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Capítulo 1 Silvia Possas - Concorrência e Inovação

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1 Concorrência e Inovação 
SILVIA POSSAS Instituto de Economia Universidade Federal do Rio de Janeiro 
N os LIVROS-TEXTO de Microeconomia, o termo con-
corrência é usado para designar formas de mercado caracterizadas por grande número de concorrentes e livre entrada de novos produtores. Nosso propósito neste capítulo é mostrar que esta concepção de concor-rência e a interpretação dos mercados que ela proporciona não são as mais adequadas para entender o funcionamento da economia capitalista. Propomos uma forma de abordagem da concorrência e de seu palco de atuação — os mercados — mais compatível com as visões evolucionárias da economia capitalista, especialmente as inspiradas na herança schum-peteriana, privilegiadas neste livro. O primeiro passo é esclarecer como, ao pensarmos a concorrência enquanto processo, os tradicionais modelos do que sejam mercados con-correnciais e monopolistas são colocadas em xeque. O tema é abordado na Seção 1. Sendo assim, o que seriam os mercados, como deveriam ser abordados? Se a concepção tradicional não nos serve, o que colocar em seu lugar? Esta é uma questão complexa que não será inteiramente respondida aqui. Para começar a destrinchá-la, é preciso enfrentar primeiro o tema de como age e funciona a concorrência. Por ser um processo seletivo, é fundamental entender como ocorre essa seleção. As suas regras depen-dem em grande medida do ambiente seletivo — que é exatamente o mercado. Daí a sua enorme importância. Temos aqui os temas das duas seções seguintes (1 e 2): as características particulares da concorrência 
Concorrência e Inovação \
enquanto processo seletivo e os mercados enquanto ambiente seletivo. Por f im, a Seção 3 trata de como a concorrência conforma mercados, como os cria e os destrói. O capítulo é completado pelas conclusões e pelas referências bibliográficas relevantes. 
1. O Significado da Concorrência 
O que é concorrência? Se fizermos essa pergunta a um leigo em Economia, a resposta costuma ser que se trata de um.i situação de disputa, como, aliás, consta nos dicionários. Mas, como conceito económico, o termo passou por transformações semânticas e adquiriu novos significados. No século XVIII, Iivre concor-rência significava o mesmo que livre comércio, e tratava-se de uma ban-deira liberal. Quando os fisiocratas e os clássicos propunham .1 livu- con-corrência, assumiam uma pregação contra privilégios e monopólios de comércio, guildas, etc. A partir dessa circunstância a concorrência foi gradualmente adquirindo novo significado: o de antônimo de monopó-lio. Mas o sentido de rivalidade ainda estava presente.1 Afinal, n o mono-pólio não há com quem disputar. Já na obra de Ricardo, mas pi incipal-mente em função da busca de rigor matemático que passou a caracterizar o pensamento económico posteriormente, essa nova acepção (antimo-nopólio) começou a requerer maior cuidado na sua defmiçã< 1.1 \ a que se possa operar melhor com o conceito, tenta-se garantir que ele descreva situações nas quais não haja nenhum tipo de poder monopólico. A con-corrência assume então u m novo sentido: o de um tipo de inen .ido do qual o monopólio está inteiramente ausente.2 Daí a definição de concorrência perfeita: muitos produtores, nenhum dos quais com poder de mercado; livre entrada; produto homogéneo; estas três características são de molde a garantir que não haja nem som-bra de.monopólio. A quarta característica geralmente presente na defini ção — a perfeita informação — embora compatível com out 1 as foi mas de 
' Segundo McNulty (1967), Adam Smitl i ainda 11.10 sc pirocupa-va com o número de concorrentes, desde que houvesse mais do que um .1 disputai o mercado. Ricardo teria sido o primeiro a l imitar a análise "aquela-. lltlMÇ6e> em que a concorrência opera sem restrições". Ver também McNulty ( 1968) 
2 Ver Demsetz (1982, cap. I) e Stiglet (1957). 
14 I Silvia Possas 
mercado, é necessária para que não ocorra monopólio de informações e tecnologias relevantes. O parágrafo anterior pode parecer ocioso — por que essa discussão semântica? Por uma razão simples: se adotarmos a ideia de que a concor-rência é u m processo de disputa entre diferentes produtores/vendedo-res, nele necessariamente o poder monopólico se faz presente, mesmo que de modo parcial e temporário. Não pode haver disputa entre iguais, entre clones. Se a homogeneidade é absoluta, qualquer escolha de u m produto ou seu ofertante só pode ser aleatória. Como nota Perroux: "num mundo de sósias, a concorrência é evanescente: para que um deles predo-mine sobre o outro, é necessário que cesse de ser um sósia perfeito" e mais adiante "pura e perfeita, a concorrência não passa de u m tema de manual." e "A concorrência que retemos é bastante imperfeita para ser eficaz e bastante impura para existir". 3 U m processo de disputa só pode ocorrer entre unidades diferentes e são essas diferenças que fornecem a base sobre a qual se estabelece a disputa. E aqui entra uma outra questão: no caso desse processo de concorrên-cia, que se dá na economia capitalista, os produtores não precisam con-formar-se com as "armas" que têm. Podem tentar aperfeiçoá-las. Isso quer dizer que, além de tirar proveito de suas diferenças, podem criá-las ou eliminá-las, ampliá-las ou diminuí-las, conforme elas lhes sejam ou não favoráveis. Quer dizer, não se deve examinar tal situação exclusiva-mente de um ponto de vista estático, levando em conta apenas os conten-dores existentes e suas características, já que aqueles podem modificar estas últimas. Assumindo que a concorrência é um processo, devemos dar ênfase às permanentes modificações que ele estimula nos mercados, nos contendores, nas maneiras de produzir, ou, usando a nomenclatura proposta por Schumpeter, às inovações. Estas estão no cerne do processo de concorrência. Por outro lado, o monopólio puro, no qual a concorrência esteja total-mente ausente é algo quase impossível de ser concebido. Seria preciso que não houvesse mais de um concorrente nem entre firmas estabeleci-das nem entre as que porventura pudessem vir a existir. Além disso, não poderia haver substitutos próximos, nem sequer potenciais. Ora, nem 
' Perroux (1982, pp. 3 e 4) . 
Concorrência e Inovação \
mesmo por decreto é possível criar-se esse tipo de monopólio, pois .1 lei teria de prever que substitutos poderiam surgir para coibi-los Um exem pio aqui no Brasil é o caso da Petrobras. Mesmo tendo monopólio legal sobre a produção de derivados de petróleo, viu surgir um coneoi unte n< > álcool combustível no final dos anos 1970. Muitos proprietáii» is de auto móveis converteram os seus motores, quando o preço da gasolina se tor-nou excessivo. O u seja, não há processo de concorrência sem o surgimento e a supe-ração permanentes de alguns aspectos monopólicos, seja no processo de produção, no acesso ao cliente, na forma e especificação do produto, en-fim em todas as dimensões do mercado. Por outro lado, mesmo produto-res monopólicos estão sempre inseridos num processo mais geral de concorrência em que novos competidores podem surgir.4 Portanto, a con-traposição entre monopólio e concorrência, enquanto duas formas opostas de mercado, mostra-se enganosa, ao observarmos os mercados enquanto palcos de um processo de disputa, lista última é a grande ausen-te nessas duas supostas formas de mercado. Aliás, a disputa foi um tema evitado pela teoria convencional por muito tempo. Foi relegada aos cha-mados mercados oligopolistas, onde não é possível deixar de levar em conta a interdependência entre os diversos produtores. Podemos concluir portanto que a concorrência e o monopólio não são antónimos. A disputa é o elemento mais geral que traz em seu bojo uma monopolização maior ou menor, mais ou menos durável, mas sem-pre como um elemento que lhe é subordinado. O u seja, traços de mono-polização são criados e usados na concorrência, como formas de ampliar os ganhos de quem os adota, mas o próprio processo de disputa tende a eliminar esses aspectos, seja pela imitação, seja pela superação. O mo-nopólio aparecesubordinado ao conjunto do processo, pois é por ele engendrado e destruído. O monopólio nunca é uma situação em que a competição esteja inteiramente suspensa. Ela continua a existir, mesmo que potencialmente. Será então que não há formas de classificar os mercados? Será que devemos nos conformar em dizer que eles têm características de mono-pólio e concorrência, que todos se aproximam do oligopólio também, já 
' Ver Schumpeter (1942, cap. 8) . 
