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DEFESA DA DIVERSIDADE CULTURAL COMO MEIO DE REDUZIR A INVISIBILIDADE NEGRA NO VALE DOS SINOS
Lohran Costa Fagundes[1: Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Universidade Feevale (Novo Hamburgo/RS), mestrando em Diversidade Cultura e Inclusão Social pela Universidade Feevale (Novo Hamburgo/RS), sob orientação da profa Dra. Margarete Fagundes Nunes. E-mail:lohran@gmail.com.]
RESUMO
Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de estudas como os conflitos sociais são capazes de causar a invisibilidade de um indivíduo ou sociedade e como o estudo da diversidade cultural e direitos humanos são capazes de retirar estas sociedades desta invisibilidade. Para tal estudo tem-se como base narrativas biográficas de trabalhadores negros da cidade de Novo Hamburgo, obtidos através de entrevistas realizadas entre os anos de 2010 a 2012. O estudo pretende analisar o conjunto de texto e imagem dessas narrativas, a fim de compreender a constituição da memória individual e coletiva desses sujeitos e como estas memórias contribuem no delinear de sua trajetória e na organização de projetos individuais e sociais.
Palavras-chave: cidade, memória, trajetória, trabalho, afrodescendente
INTRODUÇÃO
Muita mudou desde o início da antropologia, onde os primeiros estudiosos da sociedade Europeia, estudavam as outras as comunidades à distância, até a antropologia praticada por alguns antropólogos hoje, onde muitos se inserem da comunidade para ter uma percepção melhor de suas rotinas, hábitos e costumes. Contudo a essência do estudo da antropologia permanece, o estudo do ser humano no que tange sua cultura, seus costumes sociais, suas crenças, etc.
Ao entrar neste campo de estudo das mudanças de culturas, costumes, tradições, é inevitável perceber que em um planeta com mais de 7 milhões de pessoas, existam milhares de diferentes culturas. Segundo (SODRÉ, 2006), não basta apenas que se perceba esta diversidade, pois em geral, o olhar com diferença para outra pessoa normalmente tende a carregar consigo um juízo de valor nem sempre neutro.
Você vê alguém com um turbante na cabeça e pensa que já sabe tudo sobre ele, que é, por exemplo, árabe, logo, islamita, logo investido de determinada disposição frente ao mundo. O racismo apresenta-se geralmente como esse “saber automático” sobre o Outro. Os preconceitos funcionam assim na prática: valem para qualquer outra forma diversa (SODRÉ, 2006).
Esta imagem que atribuímos a algumas pessoas ou sociedades são muitas vezes baseadas em um julgo de que a identidade destas sociedades é algo finalizado, imutável, quando na verdade toda e qualquer identidade viva está em constante mudança (SODRÉ, 2006).
Mas o que faz com que uma sociedade estabelecida, com sua estrutura organizacional constituída se modifique? O que faz com que essa identidade entre em mutação? Segundo o sociólogo Georg Simmel (1983), as mudanças entre os indivíduos e a sociedade em que eles vivem, acontecem em virtude de conflitos.
O Conflito para Simmel (1983), não define-se apenas como evento maléfico para o desenvolvimento social e causador de atrito em os indivíduos. O conflito é uma relação estabelecida entre fatores divergentes com a finalidade de estabelecer uma unidade, mesmo que por vezes este conflito cause a extinção de um dos fatores relacionados. Atribui-se muito da modernização da sociedade a processos de conflitos, fossem eles sociais ou econômicos. 
Introduzido estes breves conceitos, é possível entrar na questão que este artigo destina-se, a utilização da diversidade cultural como meio de inclusão social de sociedades invisibilidades por algum processo de conflito.
Como visto anteriormente nos conceitos de Simmel (1983), os conflitos foram importantes motores para a modernização da sociedade e, na sociedade do Rio Grande do Sul não foi diferente. Marcada por ser uma região culturalmente dividida, por possuir diversos grupos étnicos e por ter diversas formas de atividades econômicas como agricultura, agropecuária e charqueada sua história foi marcada por conflitos de diferentes causas.
Na região aqui estudada, o Vale dos Sinos, estes conflitos aconteceram entre imigrantes alemães, portugueses, açorianos, africanos e indígenas. Estes conflitos causaram não na extinção dos povos e culturas, mas em uma invisibilização historiográfica em detrimento dos imigrantes alemães.
