças são menos aptas a lidar com esses agentes, pela ausência ou deficiência de enzimas necessárias para sua biotransformação e eliminação. Outro aspecto a considerar é que eventuais dificuldades na metabolização de agentes tóxicos pode representar para a criança, no caso de exposição continuada ou crônica, o acúmulo desses agentes em órgãos ou tecidos de depósito, como ossos e células adiposas. As repercussões dessas exposições poderão vir a ser observadas somente após muitos anos, com o possível desenvolvimento de câncer associado à exposição a esses compostos presentes desde a vida intra-uterina até o ambiente doméstico durante a infância (MELLO, 1999; MELLO-DA-SILVA e FRUCHTENGARTEN, 2005). O leite é produzido nas glândulas mamárias alveolares. Para sua produção, os componentes do leite e seus precursores passam por uma membrana que separa o fluxo sanguíneo dos capilares, das células epiteliais alveolares da mama. Durante este processo, algumas substâncias químicas que estejam presentes no organismo materno podem passar para o leite, em concentrações que refletem as concentrações existentes no organismo. A lipossolubilidade do composto químico é um fator importante para sua incorporação ao leite humano (NEEDHAM e WANG, 2002). Existe uma forte correlação entre a concentração de agrotóxicos organoclorados no tecido adiposo materno ao final da gestação e aquela determinada na fração gordurosa do leite humano. Este fato pode ser devido à natureza altamente lipofílica destes compostos, que tem seus níveis aumentados no organismo de mulheres com mais gordura corporal (CAMPOY et al., 2001; MESQUITA, 2001; CERRILO et al., 2005; LLOP et al., 2010). Devido à lipossolubilidade dos organoclorados, sua acumulação no tecido adiposo pode ser entendida como uma estratégia do corpo para remover substâncias tóxicas da circulação ativa. Quando ocorre uma deficiência nutricional, os depósitos de gordura se mobilizam e as substâncias são liberadas, retornando a corrente sanguínea. Se a concentração no sangue alcançar níveis elevados pode produzir efeitos tóxicos agudos. Nestes casos a redução dos sintomas, no entanto, pode não significar a eliminação do composto do organismo, mas sim a sua remoção da 29 circulação sanguínea. Os sintomas agudos cessam, mas permanece o risco de ação tóxica crônica no organismo. As doenças e intoxicações causadas pelos agrotóxicos já representam um problema de Saúde Pública no país. Aproximadamente 15% do serviço de toxicologia nos prontos-socorros das grandes cidades brasileiras são de vitímas desses produtos. O uso indiscriminado de agrotóxicos pode elevar o índice de doenças crônicas. Como essas doenças nem sempre são diagnosticadas com precisão, também se elevam os índices de subnotificações, retardando assim o combate a esse problema (PINHEIRO, 2009). Este trabalho foi um subprojeto da pesquisa “Avaliação do risco à saúde humana decorrente do uso de agrotóxicos na agricultura e pecuária na região Centro- Oeste (CNPq n. 555193/2006-3) finalizada em junho de 2010, cujos dados, também serão discutidos neste trabalho para melhor caracterizar a exposição aos agrotóxicos a que estão submetidos à população e o ambiente em Lucas do Rio Verde-MT (MOREIRA, et al., 2010). 