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SEGREGAÇÃO RACIONAL E REBELDIA NAS DÉCADAS DE 1910 e 1920: A REVOLTA DOS MARUJOS ÁS MANIFESTAÇÕES DOS TRABALHADORES URBANOS
Introdução
Como vimos nas aulas anteriores, sob aspecto algum a história da Primeira República Brasileira (1889-1930) esteve isenta das disputas características de uma sociedade marcada pela segregação racial, social e econômica. Em um primeiro momento, no período que a bibliografia especializada costuma chamar de “República das Espadas” (1889-1894), os principais conflitos foram travados entre os militares republicanos e os monarquistas inconformados com a mudança do regime político. Posteriormente, durante os primeiros governos civis, os antigos aliados, ou seja, os militares e os civis republicanos se transformaram em adversários. A última revolta da Escola Militar da Praia Vermelha, que aconteceu em 1904 e determinou o fechamento dessa instituição, pode ser considerado um marco importante para a desmilitarização da política e para a consolidação da hegemonia das grandes oligarquias cafeicultoras. É claro que não podemos esquecer a Revolta da Vacina, que também aconteceu em 1904, demonstrando a existência de uma população politicamente ativa no Rio de Janeiro, que soube explorar os canais não oficiais de intervenção política. Esta 9ª aula tem a proposta de continuar desenvolvendo uma reflexão a respeito de outras experiências de conflito, que aconteceram em um momento no qual as instituições republicanas já estavam plenamente consolidadas e o eixo oligárquico cafeicultor já controlava o jogo político brasileiro. Mesmo assim, é possível observar, no período examinado, as décadas de 1910 e 1920, alguns pontos de tensão que mostram os limites do poder oligárquico e a existência de outros setores sociais que mesmo em posição marginal foram capazes de se manifestar contra os detentores do poder; vamos nos debruçar, portanto, sobre alguns conflitos específicos, como, por exemplo, a Revolta da Chibata (1910), a Guerra do Contestado (1912-1918) e os movimentos dos trabalhadores urbanos nas décadas de 1910 e 1920.
A ESCRAVIDÃO COMO UM CANCRO SOCIAL
Há consenso, na literatura especializada no tema da escravidão, de que entre os séculos XVI e XIX( CERCA DE 300 MILHÕES DE ESCRAVOS NEGROS CHEGARAM AO Brasil, O QUE JUSTIFICA O TERMO DIÁSPORA NEGRA), a sociedade brasileira foi a mais escravocrata de todos os tempos. 
Seria redundante dizer que a experiência da escravidão negra deixou profundas marcas na sociedade brasileira; marcas que até hoje são facilmente percebidas quando analisamos os índices de violência, pobreza e escolaridade e percebemos que a população afro-brasileira é mais sensível a algumas mazelas sociais. 
É bastante coerente a metáfora do “cancro social”, criada por José Bonifácio ( IMPORTANTE HOMEM BRASILEIRO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX), em 1823, para definir a escravidão, como a capaz de “corroer até o fim o organismo social brasileiro”.
Por isso, seria, no mínimo, ingênuo achar que a extinção formal da escravidão, que aconteceu com a assinatura da Lei Áurea, foi o suficiente para eliminar completamente a discriminação racial e as práticas sociais inspiradas no regime escravocrata.
Um exemplo claro desse tipo de permanência foi o costume dos oficiais da Marinha brasileira em punir com chibatadas os desvios de conduta dos marujos que, em sua grande maioria, eram negros.
Esse foi um dos principais motores da Revolta da Chibata, que aconteceu no Rio de Janeiro em 1910.
O estopim da Revolta da Chibata (1910)
Assim como a história da escravidão brasileira é marcada pela tensão entre a dominação e a resistência, os marujos também não ficaram passivos diante dos castigos físicos utilizados pelos oficiais para manter a disciplina da tropa. Temos registros de pequenos motins já no final do século XIX. 
 A grande revolta que definitivamente eliminou a prática das chibatadas somente aconteceu em novembro de 1910, quando o marinheiro Marcelino Rodrigues foi punido com 25 chibatadas por ter se envolvido em uma briga com um colega.
O momento da punição era, sobretudo, um ritual simbólico destinado a disciplinar os marinheiros subalternos. 
Todos os tripulantes do navio eram convocados para assistir ao “espetáculo”, marcado por batidas de bumbo ao fundo. 
 O homem a ser punido ficava no meio do convés, com dorso nu e segurado por outros marinheiros ou preso ao mastro. 
Um oficial, geralmente o mais graduado, castigava as costas do marujo com chibatadas que, dependendo da infração, poderiam chegar ao número de 50!