16 I Silvia Possas 
que em todos é preciso levarem conta os rivais, existentes ou potenciais? Que instrumentos poderemos forjar para estudar os mercados? Para po-der responder a estas perguntas, é preciso antes de mais nada entender melhor a natureza do processo competitivo que ocorre nos mercados capitalistas. Dissemos que a concorrência é uma disputa, ou, num linguajar mais comum na literatura neo-schumpeteriana, trata-se de um processo sele-tivo. Muitas metáforas e analogias com outros processos desse tipo são utilizadas tanto na literatura académica, como na abordagem cotidia-na da economia por jornalistas, homens de negócios e outros. Convém examinar u m pouco melhor suas características para verificar até que ponto essas metáforas são válidas, e se conhecimentos obtidos acerca de outros processos seletivos podem nos ajudar a compreendê-la. É o que faremos a seguir. 
2. O Processo da Concorrência 
Em nossa vida tomamos conhecimento de diversos ti-pos de processos seletivos: concursos, torneios, enfrentamentos bélicos, a seleção natural. Alguns são muito simples, outros são complexos e tor-nam-se objetos de estudo, em particular as guerras e a seleção natural. 5 Estas têm sido as principais fontes de metáforas para tratar da economia. Expressões como "estratégia de negócios", "guerra de preços", "sobrevi-vência dos mais aptos" são usadas com frequência. Mas até que ponto a concorrência é uma guerra? Será que ela funciona como a seleção natu-ral? Em que os conhecimentos que temos desses outros tipos de disputa podem nos ajudar a pensar a concorrência? Tentaremos listar algumas de suas características que nos permitam fazer uma breve comparação. Primeiramente, a concorrência é um processo sem tréguas e sem fim previsível, pelo menos enquanto durar o capitalismo. Isto é uma das coi-sas que a distingue de concursos, torneios e guerras. U m segundo ponto 
s O célebre biólogo Richard Dawkins propôs que também insti-tuições e outros fenómenos sociais poderiam ser abordados como processos seletivos, criando o conceito de memes, que seriam sucedâneos dos genes no campo sociocul-tural. Mas isto continua sendo u m campo longe de bem estabelecido. Ver Dawkins (1976). 
Conconência e Inovação \
em que ela difere desses eventos é o fato de que os contendores não são necessariamente conhecidos de antemão. Novos produtores podem sur-gir, com novas mercadorias e novas vantagens competitivas. Modifica-ções no "campo de batalha" também aparecem com frequência. Assim, os conhecimentos sobre guerra ora existentes, em geral muito centrados as estratégias a serem seguidas, e o seu espaço, não parecem ser muito aplicáveis. As características da concorrência citadas no parágrafo anterior são partilhadas com o processo de seleção natural, que tem sido fonte de inspiração para muitos economistas de diversas linhas teóricas.6 E ainda há outras semelhanças relevantes entre esses dois processos. Hm primei-ro lugar, trata-se de disputas em que a existência dos contendores está em jogo. Eles precisam de recursos para sobreviver, os quais são escassos. Muitos sucumbirão sem deixar traços, outros, mesmo que morram, po-dem legar às novas gerações características úteis. Assim, há pelo menos duas instâncias em que se dá a disputa — a dos competidores propria-mente ditos e a de suas características. Na verdade, trata-se de algo mais complexo do que isso, em ambos os casos. Uma similitude adicional é o fato de não estar determinado a priori o que pode ser considerado vantagem nessas disputas. Isso depende de uma série de coisas, como os tipos de recursos disponíveis, sua frequência, os tipos de contendores, como essa vantagem se articula a outras caracterís-ticas previamente existentes dos competidores, etc. A essas circunstân-cias gerais, que moldam a disputa, chamamos ambiente (que, no caso da economia, muitas vezes se confunde em parte com o mercado). O am-biente, portanto, é um elemento crucial desses dois processos. Contudo, também em relação à seleção natural, a concorrência apre-senta diferenças muito importantes. A principal delas é o fato de que os competidores em um mercado apresentam intencionalidade, estão cons-cientes do processo e para ele se preparam, estabelecendo estratégias para tentar melhorar suas posições relativas. Estas incluem conhecer o merca-
6 Notadamente Veblen (1919), Alchian (1950), Friedman (1953), Nelson & Winter (1982), todos os quais tiveram muitos seguidores. Os Capítulos 4 e 13 deste livro comentam as ideias de Veblen e de Nelson & Winter. Também toda a vertente dedicada aos jogos evolucionários parte de uma aplicação da teoria dos jogos à seleção natural. 
18 | Silvia Possas 
do, tentar modificá-lo, procurar aperfeiçoar o produto, estabelecer alian-ças e parcerias e muitas outras opções. 7 Na natureza, mudanças, alianças e aperfeiçoamentos também ocorrem, mas não como frutos de uma es-tratégia deliberada, e sim como resultados de mutações aleatórias. O fato das tentativas dos contendores de interferir no processo ser inerente à concorrência, mas não à seleção natural, imprime à primeira um dinamismo e uma temporalidade totalmente distintos dos que carac-terizam a última. 8 Enquanto no processo de seleção natural o ambiente pode permanecer praticamente inalterado por milhares de anos, na con-corrência, uma década ou menos podem ser suficientes para modificá-lo inteiramente. As consequências dessa diferença são de imensa relevância. A estabili-dade do ambiente é um fator crucial para a operação do mecanismo da seleção natural — isto é, para que as mutações que favorecem os mais aptos possam prevalecer. É isso que garante que a interferência do acaso seja inequivocamente menos importante para os resultados alcançados do que as "forças" da própria seleção. E verdade que a introdução de mudanças e a sua propagação são também muito mais rápidas na concor-rência, de modo que o próprio processo de preponderância de uma solu-ção sobre outra e o descarte das menos adequadas também tende a ser muito mais rápido nesse caso. Mas, será rápido o suficiente para que os resultados sejam claramente o de premiar os mais aptos?9 U m segundo conjunto de diferenças relevantes diz respeito à forma pela qual as características mais favoráveis garantem a sua permanência, e ao aspecto populacional da seleção. No que diz respeito ao processo de seleção natural, pouco importa a vida individual de células e indivíduos. Há uma transmissão quase perfeita de suas características, a qual se dá por 
7 Este assunto é abordado no Capítulo 13 deste l ivro. 
K Ver Metcalfe & Gibbons (1986). ' Ver Rosenberg (1994). 1'ondé (2000, p. 43) argumenta que não é propriamente o ambiente que deve permanecer o m e s m o , mas os critérios de seleção que devem ser consistentes. N ã o creio que isso faça muita diferença, uma vez que as mudanças ambientais modif icam estes critérios e seus desdobramentos. É claro que certas linhas gerais permanecem as mesmas — as firmas devem ser capazes de vender com lucros, mas o que é capaz de gerar lucros muda com as mudanças tecno-lógicas, nos hábitos dos consumidores, no poderio relativo das firmas e em outros fatores ambientais. 