OS NEGROS E INVISIBILIDADE NO RIO GRANDE DO SUL
“Se a construção dessa identidade tende a exaltar a figura do gaúcho em detrimento dos descendentes de colonos alemães e italianos, ela o faz de modo mais excludente ainda em relação ao negro e índio”. Com esta frase Rubem George Oliven inicia seu capítulo “A Invisiblidade Social e Simbólica do Negro no Rio Grande Do Sul” no Livro: Negros no Sul do Brasil.
Esta frase faz referência a figura heroica construída, para o povo do Rio Grande do Sul, sobre o Gaúcho, figura do ser humano “forte, aguerrido e bravo”, em detrimento dos povos que fizeram sua história aqui. Com atenção especial aos imigrantes alemães e italianos. Contudo a o autor destaca que se tal culto a imagem do gaúcho se destaca perante estas duas citadas anteriormente, o que dizer sobre tal pressão cultural exercida sobre as comunidades negras e indígenas?
Na segunda metade do XIX, 27,3% da população do Rio Grande do Sul era escrava, com participações importantes na Revolução Farroupilha. Entretanto se em 1862 negros chegavam a quase 30% dos habitantes do Rio Grande do Sul, no censo de 1980 percebe-se um desaparecimento desta população ao contabilizar apenas 4,21% que se declaravam negros (OLIVEN, 1996).
Em comparação a outros estados, como a Bahia, onde o negro é valorizado como um formador de identidade, no RS sua importância é relegada a segundo plano, mesmo que sido responsável pela maior parte da mãe de obra em estâncias e charqueadas (OLIVEN, 1996).
OS NEGROS E INVISIBILIDADE EM NOVO HAMBURGO
Novo Hamburgo é uma cidade localizada a 42km da capital, Porto Alegre, com cerca de 250 mil habitantes, suas histórias de reconhecimento nacional e progresso datam antes mesmo de sua emancipação em 5 de abril de 1927.
Segundo NUNES (2009), a memória social do trabalho na cidade de Novo Hamburgo funda-se sobre o mito da imigração alemã, que narra a chegada dos imigrantes em 1824, porém na região já vivam portugueses, açorianos, africanos e indígenas.
A relação entre estes grupos não transcorria de maneira totalmente harmônica e a chegada dos alemães, trazia esperanças de ordem e organização para a região. Tomando como base o “O Estrangeiro” de Simmel, onde ele caracteriza o estrangeiro como o estranho, o que vem de fora, o que não está inteiramente nos padrões já estabelecidos, o que está distante. 
Realizando um paralelo à realidade do Novo Hamburgo, o Alemão seria o Estrangeiro de Simmel, que traria da Europa o processo de civilização que portugueses e espanhóis perderam aqui devido a miscigenação com negros e índios, atribuindo-se a isto o mito da imigração alemã e que este traria instantaneamente o progresso (NUNES, 2009).
Este mito do progresso é colocado a prova ao escutar relatos de pessoas que fizeram parte a ascensão econômica do município, e perceber que outras comunidades além das alemãs, auxiliaram no desenvolvimento do município.
ANTROPOLOGIA URBANA 
Com base em Velho (2003, p. 25-44), projeto define-se como “uma margem de manobra existente na sociedade para opções e alternativas”, e através de escolhas como profissão, religião, relações políticas ou relações sociais, cada indivíduo passa a traçar suas trajetórias individuais e sociais.
Segundo Velho (2003), para criar este projeto, o sujeito toma como base suas memórias, não apenas se baseando no presente, mas também em acontecimentos passados. Quando se trabalha com memórias, é inevitável que determinados pontos da narrativa recebam destaques diferentes de outros. Não se pode estabelecer um ponto de partida e de chegada que seja traçado de maneira linear, deve-se aceitar as tensões e continuidades traçadas pelos narradores.
Baseadonos conceitos de individualismo de Dumont, onde o indivíduo toma como direto o poder pensar em si mesmo em detrimento de um grupo social, Gilberto Velho (2008) em sua obra “Individualismo e Cultura” apresenta uma relação entre o Indivíduo, seu livre arbítrio e suas relações sócias.