Ainda que por tradição, a Marinha fosse uma força militar aristocrática, em seus quadros superiores, os marujos eram recrutados entre os setores mais pobres da população, justamente aqueles descendentes de escravos que tinham dificuldade de se inserir no mercado de trabalho. 
Para esses homens, o serviço militar, nos escalões inferiores da Marinha, aparecia como uma boa opção para garantir a subsistência. Nesse sentido, podemos afirmar que a Marinha era uma espécie de espaço de encontro entre os extremos da hierarquia social brasileira; de um lado, tínhamos o oficialato branco e recrutado entre as famílias de tradição militar e do outro havia a marujada negra, pobre e recrutada entre os segmentos mais explorados. 
 Como era de se esperar, na maioria das vezes, essa relação não foi nada amistosa, sobretudo se considerarmos a identificação do oficialato com a mentalidade senhorial típica das sociedades escravocratas. 
 Para esses grupos, era perfeitamente natural, e até mesmo recomendável, que os corpos inferiores fossem controlados na base da coerção física.
A Revolta da Chibata (1910)
A revolta de 22 de novembro de 1910 precisa ser vista tão somente como o estopim que detonou violentamente uma insatisfação acumulada durante anos.
O palco da revolta foi o navio Minas Gerais que, na época, estava ancorado no porto do Rio de Janeiro.
Rapidamente, o motim ganhou a adesão de outros marujos que estavam em terra e embarcados no encouraçado São Paulo, que também estava ancorado no porto carioca. 
A situação saiu do controle e os rebeldes assassinaram dois oficiais. A notícia prontamente se espalhou, o que provocou certo pânico na região central da capital da República já que os marujos ameaçavam bombardear a cidade.
Diante da gravidade da situação, o governo brasileiro, que na época era presidido pelo Marechal Hermes da Fonseca, resolveu negociar com revoltosos, liderados pelo Marujo João Cândido, conhecido como “almirante negro”.
Os revoltosos exigiam o fim imediato dos castigos físicos, a melhora nos soldos e nas condições de trabalho e a anistia imediata para todos os envolvidos no movimento. 
Pressionado pelo pânico que tomou conta das ruas do centro do Rio de Janeiro, o governo aceitou prontamente todas essas reivindicações, fazendo com que os marujos encerrassem a revolta.
Contudo, o governo não cumpriu as promessas e perseguiu violentamente os líderes do movimento, provocando uma nova revolta que, dessa vez, aconteceu na Ilha das Cobras, também no Rio de Janeiro. 
Essa revolta foi violentamente reprimida e vários marujos foram presos, entre eles o próprio João Cândido.
Podemos dizer que o movimento liderado pelo Almirante negro , foi bem sucedido já que de fato, os castigos físicos foram formalmente proibidos nos regulamentos da Marinha.
A Revolta da Chibata (1910)
A Revolta da Chibata pode ser interpretada através de dois aspectos fundamentais:
O primeiro, como já dissemos, é a permanência de práticas escravocratas para além da extinção formal da escravidão, o que mostra que a frieza da lei, por si só, não é capaz de eliminar preconceitos, sendo fundamental também a educação da população e o desenvolvimento de políticas públicas de inserção social;
Já o segundo aspecto consiste na resistência desenvolvida por aqueles que sentiam, na pele, as consequências da segregação racial.
A religiosidade popular e a insatisfação social
Autores consagrados na historiografia brasileira como GilbertoFreyre e Sérgio Buarque de Holanda apontam o cristianismo católico como um dos elementos primordiais para a formação da cultura brasileira.
É claro que a religiosidade cristã, não teve no Brasil, o mesmo perfil que apresentou na Europa. 
Freyre: “Catolicismo dionisíaco “( o prazer da ação, o instinto), marcado por certa permissividade com alguns pecados como por exemplo, os excessos sexuais dos patriarcas e pelo messianismo popular.( Como nós já vimos na aula 4, quando estudamos a Revolta de Canudos (1897), esse messianismo popular pode ter desdobramentos políticos e se converter em rebeldia popular. Foi exatamente esse teor messiânico o conteúdo da Guerra do Contestado, travada entre 1912 e 1918, na região fronteiriça entre os estados do Paraná e Santa Catarina.) 
O desenvolvimento industrial e as transformações sociais
De acordo com a tradição interpretativa marxista, a superestrutura produtiva de uma sociedade condiciona todas as outras esferas desse corpo social, como por exemplo, as relações entre as pessoas, à cultura e a política.
 
Ainda que seja necessário evitar qualquer tipo de ortodoxia, inclusive a marxista, não há como negar que a dinâmica produtiva imprime suas marcas na lógica social. Por isso, que as duas primeiras décadas do século XX, no Brasil, foram caracterizadas por uma notória diversificação social, pelo surgimento de novos grupos e pelo fortalecimento de outros. 