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meio da reprodução, e que permitirá a preservação delas no (empo. As características dos mais aptos aumentam na população a medida que as gerações se sucedem. Aqui aparece outro conceito, que e o de população. A evolução em biologia consiste fundamentalmente em modilu ai a Ire qúènciadas características na população atese atingir uma estabilidade. Temos assim dois fenómenosconcomitantes: o da seleçãc > pn >pi lamente dita; e o da hereditariedade — que é a forma pela qual as ( aia< tei isticas são preservadas numa população, mesmocom a morte dos indivíduos que as possuem. Aqui podemos ver uma série de diferenças importantes entre a con-corrência e a seleção natural: 
a) Na primeira não há um mecanismo replicador tão perfeito quanto a hereditariedade. A vantagem competitiva de uma firma pode ser copia-da, mas a cópia nunca será perfeita. 
b) Não há u m análogo das populações biológicas. O conjunto das empresas que atuam num mercado é muitíssimo mais heterogéneo do que o conjunto de indivíduos de uma mesma espécie, que compartilham um mesmo genoma. Além disso, as populações de firmas podem ser muito pequenas, aumentando a importância de fatores aleatórios no pro-cesso de seleção. 
c) A preservação das características relevantes, apesar do desapareci-mento das empresas que as possuem não é uma regra tão geral. As firmas podem durar mais do que o próprio ambiente que favorece uma ou outra característica. Devemos parar por aqui essa revisão das características do processo seletivo chamado de concorrência. Muito mais poderia ser dito ainda, mas isto nos afastaria de nosso objetivo. Nosso intuito aqui foi apenas de chamar a atenção para as dificuldades de se fazer analogias entre concor-rência e seleção natural, e mais particularmente para dois tipos de cuida-dos que devemos tomar. O primeiro deles é o de não transpor para a economia situações que ocorrem na natureza e que decorrem do longo tempo em que ali se de-senrola a seleção. Assim, a ideia de que os mais aptos (no sentido de mais adaptados ao ambiente, sem implicar qualquer noção de progresso ou de valor) quase sempre tendem a prevalecer tem mais força na Biologia. Alchian (1950) e Friedman (1953), por exemplo, sugeriram que não 
20 I Silvia Possas 
seria necessário que os agentes económicos possuíssem todos uma racio-nalidade que os levasse sempre a maximizar seus lucros. Por caminhos um pouco diversos, ambos sugerem que as práticas que levassem à maxi-mização do lucro seriam selecionadas pelo mercado. As firmas que as praticassem seriam premiadas, e as demais eliminadas. Sem entrar no mé-rito das diferenças entre estes dois autores, ambos parecem cometer o mesmo equívoco — o de não levar em conta que o ambiente económico é muito mais mutável do que o natural, e que uma prática que leva a uma maior chance de sobrevivência e lucro num momento, pode não se mos-trar tão eficaz no momento seguinte.1 0 Outro exemplo refere-se às inú-meras tentativas de aplicação do conceito de estratégia evolutivamente estável, usado em jogos evolucionários. Elas padecem do mesmo mal de esquecer as imensas diferenças das temporalidades desses processos de seleção." O segundo cuidado refere-se à ideia de que a seleção na concorrência também ocorre no âmbito das populações. Essa suposição é comum en-tre economistas evolucionários. 1 2 Contudo, seria preciso fundamentar nas próprias características da concorrência a ideia de que a seleção do mercado também ocorre nesse nível. Não basta usar a analogia com a natureza, já que são tantas as diferenças entre os dois processos em torno a esse ponto. 1 3 Para concluir esta seção, convém reter o caráter evolucionário da con-corrência e o que isto significa. Já vimos na seção anterior que se trata de um processo fundado na diferença, na sua criação, eliminação, recriação, ou seja, na inovação. A inovação, neste contexto, não se dá em abstrato e 
1 0 Cf. Rosenberg (1994). Devo lembrar que nenhum desses dois sugere que os agentes possam de fato calcular o lucro m á x i m o a partir de funções dadas de demanda e de produção. As práticas em questão, que as leva/n a ser selecionadas ou não, seriam regras simples, que na prática teriam como resultado a maximização do lucro. " A literatura é vasta, mas o conceito de estratégia evolutivamente estável é de M a y n a r d S m i t h ( 1 9 8 2 ) . Trata-se, grosso modo, de u m a estratégia, no âmbito de u m jogo, que permite ao jogador estar sempre em melhor situação do que um possível mutante, caso o restante da população também a adote. 
1 2 Mttcalfe (1998) e Hodgson (1993) t a m b é m parecem sugerir isso. 
! 1 N ã o há c o m o aprofundar esses temas aqui . Eles estão u m pouco mais detalhados em Possas, S. (1999). 
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nem de modo aleatório.1 4 Ela é fruto de uma tentativa de ganhar força na concorrência, por isso é buscada nos setores e dimensões em que a firma considera ter mais chances de estabelecer vantagens competitivas reais. Isso nos leva a dois pontos que devem ser enfatizados, a saber: a impor-tância do mercado enquanto ambiente competitivo; e o caráter extrema-mente mutável de todo esse processo. Quanto ao mercado, o que o constitui? As características dos produ-tos e seus substitutos próximos, a demanda e os contendores com seus conjuntos particulares de ativos capazes de dar vantagens competitivas e de eliminar as vantagens dos rivais, inclusive competências estabele-cidas e capacidade de aperfeiçoá-las. Aqui vemos que há elementos es-truturais de maior permanência como certas características dos produ-tos — a demanda, os ativos físicos duráveis — e elementos que são fruto da estratégia das empresas, das vantagens competitivas que elas cons-troem. Quanto à natureza de permanente mudança desse processo, convém evitar dizer simplesmente que a concorrência é dinâmica. Esse termo, proveniente da Física, pode nos induzir a contentar-nos a levar em conta apenas as mudanças previsíveis e reversíveis, passíveis de serem expressas por equações diferenciais. Ser evolucionário significa muito mais do que simplesmente apresentar esse tipo de dinamismo. As mudanças provoca-das pelas inovações, ao transformarem o próprio mercado, modificam o que pode ser uma vantagem competitiva e o seu peso relativo. Inovações adicionais são induzidas e o processo todo depende das decisões toma-das a cada instante. A história importa e é irreversível. Ocorre uma traje-tória de dependência {path-dependence).^ Se uma firma introduz uma inovação, não se volta mais ao ambiente que existia antes. Os deter-minantes mudam. Por isso, é impossível estabelecer leis da mudança. No máximo, pode-se criar cenários plausíveis. Os conhecimentos técni-cos, organizacionais e do mercado que as firmas detêm também devem 
1 4 Sempre haverá a possibil idade de inovações aleatórias. Elas ocorreram ao longo de toda a história humana. O que há de específico na sociedade de mercado, baseada na concorrência, é que nela a inovação proposital , a inovação buscada e pesquisada torna-se parte inerente da vida económica. Assim, as inovações aleatórias que porventura ocorram constituem apenas uma parte ínfima do conjunto de inovações. 
1 5 Veja-se a este respeito o Capítulo 11. 