Ao apresentar o conceito de individualismo aplicado as sociedades complexas, ele apresenta o conceito de trajetória individual, onde mesmo com liberdade de pensar em si, o indivíduo toma as suas decisões e traça a sua trajetória individual a partir de vivências socioculturais, onde para existir ele precisa expressar-se através de uma linguagem que visa o outro, ou seja, mesmo tratando-se de um projeto individual, ele tem influência e fundamentação social (VELHO, 2008).
O que define este limite onde o indivíduo passa a direcionar seus projetos individuais e sociais, sãos os campos de possibilidades. 
De qualquer forma, o projeto não é um fenômeno puramente interno, subjetivo. Formula-se e é elaborado dentro de um campo de possibilidades, circunscrito histórica e culturalmente, tanto em termos da própria noção de indivíduo como dos temas, propriedades e paradigmas culturais existentes. Em qualquer cultura há um repertório limitado de preocupações e problemas centrais ou dominantes (VELHO, 2008).
Tem-se aqui como exemplo de limitadores ou campos de possibilidades, a comunidade de trabalhadores negros de Novo Hamburgo, moradores do bairro África (atualmente bairro Guarani).
Por fim para organizar as questões de início, meio e fim, tal como pontos de maior ou menor importância dos projetos individuais de cada narrador, tomarei como princípio os jogos da memória de ECKERT e ROCHA (2005), onde entendemos as narrativas como constituintes da memória coletiva do trabalho negro do município, em que cada personagem possui uma parte da memória coletiva, não participando apenas como narrador de acontecimentos históricos, mas também como participante dos processos por ele vivido.
ANÁLISE NARRATIVA
Ao estudar as narrativas biográficas dos trabalhadores negros de Novo Hamburgo, coloco-os na situação de narradores de suas trajetórias, mas ao mesmo tempo assumo também uma posição de narrador para reunir suas memórias e organizá-las de uma forma que um narrador converse com outro, sem que em nenhum momento das entrevistas eles tenham sido colocados frente a frente.
Dou início apresentando Sr. Sebastião Antônio Flores, natural de São Sebastião do Caí, veio para Novo Hamburgo “trabalhar na Amapá” após sair da aeronáutica em busca de melhores condições de trabalho:[2: A Amapá do Sul foi fundada em 30 de maio de 1949, pelo técnico João Correa da Silveira, na cidade de Novo Hamburgo. A empresa iniciou suas atividades com apenas um cilindro, em uma garagem alugada, onde eram obtidas misturas de borracha para a indústria calçadista]
[...]ali  uns tempos também uns  anos então ai eu vim dali eu vim pra NH trabalhar na Amapá do sul então fiquei uns tempos quase dez anos na Amapá dali então na Amapá eu fui me tiraram dali pra, a tinha uma lei na Amapá quem fizesse dez anos tinha que sai nem que faze um estágio tinha que ficar seis meses fora ai podia voltar de novo ai eu sai não voltei mais[..] (entrevista com Sebastião realizada no ano de 2010).
Sebastião retoma as memórias da cidade com diversas oportunidades de emprego onde se saia para o intervalo meio dia, e no turno seguinte se poderia estar trabalhando em outra empresa.
[...]uns quantos me pediram pra trabalhar no calçado era uma coisa descomunal na época era serviço mesmo. Tinha muito serviço podia sair de uma firma de manhã se fosse despachado a uma hora podia pegar em uma outra fábrica naquele espaço de meio dia. Então naquela época, imagine, você estava caminhando na rua e arrumava serviço caminhando, passava o carro os autofalantes chamando essa ou aquela profissão[..] (entrevista com Sebastião realizada no ano de 2010).
Traçando sua trajetória individual e social paralelamente, temos Valdemar da Silva, que retrata o crescimento econômico da cidade, propiciado pela industrialização da região:
“Bom, o bairro Primavera era cheio de fábricas. Tinha... nossa!... Na redondeza, tanto no bairro, no Primavera, no Ideal, tinha fábrica por todo o canto de Novo Hamburgo. Eu só não consigo entender como é que essas fábricas... Não tinha exportação na época, essas fabricas estavam sempre lotadas de serviços, então quer dizer o mercado interno com uma população bem menor do que é hoje, absorvia toda essa produção desse pessoal”. (entrevista com Valdemar realizada no ano de 2010).