 Foi nesse momento que aconteceu o primeiro grande impulso de desenvolvimento industrial da história do Brasil que, entre outras coisas, provocou o surgimento de um novo ator político que daí para diante seria protagonista no cenário nacional: o proletariado urbano.
A Guerra do Contestado (1912-1918)
De acordo com o historiador Boris Fausto, o contestado era a região limítrofe ( QUE FAZ DIVISA)entre Santa Catarina e Paraná, chamada dessa forma porque a sua posse era alvo das disputas entre os governos dos dois estados. 
 A situação na região ficou ainda mais tensa no início de 1911, quando um grupo de moradores foi arbitrariamente removido por causa da construção de uma ferrovia e da atuação de uma grande empresa madeireira. 
 Os rebeldes se aglutinaram ao redor do Monge José Maria, que morreu nos primeiros combates do conflito, ainda em abril de 1911.
A figura de José Maria foi fundamental para o prosseguimento do movimento, já que ele foi santificado pelos revoltosos, que lutavam empunhando seu retrato e esperando pelo seu retorno milagroso, o que se configurou como uma espécie de sebastianismo do século XX.( O Sebastianismo foi um movimento místico-secular que ocorreu em Portugal na segunda metade do século XVI como consequência da morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. )
De acordo com a historiadora Jacqueline Hermann, uma especialista nesse tipo de crença político-religiosa, existem semelhanças inegáveis entre a as Guerras de Canudos e do Contestado.
Segundo a autora Jacqueline Hermann:
É inegável que esses movimentos foram o resultado de um quadro de crises que incluíam mudanças estruturais decorrentes da acomodação da economia nacional às transformações internacionais (fim da escravidão, alteração do regime de governo); transformações nas formas do poder político local (coronelismo, mandonismo, clientelismo); e desestabilização dos sistemas de referência cultural e religioso (fim do padroado). (Hermann; 2003, p. 214
Hermann propõe que a Guerra do Contestado seja inserida em um contexto maior, o de transformações estruturais na sociedade brasileira, o que envolveu, entre outras coisas, a abolição da escravidão, a proclamação da República e a consequente laicização do Estado. 
 Os rebeldes foram massacrados durante anos por tropas estaduais e federais e, em 1918, o movimento já estava completamente aniquilado.
A luta operária (décadas de 1910 e 1920)
De acordo com a análise de Boris Fausto, a maior liberdade de atuação e mobilidade características das grandes cidades fez com que os movimentos dos trabalhadores urbanos, desde cedo, já demonstrassem força suficiente para incomodar os grandes empresários.
Fausto afirma que:
 O crescimento das cidades e a diversificação de suas atividades foram os requisitos mínimos de constituição de um movimento da classe trabalhadora.
As cidades concentraram fábricas e serviços, reunindo centenas de trabalhadores que participavam de uma condição comum. Sob este último aspecto não havia muita diferença com relação às grandes fazendas de café.
Mas nos centros urbanos a liberdade de circulação era muito maior, assim como era maior a circulação das ideias, por significativas que fosse as diferenças de instrução e a ausência de veículos de ampla divulgação (Fausto; 1995, p. 167).
O período compreendido entre os anos de 1917 e 1919 foi marcado por um ciclo de greves em São Paulo e no Rio de Janeiro. Porém, o ponto de partida para esses movimentos podem e devem ser situados no final do século XIX, no início do desenvolvimento industrial brasileiro. 
 Nesse sentido, os autores especializados na história do trabalho no Brasil, como, por exemplo, Ângela de Castro Gomes, relacionam a formação do operariado brasileiro ao crescimento das primeiras grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo. 
De acordo com essa autora:
Surgiram nessas cidades vilas e bairros operários, espaços nos quais os trabalhadores viviam com suas famílias, estabeleciam redes de apoio na vizinhança, criavam grêmios culturais e esportivos e associações de moradores. (Gomes; 2003, p. 262)
Os bairros e vilas operárias eram formados por conjuntos habitacionais pobres que, na maioria das vezes, não tinha condições sanitárias adequadas, o que tornava comum a ocorrência de epidemias de algumas doenças, como cólera e malaria.
A luta operária (décadas de 1910 e 1920)
As condições de trabalho, nas fábricas, também estavam longe de serem as ideais. Isso fica muito claro no relatório dos funcionários do Departamento do Trabalho do Estado de São Paulo, que foi redigido em 1912.