22 I Silvia Possas 
evoluir, pois muitos vão se tornando obsoletos e novas fronteiras devem ser abertas. 3. Concorrência e Mercados 
O mercado é o ambiente no qual se dá o processo de concorrência, é o seu locus. Como tal, tem um importante papel a cum-prir na seleção económica. A maneira como ele funciona constitui a base das "regras" de funcionamento dessa disputa, as quais definem quem serão os vencedores e os perdedores a cada momento. Tentemos então sistematizar nosso conhecimento sobre ele. U m primeiro conjunto de questões refere-se a quem forma um merca-do? Quem faz parte dele ? Quais são seus limites? Quem são os compra-dores e os vendedores de um mesmo produto? E o que é um mesmo produto? U m carro esporte é o mesmo produto que um de luxo? Ou este é o mesmo produto que um carro popular? Por outro lado, qual a sua abrangência espacial? Compradores e vendedores de um determinado bairro do East Side de Nova York fazem parte do mesmo mercado que os do Morumbi em São Paulo? E estes, será que fazem parte do mesmo mercado que os do lardim Ângela (um dos bairros mais pobres e violen-tos da periferia de São Paulo)? Não há respostas definitivas a essas questões. A maioria dosmercados não está claramente delimitada nem com relação ao produto que ven-dem, nem com relação ao espaço que abrangem. Sob este último aspecto, somente os mercados que estão inequívoca e inteiramente globalizados têm uma delimitação precisa. Portanto não seremos capazes de dar uma definição isenta de ambiguidades do mercado. Tentemos porém buscar algumas pistas. Se a concorrência é um pro-cesso do tipo acima descrito, o seu locus deve abranger os atores que o disputam entre si. Mas, como estabelecer isso com clareza? Afinal, todos os produtos, de alguma maneira, concorrem pelo poder de compra da população. Uma possibilidade é a de nos voltarmos para os produtores e as suas próprias percepções. Ora, estes procuram saber o que fazem seus rivais, examinar suas diferenças, estabelecer vantagens sobre eles. Pode-mos definir então o mercado como o âmbito em que as vantagens obtidas pelos agentes económicos atuam, e quem elas afetam. O u seja, se um determinado competidor descobre uma modificação no processo produ-
Concoirência e Inovação | 23 
tivo que reduz seus custos, isto constituirá uma vantagem paia todos os produtos ou modelos oriundos daquele processo, em deti i mento dos fa-bricados pelo processo antigo. O conjunto de vendedores e compradores junto aos quais a inovação repercute constitui o mercado."' Assim, do ponto de vista da análise da concorrência fica superada a distinção esta-belecida porjoan Robinson entre o mercado — "um grupo de mercado-rias que são substitutas próximas umas das outras" — e o ramo industrial — "um grupo de firmas empenhadas na produção de mercadorias seme-lhantes quanto aos métodos de produção".1 7 O conceito de mercado aqui proposto incorpora simultaneamente aspectos da base técnica e da de-manda. 1 8 A definição acima não está isenta de ambiguidades. Primeiro, porque o mercado varia para os diversos agentes que dele participam. Por exem-plo, as atitudes de A podem repercutir sobre B e C, mas estes podem não influenciar u m ao outro. Assim B e C fazem parte do mercado onde se insere A, mas um não faz parte do mercado do outro. Além disso, o escopo do mercado varia conforme o que se imagina que seja uma interferência relevante. Quanto maior for o patamar mínimo de interferência que julgarmos significativo, tanto mais restrito será o mercado. Além disso, essa definição pode ser acusada de representar um ra-ciocínio circular, pois a estrutura de mercado é entendida como o locus da concorrência, e esta depende das características específicas do espa-ço em que ocorre. Infelizmente, não há como fugir dessas dificuldades. Não creio que haja nisso de fato um raciocínio circular, mas apenas uma interação dinâmica entre o agente decisório e o ambiente seletivo no âm-bito do processo concorrencial. Isto significa que o espaço relevante para a análise da concorrência não está dado a priori, mas é permanente-
1 6 Ver Possas, S. (1999, cap. 4 ) . 
1 7 Robinson (1964, p. 222). N ã o se está propondo aqui que essa distinção não possui nenhuma importância. Ao contrário, ela pode ser muito impor-tante, por exemplo, em análises mais técnicas. 
1 8 Ver Possas, M . (1985, p. 98 e 176). Este autor esclarece que "a demanda certamente não é [. . .] o território onde os consumidores exercem a sua soberania, mas u m a variável sob o alcance das decisões e da ação permanente das empresas, embora sem dúvida sujeita a restrições ao nível do padrão de consumo. Se é assim, indústria e mercado podem ser unificados [.. .] sob o conceito mais amplo de estruturas de mercado". 
24 I Silvia Possas 
mente redelimitado a partir do próprio funcionamento do processo con-correncial. 1 9 Uma vez definido o mercado, mesmo que precariamente, resta-nos discutir quais de suas características e dimensões são mais relevantes para a análise. Entre as mais frequentemente citadas estão: o número de participantes; o grau de concentração; a possibilidade de se diferenciar produtos; as barreiras à entrada; e as estruturas de custos. Como nossa análise está centrada no processo de concorrência, é nele que devemos refletir para pensar se são mesmo essas as dimensões im -portantes. O que afeta a seleção? Ora, é o que permite às firmas sobrevive-rem por mais tempo — ou seja, aquilo que lhes proporcionar maiores e mais duradouros lucros e capacidade de crescimento. O que o faz isto são certas vantagens. Situações de que elas desfrutam e que não podem ser instantaneamente copiadas. Mas, o que é vantagem num contexto pode não sê-lo em outro. Então, o que caracteriza mesmo os mercados são as dimensões pelas quais se pode obter vantagens compeúúvas, o grau em que cada competidor delas desfruta, e a sua taxa de obsolescência (isto é, a rapidez com que acabam por ser superadas). Isso tem a ver com as caracte-rísticas citadas acima? C o m algumas, sim. Certamente as barreiras à entra-da, as estruturas de custos, as possibilidades de se diferenciar produtos refe-rem-se a dimensões pelas quais se pode obter vantagens competitivas. Quanto ao número de participantes, dadas as dificuldades de delimita-ção do mercado, 2 0 fica até difícil determiná-lo, além de não ser claro qual o seu papel. O número é normalmente usado para indicar o quanto o mercado se aproxima do monopólio, e quais as possibilidades de haver colusão. Mas, já vimos que o monopólio puro é uma ficção. Por outro lado, a teoria dos mercados disputáveis (contestable markets) demonstrou que o fato de haver poucos produtores, ou mesmo apenas um, não significa poder de mercado. O que garante preços acima do custo marginal (ou, eventual-mente do custo médio, quando este for maior do que aquele) é a ocorrên-cia de obstáculos à mobilidade e de diferenças entre as firmas já estabele-
" Auerbach (1988, cap. 3) também reconhece as dificuldades para a del imitação dos mercados, e considera que não é possível encontrar uma solução definitiva, pois, c o m o afirma à página 51, " u m mercado não é u m a «coisa», mas uma relação comportamental" 
2 0 Ver Auerbach (1988, cap. 3 ) . 
Concorrência e Inovação | 25 
cidas e as potenciais entrantes.21 Quanto ao grau de concentração, além de padecer das mesmas dificuldades no que tange a pu\i icda< le da delimita-ção dos mercados, Mário Possas já argumentou, que se li ata de uma variá-vel-resultado, mais do que de um determinante do podei das li unas.' 2 Por conseguinte, são as vantagens competitivas c as dimensões que podem assumir, agrupadas nos quesitos de custo e qualidade, os princi-pais elementos a caracterizar o mercado. Os custos, podem ser afetados por elementos bem distintos, conforme o produto e seu processo produ-tivo. A qualidade também diz respeito a muitos aspectos variados. A se-guir, damos alguns exemplos dessas dimensões, sem a pretensão de exau-ri-las, procurando mostrar que sua importância vai dependei também de aspectos até certo ponto estruturais — ou seja, aspectos sobre os quais as firmas não têm muita capacidade de interferir. Por exemplo, é mais difí-cil diferenciar insumos de uso generalizado do que bens de consumo. É esse elemento um pouco mais permanente que nos permite, eventual-mente, criar tipologias de mercado, as quais no entanto acabam sendo datadas, pois ao fim de um período maior, as modificações dos usos do produto e dos processos produtivos, e da própria abrangência dos merca-dos, acaba por tomar obsoleta qualquer tipologia. 2 3 Vejamos, porém, quais são essas vantagens. 