30 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. AGROTÓXICOS E O MEIO AMBIENTE Desde o momento em que o homem passou a dominar a natureza, fazendo da agricultura uma notável forma de apropriação do espaço, iniciou-se as transformações neste meio (AZEVEDO e MONTEIRO, 2009). A biodiversidade fornece a matéria-prima para a nossa alimentação e para outras necessidades fundamentais do ser humano, sendo seu uso, fundamental para o desenvolvimento da humanidade. Dessa forma, o homem quando degrada o ambiente, degrada também sua qualidade de vida. O uso indiscriminado de agrotóxicos, em qualquer região do planeta, a princípio, gera efeitos locais e regionais. Entretanto, dependendo dos ecossistemas atingidos, tais efeitos provocam uma onda de reflexos que se alastra por todo um ecossistema (GRISOLIA, 2005). A contaminação ambiental é uma importante via de contaminação para o ser humano, que está exposto a todos os compartimentos ambientais. Na maioria das vezes a exposição ambiental envolve a exposição a múltiplas substâncias, o que pode alterar seu comportamento toxicológico, tornando os efeitos tóxicos mais pronunciados. Uma vez que, os efeitos tóxicos conhecidos, são estabelecidos de acordo com estudos toxicológicos e epidemiológicos, levando- se em consideração a ação individual de cada substância. O setor agrícola degrada os recursos hídricos de várias maneiras. O uso intensivo do solo, aliado a um manejo inadequado, potencializa um processo natural de erosão e assoreamento dos cursos de água. Associado ao problema da erosão está o uso indiscriminado dos agrotóxicos. O uso desses produtos químicos é um dos mais graves fatores de deterioração da qualidade dos recursos hídricos (AZEVEDO e MONTEIRO, 2009). Estudos em várias regiões do país demonstram que a contaminação dos recursos hídricos por agrotóxicos representa um problema real que pode trazer sérias consequências para o meio ambiente e para a saúde humana (DORES e DE-LAMONICA-FREIRE, 2001; VEIGA et al., 2005). 31 Em um estudo realizado por MARCHESAN et al. (2007) nos Rios Vacacaí e Vacacaí-Mirim no Estado do Rio Grande do Sul, durante o período de plantio de arroz, foi detectada a presença de pelo menos um herbicida em 41% das amostras no rio Vacacaí e 33% das amostras no rio Vacacaí-Mirim. O herbicida clomazona foi detectado com maior frequência nos dois rios. Em outro estudo realizado na Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape no Estado de São Paulo por MARQUES et al. (2007), mostrou a presença de agrotóxicos em 24% das 152 amostras coletadas. Substâncias tais como carbamatos, triazinas e nitroanilinas foram detectadas particularmente durante a estação chuvosa, revelando que a qualidade da água está associada com a variação sazonal. Alguns estudos desenvolvidos na região de Primavera do Leste, Mato Grosso detectaram contaminação por agrotóxicos em água potável, superficial e subterrânea. Em estudo realizado por DORES et al. (2006) ao analisar amostras de água subterrânea e água superficial foram detectados resíduos de agrotóxicos em 14 amostras das 20 amostras coletadas. As substâncias detectadas foram atrazina, simazina, metaloclor e metribuzim. Simazina, metribuzim, metolaclor, atrazina, trifluralina, e dois metabólitos da atrazina, desisopropilatrazina (DIA) e desitilatrazina (DEA), foram detectados em amostras de água superficial e subterrânea. As concentrações encontradas variam de 0,14 a 1,7 µg/L (DORES et al., 2008). CARBO et al. (2008), analisaram amostras (n=110) de água subterrânea em lavouras de algodão. Das doze substâncias analisadas, oito (acetamiprido, aldicarbe, carbendazim, carbofurano, diurom, imidacloprido, metomil e teflubenzurom) foram detectadas nas amostras de água, sendo que 18% continham pelo menos um dos pesticidas, com concentrações variando de 0,78 a 68,79 μg L-1, excedendo em alguns casos, os níveis estabelecidos pela União Européia e outros organismos nacionais e internacionais. Esses resultados confirmam a vulnerabilidade do lençol freático à contaminação por pesticidas. MOREIRA et