Como fica claro na documentação, ainda não existia, no Brasil dos primeiros anos do século XX, a legislação que hoje controla as relações de trabalho. Fora a presença de menores e jornadas diárias desumanas, o cotidiano produtivo das fábricas brasileiras era normatizado por um rígido sistema disciplinar que, entre outras coisas, implantou uma rigorosa economia do tempo produtivo. 
 Outro elemento importante e claro na documentação é a grande presença de trabalhadores estrangeiros, mostrando que a população negra não era vista como alternativa viável para a constituição de um mercado de trabalho livre.
Anarco-sindicalismo brasileiro
Se por um lado, a vida da primeira geração de operários brasileiros era caracterizada pela exploração e por péssimas condições de existência, pelo outro lado, seria equivocado supor que não houve resistência.
Assim como aconteceu na Europa, na transição do século XVII para o XIX , os trabalhadores brasileiros se organizaram e resistiram ao poder dos grandes empresários.
De todas as propostas que influenciaram a ação dos operários brasileiros, nas primeiras décadas republicanas, certamente o anarquismo foi o mais importante.
O anarquismo foi uma doutrina social e política que ganhou expressão na Europa durante o século XIX, segundo a qual o homem deve ter o direito de gozar de toda a liberdade, sem sofrer limitações religiosas ou políticas. Os anarquistas combatiam o capitalismo moderno e todas as formas de opressão. Propunham a livre organização dos indivíduos e a gestão econômica comunitária.
Em uma sociedade recém-egressa da escravidão e sem uma cultura política assentada nos valores democráticos, não é difícil entender a importância do anarquismo para os movimentos trabalhistas brasileiros que vieram à luz no início do século XX. 
 Nesse sentido, a supressão( ELIMINAÇÃO) do Estado e de todas as formas de repressão encontrava bastante receptividade nos sindicatos e grupos de operários.
Em geral. O anarco-sidiscalismo brasileiroera contrario as instituições liberais, desprezando os políticos, os partidos e qq estância de representatividade.
O socialismo e o anarquismo
Apesar da importância do anarquismo, não podemos supor que não havia outras propostas de contestação ao poder econômico dos grandes empresários industriais.
O socialismo também teve sua importância; diferentemente dos anarquistas, os socialistas defendiam a organização dos trabalhadores em um partido operário que deveria procurar lugar na estrutura do Estado democrático através da mobilização dos mecanismos formais de participação política, buscando, dessa forma, a reforma endógena ( no interior) do Estado industrial.
Uma importante diferença traduz a complexidade da ação operária brasileira durante a Primeira República. 
Se os anarquistas propunham a total desagregação do Estado e não acreditavam na via eleitoral, os socialistas eram reformistas, pretendiam conquistar espaço no poder legislativo e acreditavam que a pressão e o acordo entre os patrões e o governo eram mecanismos eficazes para atingir a conquista de direitos trabalhistas.
De acordo com o historiador Paulo Sérgio Pinheiro, a liderança anarquista foi muito mais forte em São Paulo do que no Distrito Federal, onde o socialismo foi a grande bandeira dos trabalhadores, ficando claro em 1922, quando foi fundado o Partido Comunista Brasileiro. (Partido Comunista Brasileiro (PCB) é um partido político brasileiro de esquerda, ideologicamente baseado em Karl Marx e Friedrich Engels; e de organização baseada nas teorias de Lênin. Fundado em 25 de março de 1922, seu símbolo, segundo seus estatutos, "é uma foice e um martelo, cruzados, simbolizando a aliança operário-camponesa, sob os quais está escrita a legenda "Partido Comunista Brasileiro". Também conhecido como Partidão, seu número de código eleitoral é o 21. É o partido mais antigo do país ainda em atividade, tendo sido fundado em 1922 e tendo atualmente 91 anos de existência.)
Um dos principais períodos de afirmação do movimento operário na Primeira República foram os anos 1917-1919, quando, acompanhando uma tendência de ascensão da luta operária e revolucionária em vários países da Europa, milhares de trabalhadores participaram de greves gerais que pararam as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro (Pinheiro; 1978, p. 262).
Apesar das diferenças estratégicas e doutrinárias entre socialistas e anarquistas, havia também semelhanças, o que nos permite afirmar que os movimentos operários tinham algumas características em comum, entre as quais podemos citar: 
A utilização da imprensa como elemento de mobilização e doutrinação. A construção de uma imagem positiva do trabalhador urbano, que foi apresentado como um homem honesto, explorado econômica e socialmente e, por isso mesmo, digno de atenção da sociedade em geral.
Os líderes dos trabalhadores pretendiam combater a imagem difundida pelo governo e pela grande imprensa de que o trabalhador brasileiro era vítima da ação dos “baderneiros” estrangeiros que importavam sistemas ideológicos inadequados ao Brasil.

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