Km termos de custos: 
(a) Economias de escala. Diz-se que há economias de escala quan-do o aumento do volume da produção de um bem por período reduz os 
2 1 Ver Baumol , Panzar & W i l l i g (1982) 
2 2 Possas, M . (1985, cap. 3) . 
2 1 U m exemplo de tipologia facilmente compatibilizável com as considerações anteriores é a proposta em Possas, M . (1985, cap. 4) . Os mercados são ali classificados em: concorrenciais, oligopólios competitivos, oligopólios concentra-dos, ol igopólios diferenciados, ol igopólios diferenciados-concentrados. Os concor-renciais não apresentam barreiras à entrada; os ol igopólioscompetitivos não apresen-tam barreiras à entrada significativas, mas há vantagens de um grupo de firmas, que permanecem na liderança (aqui a diferença é mais da relação entre os competidores do que do tipo de barreiras à entrada); ol igopólios concentrados apresentam grandes economias de escala; oligopólios diferenciados apresentam grandes possibilidades de diferenciação dos produtos e ol igopólios diferenciados-concentrados apresentam tan-to economias de escala quanto diferenciação de produtos. lista tipologia, criada há algumas décadas, provavelmente deveria ser refeita para uma análise mais atual. 
26 I Silvia Possas 
seus custos. Esta redução pode se dar no âmbito do processo produtivo, ou pode estar relacionada a ganhos em propaganda, marketing, P&D, finan-ciamento, enfim qualquer etapa da produção e comercialização. A ocor-rência de economias de escala de grande porte costuma estar mais asso-ciada à produção, por meio de processos contínuos, de insumos de uso generalizado, para os quais não cabe diferenciação de produto. (b) Economias de escopo. Ocorrem quando os custos na produção de um bem são menores quando há produção conjunta com outros do que se ela for isolada. (c) Capacidade de financiamento da firma. C o m o regra, as boas condições financeiras de uma firma, ou, em certos casos, do conglomera-do a que pertence, dão-lhe vantagem face as suas rivais. Essa situação lhe garante menor pressão dos custos financeiros, maior disponibilidade de fundos para a expansão e a inovação, e maior capacidade de sobrevivên-cia. A importância deste item varia, entretanto, segundo a necessidade de antecipação dos gastos referentes à pesquisa, produção e comercialização com relação às vendas. Torna-se maior quando há necessidades de inves-timento à frente da demanda, ou em setores de intenso ritmo de avanço tecnológico, que requeiram grande volume de gastos em pesquisa básica, mais incerta quanto ao seu retorno financeiro. (d) Patentes e licenciamento de tecnologia. As patentes permitem que as condições de produção (incluindo os custos) das firmas que as detêm sejam únicas. O licenciamento de tecnologia implica algo seme-lhante, mas com uma certa subordinação tecnológica da firma adquiren-te com relação à que cede sua tecnologia. A importância destes itens também é variável conforme o setor, e são diversos os elementos que a determinam. Entre eles figuram: o volume de P&D requerido para uma firma manter-se competitiva; saber se as patentes implicam ampliação ou diminuição das dificuldades, os custos da imitação ou o aperfeiçoa-mento da tecnologia para os demais concorrentes; 2 4 e um ritmo mui-to intenso de progresso tecnológico, que pode tornar as patentes irre-levantes. 
2-* Mansfield, Schwartz & Wagner (1981, p. 913) mostram que as patentes não impedem a imitação, mas aumentam seus custos. N a verdade, como ar-gumenta M e l l o (1995), elas podem até facilitar a imitação pelo fato de exigirem a descrição detalhada de seu objeto. 
Concorrência e Inovação \
(e) Relações com fornecedores e (ou) garantia de matérias-pri-mas. A disponibilidade de componentes e insumos de boa qualidade e baixo custo nem sempre está assegurada de modo uniforme a todos os pro-dutores. As relações que a firma mantém com seus fornecedores podem ser de molde a garantir o fornecimento destes insumos de maneira mais ou menos eficaz. Isto se torna mais importante quando as fontes de matérias-primas são limitadas, quando os insumos são fonte importante de vanta-gens do produtor, porque é principalmente através deles que se dá o avan-ço tecnológico, quando se usa uma técnica organizativa do tipo kanban. (f) Relações com a mão-de-obra. Se as relações com fornecedores podem ser de molde a diminuir custos, o mesmo se dá com a mão-de-obra, que, num certo sentido, também é um fornecedor. Aqui importa o seu grau de especialização e o componente tácito do aprendizado." (g) Organização da produção. Sua relevância será tanto maior quanto maior for a complexidade do processo produtivo. 
Vantagens relativas à diferenciação de produtos: 
(a) Especificações. Diferentes especificações dos produtos definem o escopo dos fins a que eles podem servir. Parece não haver regras para definir em que casos as especificações podem tornar-se importantes. Até em mercados usualmente tidos como pouco passíveis de diferenciação, como os de insumos de uso geral, existem nichos relevantes, como os de ligas metálicas especiais ou de especialidades químicas. Entretanto, há situações em que o mercado tende a exigir especificações muito seme-lhantes de todos os competidores e nas quais o produto pode ser conside-rado uma commodity. (b) Desempenho ou Confiabilidade. Refere-se à capacidade do pro-duto de cumprir os propósitos a que suas especificações o destinam. O desempenho tende a tornar-se mais importante em setores de insumos e bens de capital, pois reflete-se na eficiência e qualidade da produção de seu usuário. (c) Durabil idade. Obviamente não tem importância em bens de consumo não-duráveis. A relevância da durabilidade é inversamente pro-
2 5 Veja-se a este respeito o Capítulo 8 deste l ivro. 