al. (2010), detectaram contaminação em 10 poços artesianos em Lucas do Rio Verde, 83% dos poços selecionados(n=12). Foram detectadas as substâncias atrazina, metaloclor, clorpirifós, β-endossulfam, sulfato de endossulfam, flutriafol e permetrina. As concentrações variaram de 0,01 a 4,78 µg/L. Na maioria das amostras, os níveis dos resíduos não ultrapassaram os Limites Máximos de 32 Resíduos permitidos para a água potável (portaria 518/MS), porém, aqueles que ultrapassaram, são agrotóxicos mais estáveis, mais solúveis e de alta toxicidade crônica. A mesma pesquisa analisou 35 amostras de água superficial, coletadas em oito pontos em rios do município. Os resultados apontaram a presença de atrazina, metaloclor, clorpirifós, β-endossulfam, sulfato de endossulfam, flutriafol e malation. As concentrações variaram de 0,01 a 8,8 µg/L, sendo que 81% das amostras de água superficial apresentaram pelo menos um tipo de resíduo de agrotóxico. Os agrotóxicos não são encontrados apenas em água superficial ou subterrânea, mas também em água de chuva, como foi detectado em águas coletadas em quatro pontos do município de Lucas do Rio Verde-MT. Substâncias como melaloclor e β-endossulfam foram detectadas em 56% das amostras, flutriafol em 51%, atrazina em 43% e sulfato de endossulfam 38%. As concentrações variaram de 0,01 a 47,21 µg/L. Esses resultados indicam uma dispersão dos agrotóxicos aplicados, atingindo não somente a população rural, mas também a população urbana (MOREIRA et al., 2010). Outros estudos evidenciaram contaminação de água de chuva em outros países como Bélgica (QUAGUEBEUR et al., 2004), França (SCHEYER et al., 2006) e Grécia (ROUVALIS et al., 2009). A presença de agrotóxicos nos recursos hídricos pode afetar à saúde humana e também outros organismos. Em alguns animais, os efeitos encontrados foram: problemas na reprodução e declínio populacional; funcionamento anormal da tireóide e outras disfunções hormonais; feminilização de machos e masculinização de fêmeas; sistema imunológico comprometido; tumores e cânceres; anormalidades comportamentais e maior incidência de malformação fetal (MIRANDA, 2006). As populações de anfíbios encontram-se em declínio globalmente e os agrotóxicos estão entre as inúmeras causas responsáveis por esta queda. A maioria dos estudos que relacionam os efeitos dos agrotóxicos sobre os anfíbios concentram- se sobre a toxicologia desses compostos, determinando apenas sua letalidade e relações com malformações externas. Pouco se sabe sobre os efeitos de interferência endócrina nessa população. Um estudo realizado por HAYES et al. (2006), demonstrou que apesar de alguns agrotóxicos, individualmente, inibirem o crescimento e desenvolvimento larval, as misturas desses compostos tiveram efeitos muito maiores, alterando o 33 tempo e o tamanho da metamorfose. Estudo realizado por LAJMANOVICH et al. (2010), demonstrou que a conversão de ecossistemas nativos em lavouras de soja pode levar ao aumento dos riscos ecológicos de anfíbios anuros devido ao aumento do uso de agrotóxicos e outras substâncias químicas utilizadas na agricultura. Em pesquisa realizada em Lucas do Rio Verde-MT, várias substâncias foram encontradas no sangue de anfíbios coletados em cursos de água do município. Substâncias como µ-HCH, β-HCH, dieldrim, µ-endossulfam, β-endossulfam, endrim, heptacloro, mirex, o,p’- DDD, PCB tetraclorobifenil, foram detectadas em concentrações que variaram de 0,20 a 2,88 ng/mL de sangue. Nessa mesma pesquisa casos de malformação, como ectromelia e sindactilia, foram detectadas (MOREIRA et al., 2010). Diversos trabalhos apresentaram a presença de agrotóxicos em amostras