Obedecendo aos princípios antes citados pelos jogos da memória (ECKERT e ROCHA 2005), vemos aqui o entrelaçamento das histórias de Valdemar e Sebastião, onde cada personagem carrega uma parcela da memória coletiva para junto estabelecerem uma relação onde cada trajetória individual se une para formar uma trajetória comum, uma trajetória de uma sociedade.
É possível perceber relatos de sucesso individual de Valdemar e Sebastião, quando a questão são suas trajetórias individuas no ramo do calçado, mas quando questionado sobre a questão racial, Sr. Sebastião apresenta relatos bem marcantes, como anteriormente por Sodré (2006), onde preconceitos e juízo de valor são estabelecidos apenas pelo olhar de algo diferente:
[..]dentro das fábricas era a mesma coisa, nas fábricas anos e anos atrás, não tanto da minha época, para cá foi melhorando um pouco, eu me refiro que ainda antes de mim, bah! O que eles contavam, negro era aquilo, era sofrido não tinha vez[...] (entrevista com Sebastião realizada no ano de 2010).
Sr. Sebastião neste trecho, não traz apenas um relato de discriminação vivida, ele carrega também a memória de serem comparados a bichos:
[..]bom, disso ai eu vi muita coisa que parece incrível, o que que é falar em racismo, essas coisas, ao vivo, eu vi coisa assim, nós caminhando na estrada a fora, assim , hoje chama de faixa, ou para fora a gente fala na estrada, caminhando na estrada, olha lá vem vindo 3 ou 4 pessoas, crianças que vem vindo do colégio , por exemplo, podia ser eu sozinho, encontra 2 ou 3 negões, como se diz hoje na gíria, eles vinham vindo muito bem lá, quando avistavam a gente, saiam correndo e se atiravam na cerca de espinho, tinha cerca dos dois lados da estrada, se atiravam ali de deixar pedaço da roupa, gritando de medo, como se nós fossemos bichos, “olha o negro, é um negro olha lá, ai meu Deus, saiam correndo, isso era comum e notório, ai na região, nas áreas do interior, eles tinham medo[...] (entrevista com Sebastião realizada no ano de 2010).
Porém diferente destas situações, ambos alcançaram reconhecimento e respeito em suas áreas de atuação, independente das diferenças impostas pela cor da pele, Valdemar e Sebastião superaram o padrão de invisibilidade presente na época no município:
[...]com 27 anos eu casei, trabalhando na Amapá, e quem me casou foi o seu João Correa [...]porque ele me deu tudo, fez o maior casamento da história dentro da Rondônia. Foi um casamentão, o que eu pensava de amigo e de conhecido eu convidei tudo, durou sábado o dia inteiro  e a noite inteira até domingo de manhã (risos), e os músicos, eu tocava, tinha conjunto e conheço os músicos tudo por ai, e trouxe dois baita conjuntos musicais para abrilhantar a festa, então e que me pleiteou tudo as despesas, e o escritório lá tinha o seu  Belmonti, morava do lado do Maracanã em Hamburgo Velho: “o Belmonti faz um esboço ai, faz uma relação do que o Sebastião precisa”. Ai o que aconteceu. Eu sempre dizia o empregado faz o patrão e o empregado faz o patrão, mas tem que ter cordialidade de ambas as partes, uma aliança, não adianta se o empregado não se procede, como é que o patrão vai ajudar[...](entrevista com Sebastião realizada no ano de 2010).
Percebe-se no trecho acima que o exímio trabalho de Sebastião lhe proporcionou respeito e até relativa intimidade com seus patrões.
“Eu fui na Itália, França, Alemanha fazer pesquisa. E eu sei que em uma ocasião a pessoa que era o agente, queera o responsável pelo escritório aqui, chegou na minha sala e disse assim: -Aqui está a passagem- e eu nunca tinha entrado num avião- aqui está a passagem e, tu está intimado para ir em uma feira em Nova York- e com tudo pronto já, só tinha que ir fazer o passaporte. E isso foi... na época eu tinha uns 28 anos. Primeira viagem que eu fiz para os EUA, eu não gravo muito bem essas datas assim, porque... aconteceu, mas eu não tenho muita lembrança de data exata. Então foi que eu fiz a primeira viagem para os EUA, conheci o mecanismo de venda, como funcionava... na realidade o que eles queriam fazer é que eu entendesse mais todo o processo, como é que acontecia isso lá, como é que acontecia tudo o que eu fazia aqui lá nos EUA.” (entrevista com Valdemar realizada no ano de 2010).