28 I Silvia Possas 
porcional à rapidez com que o avanço tecnológico torna obsoleto o pro-duto em questão, pois não há interesse em que a durabilidade física exce-da a económica. (d) Ergonomia e Design. A adequação do produto do ponto de vista do processo de sua utilização será importante no caso de bens que sejam manipulados por períodos extensos. Em bens de capital, a adequação ergonómica refletir-se-á na produtividade e em melhores relações traba-lhistas; em bens de consumo, no maior conforto e segurança dos usuá-rios. A diferenciação via design abrange esses casos, mas envolve ainda diversos outros aspectos, entre os quais o tamanho e a facilidade de trans-porte ou armazenamento, o próprio desempenho e as especificações. (e) Estética. O termo estética costuma referir-se à beleza, em geral apreendida através da visão e da audição. Tomo a liberdade de estender aqui o significado do termo de modo a abranger os cinco sentidos. O u seja, a dimensão estética está relacionada à diversidade de formas, sabo-res, odores, texturas, sons. É uma diferenciação eminentemente subjeti-va, que faz sentido quase que exclusivamente para os bens de consumo. Entretanto, há bens de capital, utilizados em ambientes onde é impor-tante cativar esteticamente os clientes, para os quais esta dimensão não é irrelevante como, por exemplo, os móveis, equipamentos e material para escritórios ou consultórios. (f) Linhas de produto. Em certos setores, a pertinência do produto a uma linha completa pode constituir vantagem competitiva. Isto se dá especialmente nos casos em que se requer compatibilidade entre produ-tos complementares. Nos casos em que é frequente a substituição de um bem por outro semelhante, porém mais avançado, a manutenção da com-patibilidade das diversas gerações de produtos pode ser fundamental. (g) Custo de utilização do produto. Muitos produtos apresentam uma utilização custosa, quando há complementaridade com outros bens ou serviços. Neste caso pode haver uma diferenciação através da queda do custo de utilização. (h) Imagem e Marca. A imagem de um produto deve necessariamen-te estar ligada a uma marca que o identifique claramente. Pode ser impor-tante por diferentes razões. Em bens em cuja utilização a confiabilidade e (ou) durabilidade sejam fundamentais, a imagem reassegura o cliente quanto ao produto. A imagem pode ser importante também por outros 
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motivos, em particular por conferir status. Este caso costuma ocorrer em bens de consumo, especialmente os sujeitos à exibição, como vestuário, móveis, equipamentos domésticos e automóveis. (i) Formas de Comercialização. N o caso de bens de baixo valor unitário e elevadas economias de escala na produção, é importante uma distribuição ampla, com muitos pontos de venda. Quando se trata de bens de maior valor unitário, a qualidade dos pontos de venda e o contato com os usuáriosque eles asseguram ganham maior importância. Neste caso, é fundamental a troca de informações entre o produtor e os seus pontos de venda, que podem ou não estar integrados verticalmente. (j) Assistência técnica e suporte ao usuário. A garantia de assistên-cia técnica pós-venda é particularmente importante nos casos em que se produz um bem montado com partes que podem ser substituídas. Não é o caso, evidentemente, dos insumos de uso geral. Para o usuário, como regra, o que importa é a existência de uma rede de assistência técnica de fácil acesso, mas não é preciso que esta pertença à empresa montadora. O suporte ao consumidor propriamente dito tem relevância quando a utili-zação do produto é complexa e é preciso ensiná-la ao cliente, dando-lhe orientação quanto à escolha do modelo que melhor atende suas necessi-dades e quanto à correta instalação do bem. Isto será relevante em alguns poucos setores de bens de capital e de serviços produtivos. 
(1) Financiamento aos usuários. Em setores produtores de bens de elevado valor unitário as facilidades de financiamento ou de leasing con-cedidas aos usuários podem ser decisivas. Bens de capital de grande porte e alguns bens duráveis de consumo são exemplos disso. (m) Relação com usuários. Uma estreita ligação com os usuários torna-se importante elemento para garantir a competitividade da firma em determinados setores de bens de capital, particularmente nos que Pavitt (1984) chamou de fornecedores especializados, cujo destino está ligado ao de seus clientes.2 6 As considerações anteriores nos mostram que há alguma base objetiva e estrutural para a maior ou menor relevância de cada dimensão em que se pode buscar vantagens competitiva, mas que não é o seu único deter-minante. Há apenas algumas indicações vagas de como características da 
27 Ver Pavitt (1984, p. 359) . 
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demanda, do processo produtivo, ou da estrutura organizacional podem influir. O ambiente é afetado por muitos outros elementos circunstan-ciais referentes a aspectos muito variados da vida dos agentes económi-cos. Vejamos alguns exemplos: 
(i) Fatores de ordem económica: tamanho do mercado, disponibilidade e qualidade dos fornecedores dos diversos insumos (incluindo mão-de-obra), os principais competidores e as vantagens detidas por cada um, as fontes e formas de financiamento disponíveis, as taxas de câmbio e de juros, a situação das contas públicas e a do balanço de pagamentos, o nível de utilização da capacidade instalada. 
(ii) Fatores de natureza político-jurídico-institucional: o arcabouço de leis e normas que regulam a atividade económica, bem como as institui-ções que as executam. Aí se incluem impostos, tarifas, subsídios, legis-lação ambiental, trabalhista, previdenciária, comercial, bancária, de di -reitos dos consumidores, de propriedade industrial, de regulação da concorrência, normas técnicas, políticas de fomento a setores ou regiões específicos, políticas de suporte à inovação, instituições de apoio à pes-quisa, entre outros. 
(iii) Fatores de ordem sociocultural: distribuição da renda e da riqueza, níveis educacionais, relações de trabalho, formas de relações e interação predominantes entre fornecedores e usuários, língua, a história pregressa do povo, sua religião, seus valores, suas festas e prazeres, seus hábitos alimentares, suas regras de etiqueta, suas manifestações artísticas, suas relações interpessoais e até as convenções, que dizem respeito a como atuar no mercado. Os procedimentos de aprendizado são elementos de difícil classificação, mas que também influenciam o processo de inova-ção, e consequentemente o de concorrência. 
(iv) O meio-ambiente natural. Cl ima, solo, flora e fauna, relevo e hidro-grafia, riquezas naturais, densidade demográfica e pirâmide etária têm influência económica direta, na chamada "dotação de fatores", e tam-bém indireta, ao afetar a demanda. Ora, esses elementos também mu-dam no tempo e no espaço, muitas vezes afetados pelo próprio processo de concorrência. Por isso as firmas que estão bem-posicionadas num mercado local podem ter dificuldades ao tentar vender seu produto em outro país ou região. Podemos ainda acrescentar algumas considerações relativas ao pro-
Concorrência e Inovação \
blem.i d.i delimitação espacial dos mercados. Porque alguns mercados sa« > globais e outros são locais? Podemos arrolar quatro tipos de determi-nantes: os custos de transporte, a durabilidade do produto, as economias de escala em relação ao tamanho do mercado e o grau em que elementos locais particulares afetam a demanda e a produção. Quanto menores forem os custos de transporte e a importância das características locais, e maiores a durabilidade e as escalas de produção, tanto maior será a ten-dência à globalização. Também neste caso vemos que essa não é uma questão dada de uma vez por todas. Esses fatores mudam no tempo e no espaço. Por exemplo, empresas oriundas de países (mercados) menores tendem a buscar o mercado global mais rapidamente do que as prove-nientes dos maiores; editoras de países cuja língua é falada em muitos outros tendem a se internacionalizar mais. O aumento das economias de escala e a queda dos custos de transporte podem favorecer a globalização. Até aqui vimos os elementos mais estruturais dos mercados, com poten-cial de afetar o processo seletivo. E importante também examinar como o processo seletivo reordena os próprios mercados, algo que veremos a seguir. 4. Inovação e Mercados 
As firmas são os agentes decisórios principais no pro-cesso de concorrência. São elas que decidem o que e como produzir, e que buscam conscientemente a criação de vantagens competitivas. São, por-tanto, elementos ativos, que procuram modificar suas próprias condi-ções de competir. 2 7 Ao fazê-lo — isto é, ao introduzir inovações — elas modificam também o poder relativo dos diversos participantes do mer-cado, alterando o seu próprio ambiente de seleção. Josef Steindl (1945 e 1952) procurou examinar o papel das econo-mias de escala e dos diferenciais de margens de lucro gerados por inova-ções na criação de assimetrias nos mercados. E mostrou que, se há econo-mias de escala, as firmas maiores têm diferenciais de custo e de lucro que lhes permitem acumular capital mais rapidamente. Portanto crescem mais depressa e podem ampliar ainda mais a sua escala. Por isso, as dife-renças entre as firmas concorrentes tendem a se ampliar, e não há por 
2 7 Veja-se a este respeito o Capítulo 13 deste livro. 