de peixes, como no caso do estudo realizado por CALDAS et al. (1999), que detectou a presença de HCH total e lindano (γ-HCH) em amostras de peixe do Lago Paranoá em Brasília. No estudo realizado por TARDIVO e REZENDE (2005) verificou a presença de HCB, γ-HCH e PCB-200 em amostras de peixes dos três pontos estudados da Bacia do Betari, no Vale do Ribeira, São Paulo. Ainda no Estado de São Paulo, na bacia do Rio Piracicaba, SILVA et al. (2008) encontraram resíduos de vários agrotóxicos organoclorados nas espécies Prochilodus scrofa (curimbatá) e Pimelodus maculatus (mandi-amarelo). Os valores mais altos foram encontrados para α-HCH (0,051 – 0,203 µg g–1), γ-HCH (0,108 – 0,184 µg g–1) e aldrim (0,067 – 0,134 µg g–1) na espécie Prochilodus scrofa. Heptacloro, α-endossulfam, dieldrim, DDE e DDT também foram observados, mas em valores menores, como também observado para a espécie Pimelodus maculatus. Estudos desenvolvidos em outros países também demonstram a contaminação de peixes por agrotóxicos. No interior da Índia DHANANJAYAN e MURALIDHARAN (2010), demonstraram contaminação de peixes da espécie Anguilla bicolor bicolour e Heteropneustes fossilis por agrotóxicos organoclorados como o HCH, DDT, dieldrim, heptacloro epóxido e endossulfam. Estudo realizado por COSCOLLÀ et al. (2010) na área rural e urbana da França, analisou a presença de 56 agrotóxicos no ar, destes, 41 foram detectados. 34 Herbicidas tais como trifluralina, acetoclor, pendimetalim e o fungicida clorotalonil foram encontrados com frequência. O estudo demonstrou tendência sazonal, com a maioria das detecções e as concentrações mais elevadas durante a primavera e o inicio do verão. Houve pequena diferença entre as áreas rurais e urbanas. Demonstrando que não apenas a população rural está exposta a essas substâncias. 2.2. AGROTÓXICOS: CARACTERÍSTICAS, INTERAÇÕES E BIOACUMULAÇÃO De acordo com a lei 7.802/89, agrotóxicos são: Os agrotóxicos podem ser classificados de acordo com os alvos preferenciais sobre os quais atuam, que é a classificação mais comum (inseticidas, acaricidas, larvicidas, nematicidas, moluscocidas, bacteriostáticos e bactericidas, fungicidas, herbicidas, pediculicidas e rodenticidas) e de acordo com a classe química a que pertencem (organoclorados, organofosforados, carbamatos, piretróides, triazinas e outros). Essa classificação é útil para o diagnóstico das intoxicações e instituição de tratamento específico (OPAS, 1996; BARBOSA, 2004). Segundo o Decreto 4074/02, compete ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) realizar a avaliação de eficácia agronômica, ao Ministério da Saúde (MS) executar a avaliação e classificação toxicológica e ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) avaliar e classificar o potencial de periculosidade ambiental. Os agrotóxicos são classificados, ainda, segundo sua toxicidade (Tabela 4). Esta classificação é fundamental para o conhecimento da toxicidade de um produto, do ponto de vista de seus efeitos agudos (OPAS, 1996). Essa classificação obedece a “os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.” 35 testes ou estudos realizados em laboratório que tentam estabelecer a dose letal (DL) do agrotóxico em 50% dos animais utilizados no estudo (Portaria no 03, de 16 de janeiro de 1992). Tabela 4 - Classificação toxicológica dos agrotóxicos em função da DL50. Classe Grupo DL50 (mg/kg de peso vivo) Cor da faixa no rótulo do produtoClasse I Extremamente tóxicos < 50 Vermelha Classe II Altamente tóxicos 50-500 Amarela Classe III Medianamente tóxicos 500-5000 Azul Classe IV Pouco tóxicos 5000 ou + Verde Fonte: Portaria no 03, de 16 de janeiro de 1992. A