Valdemar aqui relata parte da ascensão da sua carreira no setor coureiro-calçadista, obtida através de seus estudos e das suas experiências profissionais.
Indiretamente ligados em suas narrativas através de suas trajetórias sociais que se uniram como negros, trabalhando com calçado, vemos uma posição bastante lúcida de Valdemar ao citar a importância dos trabalhadores negros na construção da economia:
[...]principalmente num país como o nosso que não é determinado por uma raça, o nosso país não é determinado por uma raça, ele é determinado por multi raças, nosso país é multirracial, então uma depende da outra, para que se consolide um país com movimento. Eu acho que o negro fez um trabalho de base fundamental para o crescimento do Brasil, eu acho que se não houvesse esse trabalho de base de estrutura física, de estruturação física, acho que o Brasil ainda... sei lá como ele seria hoje na sua construção, talvez ainda não estivesse pronto para enfrentar as situações em que está enfrentando[...](entrevista com Valdemar realizada no ano de 2010).
Considerações finais
A negação a diversidade cultural da população negra se faz presente na sociedade brasileira desde o período colonial, quando a escravidão não era considerada crime. Porém quase 100 anos após a abolição da escravatura, esta população ainda presenciava situações que as impediam de gozar de uma vida digna como os brancos a sua volta.
O campo de possibilidades aqui disponibilizado para comunidade de trabalhadores negros de Novo Hamburgo, moradores do bairro África, direcionou nossos narradores a trilharem trajetórias análogas.
Nas narrativas biográficas analisadas, deparamo-nos com as histórias de Valdemar e Sebastião, trabalhadores, negros, que participaram do processo de ascensão do calçado na região, assim como do processo de exportação até a sua decadência no início dos anos 90. 
Dois trabalhadores, que ao traçarem seus projetos individuais, hora buscando reconhecimento no seu ramo de atuação, hora buscando melhores salários e condições de trabalho, acabam por unir suas trajetórias em um denominador comum: “Ser negro na indústria coureiro-calçadista”, local marcado pela invisibilidade historiográfica desta parcela da sociedade. Suas narrativas em diversas vezes permeiam os mesmos acontecimentos históricos, e relatam situações semelhantes vividas. O estudo destas duas narrativas, em paralelo, demonstra o protagonismo exercido pela população negra, do Vale dos Sinos, no setor coureiro-calçadista.
Ao final artigo, conclui-se que se faz de fundamental importância o estudo das memórias e narrativas dos trabalhadores do setor coureiro-calçadista da cidade de Novo Hamburgo, para que suas histórias enriqueçam a memória do município.
REFERÊNCIAS
ECKERT, Cornelia; DA ROCHA, Ana Luiza Carvalho. Imagem recolocada: pensar a imagem como instrumento de pesquisa e análise do pensamento coletivo. Porto Alegre: Iluminuras, v. 2, n. 3, 2001.
ECKERT, Cornelia; DA ROCHA, Ana Luiza Carvalho. Os jogos da memória. Porto Alegre: Iluminuras, v. 1, n. 2, 2000.
LEITE, Ilka Boaventura; OLIVEN, Ruben George. Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Letras Contemporâneas, 1996.
NUNES, Margarete Fagundes. O negro no mundo alemão: cidade, memória e ações afirmativas no tempo da globalização. 2009.
NUNES, Margarete Fagundes et al. “Era um hino de fábrica apitando”: a memória do trabalho negro na cidade de Novo Hamburgo (RS), Brasil. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, v. 17, n. 2), p. 269-291, 2013.
Simmel, G., A natureza sociológica do conflito, in Moraes Filho, Evaristo (org.), Simmel, São Paulo, Ática, 1983.
SODRÉ, Muniz. Diversidade e diferença. IC Revista Científica de Información y Comunicación, n. 3, Rio de Janeiro 2006.
VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Zahar, 2004.
VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Zahar, 1989.
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. 3ª ed, Zahar, 2003.