32 I Silvia Possas 
que se esperar que haja uma superação delas. As maiores podem escolher a melhor escala, as menores não. Existe entre elas uma assimetria de poder e de margens de lucros. Além disso, supondo que as firmas tendam a reaplicar seus lucros, e que tenham preferência de fazê-lo no próprio mercado do qual já partici-pam, pode ocorrer que o mercado se tome pequeno demais para as firmas existentes, pois elas não controlam o crescimento da demanda. Neste caso, pode ocorrer uma expulsão de firmas menos lucrativas e sem capa-cidade de resistir, caso elas existam. E portanto o processo de concorrên-cia que leva à concentração dos mercados. Isto, porém, não significa necessariamente que todos os mercados tenderão a tornar-se concentrados. Steindl mostrou que essa tendência tem relações com os diferenciais de lucro entre as empresas e com a existência de uma vantagem que pode tornar-se cumulativa, como é o caso das economias de escala. Mas, ele não aprofundou o significado dessas assimetrias e de sua manutenção ou ampliação ao longo do pro-cesso competitivo. Na tradição neo-schumpeteriana encontramos outras considerações interessantes acerca deste tema. 2 8 Em especial os conceitos, sugeridos por Dosi, de apropriabilidade, cumulatividade e oportunidades tecnológi-cas.2 9 Estes surgiram para examinar até que ponto uma tecnologia favore-ce a geração de assimetrias no mercado, mas podemos estendê-los a ou-tras fontes possíveis de vantagens competitivas e de inovações que não a tecnologia. A seguir, fazemos uma apresentaçãoinformal do significado desses elementos para a conformação dos mercados. A apropriabilidade de uma inovação diz respeito ao fato de que, em geral, a introdução de avanços deve traduzir-se na apropriação de ganhos extraordinários, cuja ocorrência é absolutamente fundamental para que ocorra a inovação.' 0 E importante que se gere um monopólio temporário, que permita o surgimento desse fluxo de ganhos. Em alguns casos, isso dependerá da utilização de instrumentos de propriedade industrial e in-telectual — como patentes, marcas e direitos autorais — e por isso ela é afetada pelas normas vigentes na economia acerca desses direitos. A apro-
2" Ver a este respeito o Capítulo 13. 
" V e r Dosi (1984) e (1988). 
Schumpeter (1942), cap. 8. 
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priabilidade refiete-se no mercado de várias formas. Primeiramente, quanto maior ela for, maior será o estímulo a inovar. Em segundo lugar, quanto maior for ela, maiores ganhos propiciará ao inovador, o que lhe dará maior potencial de crescimento, acumulação e de poder prosseguir inovando. Ganhos elevados por si só não geram assimetrias, caso não estiverem vinculados a uma situação de cumulatividade. Quando esta ocorre numa inovação, isto significa que abre espaço para inovações posteriores, e que quem a iniciou primeiro tem melhores condições de prosseguir inovan-do. Isso pode ocorrer, por exemplo, em tecnologias complexas, que de-pendam de conhecimentos técnicos que não podem ser adquiridos ins-tantaneamente, estando sujeitos a processos de aprendizado pelo uso, pela experiência, pela prática concreta.3 1 Frequentemente, a cumulativi-dade e a apropriabilidade se complementam. U m a inovação que apre-sente as duas faz com que o inovador consiga apropriar-se de ganhos, e isso lhe dá os recursos para prosseguir pesquisando e inovando na esteira do sucesso anterior, aproveitando os elementos cumulativos da inovação. Quem fica para trás, perde terreno cada vez mais. O terceiro elemento é a oportunidade — isto é, a amplitude do con-junto das possibilidades que uma inovação abre de incorporar avanços a um ritmo intenso, inclusive a geração de novos produtos e processos produtivos. U m alto grau de oportunidade significa que o inovador tem diante de si maiores chances de prosseguir inovando, o que ampl ia a sua diferença em relação aos que se atrasarem no processo inovativo. Se servem para gerar assimetrias, esses elementos também podem servir para modificar um mercado e quebrar assimetrias previamente existentes. Os seus introdutores apropriam-se dos ganhos gerados pela nova tecnologia e pelos novos negócios, e têm melhores condições de prosseguir inovando. As vantagens que geraram as assimetrias anteriores podem tomar-se obsoletas. Podemos então concluir que os mercados cujas vantagens competi-tivas estejam associadas a formas de inovar (tecnologias, formas organi-zacionais e outras) que apresentem apropriabilidade, cumulatividade e oportunidade apresentarão tendências à formação de assimetrias e, con-sequentemente, à concentração. Se esses elementos não estiverem pre-
C o m o mencionado no C a p í t u l o 8. 
34 | Silvia Possas 
sentes, as vantagens porventura existentes não serão capazes de gerar uma assimetria, e firmas de porte diferente poderão continuar conviven-do sem que haja uma significativa hierarquia de poder entre elas. Outra forma pela qual as inovações afetam os mercados é ao modificar a importância relativa das várias dimensões de vantagens competitivas nele vigentes. Por exemplo, uma reformulação do processo produtivo altera o que se espera dos fornecedores e da mão-de-obra, e isso já signifi-ca uma modificação do ambiente. A produção e a venda de um bem envolvem uma série de atividades e de agentes, não só no processo propriamente produtivo, mas também em diversos outros campos, como no financiamento, na garantia de supri-mento dos insumos, nos canais de distribuição, e no marketing. Em todas essas atividades há conhecimentos envolvidos, bem como relações esta-belecidas entre os agentes. Uma inovação significa alterar ao menos uma dessas atividades, o que geralmente repercutirá nas demais, podendo en-volver outros agentes, como financiadores, clientes, fornecedores. Uma parte do conhecimento, antes relevante, deixa de sê-lo e as relações entre os agentes também podem passar por alterações. Dependendo da abran-gência da inovação, essas questões tornam-se mais ou menos relevantes. Embora cada inovação seja diferente da outra, há algumas regularida-des que nos permitem fazer ilações. Em particular, diversos autores nota-ram que a inovação não se dá de uma vez por todas, mas que há algo como um processo que se desdobra no tempo. O próprio conceito de oportuni-dade tecnológica está relacionado a esse fato. Nesse processo há cami-nhos que parecem mais "naturais" para prosseguir inovando. Gargalos no processo ou melhoramentos no produto que se colocam como pro-blemas a serem enfrentados e cuja resolução parece ser viável técnica e economicamente. Muitos nomes foram propostos para esse fenómeno, e aqui será adotada a proposta de Dosi, que tem sido a mais amplamente utilizada. Este autor inspirou-se na noção de paradigma científico, de Thomas Kuhn, e argumentou que, assim como o avanço científico, tam-bém o progresso técnico se dá principalmente com base na busca de respostas às questões colocadas pela prática corrente, no interior de um sistema particular de abordagem dos problemas técnicos. Este sistema mais amplo que delimita as linhas de investigação, que provavelmente serão seguidas, é o paradigma tecnológico. Ele inclui tanto os produtos ou 
Concorrência e Inovação \
artefatos particulares a serem desenvolvidos, como um conjunto de re-gras heurísticas utilizadas neste desenvolvimento. 3 2 Na medida em que uma inovação se situa num mesmo paradigma tecnológico, isso significa que o produto mantém as suas principais ca-racterísticas físicas, e que seu processo de produção se apoia nos mesmos princípios científicos e numa mesma base técnica. As alterações ocorrem mas, a maior parte dos atores, das atividades, dos materiais e dos conheci-mentos envolvidos permanecem os mesmos. Uma mudança de paradig-ma, entretanto, pode significar uma modificação realmente drástica em todos esses elementos. Pensemos, por exemplo, no que significou a mi-gração das máquinas de escrever para os computadores. Tudo mudou — os fornecedores, a tecnologia relevante, etc. Ora, as vantagens competitivas que uma firma vai adquirindo são refle-xo de sua capacidade de produzir, a u m custo mais baixo, produtos de melhor qualidade. Essa capacidade está fundada nos seus conhecimentos sobre o processo produtivo, na tecnologia usada e na demanda e na teia de relacionamentos que elaborou, não só com fornecedores, clientes e finan-ciadores, mas também no interior da própria firma (entre os diversos de-partamentos). Uma mudança de paradigma faz boa parte desses conheci-mentos perderem relevância e modifica também os parceiros relevantes. Vimos anteriormente que as assimetrias do mercado são criadas e ampliadas pela apropriabilidade, pela cumulatividade e pela oportunida-de associadas à tecnologia ou a outras formas de inovação. Vantagens iniciais tendem atransformar-seem fossos insuperáveis. Contudo, quan-do um paradigma tecnológico é substituído por outro, estes fossos podem ser eliminados. Isto porque é nesse momento que as vantagens acumula-das no paradigma precedente perdem a sua eficácia. Os conhecimentos adquiridos e as relações cultivadas deixam de ser úteis. As rotinas outrora eficientes tornam-se um estorvo, pois já não funcionam bem e devem ser descartadas, algo que nem sempre é fácil. Os mercados, especialmente se o novo paradigma significa também novo(s) produto(s), são destruídos e recriados, com outros atores e outras características. Podem ser mais ou menos concentrados do que os merca-dos anteriores, dependendo das características da nova tecnologia. Se 
5 2 Ver Kuhn (1962) e Dosi (1984) e (1988). O Capítulo 12 trata maisprofundamente dessa questão. 