avaliação e a classificação do potencial de periculosidade ambiental de um agrotóxico são baseadas em estudos físicos e químicos, toxicológicos e ecotoxicológicos. Dessa forma um agrotóxico pode ser classificado quanto à periculosidade ambiental, em classes que variam de I a IV (IBAMA, 1996): Classe I - produtos altamente perigosos ao meio ambiente Classe II - produtos muito perigosos ao meio ambiente Classe III - produtos perigosos ao meio ambiente e Classe IV - produtos pouco perigosos ao meio ambiente. O agrotóxico quando aplicado, tem por objetivo exercer a sua ação sobre um organismo alvo, seja ele uma “erva daninha”, um inseto, um fungo ou uma bactéria. De acordo com CHAIM (2004) cerca de 32% dos agrotóxicos aplicados nas lavouras são retidos nas plantas, 19% é transportado através do ar para outras localidades e 49% atinge o solo. Da fração que atinge o solo, parte evapora, outra parte pode ser transportada através da camada de solo atingindo o lençol freático e outra parte é degradada. A introdução dos agrotóxicos em qualquer um dos compartimentos ambientais e suas conseqüentes distribuições, constitui a contaminação ou poluição ambiental. Os agrotóxicos quando utilizados e pulverizados por tratores, aviões ou equipamento costal, uma fração atinge seus alvos (insetos, fungos ou erva daninhas) e outra fração será dispersa em quatro grandes compartimentos no ambiente: água, 36 ar, solo e biota. A fração do produto que vai atingir em cada compartimento, ou seja, a sua destinação no ambiente é definida pelas suas propriedades físicas, químicas e biológicas, bem como a quantidade de uso, características bióticas e abióticas do ambiente e as condições meteorológicas (LINDE, 1994; SPADOTTO 2006). Essas condições variam de acordo com o produto e com os fatores relacionados à sua aplicação, desse modo é difícil prever-se com exatidão o comportamento biológico ou ambiental dos agreotóxicos, através de um único modelo. No entanto, alguns processos de dispersão são conhecidos e descritos para tentar explicar o comportamento desses compostos no ambiente, tais como retenção (sorção), transformação (degradação química, biológica e fotólise) e transporte (deriva, volatilização, lixiviação e carreamento superficial), e por interações desses processos (Figura 1). Esses processos podem predizer como o produto se comportará nos diferentes compartimentos ambientais e nos organismos (SPADOTTO, 2006; RIBAS E MATSUMURA, 2009). Figura 1 - Comportamento e destino dos agrotóxicos no meio ambiente (modificado de GRISOLIA, 2005). 37 A introdução de agrotóxicos no ambiente pode provocar efeitos indesejáveis, como a alteração da dinâmica bioquímica natural pela pressão de seleção exercida sobre organismos, tendo como conseqüência, mudanças no funcionamento do ecossistema afetado (SPADOTTO, 2006). Alguns agrotóxicos são enquadrados no grupo dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), compostos altamente resistentes a degradação por meios biológicos, químicos ou fotolíticos. Os POP são caracterizados por certas propriedades físicas e químicas que lhes conferem um alto poder de persistência no meio ambiente, como baixa solubilidade na água e alta solubilidade em lipídios, o que facilita sua acumulação no organismo animal, principalmente no tecido adiposo o que aliado ao seu tempo de meia-vida longo, aumenta seu potencial de bioacumulação. Essa característica aumenta consideravelmente os riscos de contaminação pelos organismos no topo da cadeia trófica (SCPOP, 2010). 2.3. PROPRIEDADES E TOXICIDADE DOS GRUPOS DE AGROTÓXICOS ESTUDADOS (ORGANOCLORADO, PIRETRÓIDE E DINITROANILINA) A pertinência de análise de agrotóxicos prende-se às extensas discussões sobre a sua potencialidade em exercer efeitos adversos sobre a saúde dos seres vivos, podendo vir a influir, assim, sobre o equilíbrio de todo um ecossistema. Nesta pesquisa foram trabalhados três grupos de agrotóxicos, contemplando alguns princípios ativos largamente utilizados no passado e outros ainda utilizados na atual realidade da agricultura mundial. Dentre os grupos estudados estão os organoclorados (α-endossulfam, β-endossulfam, lindano, α-HCH, aldrim, p,p’- DDT, p,p’-DDE), piretróides (cipermetrina e deltametrina) e dinitroanilina (trifluralina). Os que possuem seu uso ainda liberado (endossulfam, cipermetrina, trifluralina e deltametrina) estão esntre os vinte agrotóxicos mais utilizados na área de estudo. 38 2.3.1. ORGANOCLORADOS: ORIGEM, PROPRIEDADES E ESTRUTURA QUÍMICA Em 1874, o DDT (Diclorodifeniltricloroetano), precursor e membro mais popular e controverso do grupo dos organoclorados, foi sintetizado por Othmar Zeidler. Entretanto suas propriedades inseticidas só foram descobertas, durante a Segunda Guerra, em 1939 , por Paul Müller que patenteou o DDT em 1940. Essa descoberta lhe valeu posteriormente o Prêmio Nobel de Medicina devido ao uso do DDT no combate à malária. Outros agrotóxicos orgânicos foram sintetizados durante a Guerra, isso porque várias regiões onde as tropas serviam eram áreas endêmicas de diversas doenças tropicais como a malária. Foi nesse período também que surgiu o HCH (hexaclorociclohexano). O γ-HCH, único isômero com atividade inseticida, foi sintetizado por Michael Faraday em 1825. A existência dos isômeros foi descoberta por Van der Linden em 1912, e a descoberta de suas propriedades inseticidas foi feita por Dupaire e Rancourt, na França em 1942 (BARBOSA, 2004). Os compostos organoclorados apresentam átomos de cloro em comum na sua estrutura química, alta lipossolubilidade, elevado tempo de meia-vida e valores elevados de pressão de vapor. Essas propriedades conferem a essas substâncias alto potencial de bioacumulação em solo/sedimento e organismos vivos, elevada persistência e capacidade de se deslocarem pela atmosfera e atingir locais remotos, processo esse definido como destilação global (MORONI et al., 2000; CIPRO, 2007; SILVA, 2009). Devido a sua persistência, muitos pesticidas organoclorados tornaram-se poluentes onipresentes, resultando em bioacumulaçao ao longo da cadeia trófica sendo detectados em animais e seres humanos (MORONI et al., 2000). As substâncias organocloradas de interesse neste estudo serão brevemente apresentadas. São elas: endossulfam (α e β), lindano α-HCH, aldrim, p,p’DDT e p,p’DDE. O endossulfam é um inseticida e acaricida do subgrupo clorociclodieno, que atua como um veneno para uma ampla variedade de insetos e ácaros. Embora ele também possa ser utilizado como um conservante de madeira. Foi introduzido no mercado em 1956 pela Hoeschet AG (EUA). Sua utilização se dá em culturas de 39 café, soja e algodão para o controle de diversas espécies de insetos e ácaros mediante contato e ingestão dos produtos formulados (ANVISA, 2010a). O endossulfam é uma mistura de dois estéreo-isômeros (α e β) (Figura 2). O endossulfam técnico é estável à ação da luz solar, pouco estável à ação dos ácidos, bastante instável à ação dos álcalis, praticamente insolúvel em água e consideravelmente lipofílico, sendo solúvel em solventes orgânicos como acetato de etila, etanol, hexano e tolueno. Estável quando exposto à luz, apresenta baixa estabilidade em meio básico. Tende a sofrer hidróliselenta a endossulfam-diol e a endossulfam dióxido sulfúrico (LARINI, 1999; IPCS, 2000; PPDB, 2010). Devido