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implicar maior cumulatividade, apropriabilidade e oportunidade, a con-centração tenderá provavelmente a tornar-se ainda maior, uma vez con-solidado o mercado, e vice-versa. Essas reviravoltas muitas vezes signifi-carão o surgimento de novas firmas e o declínio, ou mesmo, a falência de firmas líderes gigantes. A história da tecnologia está repleta desses exem-plos, lembrando apenas alguns exemplos mais recentes, vemos os casos da IBM e da Xerox, cujos poderes foram seriamente abalados pelas modi-ficações fundamentais ocorridas nos mercados de seus produtos. Essas alterações assim drásticas dos mercados costumam associar-se à passagem de um paradigma a outro, mas essa ligação não é logicamente necessária. Podem ocorrer, mesmo sem a mudança no paradigma e po-dem não acontecer, mesmo que esta mudança aconteça. As questões real-mente determinantes são em que medida as firmas estabelecidas vão ser capazes de abrir mão de suas vantagens competitivas prévias e passar a empenhar-se em buscar as vantagens competitivas pertinentes no novo modelo e, até que ponto as novas habilidades serão realmente determi-nantes na nova situação de competição. Abandonar a trajetória anterior e perseguir uma nova nem sempre é fácil, e seus cálculos de retorno dos investimentos no novo paradigma são diferentes dos das firmas novas, que nada têm a perder com a ruptura do paradigma anterior.3 3 Por outro lado, mesmo uma mudança de paradigma pode ser insufi-ciente para eliminar as vantagens das firmas já estabelecidas, como tem acontecido até aqui com a introdução da biotecnologia na indústria far-macêutica. A tecnologia mudou, mas as vantagens que as firmas deti-nham em outros aspectos, como os testes de produto, não permitiram que fossem substituídas por novas empresas, embora tivesse favorecido o surgimento de parcerias entre firmas novas, com capacitação na nova tecnologia, e as mais antigas. 
Principais Conclusões 
A ideia central deste capítulo é a de que a concorrência não representa apenas mais uma forma de mercado, e nem depende da existência de um grande número de vendedores sem poder de afetar o 
" Ver Rosenbloom & Christensen (1998). 
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mercado. Ao contrário, trata-se de um processo de disputa fundamental numa sociedade de mercado em que o produtor não sabe de antemão qual a quantidade de seus bens o mercado está disposto a absorver ao preço estipulado. Este processo é incessante e acontece mesmo que provi-soriamente não haja mais do que um único vendedor presente, pois sem-pre haverá a possibilidade (ou será melhor dizendo a ameaça) do apareci-mento de novos produtores e de produtos mais ou menos similares. Nesse processo, o monopólio , mesmo que efémero e pontual — de conhecimentos, reputação, capacidades, enfim, de elementos que confe-rem vantagens sobre outros produtores — é fundamental, pois ele é a principal fonte de ganho para os produtores. Estes, por isso, estão cons-tantemente se empenhando para criar tais monopólios, através do pro-cesso de inovação, tal como foi definido por Schumpeter.3 4 Este processo não tem fim e dele não surgem vencedores definiti-vos. A sua pressão nunca deixa de se exercer. Nisso ele se parece com a seleção natural, mas é preciso tomar cuidado com as analogias entre os dois processos, pois também há muitas diferenças entre eles. O mercado é o ambiente em que a concorrência atua, e suas carac-terísticas são fundamentais para a definição de que empresas sobrevivem e quais sucumbem. Por conseguinte, ele também influencia os produto-res na sua busca pelas vantagens competitivas que maior diferencial de lucros lhes possam proporcionar. As características relevantes do merca-do são muitas: as relações de poder relativo das firmas que o compõem; as tecnologias utilizadas; o tamanho; o tipo de produto e de uso que dele se faz. Há também algumas envolvendo o meio ambiente não económico: características jurídicas; políticas; culturais; sociais; e naturais. Alguns desses elementos podem ser considerados estruturais e tendem a alterar-se muito lentamente. Mas, o mercado é também conformado pelo próprio processo com-petitivo, que cria e destrói assimetrias entre seus participantes, e tam-bém gera novos produtos e processos, tornando obsoletos conheci-mentos, redes de fornecedores e clientes, e até mesmo setores inteiros. Vemos assim que as firmas elaboram suas estratégias com base nas ca-racterísticas do mercado, mas procuram modificá-lo para obter maiores 
" Veja-se a este respeito o Capítulo 5 adiante. 
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ganhos e às vezes o conseguem. Há portanto influências da estraté-gia das firmas sobre a conformação do mercado, e desta sobre a estra-tégia das firmas. 
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40 I Silvia Possas 
2 A Inovação na Teoria de Marx 
FRANCISCO PAULO CIPOLLA Departamento de Economia Universidade Federal do Paraná 
U M A DAS CARACTERÍSTICAS ESPECÍFiCAsdo modo de produção capitalista, enfatizada por Marx, é exatamente o célere de-senvolvimento das forças produtivas. Esse desenvolvimento das forças produtivas, que traz como resultado a mais importante lei da economia polí-
tica, vale dizer a tendência à diminuição da taxa de lucro, teria origem na própria natureza do capital enquanto processo de expansão do valor a partir da exploração da força de trabalho. Este capítulo tem por objetivo mostrar que a tendência à inovação está implícita no conceito de capital. Ademais procura mosUar que a concor-rência executa aquela tendência através da busca incessante por mais-valia extraordinária, pela economia de capital constante e pelo aumento da velocidade de rotação do capital circulante. Para tal procura-se, a partir da análise do circuito do capital, conforme l( >i desenvolvida por Marx, apontar as barreiras à expansão do valor que emergem do próprio circuito. Uma vez estabelecidas as tendências à 
11K ivação implícitas no capital em geral, apresentamos o modo como essas u ndências se manifestam ao nível mais concreto do capital em concor-
inn ia. V, Seções 1 e 2 têm o objetivo de conduzir à fórmula da taxa de lucro a 
I M I tir da qual pode-se visualizar as tendências do capital imanentes à 
11H »vação, quais sejam, os meios de aumentar a mais-valia extraordinária, 
1 Marx, 1973, p. 651. 
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