à sua elevada toxicidade, ao seu potencial de biocumulação e também por ser um interferente endócrino, o endossulfam foi banido em mais de 62 países, incluindo a União Europeia e várias nações ao Oeste da África e Ásia. Entretanto, continua sendo extensivamente usado em outros países, como Índia, Austrália e Brasil. Em agosto de 2010, o uso do ingrediente ativo endossulfam foi revisto considerando suas características genotóxicas, neurotóxicas, imunotóxicas, toxicidade endócrina ou hormonal e toxicidade reprodutiva sobre o desenvolvimento embriofetal. De acordo com a Resolução – RDC no 28 de 09 de agosto de 2010, prazos e limites para a produção e comercialização são estabelecidos até a data de proibição da produção e comercialização, que é 31 de julho de 2013. Figura 2 - Estrutura química do α-endossulfam (A); β-endossulfam (B) e sulfato de endossulfam (C) - (WEBER et al., 2010). 40 O HCH (hexaclorociclohexano) é um pesticida com elevada persistência no ambiente e bioacumulação em seres vivos. O HCH de grau técnico é uma mistura de vários isômeros, incluindo α-HCH (60-65%), β-HCH (5-14 %), γ-HCH (12-15%), δ- HCH (6-8 %) e ε –HCH (3-4 %), podendo essa proporção variar de acordo com a fabricação (Figura 3). Dos isômeros citados, o isômero γ é extremamente mais tóxico para os insetos do que os isômeros α e δ. Os isômeros β e ε são geralmente quase inertes. Como colocado anteriormente, o HCH foi sintetizado no período da Guerra. Seu único isômero com atividade inseticida o γ-HCH (Lindano) foi sintetizado por Michael Faraday em 1825. A existência dos isômeros foi descoberta por Van der Linden em 1912, e a descoberta de suas propriedades inseticidas foi feita por Dupaire e Rancourt, na França em 1942. (Mello, 1999). O lindano (γ-HCH) foi utilizado para o tratamento de sementes, solo, árvores, madeira e contra ectoparasitose humana (MORONI et al., 2000). O Aldrim foi amplamente utilizado para culturas de milho e algodão entre 1950 e 1970. O Aldrim é rapidamente epoxilado e convertido em Dieldrin (Figura 4), mais tóxico que o composto original (CARVALHO et al., 1990). O Aldrim é facilmente metabolizado pela luz do sol e bactérias, e por esse motivo o Dieldrim é mais facilmente encontrado no meio ambiente. Ambos se adsorvem as partículas do solo e volatilizam-se lentamente. O Dieldrim é armazenado no tecido adiposo humano e sua liberação é lenta. Preocupações dos danos ao meio ambiente e dos riscos para a saúde humana, levaram a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA – Environmental Protection Agency) a banir todas as suas utilizações Figura 3 - Estrutura química γ-HCH (HERNANDES, 2007). 41 em 1974, com exceção para o controle de cupins, e em 1987, foram banidas todas as formas de uso (ATSDR, 2002a). O DDT (Diclorodifeniltricloroetano) não ocorre naturalmente no meio ambiente. Ele é um pesticida que já foi amplamente utilizado para controle de insetos em culturas agrícolas e insetos que transmitem doenças como a malária e tifo, mas agora é usado apenas em alguns países para controlar a malária. O DDT de grau técnico é uma mistura de três formas, p,p'-DDT (85%), o,p'-DDT (15%), e outros em menores proporções (Figura 5). O grau técnico de DDT também pode conter DDE (1,1-dicloro-2 ,2-bis (p-clorofenil) etileno) e DDD (1,1-dicloro-2 ,2-bis (p-clorofenil) etano) como contaminantes. Ambos DDE e DDD são produtos de degradação do DDT. O DDT, com sua pronunciada propriedade inseticida, aliada à baixa solubilidade em água, alta persistência e sua forma de ação, desconhecida no momento de sua síntese, propiciou resultados verdadeiramente notáveis e seu uso rapidamente se expandiu (HERNANDES, 2007). Após 1972, o uso do DDT já não Figura 4 - Estrutura química aldrim (a); e dieldrim (b) (HERNANDES, 2007). Figura 5 - Estrutura química do p,p’DDT (a) e o,p’DDE (b) (HERNANDES, 2007). 42 era permitido nos Estados Unidos, exceto em casos de emergência de saúde pública (ASTDR, 2002b). No Brasil a comercialização, o uso e a distribuição dos produtos agrotóxicos organoclorados, destinados à agropecuária, dentre outros como: aldrim, BHC, canfeno clorado (toxafeno), DDT, dodecacloro, endrim, heptacloro, lindano, endossulfam, metoxicloro, nonacloro, pentacloro-fenol, dicofol e clorobenzilato, foi proibida pela Portaria no. 329/1985 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, com algumas exceções: o uso do Aldrim em forma de iscas formicidas e também como cupinicidas para o emprego em florestamento e reflorestamento, o uso dos referidos produtos quando aplicados pelos órgãos públicos competentes, em campanhas de saúde pública de combate a vetores e, uso emergencial na agricultura, a critério da Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária - SNAD - do Ministério da Agricultura. Entretanto, algumas substâncias como o endossulfam e o dicofol, foram liberadas em caráter emergencial para comercialização, distribuição e uso em algumas culturas através da Portaria nº. 95, de 21 de novembro de 1985. Em 1998, o Ministério da Saúde publicou a Portaria no. 11, proibindo o uso definitivo dessas substâncias, até as que eram utilizadas em caráter emergencial no combate de vetores em campanhas de Saúde Pública. 2.3.2 ORGANOCLORADOS: MECANISMO DE AÇÃO TÓXICA NO HOMEM O alvo de ação dos organoclorados é o sistema nervoso motor e sensorial e o córtex motor (GRISOLIA, 2005). Sua toxicidade compromete a transmissão do impulso nervoso central e autônomo, provocando alterações comportamentais, sensoriais, do equilibrio, da atividade da musculatura voluntária e de centros vitais, particularmente da respiração (OPAS, 1996). Podem penetrar no organismo humano por via dérmica, pulmonar, gástrica e respiratória (RODRIGUES, 2006). Em casos de intoxicação aguda, após duas horas aparecem sintomas neurológicos de inibição, hiperexcitabilidade, parestesia na língua, nos lábios e nos 43 membros inferiores, desassossego, desorientação, fotofobia, escotomas, cefaléia persistente, fraqueza, vertigem, alterações do equilíbrio, tremores, ataxia, convulsões tônico-crônicas, depressão central severa, coma e morte. Já as manifestações crônicas salientam-se neuropatias periféricas, inclusive com paralisias, discrasias sanguíneas diversas, inclusive aplasia medular, lesões hepáticas com alterações das transaminases e da fosfatase alcalina, lesões renais, arritmias cardíacas a dermatoses, como cloroacne. (OPAS, 1996). Há pouca diferença de toxicidade entre o endossulfam e seu metabólito, sulfato de endossulfam. No entanto, o isômero α tem demonstrado ser aproximadamente três vezes mais tóxico que o isômero β. Dados em animais indicam que a toxicidade também pode ser influenciada por espécie e por nível de proteína na dieta (ATSDR, 2000). O endossulfam, seus isômeros e metabólitos apresentam sérios efeitos negativos na saúde humana e no meio ambiente, especialmente para o sistema neurológico, reprodutor, endócrino e imunológico em seres humanos (ANVISA, 2010b). O endossulfam pode afetar o sistema endócrino, e o metabolismo orgânico, através de sua atividade nas glândulas hipófise, tireóide, supra-renais, mamas, ovários e testículos, provocando efeitos no metabolismo do organismo, alterando a produção de hormônios (BELDOMENICO et al., 2007). Em mulheres
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